quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

O que é História e como escrever a História do Amazonas

Impérios, reinos, guerras, monumentos, heróis, reis. Trabalhadores (as), operários, camponeses, ribeirinhos, quilombolas, homens, mulheres, crianças, cotidiano. Tudo faz parte da História, definida pelo historiador Marc Bloch como “a ciência dos homens no tempo”.

Por muito tempo História foi sinônimo de matéria decorativa, aquela em que basta se lembrar de nomes de personagens e datas de acontecimentos. No entanto, a História é uma das ciências mais importantes para a compreensão do mundo que nos cerca.

A História, assim como outras Ciências Humanas, tem como objeto de estudo o homem. A História estuda as ações do homem no tempo, utilizando como fontes os vestígios por ele deixados. E por que estudar o passado? Conhecer as ações humanas de outros tempos possibilita a compreensão do presente, pois ele é diretamente influenciado pelo passado.

Estudando as ações do homem no tempo podemos compreender as origens dos conflitos no Oriente Médio, das lutas seculares dos povos indígenas e quilombolas e das desigualdades que marcam nossa sociedade, buscando as melhores formas para superá-las.

E a História de um Estado? Escrever a História de um não é fácil. E se tratando do Amazonas, que possui dimensões continentais, o desafio se torna ainda maior. Como dar o passo inicial? Quais os marcos fundadores da História do Amazonas?

Arthur Cézar Ferreira Reis (1906-1993), ex-governador e possivelmente o historiador mais famoso do Amazonas, publicou em 1931 o livro História do Amazonas, fruto de densa pesquisa em arquivos locais, nacionais e internacionais. Seu trabalho tem como ponto de partida a chegada dos europeus à Amazônia no século 16, sendo permeado pela defesa e exaltação da ação dos portugueses em “civilizar” a Amazônia.

Em 1965 a professora Rosa do Espírito Santo Costa (1941-2020), do Departamento de Administração e Planejamento da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), publica o livro História do Amazonas, que, assim como o de Reis, parte da visão do colonizador e seus atos de heroísmo para dominar o meio e seus habitantes primitivos.

A perspectiva sobre a História do Amazonas, e do Brasil no geral, começa a mudar na década de 1980. O país passa por um processo de redemocratização e são criados novos cursos de graduação e pós-graduação onde as Ciências Humanas, em especial a História, passam por renovações teóricas e metodológicas.

Em 1987 os professores José Ribamar Bessa Freire, Geraldo Pantaleão Sá Peixoto Pinheiro, Vânia Maria Tereza Novoa Tadros, Francisco Jorge dos Santos, Patrícia Maria Alves Melo e Hideraldo Lima da Costa, do Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), publicam o livro A Amazônia Colonial (1616-1798), obra didática, acessível ao público e com uma visão crítica sobre a História do Amazonas, considerando as vivências, tradições e resistências dos povos indígenas no processo formativo da região.

A década de 2000 foi rica em trabalhos didáticos de História do Amazonas, destacando-se os de Francisco Jorge dos Santos, Dorinethe dos Santos Bentes e Aguinaldo Nascimento Figueiredo.

Francisco Jorge dos Santos, professor do Departamento de História da UFAM, lança em 2002 o livro História e Geografia do Amazonas, posteriormente reeditado com o título História Geral do Amazonas. Assentado em farta bibliografia, com indicações de leitura e textos complementares, foi produzido para suprir a carência por materiais didáticos sobre a História do Amazonas, sobretudo para o Ensino Médio.

Também é de 2002 o livro Estado do Amazonas em Verbetes, organizado por Francisco Jorge dos Santos e Patrícia Maria Alves Melo. Voltado para o Ensino Fundamental, é composto por verbetes de História, Geografia, Sociologia e Política escritos por especialistas.

A historiadora Dorinethe dos Santos Bentes publicou em 2000 o livro História do Amazonas – Construindo Identidades, voltado a alunos da 5° série do Ensino Fundamental e tendo como principal objetivo a valorização de nossas raízes amazônicas através do conhecimento histórico. A obra possui rica iconografia, com imagens de povos tradicionais, mapas e paisagens, a tornando atrativa aos discentes.

O professor Aguinaldo Nascimento Figueiredo, egresso do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), publica em 2000 o livro História do Amazonas, trabalho engajado, didático e acessível a todos os públicos. A História do Amazonas é apresentada para além da visão do colonizador, abarcando as perspectivas dos indígenas, quilombolas, imigrantes, operários, homens e mulheres do dia a dia, de forma a fazer os leitores refletirem sobre a teia de relações, interesses e disputas que permeiam nossa trajetória.

