segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Prédios históricos de Manaus que já foram demolidos

Cine Guarany, 1971.

Esse é mais um levantamento produzido em parceria com o amigo e pesquisador Ed Lincon. Dessa vez, listamos os prédios históricos de Manaus que já foram demolidos. São construções (101, entre casas, estabelecimentos comerciais e monumentos) que desapareceram em períodos distintos de nossa história, entre os séculos XIX e XXI. Vale lembrar que esse é um levantamento parcial, pois inúmeras outras construções foram demolidas durante a expansão das atividades comerciais no Centro e em bairros como Educandos, Aparecida, Praça 14 de Janeiro e São Raimundo; demolições essas que ganharam mais força quando da instalação da Zona Franca e o crescimento desordenado da cidade.

Fortaleza de São José do Rio Negro – Rua Monteiro de Souza, Centro (atual Edifício do Tesouro);

Banco de Manáos – Rua Miranda Leão, Centro (atual Edifício Tartaruga);

Edifício do Jornal do Comércio/Rádio Baré – Avenida Eduardo Ribeiro, Centro;

Edifício de O Jornal/Diário da Tarde – Avenida Eduardo Ribeiro, Centro (atual Banco Santander);

Edifício da Foto Alemã e Jornal A Crítica – Avenida Eduardo Ribeiro, Centro (Atual Banco Itaú);

Residência de Ramalho Júnior/Igreja de Santa Rita – Rua 24 de Maio com Av. Eduardo Ribeiro, 6 – 

Centro (atual Edifício Cidade de Manaus);

Palácio do Governo – Rua Ramos Ferreira, Centro (atual Instituto de Educação);

Palácio da Instalação da Província – Rua da Instalação, Centro;

Palácio da Presidência da Província – Avenida Eduardo Ribeiro, Centro (atual prédio da Receita Federal);

Cine Avenida – Av. Eduardo Ribeiro, Centro (atual loja Bemol);

Cinema Odeon – Avenida Eduardo Ribeiro, Centro (atual Edifício Manaus Shopping Center);

Cine Teatro Guarany – Avenida Floriano Peixoto (atual Banco Itaú);

Cine Teatro Manaus – Avenida Epaminondas, ao lado do Colégio Dom Bosco, Centro;

Casas ao lado do Edifício do Tesouro Público – Rua Monteiro de Souza, Centro;

Eletroferro – Rua Theodoreto Souto com Av. Eduardo Ribeiro, Centro (atual Edifício Socilar);

Chapéu de Palha Restaurante – Rua Fortaleza canto com a rua Paraíba, Adrianópolis (atual Posto de Gasolina);

Chácara São Saturnino – Rua Paraíba, Adrianópolis;

Correios – Rua Barroso, Centro (atual Casa do Estudante);

Panificadora e Confeitaria Americana – Rua Henrique Antony, Centro;

Casa da família Taveira Pau Brasil – Rua Governador Vitório canto com a rua Henrique Antony, Centro;

Armazéns Rosas de J.G. Araújo – Avenida Eduardo Ribeiro em frente ao Relógio Municipal, Centro;

Armazéns Máximo, O Malho – Rua Marcílio Dias com Av. Floriano Peixoto (atual Edifício Ajuricaba, ex-Hotel Amazonas);

Imprensa Oficial – Avenida Sete de Setembro, Centro (atual Bradesco);

Palacete Miranda Corrêa – Rua Monsenhor Coutinho canto com Avenida Eduardo Ribeiro, Centro (atual Edifício Maximino Corrêa);

Café Real Colón – Avenida Getúlio Vargas canto com Av. Sete de Setembro, Centro (atual Americanas);

Panificadora Roquefort – Avenida Joaquim Nabuco, Centro (no local fica um estacionamento);

Banco do Brasil – Praça 15 de Novembro, Centro;

Mercearia Castelo de Ouro – Rua Lauro Cavalcante com Av. Getúlio Vargas, Centro;

Mercearia A Cosmopolita – Avenida Eduardo Ribeiro com rua Marquês de Santa Cruz, Centro;

Edifício Panhola/BASA – Avenida Sete de Setembro, Centro (atual C&A);

Matadouro Municipal (Curro) – Bairro da Glória (atual sede da FUNASA);

Aux 100.000 Paletós – Rua Lobo D’ Almada com Av. Sete de Setembro, Centro;

Armazéns de J. Soares & Cia – Rua dos Barés em frente ao Mercado Municipal, Centro;

Trapiche Teixeira – Ao lado da Alfândega, Centro (atual pátio de containers);

Maloca dos Barés – Rua Marquês de Santa Cruz, Centro (atual pátio de containers do Porto);

Prédio Adrião Barroco – Avenida Eduardo Ribeiro com Av. Sete de Setembro (atual Sapataria Shopping do Pé);

Residência da família I. Sabbá – Rua Monsenhor Coutinho, ao lado do Ideal Clube, Centro;

Secretaria de Saúde Pública – Praça Antônio Bittencourt (Congresso), Centro (atual Correios);

Palacete Studart – Rua 24 de Maio com Av. Eduardo Ribeiro (atual Edifício Palácio do Comércio);

