Arco de entrada do Cemitério de São João Batista. FOTO: Durango Duarte.
O
Cemitério de São João Batista está localizado no bairro de
Adrianópolis (antigo bairro do Mocó, Vila Municipal), na zona
Centro-Sul de Manaus. Foi a quarta necrópole oficial
(excetuando-se
os cemitérios indígenas) aberta na cidade, antecedida pelas dos
Remédios, São José e São Raimundo; e é
a mais antiga em funcionamento, tendo
sido Tombado, através do Decreto N° 11.198 de 14/06/1988, como
Patrimônio Histórico Estadual.
O terreno em que foi erguido, assim como todo o bairro, pertencia a
família do Capitão de Mar e Guerra Nuno Alves Pereira de Mello
Cardoso, tendo sido comprado
pelo município em 1890 e 1903 (MENDONÇA, 2002).
No expediente de 3 de julho de
1890, do governo de Augusto Ximeno de Villeroy, a Intendência
Municipal ficou autorizada a “[…] desapropriar o terreno
escolhido e indicado e a fazer construir nele um cemiterio”
(GOVERNO DO EXM. SR. DR. A. X. DE VILLEROY, EXPEDIENTE DO GOVERNO DO
ESTADO DO AMAZONAS, DE 4 DE JULHO DE 1890 In AMAZONAS, 09/07/1890). A
Intendência Municipal autorizou, em 19 de setembro de 1890, que o
Intendente João Carlos Antony fizesse o orçamento das despesas para
construção do novo cemitério, seu arruamento, destocamento e
construção de uma cerca de arame farpado. Na sessão ordinária de
03 de março de 1891, “o sr. Intendente Antony communicou á
Intendencia que o terreno destinado ao novo cemiterio acha-se todo
destocado e prompta a respectiva cerca” (INTENDENCIA MUNICIPAL,
Sessão Ordinaria de 03/03/1891).
Com as obras já bastante
avançadas, o Governador Eduardo Gonçalves Ribeiro decretou o fim
dos enterros nos cemitérios de São José e São Raimundo:
“Decreto N° 95, de 2 de abril
de 1891
Proíbe inumação nos cemitérios
de S. José e S. Raimundo Nonato, manda que os enterramentos sejam
feitos no novo cemitério e dá outras providências a respeito.
O Governador do Estado do
Amazonas, tomando na devida consideração o que expuseram o Provedor
da Santa Casa de Misericórdia e o Dr. Inspetor de Higiene Pública
sobre o inconveniente de continuarem as inumações a ser feitas nos
Cemitérios de S. José e S. Raimundo Nonato, por estarem cheios, e
atendendo que o novo cemitério mandado preparar pela Intendência
Municipal já está apto para receber enterramentos, decreta:
Art. 1° - Ficam absolutamente
proibidos enterramentos nos cemitérios de S. José e S. Raimundo
Nonato, passando a serem feitos no novo cemitério mandado preparar
pela Intendência Municipal.
Art. 2° - Passam a ser
administrados e mantidos pela mesma Intendência os cemitérios
públicos, cessando in totum os encargos que com eles tinha e os
proveitos que deles auferia a Santa Casa de Misericórdia.
Art. 3° - A Intendência manterá
ou alterará, como julgar acertado, as tabelas dos rendimentos dos
cemitérios, bem como a do pessoal neles empregados.
Art. 4° - Enquanto não for
publicado novo regulamento para todos os cemitérios do Estado, será
no da capital executado o de n° 11, de 26 de maio de 1859, nas
partes que não estiverem explicita ou implicitamente revogadas por
deliberações posteriores e nas que não o forem pela Intendência
com relação à administração e preços da tabela.
Art. 5° - Revogam-se as
disposições em contrário.
Palácio do Governo do Estado do
Amazonas, em Manaus, 2 de abril de 1891, 3° da República.
Eduardo Gonçalves Ribeiro”
(DECRETOS, LEIS E REGULAMENTOS. Administração Fileto Pires
Ferreira, 1889 a 1896. Manáos, Imprensa Oficial, 1897. Tomo II –
1891, p. 105. Acervo da ACA).
