segunda-feira, 4 de março de 2019

Laborum Meta: O Cemitério de São João Batista, em Manaus

Arco de entrada do Cemitério de São João Batista. FOTO: Durango Duarte.

O Cemitério de São João Batista está localizado no bairro de Adrianópolis (antigo bairro do Mocó, Vila Municipal), na zona Centro-Sul de Manaus. Foi a quarta necrópole oficial (excetuando-se os cemitérios indígenas) aberta na cidade, antecedida pelas dos Remédios, São José e São Raimundo; e é a mais antiga em funcionamento, tendo sido Tombado, através do Decreto N° 11.198 de 14/06/1988, como Patrimônio Histórico Estadual. O terreno em que foi erguido, assim como todo o bairro, pertencia a família do Capitão de Mar e Guerra Nuno Alves Pereira de Mello Cardoso, tendo sido comprado pelo município em 1890 e 1903 (MENDONÇA, 2002).

No expediente de 3 de julho de 1890, do governo de Augusto Ximeno de Villeroy, a Intendência Municipal ficou autorizada a “[…] desapropriar o terreno escolhido e indicado e a fazer construir nele um cemiterio” (GOVERNO DO EXM. SR. DR. A. X. DE VILLEROY, EXPEDIENTE DO GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS, DE 4 DE JULHO DE 1890 In AMAZONAS, 09/07/1890). A Intendência Municipal autorizou, em 19 de setembro de 1890, que o Intendente João Carlos Antony fizesse o orçamento das despesas para construção do novo cemitério, seu arruamento, destocamento e construção de uma cerca de arame farpado. Na sessão ordinária de 03 de março de 1891, “o sr. Intendente Antony communicou á Intendencia que o terreno destinado ao novo cemiterio acha-se todo destocado e prompta a respectiva cerca” (INTENDENCIA MUNICIPAL, Sessão Ordinaria de 03/03/1891).

Com as obras já bastante avançadas, o Governador Eduardo Gonçalves Ribeiro decretou o fim dos enterros nos cemitérios de São José e São Raimundo:

Decreto N° 95, de 2 de abril de 1891

Proíbe inumação nos cemitérios de S. José e S. Raimundo Nonato, manda que os enterramentos sejam feitos no novo cemitério e dá outras providências a respeito.

O Governador do Estado do Amazonas, tomando na devida consideração o que expuseram o Provedor da Santa Casa de Misericórdia e o Dr. Inspetor de Higiene Pública sobre o inconveniente de continuarem as inumações a ser feitas nos Cemitérios de S. José e S. Raimundo Nonato, por estarem cheios, e atendendo que o novo cemitério mandado preparar pela Intendência Municipal já está apto para receber enterramentos, decreta:

Art. 1° - Ficam absolutamente proibidos enterramentos nos cemitérios de S. José e S. Raimundo Nonato, passando a serem feitos no novo cemitério mandado preparar pela Intendência Municipal.

Art. 2° - Passam a ser administrados e mantidos pela mesma Intendência os cemitérios públicos, cessando in totum os encargos que com eles tinha e os proveitos que deles auferia a Santa Casa de Misericórdia.

Art. 3° - A Intendência manterá ou alterará, como julgar acertado, as tabelas dos rendimentos dos cemitérios, bem como a do pessoal neles empregados.

Art. 4° - Enquanto não for publicado novo regulamento para todos os cemitérios do Estado, será no da capital executado o de n° 11, de 26 de maio de 1859, nas partes que não estiverem explicita ou implicitamente revogadas por deliberações posteriores e nas que não o forem pela Intendência com relação à administração e preços da tabela.

Art. 5° - Revogam-se as disposições em contrário.

Palácio do Governo do Estado do Amazonas, em Manaus, 2 de abril de 1891, 3° da República.

Eduardo Gonçalves Ribeiro” (DECRETOS, LEIS E REGULAMENTOS. Administração Fileto Pires Ferreira, 1889 a 1896. Manáos, Imprensa Oficial, 1897. Tomo II – 1891, p. 105. Acervo da ACA).