Farmácia Studart – Avenida Eduardo Ribeiro com Av. Sete de Setembro, Centro;

Antiga sede do Olímpico – Rua Leonardo Malcher com Av. Constantino Nery, Centro (atual Panificadora Santa Rita);

Bar do Quintino – Rua Governador Vitório em frente a Praça D. Pedro II, Centro;

Chefatura de Polícia – Rua Marechal Deodoro, Centro (atual Edifício do Banco do Brasil);

Movelaria Teixeira – Rua Lauro Cavalcante com Av. Joaquim Nabuco, Centro (atual Edifício Nóvoa);

Botequim A Reforma – Rua Barroso com rua Henrique Martins, Centro (atual Caixa Econômica);

Igreja de D. Bosco – Avenida Epaminondas, Centro;

Bar Avenida – Av. Eduardo Ribeiro esquina com rua Saldanha Marinho, Centro (atual Bradesco);

Palacete Siseno Sarmento – Rua Joaquim Sarmento, Centro;

Mercado da Cachoeirinha (estrutura de madeira);

Café Ponto Chic – Avenida Eduardo Ribeiro com rua Henrique Martins, Centro (atual Riachuelo);

Café da Paz – Av. Eduardo Ribeiro, Centro (atual Loja C&A);

Casa Colombo – Rua Marechal Deodoro esquina com Av. Sete de Setembro, Centro;

Delegacia Fiscal – Rua da Instalação e Praça D. Bosco, Centro (atual INSS);

Grupo Escolar Marechal Hermes – Rua José Clemente, Centro (atual prédio da Rádio Rio Mar);

Bazar O Novo Mundo – Rua Joaquim Sarmento com Av. Sete de Setembro, Centro;

Hospital de São Sebastião – Bairro de Aparecida;

Livraria Velho Lino – Rua Barroso com Av. Sete de Setembro, Centro (atual Bradesco);

Livraria Palais Royal – Avenida Sete de Setembro, Centro (lojas diversas);

Depósito Municipal – Rua Lobo D’ Almada, Centro (atual sede de A Crítica);

Fundição Progresso – Rua 10 de Julho com Av. Eduardo Ribeiro, Centro (atual Salão de Cabeleireiros);

Teatro Providência – Rua Tapajós esquina com rua Ramos Ferreira, Centro;

Edifício do IAPI – Rua 24 de Maio, Centro (atual Edifício Rio Negro Center);

Edifício Hermenegildo de Barros (TRE) – Rua José Clemente esquina com Av. Eduardo Ribeiro, Centro;

Velódromo Amazonense – Cachoeirinha (atual Habib’s);

Grande Café Central – Rua José Paranaguá com rua Marcílio Dias, Centro (várias lojas);

Residência da rua Japurá com Av. Joaquim Nabuco;

Edifício da Casa das Camas – Rua dos Andradas com rua Rocha dos Santos, Centro (estacionamento);

Pavilhão São Jorge (Café do Pina) – Avenida Floriano Peixoto em frente ao Cine Guarany, Centro;

Pavilhão Ajuricaba – Praça 15 de Novembro, Centro (atual Terminal de ônibus);

Tabuleiro da Baiana/Abrigo Pensador – Avenida Eduardo Ribeiro e Praça Oswaldo Cruz, Centro;

Antiga sede do Atlético Rio Negro Clube – Rua Barroso, Centro (atualmente funciona um estacionamento);

Edifício da rua Quintino Bocaiuva com rua Guilherme Moreira – Depois INSS;

Parque Amazonense – Beco do Macedo, Nossa Senhora das Graças (hoje no local só resta a fachada);

Palacete Jonathas Pedrosa – Avenida Sete de Setembro, Centro (atual Shopping Solimões);

Casa Quintas, de Percy Vaughan – Avenida Eduardo Ribeiro com rua Henrique Martins, Centro (atual Lojas Capri);

London Bank – Rua Guilherme Moreira, Centro (atual Top Internacional);

Instituto Montessoriano Álvaro Maia – Rua Paraíba, Adrianópolis (atual Condomínio Central Park);

Antiga sede do Nacional Futebol Clube – Rua Saldanha Marinho, Centro (atual depósito do Carrefour);

Palácio das Lágrimas – Rua Quintino Bocaiuva com Av. Joaquim Nabuco, Centro (atual Shopping Éden);

Sociedade Espanhola – Rua Luiz Antony, Centro (atualmente funciona um mini shopping);

Cemitério de São José – Av. Epaminondas, Centro (atualmente sede do Atlético Rio Negro Clube);

Cemitério de São Raimundo – Bairro de São Raimundo (atual Escola Estadual Marquês de Santa Cruz);

Hotel Restaurante Francês – Avenida Eduardo Ribeiro, Centro (atual Bradesco);

Casa Genaro – Avenida Sete de Setembro, Centro;

Casa do ETIAM – Avenida Sete de Setembro, Centro;

Bar Bolsa Universal – Esquina da antiga Praça do Comércio com a rua Tamandaré, ao lado do Complexo Booth Line (demolido para dar lugar a um estacionamento);