Assim escrevemos, atualmente, a História do Amazonas, tendo como base os trabalhos pioneiros, enxergando suas possibilidades e limites, bem como os mais recentes, inauguradores de uma visão crítica e engajada de nossa História, em que, além dos dirigentes, indígenas, negros, seringueiros, operários, homens e mulheres comuns, são protagonistas da História.

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

A introdução do negro na Amazônia

Escravizados fotografados em Manaus na década de 1860.

Conforme pesquisas dos historiadores Ygor Olinto Rocha Cavalcante e Rafael Chambouleyron, o negro escravizado foi introduzido na Amazônia entre o final do século 17 e a segunda metade do século 18.

Naquele período, começava-se a sentir os efeitos do extermínio de milhares de indígenas, por força da escravidão e das epidemias, o que fez diminuir a mão de obra disponível. Some-se a isso a resistência oferecida pelos nativos, os conflitos entre colonos e missionários jesuítas contrários à escravidão indígena, e os lucros que a Coroa Portuguesa obtinha com a venda de escravizados, investindo o capital no aparelhamento militar da região. A Lei de 1° de abril de 1680 proibiu a escravização de indígenas, fosse através de resgate ou de guerra justa. Todos esses fatores deram origem à demanda por escravizados africanos.

O fornecimento ficou a cargo das companhias de comércio. A Companhia Geral do Comércio do Maranhão, criada em 1682, ficou responsável por fornecer 500 escravizados por ano, durante 20 anos, aos colonos do Maranhão e Grão-Pará, não conseguindo cumprir o acordo e sendo extinta em 1685. Em 1692 são introduzidos na Amazônia, através da Companhia de Cabo Verde e Cacheu, 145 escravizados africanos da Guiné.

A Lei de 1680 foi revogada em 1688. Em 1755 a escravidão indígena é novamente proibida. O Marquês de Pombal cria naquele ano a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, que seria responsável, de acordo com Francisco Jorge dos Santos e Patrícia Alves Melo, por fomentar a agricultura, o comércio, a imigração, a extração das Drogas do Sertão e fornecer escravizados africanos. Os historiadores registram que ela introduziu no Grão-Pará, em pouco mais de duas décadas, 14.749 escravizados.

A Companhia foi extinta em 1778, e a partir daí o fornecimento de escravizados foi realizado por particulares, totalizando, segundo Ygor Olinto, cerca de 53 mil indivíduos introduzidos no Grão-Pará no período colonial. O transporte era realizado através dos navios tumbeiros, assim descritos pelo antropólogo Manuel Nunes Pereira (1893-1985):

As condições sanitárias dos tumbeiros eram indescritíveis; o regime alimentar, o mais precário possível. Assim, não raro as epidemias irrompiam na travessia da África para Belém, pondo em perigo a própria tripulação de bordo e alastrando-se pelos portos de escala […] Sabe-se, através de um códice de 1759, por exemplo, que do navio N. S. da Conceição, chegado a Belém a 8 de julho daquele ano, desembarcaram 368 de 500 que trazia, morrendo 132 portanto”.

Os escravizados foram introduzidos na Capitania de São José do Rio Negro por volta de 1770. Em 1775 o ouvidor Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio os estimou em 193 em todo o território. Alguns anos mais tarde, Alexandre Rodrigues Ferreira contabilizou 247. O número reduzido se explica, principalmente, por dois fatores: a população do Rio Negro era bastante pobre e não existia uma grande lavoura, mas um intenso extrativismo praticado pelos indígenas.

No entanto, isso não significa que não tiveram importância na economia local. A historiadora Patrícia Melo demonstrou, através da análise de inventários pós-morte e escrituras públicas, que a mão de obra escrava foi fundamental na formação de fortunas em Manaus no século XIX, compondo o patrimônio de um grupo privilegiado de comerciantes, militares, funcionários públicos e proprietários de terras.

Referências bibliográficas

CHAMBOULEYRON, Rafael. Escravos do Atlântico equatorial: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão e Pará (século XVII e início do século XVIII). Revista Brasileira de História, vol. 26, n° 52, 2006.

CAVALCANTE, Ygor Olinto Rocha. “Uma viva e permanente ameaça”: resistência, rebeldia e fugas de escravos no Amazonas Provincial (c. 1850 – c. 1882). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2013.

SANTOS, Francisco Jorge dos; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. 1755, o ano da virada na Amazônia portuguesa. Somanlu, ano 8, n. 2, jul./dez. 2008.

SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Os fios de Ariadne: fortunas e hierarquias sociais na Amazônia, século XIX. São Paulo: LF Editorial, 2015.