Além
da proibição dos enterramentos nos antigos cemitérios, é
interessante notar o caráter secular da nova necrópole, sendo
encerrada a administração da Santa Casa, que cuidava dos Cemitérios
da cidade. Essa foi uma das mudanças ocorridas com a separação
entre Estado e Igreja, promulgada pela Constituição de 1891,
ficando estabelecido no artigo 72,
§
5º,
que
“os
cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela
autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a
prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde
que não ofendam a moral pública e as leis”
(CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL, DE 24 DE FEVEREIRO DE
1891). No
entanto, como salientou a historiadora Adriana Gomes,
“[…]
na prática, os cemitérios ficaram mantidos sob o controle de
particulares ou ordens confessionais, alguns com o caráter de
monopólio. A ineficácia da secularização dos cemitérios forjou a
liberdade assegurada aos crentes quanto a realização de seus cultos
de acordo com a confissão religiosa profetizada”
(GOMES, 2014, p. 5).
Isso
ocorreu no novo cemitério, com a Prefeitura, ao longo dos anos,
sedendo áreas para enterramentos exclusivos de membros de irmandades
religiosas, destacando-se as da
Santa
Casa de Misericórdia (1891),
Santíssimo
Sacramento (1904)
e
Filhas de Sant’Anna (1913).
Terminadas
as obras, o Cemitério foi inaugurado em 05 de abril de 1891. No dia
17 do mesmo mês recebeu aquele que é considerado o primeiro
inumado, o poeta, político e historiador Aprígio Martins de
Menezes, cujo túmulo encontra-se destacado da quadra em que está
localizado. Deve-se salientar que, durante as pesquisas para a
confecção do livro ‘Manaus entre o Passado e o Presente’, a
equipe de Durango
Martins Duarte encontrou o nome de uma criança chamada Maria como
sendo a primeira enterrada, no dia 6 de abril de 1891 (DUARTE, 2009,
p. 147). O aumento das rendas estaduais e municipais propiciado pelas atividades ligadas à borracha garantiu a construção e remodelação de um cemitério digno de uma cidade onde eram gerenciadas as atividades comerciais de importação e exportação. Ele fazia parte de um pacote de obras criado para dotar a capital de uma estrutura condizente com sua posição de grande centro comercial assumida em fins do século XIX.
Capela de São João Batista. FOTO: Fábio Augusto, 14.02.19.
O
cemitério foi sofrendo transformações significativas até ser
conhecido da forma como é nos dias de hoje. A cerca de arame farpado
foi substituída por uma de pau a pique em 1900 por ordem do
Superintendente Arthur Cezar Moreira de Araújo, bem como foi
construída uma rampa de acesso pelo Boulevard Amazonas (Avenida
Álvaro Botelho Maia) e um portão com saída para a Avenida Major
Gabriel. Em 1901, através do projeto de Lei N° 233, foi concedido
um jazigo perpétuo a Etelvina D’ Alencar (1884-1901), imigrante
nordestina assassinada na Colônia Campos Salles (AMAZONAS,
10/07/1902, p. 97). Foi na administração do Superintendente Adolpho
Guilherme de Miranda Lisboa (1902-1907) que foram realizadas as
mudanças mais drásticas. Através da Lei N° 338, de 27 de maio de
1904, “Autoriza a Superintendência Municipal a reconstruir o
cemitério de São João, desta cidade, e abre para esse fim o
necessário crédito na Lei orçamentária em vigor” (LEI N°
233, DE 27 DE MAIO DE 1904 In: MENDONÇA, 2008, p. 148). Autorizado
pela Lei N° 430, de 12 de dezembro de 1905, “manda proceder
nesta necrópole a construção de muro com portões e gradil de
ferro nas faces que limitam com o boulevard Amazonas e avenida Major
Gabriel e no local do antigo necrotério uma Capela de estilo”
(MENDONÇA, 2008, p. 142). O muro e os gradis ficaram prontos em
1905; a Capela de São João Batista, em 1906. No portão foi fixada
uma frase em latim que dá o tom positivista ao cemitério: Laborum
Meta, que significa fim dos trabalhos. A morte, nessa corrente
filosófica, era vista como um processo que igualava os homens; e o
Cemitério o espaço onde seria cultuada a memória desses homens.