Colégio Santa Cruz de Manaus – Rua Major Gabriel com rua Ramos Ferreira, Praça 14 de Janeiro;

Boate Go Go – Avenida Eduardo Ribeiro, Centro (atual Edifício Manaus Shopping Center);

Edifício da Previdência Social – Esquina da Av. Sete de Setembro com a Av. Joaquim Nabuco, Centro (atual Edifício Sombra Palace Hotel);

Casa da família Lindoso – Rua Recife, Adrianópolis (Edifícios Alfa e Beta);

Colégio Gonçalves Dias – Av. Duque de Caxias, Centro (atual Museu do Índio);

Vila Glicínia – Rua Maceió, Adrianópolis;

Monumento a Sant’ Anna Nery – Antiga Praça Santos Dumont, Centro;

Monumento a Ribeiro Júnior – Av. Floriano Peixoto, atrás do Quartel da Polícia Militar, Centro;

Jardim de Infância Visconde de Mauá – Pátio do Colégio Estadual, Av. Sete de Setembro, Centro;

Casa de Antônio Barroso – Rua Barroso, Centro;

Palacete de Alfredo Augusto da Matta – Praça 14 de Janeiro;

Teatro de Bolso – Rua Codajás, Cachoeirinha;

Depósito de Borracha dos Aliados – Ilha de Monte Cristo, Igarapé de Educandos;

Café dos Terríveis – Rua 15 de Novembro com rua Visconde de Mauá, antiga Praça XV de Novembro, Centro (atualmente funciona um hotel);


* Levantamento feito pelos pesquisadores Ed Lincon Barros da Silva e Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa

CRÉDITO DA IMAGEM:

Blog do Coronel Roberto


domingo, 9 de setembro de 2018

Prédios históricos de Manaus em situação de risco (públicos e particulares)


Santa Casa de Misericórdia, na rua 10 de Julho, Centro.

A destruição do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, serve de alerta para a péssima situação em que se encontram boa parte do patrimônio histórico das cidades brasileiras e suas instituições de pesquisa. Eu e o pesquisador Ed Lincon fizemos um levantamento dos prédios históricos, públicos e particulares, em situação de risco na cidade de Manaus:

- Santa Casa de Misericórdia, rua 10 de Julho, Centro;

- Alfândega e Guardamoria, rua Marquês de Santa Cruz, Centro;

- Prédio dos Correios e Telégrafos, entre a Av. Eduardo Ribeiro e a rua Theodoreto Souto, Centro;

- Edifício Tartaruga, entre a Av. Floriano Peixoto e a rua Marquês de Santa Cruz, Centro;

- Complexo Booth Line (4 prédios), antiga Praça do Comércio, Centro;

- Hotel Cassina, entre as ruas Governador Vitório e Frei José dos Inocentes, Centro;

- Antiga Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, na Av. Sete de Setembro, Centro;

- Casarão de dois andares entre a rua Leonardo Malcher e a Avenida Getúlio Vargas;

- 2 casarões na Av. Leonardo Malcher, Centro;

- Antigo casarão da família Grosso, na Av. Joaquim Nabuco;

- Prédio da antiga Imprensa Oficial, na Av. Leonardo Malcher, Centro;

- Antiga sede do Corpo de Bombeiros e do Museu do Homem do Norte, na Av. Sete de Setembro;

- Castelo da Cervejaria Miranda Corrêa, no bairro de Aparecida;

- 9 casas da Antiga vila da Cervejaria Miranda Corrêa, na rua Dr. Aprígio, bairro de Aparecida;

- Casarão de 1908 na rua Adriano Jorge, bairro de São Raimundo;

- Antigo casarão da família Souza Arnaud, na rua Delcídio Amaral, bairro de Educandos;

- Antigo Museu do Porto, na Travessa Vivaldo Lima, Centro;

- Antigo Laboratório de Medicina Tropical e Biblioteca João Bosco Pantoja Evangelista, na Praça do Congresso, Centro;

- Prédio da antiga Escola Universitária Livre de Manáos e Escola Estadual Saldanha Marinho, na rua Saldanha Marinho, Centro;

- Casarão do Museu Amazônico, na rua Ramos Ferreira, no Centro;

- Antigo Casarão do Major Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, na Av. Major Gabriel, Centro;

- 9 Casas da rua Visconde de Mauá, Centro;

- Prédio da Fundição e Estaleiro São Ramiro, na rua Frei José dos Inocentes, Centro;

- 2 casarões geminados na rua Quintino Bocaiúva, Centro;

- Pavilhão Universal, Praça Tenreiro Aranha, Centro;

- 5 casas da Avenida Epaminondas, Centro;

- 7 casas na rua Luiz Antony, Centro/Aparecida;

- 1 casarão na rua Monsenhor Coutinho, Centro;

- 3 casas na rua Tapajós, Centro;

- 5 casarões na rua Ferreira Pena, Centro;

- 20 casas e casarões na Av. Joaquim Nabuco, Centro;

- 3 casas na rua Silva Ramos, Centro;

- 3 casas na rua dos Andradas;

94 prédios históricos, públicos e particulares, em situação de risco no Centro Histórico, adjacências e outros bairros. Esse não é o mais completo dos levantamentos, pois existem mais construções que necessitam de uma análise técnica mais criteriosa, mas a quantidade de prédios por nós arrolados dá uma dimensão da precariedade em que se encontra o patrimônio histórico de Manaus.