Além da proibição dos enterramentos nos antigos cemitérios, é interessante notar o caráter secular da nova necrópole, sendo encerrada a administração da Santa Casa, que cuidava dos Cemitérios da cidade. Essa foi uma das mudanças ocorridas com a separação entre Estado e Igreja, promulgada pela Constituição de 1891, ficando estabelecido no artigo 72, § 5º, que “os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, DE 24 DE FEVEREIRO DE 1891). No entanto, como salientou a historiadora Adriana Gomes,

[…] na prática, os cemitérios ficaram mantidos sob o controle de particulares ou ordens confessionais, alguns com o caráter de monopólio. A ineficácia da secularização dos cemitérios forjou a liberdade assegurada aos crentes quanto a realização de seus cultos de acordo com a confissão religiosa profetizada” (GOMES, 2014, p. 5).

Isso ocorreu no novo cemitério, com a Prefeitura, ao longo dos anos, sedendo áreas para enterramentos exclusivos de membros de irmandades religiosas, destacando-se as da Santa Casa de Misericórdia (1891), Santíssimo Sacramento (1904) e Filhas de Sant’Anna (1913).

Terminadas as obras, o Cemitério foi inaugurado em 05 de abril de 1891. No dia 17 do mesmo mês recebeu aquele que é considerado o primeiro inumado, o poeta, político e historiador Aprígio Martins de Menezes, cujo túmulo encontra-se destacado da quadra em que está localizado. Deve-se salientar que, durante as pesquisas para a confecção do livro ‘Manaus entre o Passado e o Presente’, a equipe de Durango Martins Duarte encontrou o nome de uma criança chamada Maria como sendo a primeira enterrada, no dia 6 de abril de 1891 (DUARTE, 2009, p. 147). O aumento das rendas estaduais e municipais propiciado pelas atividades ligadas à borracha garantiu a construção e remodelação de um cemitério digno de uma cidade onde eram gerenciadas as atividades comerciais de importação e exportação. Ele fazia parte de um pacote de obras criado para dotar a capital de uma estrutura condizente com sua posição de grande centro comercial assumida em fins do século XIX.

Capela de São João Batista. FOTO: Fábio Augusto, 14.02.19.

O cemitério foi sofrendo transformações significativas até ser conhecido da forma como é nos dias de hoje. A cerca de arame farpado foi substituída por uma de pau a pique em 1900 por ordem do Superintendente Arthur Cezar Moreira de Araújo, bem como foi construída uma rampa de acesso pelo Boulevard Amazonas (Avenida Álvaro Botelho Maia) e um portão com saída para a Avenida Major Gabriel. Em 1901, através do projeto de Lei N° 233, foi concedido um jazigo perpétuo a Etelvina D’ Alencar (1884-1901), imigrante nordestina assassinada na Colônia Campos Salles (AMAZONAS, 10/07/1902, p. 97). Foi na administração do Superintendente Adolpho Guilherme de Miranda Lisboa (1902-1907) que foram realizadas as mudanças mais drásticas. Através da Lei N° 338, de 27 de maio de 1904, “Autoriza a Superintendência Municipal a reconstruir o cemitério de São João, desta cidade, e abre para esse fim o necessário crédito na Lei orçamentária em vigor” (LEI N° 233, DE 27 DE MAIO DE 1904 In: MENDONÇA, 2008, p. 148). Autorizado pela Lei N° 430, de 12 de dezembro de 1905, “manda proceder nesta necrópole a construção de muro com portões e gradil de ferro nas faces que limitam com o boulevard Amazonas e avenida Major Gabriel e no local do antigo necrotério uma Capela de estilo” (MENDONÇA, 2008, p. 142). O muro e os gradis ficaram prontos em 1905; a Capela de São João Batista, em 1906. No portão foi fixada uma frase em latim que dá o tom positivista ao cemitério: Laborum Meta, que significa fim dos trabalhos. A morte, nessa corrente filosófica, era vista como um processo que igualava os homens; e o Cemitério o espaço onde seria cultuada a memória desses homens. Exemplo disso são os grandes funerais de membros da elite política, intelectual e econômica local, noticiados na imprensa em forma de necrológios ou matérias especiais. Em 1913, o enterro de Agesilau Pereira da Silva (1846-1913), advogado e Presidente da Província do Amazonas entre 1877 e 1878, foi descrito da seguinte forma pelo Jornal do Comércio:

O enterro do illustre politico doutros tempos teve o cunho soberbo de uma apotheose consagradora, toda ella moldada na manifestação de um cultual sentimento affectivo, que bem significou as ultimas perolas de sua corôa de gloria. Dahi a innumeravel quantidade de representantes de todas as classes que, em romaria, lhe visitaram os despojos durante a noite de ante-hontem e o dia de hontem, e aquella intermina legião de amigos e admiradores que o acompanharam á ultima moradia e assistiram, com os olhos em lagrimas, descer o seu corpo ao seio da Grande Mãe” (JORNAL DO COMÉRCIO, 28/01/1913).

Entre 1911 e 1922, de acordo com o Relatório da Commisão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município, organizado a mando do Prefeito Basílio Torreão Franco de Sá, foram feitos os seguintes reparos e obras: Pintura do gradil, dos portões de ferro e caiação dos muros, em 1911; a concessão, através da Lei N° 772, de 02 de outubro de 1913, de uma área para os enterramentos das irmãs de Sant’Anna; a reconstrução da capela e a construção de uma casa para a administração, em 1916; Limpeza geral, delimitação dos quarteirões com cercas de pitangueiras, levantamento das sepulturas perpétuas, identificadas com marcos de alvenaria, com as iniciais S.P., a numeração e a data de inumação em 1921; e a construção, em 1922, dos muros dos lados norte e oeste, “numa extensão de 588,70m; três sentinas, um grande mictório, um quarto para guardar ferramentas e materiais e um banheiro, terminando também a edificação do sumidouro, então apenas iniciada. Todas estas obras foram feitas com alvenaria de pedra e tijolo” (RELATÓRIO DA COMMISSÃO ORGANIZADORA DO TOMBO DOS PRÓPRIOS DO MUNICÍPIO, 1922).

Monumentos funerários do Cemitério de São José, localizados na quadra 04 do Cemitério de São João Batista. FOTO: Fábio Augusto, 14.02.19.

Em 11 de janeiro de 1926, a Prefeitura, na gestão de Hugo Carneiro, lançou um edital destinado aos interessados em transladar os restos mortais de seus familiares do antigo Cemitério de São José para o de São João Batista (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO AMAZONAS, 11/01/1926). No dia 18 de dezembro desse mesmo ano é publicado o edital de exumações. Foi construído, em 1932, um ossuário que guarda os restos mortais de 48 pessoas originalmente enterradas no Cemitério de São José e cujos restos não foram reclamados. Os monumentos funerários, enfileirados na quadra 04, foram transferidos no mesmo ano. No ano de 1928 a Prefeitura cede uma área do São João Batista, que ocupa as quadras 03, 04 e 05, para a construção do Cemitério Judeu, que passou a ser administrado pelo Comitê Israelita do Amazonas, criado em 1929. Até 1927 os enterros de judeus eram feitos em solo cristão (PONTE, 2013, p. 19).

Elaborei um pequeno roteiro destinado aqueles que desejam visitar o Cemitério de São João Batista. Ele é composto por 18 túmulos, pela quadra do Cemitério de São José e o Cemitério Judeu. Chamam a atenção pela arquitetura e pela história dos que neles estão inumados.

Roteiro – Cemitério de São João Batista:

Quadra 02: Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900), Joaquim Rocha dos Santos (1851-1905), José Jefferson Carpinteiro Péres (1932-2008); Quadra 04: Túmulos do Cemitério de São José; Quadra 05: Simplício Coelho de Rezende (1841-1915), Ária Paraense Ramos (1896-1915); Quadras 03, 04 e 05: Cemitério Judeu (1928); Quadra 06: Delmo Campelo Pereira (1933-1952), Joana Taveira da Cruz (1819-1911), Jazigo da família Nogueira da Silva e Aprígio Martins de Menezes (1844-1891); Quadra 07: Adriano Jorge (1879-1948), Jazigo da família de José Carneiro dos Santos; Quadra 08: Jazigo da família Salem José e escultura do cachorro Douglas, Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo (1928-2009), Álvaro Botelho Maia (1893-1969); Quadra 10: Leopoldo Tavares da Cunha Melo (1891-1962); Quadra 11: Santa Etelvina D’ Alencar (1884-1901), Shalom Emanuel Muyal (m. 1910); Quadra 13: Teresa Cristina (1964-1971).