Exemplo disso são os grandes funerais de membros da elite política,
intelectual e econômica local, noticiados na imprensa em forma de
necrológios ou matérias especiais. Em 1913, o enterro de Agesilau
Pereira da Silva (1846-1913), advogado e Presidente da Província do
Amazonas entre 1877 e 1878, foi descrito da seguinte forma pelo
Jornal do Comércio:
“O
enterro do illustre politico doutros tempos teve o cunho soberbo de
uma apotheose consagradora, toda ella moldada na manifestação de um
cultual sentimento affectivo, que bem significou as ultimas perolas
de sua corôa de gloria. Dahi a innumeravel quantidade de
representantes de todas as classes que, em romaria, lhe visitaram os
despojos durante a noite de ante-hontem e o dia de hontem, e aquella
intermina legião de amigos e admiradores que o acompanharam á
ultima moradia e assistiram, com os olhos em lagrimas, descer o seu
corpo ao seio da Grande Mãe” (JORNAL DO COMÉRCIO,
28/01/1913).
Entre
1911 e 1922, de acordo com o Relatório
da Commisão
Organizadora
do
Tombo dos Próprios do Município,
organizado a mando do Prefeito Basílio Torreão Franco de Sá, foram
feitos os seguintes reparos e obras: Pintura do gradil, dos portões
de ferro e caiação dos muros, em 1911; a concessão, através da
Lei N° 772, de 02 de outubro de 1913, de uma área para os
enterramentos das irmãs de Sant’Anna; a reconstrução da capela e
a construção de uma casa para a administração, em 1916; Limpeza
geral, delimitação dos quarteirões com cercas de pitangueiras,
levantamento das sepulturas perpétuas, identificadas com marcos de
alvenaria, com as iniciais S.P., a numeração e a data de inumação
em 1921; e a construção, em 1922, dos muros dos lados norte e
oeste, “numa
extensão de 588,70m; três sentinas, um grande mictório, um quarto
para guardar ferramentas e materiais e um banheiro, terminando também
a edificação do sumidouro, então apenas iniciada. Todas estas
obras foram feitas com alvenaria de pedra e tijolo”
(RELATÓRIO DA
COMMISSÃO ORGANIZADORA DO
TOMBO DOS PRÓPRIOS DO MUNICÍPIO, 1922).
Monumentos funerários do Cemitério de São José, localizados na quadra 04 do Cemitério de São João Batista. FOTO: Fábio Augusto, 14.02.19.
Em
11 de janeiro de 1926, a Prefeitura, na gestão de Hugo Carneiro,
lançou um edital destinado aos interessados em transladar os restos
mortais de seus familiares do antigo Cemitério de São José para o
de São João Batista (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DO
AMAZONAS,
11/01/1926). No dia 18 de dezembro desse mesmo ano é publicado o
edital de exumações. Foi
construído,
em 1932, um
ossuário que guarda
os restos mortais de 48 pessoas originalmente enterradas no Cemitério
de São José e
cujos restos não foram reclamados.
Os
monumentos funerários, enfileirados na quadra 04, foram transferidos
no mesmo ano. No
ano de 1928 a Prefeitura cede uma área do São João Batista, que
ocupa as quadras 03, 04 e 05, para
a construção do Cemitério Judeu, que passou a ser administrado
pelo Comitê Israelita do Amazonas, criado em 1929. Até 1927 os
enterros de judeus eram feitos em solo cristão (PONTE,
2013, p. 19).
Elaborei
um pequeno roteiro destinado aqueles que desejam visitar o Cemitério
de São João Batista. Ele é composto por 18 túmulos, pela quadra
do Cemitério de São José e o Cemitério Judeu. Chamam a atenção
pela arquitetura e pela história dos que neles estão inumados.
Roteiro
– Cemitério de São João Batista:
Quadra
02: Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900),
Joaquim Rocha dos Santos (1851-1905),
José
Jefferson Carpinteiro Péres (1932-2008); Quadra 04: Túmulos do
Cemitério de São José; Quadra 05: Simplício Coelho de Rezende
(1841-1915), Ária Paraense Ramos (1896-1915); Quadras 03, 04 e 05:
Cemitério Judeu (1928); Quadra 06: Delmo Campelo Pereira
(1933-1952), Joana Taveira da Cruz (1819-1911), Jazigo da família
Nogueira da Silva e Aprígio Martins de Menezes (1844-1891); Quadra
07: Adriano Jorge (1879-1948), Jazigo da família de José Carneiro
dos Santos; Quadra 08: Jazigo da família Salem José e escultura do
cachorro Douglas, Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo (1928-2009),
Álvaro Botelho Maia (1893-1969); Quadra
10: Leopoldo Tavares da Cunha Melo (1891-1962); Quadra
11: Santa Etelvina D’ Alencar (1884-1901), Shalom Emanuel Muyal (m.