* Levantamento feito pelos pesquisadores Fábio Augusto de Carvalho Pedrosa e Ed Lincon Barros da Silva.



CRÉDITO DA IMAGEM:

Amazonas Atual

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Os primeiros passos da Província do Amazonas


Monumento em homenagem a João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, primeiro Presidente da Província do Amazonas.

Naquele 5 de Setembro de 1850 encerrava-se, pela força da lei, uma luta. Uma luta por emancipação política que teve início algumas décadas antes. A antiga Comarca do Alto Amazonas, subordinada à Província do Grão-Pará, era elevada à categoria de Província do Amazonas. Emancipada essa porção territorial, criada uma nova unidade política, era preciso organizar a administração, ver o que existia, o que faltava, cuidar da arrecadação. Enfim, planejar o futuro da nova província.

Seus limites seriam os mesmos da antiga Capitania de São José do Rio Negro: "com a Capitania de Mato Grosso, ao sul, através da Cachoeira de Nhamundá até sua foz no Amazonas e deste pelo outeiro de Maracá-Açu, ficando para o Rio Negro a margem ocidental do Nhamundá e do outeiro" (REIS, 1989, p. 121).

Quando a província foi entregue a seu primeiro Presidente, João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), esta contava com a Guarda Policial, criada em 04 de abril de 1837, formada por dois Batalhões com uma força de 1339 praças. Contava, ainda, com as Companhias de Trabalhadores, instituídas pela Lei 25 de Abril de 1838. Essas companhias eram instituições que recrutavam trabalhadores, índios e mestiços, para a prestação de serviços compulsórios para o Estado e para particulares. Com 2 Termos com foro independente, a Província tinha 4 Municípios, 20 Freguesias, 18 Distritos de Paz, 2 Delegacias e 11 Subdelegacias.

O estado da segurança pública, em síntese, era considerado lisonjeiro, ainda que as maiores ameaças consideradas pelos administradores locais fossem os ataques de indígenas das tribos arara e karipuna, que vez ou outra assaltavam embarcações e matavam seus passageiros.

No que tange o culto público, a religião Católica, existiam 3 Missões na região para a catequese dos indígenas: a de Porto Alegre, em São Joaquim do Rio Branco, no Alto Rio Branco, onde eram catequizados uapixanas, macuxis, jaricunas, anhuaques, arutanis, procutus e saparás; a de Japurá, Içá e Tonantins, na margem esquerda do Solimões, cujos trabalhos eram feitos com ticunas, mariatés, xomanas, juris e passés; e a do Andirá, em Vila Nova da Rainha (Parintins), voltada para a catequese de maués e muras. As missões não estavam dando os resultados esperados, o que era atribuído “a carencia de Missionarios esclarecidos, e animados de fervor religioso, e de patriotismo; a insufficiencia dos meios pecuniarios, de que se tem disposto; e a falta de um systema de educação mais apropriada”.

Em aspectos educacionais, em seus anos iniciais a província possuía 8 escolas de ensino primário, das quais 7 estavam plenamente providas de todos os materiais necessários para o funcionamento. A única instituição de ensino secundário, o Seminário São José, criado em 1848, ficava na capital. Nele era ensinada Gramática Latina, Língua Francesa, Música e Canto. À época era frequentado por 17 alunos, sendo 13 internos. Em trabalho de recenseamento realizado em 1851, a população da nova província foi estimada em 29.798 habitantes, sendo 7.815 homens livres e 225 escravos; 8.772 mulheres livres e 272 escravas; 6.776 menores do sexo masculino livres e 117 escravos; e 5.685 menores do sexo feminino livres e 136 escravas.

Assim se encontrava a província do Amazonas, de acordo com a Exposição apresentada em 9 de dezembro de 1851 por Fausto Augusto de Aguiar, Presidente da Província do Pará, a João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha. A par dessas informações, do lugar que primeiro administraria, Tenreiro Aranha pôde enfim instalá-la, em 01 de Janeiro de 1852. Reproduzo a seguir o Auto de Instalação da Província do Amazonas:

Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos e cincoenta e dous, trigesimo primeiro da Independencia e do Imperio, ao primeiro dia do mez de Janeiro do dito anno nesta Cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro, e Paço da Camara Municipal respectiva, pelas dez e meia horas da manhã, onde se achava reunida a mesma Camara, e sendo ahi presente o Excellentissimo Snr. João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, que acabava de prestar juramento e tomar posse do Cargo de Presidente desta Provincia por ter sido nomeado por Carta Imperial de 7 de Junho ultimo, nos termos da Lei; e depois de tomar o juramento e dar posse aos demais Empregados nomeados pelo Governo de SUA MAGESTADE O IMPERADOR para Chefes de diversas Repartições; e em presença da mesma Camara, de todas as Authoridades Civis, Militares, e Ecclesiasticas, e de grande concurso de Cidadãos, que se achavão reunidos no dito Paço, declarou o mesmo Excellentissimo Senhor: que em virtude da dita Carta Imperial, e das Instrucções do Governo de SUA MAGESTADE O IMPERADOR installava a Provincia do Amazonas creada pela Lei geral numero quinhentos e oitenta e dous de cinco de Setembro de mil oitocentos e cincoenta, para que nessa Cathegoria entre em suas regalias. E, para constar, mandou lavrar este Auto que assignou o mesmo Excellentissimo Senhor, e ápoz delle todas as demais authoridades, tanto desta Capital, como das Villas e Freguezias da Província, que se acharão presentes. E eu João Wilkens de Mattos, Secretario do Governo por SUA MAGESTADE O IMPERADOR o escrevy. - João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha – Manoel Gomes Corrêa de Miranda, Vice-Presidente da Provincia, e Juiz de Direito e Chefe de Policia – Joaquim Gonçalves de Azevedo, Vigario Geral e Vice-Presidente da Provincia – João Henrique de Mattos, Vice-Presidente e Commandante Superior da Guarda Nacional – João Ignacio Rodrigues do Carmo, Vice-Presidente, e Presidente da Camara Municipal – Manoel Thomaz Pinto, Vice-Presidente e Promotor Publico da Comarca – Alexandrino Magno Taveira Pau Brazil, Vereador da Camara e 3°. Supplente do Delegado – Francisco Antônio Roberto – Antonio José Brandão – Manoel José de Macedo – Pedro Mendes Gonçalves Pinheiro – Bernardo Francisco de Paula e Azevedo – João Fleury da Silva, Vereador e Alferes da Guarda Policial – Albino dos Santos Pereira – José Manoel Rangel de Carvalho, Inspector interino – O Padre Romualdo Gonçalves d’ Azevedo – Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães, Administrador da Recebedoria – José Cazemiro Ferreira do Prado, Delegado de Policia – Clementino José Pereira Guimarães, Secretario da Camara Municipal – Maximiano de Paula Ribeiro, Juiz Municipal e Orffãos – Aureliano da Silva – O Capitão Manoel da Cotta Falcão e Brito – Fr. Gregorio José Maria de Bem, Missionario apostolico – Manoel Joaquim de Castro e Costa, 2° Tenente d’ Armada, Immediato do Vapor de Guerra Guapiassú – Francisco Xavier de Moraes Pereira, 2° Cirurgiãode N° - D. Bento de Tavora Noronha Saldanha Freire d’ Andrade, Escrivão – Tenente, João Marcelino Taveira Pau Brazil – Sabino Antonio Brandão – José Bento da Silva – Antonio Pereira Lima – José Coelho de Miranda Leão Junior, Escrivão Contador – Fernando Felix Gomes Junior – Bernardino de Oliveira Horta – Antonio Manoel Sanches Fialho – Antonio Dias Guerreiro de Oliveira – João Manoel de Souza Coelho – Joaquim Manoel Palheta – Silvestre Tenreiro Aranha – Venancio Antonio de Castro – Guilherme Antonio de Sá – Viriato Severiano Ribeiro – José Arthur Pinto Ribeiro – Francisco Joaquim Batalha – João de Oliveira Seixas – Henrique Antony – Alexandre Paulo de Brito Amorim – Marck William – Marçal Gonçalves Ferreira – Marcello Candido Pinto Amazonio – João Hauxwell – Antonio Lopes Braga – Thomaz José Pereira Guimarães – Manoel Rodrigues Cheeks Nina – Antonio José Ribeiro de Lucena Cascáes – Raymundo José Ferreira d’ Alcantara – Ricardo José Corrêa de Miranda – Manoel Francisco Fernandes – Joaquim d’ Oliveira Horta – João Fleury da Silva Brabo – Jeronimo Rodrigues do Carmo – Arystides Justo Mavignier – Severino Eusebio Cordeiro, Tenente Ajudante d’ Ordens – Alexandre Ramos da Silva – Balbino José Pereira Guimarães – Pedro Luiz Simpson – Agostinho Hermes Pereira, Professor de 1°as Letras – O Alferes José Ferreira Ribeiro Bitancourt – O Capitão reformado Joaquim Isidoro d’ Oliveira – Ajudante Contador do Correio do Pará em Commissão nesta Provincia, Lourenço Justiniano da Gama – Manoel da Silva Ramos.

Também é de 1852 a conhecida planta da cidade de Manaus, capital da província. Nessa planta, feita pelo presidente João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, além dos limites urbanos, pode-se observar que a pequena cidade era dominada pelos igarapés de São Vicente, da Ribeira, do Espírito Santo e do Aterro, que cortavam seus poucos bairros (Remédios, República, Espírito Santo, Campina e São Vicente). As ruas continuavam estreitas e curtas, sendo definidas de forma natural pelo terreno. Registra-se, ainda, como acontecimento marcante para a região, a introdução da navegação a vapor, mediante a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, dirigida por Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.