Eduardo Gonçalves Ribeiro.























Joaquim Rocha dos Santos.
















José Jefferson Carpinteiro Péres.






















Simplício Coelho de Rezende.
























Ária Paraense Ramos.















Cemitério Judeu.

























Delmo Campelo Pereira.
























Joana Taveira da Cruz.
























Jazigo da família Nogueira da Silva.
























Aprígio Martins de Menezes.
























Adriano Jorge.























Jazigo da família de José Carneiro dos Santos.























Jazigo da família Salem José.



















Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo.















Álvaro Botelho Maia.
















Leopoldo Tavares da Cunha Melo.















Etelvina D' Alencar.























Shalom Emanuel Muyal.

























Teresa Cristina.








FONTES:

Governo do Exm. Sr. Dr. A. X. de Villeroy, Expediente do Governo do Estado do Amazonas, de 04 de julho de 1890 In: Amazonas, 09/07/1890.

Intendência Municipal, Sessão Ordinária de 03/03/1891.

Decretos, Leis e Regulamentos. Administração Fileto Pires Ferreira, 1889 a 1896. Manáos, Imprensa Oficial, 1897. Tomo II – 1891, p. 105. Acervo da ACA.

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm. Acesso em 03/03/2019.

AMAZONAS. Mensagem lida perante o Congresso dos Srs. Representantes por occasião da Abertura da 2° Sessão ordinaria da 4° Legislatura pelo Exm. Sr. Dr. Governador do Estado Silverio José Nery em 10 de julho de 1902.

Jornal do Comércio, 28/01/1913.

Relatório da Commisão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município. Manaus, 1922.

Diário Oficial do Estado do Amazonas, 11/01/1926.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DUARTE, Durango Martins. Manaus entre o Passado e o Presente. Manaus: Ed. Mídia Ponto Comm, 2009.

MENDONÇA, Roberto. Centenário da Vila Municipal. Manaus: Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Desporto. Série Memória, 6° Ed, N° 91, novembro de 2002.

____________________. Administração do Coronel Lisboa. Manaus: Edições Muiraquitã, 2008.

GOMES, Adriana. O processo de secularização do Brasil no limiar da República e a criminalização do espiritismo. Sacrilegens – Revista dos Alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião – UFJF, 2014.

PONTE, Maximiliano. Certas mulheres que vieram de longe: As “pobres mulheres” sepultadas no Cemitério São João Batista de Manaus. Boletim do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro (AHJB), n° 48, agosto de 2013.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Instituto Durango Duarte.
Fábio Augusto





8 comentários:

  1. Adorei saber um pouco da história desse cemitério...qdo estudante tínhamos uma professora na ETFAM que realizou com nossa turna vários trabalhos sobre os monumentos de Manaus e o cemitério São João Batista estava no roteiro..muito bom parabéns pelo trabalho..

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Isso é muito bom. O São João Batista está aos poucos entrando na rota de visitações turísticas.

      Excluir
  2. Até cachorro enterrado. Muito bom saber um pouco da historia desse cemitério. parabens, ficou muito excelente.

    ResponderExcluir
  3. Qual a história dessa que se chamou em vida "Joana Alexandrina da Cruz Taveira" (esse é o nome correto dela), você sabe? Diz-se que fazia parte da alta sociedade da época e o marido muito rico morreu e deixou tudo para ela, é pouco o que se sabe. Na minha humilde opnião, seu túmulo tem a melhor escultura que já vi, que é a de uma senhora (ela) com as duas filhas, uma de cada lado...
    Excelente trabalho!

    ResponderExcluir
  4. Fale sobre todas essas pessoas inclusive do cachorro

    ResponderExcluir
  5. Sempre fiquei impressionada com a imponência desta escultura.

    ResponderExcluir