1910); Quadra 13: Teresa Cristina (1964-1971).
Eduardo Gonçalves Ribeiro.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Jefferson Carpinteiro Péres.
Simplício Coelho de Rezende.
Ária Paraense Ramos.
Cemitério Judeu.
Delmo Campelo Pereira.
Joana Taveira da Cruz.
Jazigo da família Nogueira da Silva.
Aprígio Martins de Menezes.
Adriano Jorge.
Jazigo da família de José Carneiro dos Santos.
Jazigo da família Salem José.
Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo.
Álvaro Botelho Maia.
Leopoldo Tavares da Cunha Melo.
Etelvina D' Alencar.
Shalom Emanuel Muyal.
Teresa Cristina.
FONTES:
Governo
do Exm. Sr. Dr. A. X. de Villeroy, Expediente do Governo do Estado do
Amazonas, de 04 de julho de 1890 In: Amazonas,
09/07/1890.
Intendência
Municipal, Sessão Ordinária de 03/03/1891.
Decretos,
Leis e Regulamentos. Administração Fileto Pires Ferreira, 1889 a
1896. Manáos, Imprensa Oficial, 1897. Tomo II – 1891, p. 105.
Acervo da ACA.
Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de
1891. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm.
Acesso em 03/03/2019.
AMAZONAS.
Mensagem lida perante o Congresso dos Srs. Representantes por
occasião da Abertura da 2° Sessão ordinaria da 4° Legislatura
pelo Exm. Sr. Dr. Governador do Estado Silverio José Nery em 10 de
julho de 1902.
Jornal
do Comércio, 28/01/1913.
Relatório
da Commisão
Organizadora
do
Tombo dos Próprios do Município. Manaus,
1922.
Diário
Oficial do Estado do Amazonas, 11/01/1926.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
DUARTE,
Durango Martins. Manaus
entre o Passado e o Presente.
Manaus: Ed. Mídia Ponto Comm, 2009.
MENDONÇA,
Roberto. Centenário
da Vila Municipal.
Manaus:
Governo do Estado do Amazonas/Secretaria de Estado da Cultura,
Turismo e Desporto. Série Memória, 6° Ed, N° 91, novembro de
2002.
____________________.
Administração
do Coronel Lisboa.
Manaus: Edições Muiraquitã, 2008.
GOMES,
Adriana.
O
processo de secularização do Brasil no limiar da República e a
criminalização do espiritismo.
Sacrilegens
– Revista dos Alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Religião – UFJF, 2014.
PONTE,
Maximiliano. Certas
mulheres que vieram de longe: As “pobres mulheres” sepultadas no
Cemitério São João Batista de Manaus.
Boletim do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro (AHJB), n° 48,
agosto de 2013.
CRÉDITO DAS IMAGENS:
Instituto Durango Duarte.
Fábio Augusto
Adorei saber um pouco da história desse cemitério...qdo estudante tínhamos uma professora na ETFAM que realizou com nossa turna vários trabalhos sobre os monumentos de Manaus e o cemitério São João Batista estava no roteiro..muito bom parabéns pelo trabalho..
ResponderExcluirIsso é muito bom. O São João Batista está aos poucos entrando na rota de visitações turísticas.
ExcluirExcelente.
ResponderExcluirMuito obrigado. Volte sempre para novas leituras.
ExcluirAté cachorro enterrado. Muito bom saber um pouco da historia desse cemitério. parabens, ficou muito excelente.
ResponderExcluirQual a história dessa que se chamou em vida "Joana Alexandrina da Cruz Taveira" (esse é o nome correto dela), você sabe? Diz-se que fazia parte da alta sociedade da época e o marido muito rico morreu e deixou tudo para ela, é pouco o que se sabe. Na minha humilde opnião, seu túmulo tem a melhor escultura que já vi, que é a de uma senhora (ela) com as duas filhas, uma de cada lado...
ResponderExcluirExcelente trabalho!
Fale sobre todas essas pessoas inclusive do cachorro
ResponderExcluirSempre fiquei impressionada com a imponência desta escultura.
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