Instalada a província em 1 de Janeiro de 1852, nomeados seus vice-presidentes e demais funcionários, seguiram-se festejos e dois tradicionais atos religiosos: o de Ação de Graças, na capela do Seminário São José, e o Te Deum Laudamus (A Ti Louvamos, Deus), na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, à época servindo de Igreja Matriz.


FONTES:


Exposição apresentada ao Exmo. Presidente da Província do Amazonas, João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, por occasião de seguir para a mesma Provincia, pelo Exmo. Presidente da do Grão Pará, Dr. Fausto Augusto de Aguiar, em 09 de dezembro de 1851.

Auto da Installação da Provincia do Amazonas pelo Exmo. Snr. João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha Seu 1° Presidente, no Dia 1° de Janeiro de 1852.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

REIS, Arthur Cézar Ferreira. História do Amazonas2° ed. Belo Horizonte: Itatiaia; Manaus, Superintendência Cultural do Amazonas, 1989.


CRÉDITO DA IMAGEM:

nvconstrututora.com.br

domingo, 2 de setembro de 2018

Modos e Modas dos Manauaras no século XIX

Interior da casa de modas e confecções Au Bon Marché, de Lifsitch & Russo.

Modos e modas. Dois elementos que acompanham nossa sociedade desde tempos imemoriais. Formas de ser, de sentir, de se comportar, de se vestir, bastante maleáveis, alterando-se em dias, meses, anos ou séculos. Modos lembram formas de conduta, maneiras. Modas, formas de vestir-se. Duas palavras que se confundem mas possuem suas diferenças. Moda (s) são mais abrangentes que modos, pois tudo vira moda, tudo entra na moda. Ideologias, formas arquitetônicas, alimentos etc. No entanto, nesse texto, tratarei modas como sinônimos de formas de se vestir, e modos como formas de conduta.

Os viajantes europeus que passaram por Manaus no século XIX produziram valiosos relatos sobre os modos e modas dos habitantes da cidade, ainda que seus escritos, críticas e opiniões estivessem baseados em valores totalmente diversos do da região naquele momento. Por volta de 1849, o naturalista, geógrafo e biológo inglês Alfred Russel Wallace escrevia o seguinte sobre os modos dos habitantes da então Vila da Barra do Rio Negro:

Os habitantes mais civilizados de Barra dedicam-se todos ao comércio, não havendo ali qualquer outra diversão, se assim podemos considerar, que não seja a de beber e jogar em pequena escala. A maior parte nunca abre um livro ou trata de empregar o seu tempo em qualquer outra ocupação intelectual” (WALLACE, 2004, p. 215).

Observou, também, que estes só vestiam-se com certo refinamento em dias especiais, como nas missas realizadas aos domingos. As mulheres se vestiam graciosamente e os homens abandonavam por algumas horas a rusticidade dos dias úteis da semana:

aos domingos, principalmente, todos trajam as suas melhores roupas. As mulheres vestem-se elegantemente, exibindo lindos vestidos, confeccionados com gazes e musselinas francesas. Em geral, têm elas bonito cabelo, que é penteado cuidadosamente; ornam-no de flores e não o cobrem, pois não usam chapéus, nem escondem o rosto sob véus. Os homens, que passam a semana inteira em mangas de camisa e de chinelos, nos imundos armazéns, trajam nesse dia bonitos ternos escuros, chapéu de castor, gravata de cetim e finíssimos sapatos de pelica (WALLACE, 2004, p. 215).

Após esse contato, o viajante inglês concluiu que “os sentimentos morais em Barra estão reduzidos ao mais baixo grau de decadência possível, mais do que em qualquer outra comunidade civilizada” (WALLACE, 2004, p. 216). Wallace possivelmente fala dos habitantes de classe média ou mesmo abastados da Vila da Barra, os que realmente tinham condições de adquirir produtos importados. Até esse período, final da década de 40 do século XIX, produtos da última moda, palavra já bastante em voga no mundo ocidental, eram em sua maioria adquiridos de Belém, capital da Província do Pará. A introdução, em 1852, da navegação a vapor na região, facilitou a introdução dos manufaturados do Velho Mundo, dentre eles o vestuário, de preferência o francês. Em 1855, o comerciante Leonardo Ferreira Marques anunciava ter para vender em seu estabelecimento, em Manaus, um

lindo sortimento de fazendas francezas, vindo ultimamente de París, e pelo último vapôr chegado do Pará – a ser – Cortes de vestidos de damasco bordados; ditos gros de naple, ditos de seda escoces, de damasco branco bordado para noiva, ditos de varias sedas de cores, e branca, um grande sortimento de vestidos de bareje da ultima moda, um variado sortimento de tafetas, glacé para vestidos, vestuario de meninos, e manteletes, lenços de seda de superior qualidade para algibeira, setins superiores de varias cores, fitas lavradas de muito bom gosto para sinto e enfeites de vestidos, ricas fitas de veludos para pintiados e pulseiras, um grande sortimento de rendas, de seda branca, e preta, luvas para homem, e Snra, chapéos de meninas, mininos e para homem tudo de palha de Italia, requifes de todas as qualidades para enfeites, e manteletes, um bom sortimento de lanzinhas de gostos modernos para vestidos, camizinhas bordadas para Snras, lenços de cambraia de linho bordados para ditos. Hum grande sortimento de ricos manteletes feitos pelos ultimos modelos de París” (ESTRELLA DO AMAZONAS, 21/07/1855).

A variedade de produtos anunciados por Leonardo Ferreira Marques impressiona. Anúncios semelhantes passariam a ser publicados pelos novos estabelecimentos que iam surgindo na cidade e pelos antigos que começavam a se adaptar às novas exigências de seus clientes. A facilidade proporcionada pela navegação dinamizou as atividades comerciais, consequentemente alterando o vestuário local, que naquele período teria como maior influência a moda europeia (leia-se francesa). Algumas dessas casas de modas tinham nomes pomposos como a ‘Ville de Paris’, propriedade de Joze Joaquim Ribeiro Couto, na antiga rua dos Inocentes (atual Visconde de Mauá), que em 1869 oferecia aos seus clientes “ventarolas de seda, espartilhos, luvas de Jouvim, botinas para senhoras, sapatinhos de marroquim e muitos outros objectos” (O CATEQUISTA, 18/12/1869). A moda francesa influenciaria por muitas décadas a cidade. Em um artigo intitulado Causerie, assinado por Lúcia e publicado no jornal O Imparcial, recomendava-se desde as cores até os tecidos em alta na primavera francesa:

As côres que mais salientam-se são: crême, marfim, branco e bege, e o cinsento em todos os tons e nuances. Os tecidos dominantes são ligeiros, porem consistentes. Em saias, a alta novidade, é não barral-as, tendo-as no entanto sempre dispostas sobre transparentes de tafetá, ou outras sêdas ligeiras. Não soffrerão por enquanto alteração alguma as saias, que continuarão guarnecidas com folhas usadas por dous modos: ou dispostos em distancias iguaes em toda altura da saia, ou em grupos de trez, cinco e sete, muitos justos estes entre si, guardando os grupos o espaço de dez a vinte centimetros um do outro […] Os boleros estão abolidos pelas elegantes e será substituido pelos corpinhos em blusa que continuarão a dar o tom de chic e elegância” (O IMPARCIAL, 20/04/1897).

Uma década depois de Alfred Russel Wallace, em 1859, o médico e explorador alemão Robert Christian Avé-Lallemant foi bastante direto ao dizer que em Manaus “todos mandriam [...], todas as categorias e classes em geral, brancos, de cor, livres e escravos” (AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 106). Assim como Wallace, viu que os homens e mulheres vestiam-se melhor nos dias de missa, ainda que os primeiros tivessem a “aparência desleixada e gestos grosseiros” (AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 106).

Louis e Elizabeth Agassiz, o primeiro, zoólogo e geólogo suíço, e a segunda, educadora norte-americana, estiveram na cidade em 1865 por ocasião da Expedição Thayer. O casal de viajantes, durante a realização de um baile no Palácio do Governo, notou que “era grande a variedade das toaletes; a seda e o cetim misturavam-se à lã e às gazes, e os rostos mostravam todas as tonalidades do negro ao branco, sem esquecer as cores acobreadas dos índios e dos mestiços” (AGASSIZ, 2000, p. 270). Para eles os brasileiros eram boas pessoas e muito hospitaleiros, mas muito formais e um tanto vaidosos quando se trata de etiqueta:

As damas, ao chegarem, vão sentar-se em banquetas estofadas que estão colocadas ao longo das paredes do salão de danças; de tempos em tempos, um cavalheiro avança corajosamente até essa formidável linha de encantos femininos e diz algumas palavras; mas só mais tarde, depois que as danças dividem os convidados por grupos que se misturam é que a festa se torna realmente alegre(AGASSIZ, 2000, p. 270).

Apesar de toda a alegria e cordialidade, o casal Agassiz não pôde deixar de registrar, em tom de desaprovação, a conduta de algumas senhoras e jovens da sociedade, deixando transparecer o puritanismo do protestantismo de suas terras natais:

Grande foi a animação e luxo no Grande Baile. As mais distintas famílias manauaras presentes. As senhoras e senhoritas na ocasião com toilettes e jóias resplendorosas. Não podemos deixar de perceber que algumas senhoras e senhoritas se excediam em amabilidades com cavalheiros, independente se suas esposas ou pretendente estivessem presente” (AGASSIZ Apud MORGA, 2012, p. 4).

Esperava-se que os homens fossem bons filhos, bons pais, honrados e laboriosos, e as mulheres boas filhas, mães, esposas e donas de casa, dentro da moral cristã que lhes definia funções e posições.. Isso fica evidente nos necrológios, elogios fúnebres, publicados em periódicos. Por mais que sejam elogios, isto é, sem espaço para críticas, essas publicações dão um indício de quais modos e valores eram esperados de homens e mulheres. Inácio da Cunha Arruda e Sá, falecido em 1856, findou seus dias “dando provas de bom filho e verdadeiro Christão” (ESTRELLA DO AMAZONAS, 30/04/1856). Ana Raimunda Ferreira de Araújo Gomes, falecida em 1859, foi “nascida e educada segundo as maximas puras da Religão de Jesus Christo […]” e “um perfeito modelo das mães de famílias; e enviuvando ainda moça dedicou-se unicamente á educação de seos filhos, certa do dever que lhe cumpria de dar á Patria Cidadãos honrados e honestos, e á Religião filhos virtuosos” (ESTRELLA DO AMAZONAS, 26/10/1859).

Os inventários post-mortem e de bens penhorados para o pagamento de dívidas também permitem conhecer um pouco mais intimamente o guarda-roupas dos manauaras do século XIX. Dos 93 bens deixados por Guilherme Xavier de Lima, 87 eram acessórios e roupas:

1 relógio n° 6:694, 1 trancelim de ouro com chave de relogio com 6 oitavas, 1 anelão de ouro com 2 oitavas, 2 botões de peito de ouro com pedra, 12 camisas inglesas novas, 21 ditas de caniclo usadas, 4 pares de calça de linho, 4 coletes de fustão usados, 4 siroulas de linho usadas, 1 palitó branco de linho, 1 sobrecasaca de pano preto usada, 1 casaca de dito dita, 1 colete novo de veludo, 5 ditos diferentes usados, 2 gravatas usadas, 1 duzia de meias novas, 3 pares de ditas usadas, 1 chapeo de molla, 1 rede de fio usada, 1 par de botinas usadas, 1 barrete de seringa, 1 estojo de barba, com 2 navalhas, 1 livro, diccionario de portuguez, 1 bengala de cana, 1 bahu de couro usado” (ESTRELLA DO AMAZONAS, 26/01/1859).

Antônia Cecília Vianna Cardoso, em 1887, teve um grande número de bens penhorados para o pagamento de uma dívida. Roupas e acessórios eram a maioria:

uma grande mala francesa, contendo dentro: duas colchas sem rendas, uma saia e um paletot, dois pares de luvas de côr, dez metros e dez centimetros de poupelina de seda; dois leques pretos; quatro guardanapos em bom estado, uma camiza de flanella uzada, seis toalinhas de laberintho, um lenço de laberintho, cinco calças de casimira sendo duas pretas e uma azul e duas de côr, oito duzias de botões de seda […] uma casaca e um fraque de pano fino uzados, um par de sapatinhos de sras uzados […] uma capa de lã de côr, um vestido de seda amarella com enfeites dourados, um vestido de seda verde claro em bom estado, uma saia de cambraia branca, um vestido de seda parda por acabar, dois casacos de lã de cores, uma saida de baile de lã azul, um lenço de fita de seda amarella, dois chapeos de palinhas uzados de sras, uma copata uzada […] um vestido de cambraia fina branca, quatro casacos de sra, sendo um amarello e um encarnada e dois preto sendo um de mirinó e um de veludo, um vestido de cetim azul claro, uma polonezia de sêda amarella, um corpinho branco, tres leques sendo um de pennas pretas, um singello preto e outro roxo, uma capa de lã de varias cores […] dois chapeos de sol de sêda usados […] e um colete branco” (JORNAL DO AMAZONAS, 22/03/1887).

Tanto homens quanto mulheres, no dia a dia, utilizavam roupas feitas com tecidos leves e de cores claras, de forma a amenizar o calor da cidade, pois, de acordo com o historiador, geógrafo e professor Agnello Bittencourt (1876-1975), “embora a temperatura média de Manaus fôsse mais baixa uns 2,5° c que a de agora (1969), ainda assim o calor às vezes era grande” (BITTENCOURT, 1969, p. 70). Ainda assim, continua Bittencourt,

não era menor a elegância da época – as mulheres espartilhadas e vestidas até aos pés em pesadas sêdas; os homens, transpirando em seus fraques, croisés e casacas, muitas vêzes talhados em Londres, cartola ou chapéu-coco, colête, peito engomado e colarinho alto sob a forte canícula ou nos animados bailes, tão frequentes nos palacetes particulares, em suntuoso estilo ‘fin-de-siècle’” (BITTENCOURT, 1969, p. 70).

Um olhar mais atento sobre as fotografias publicadas em álbuns, como o Álbum Comercial de Manaus (1896) e o Vistas de Manáos (c. 1897), permite identificar os tipos de vestimentas das pessoas que aparecem timidamente, quase escondidas, postas em segundo plano ou, em alguns casos, em grande número em espaços públicos.

Álbum Vistas de Manáos, c. 1897.

Álbum Vistas de Manáos, c. 1897.

Álbum Comercial de Manáos, 1896.

Mercado Público. Álbum Comercial de Manáos, 1896.

Os cuidados com bigodes, barbas e cabelos também fazem parte da moda. No século XIX, vários trabalhadores especializados, com larga tradição na Europa, migraram para o Amazonas. Em 1877, Jorge Petrus, cabeleireiro francês, anunciava a abertura da sua “bonita loja de cabellereiro” na rua da Imperatriz (atual Lobo D’ Almada), que possuía todos os materiais para “renovar cokes antigos, cachos, tranças etc, tudo ao ultimo gosto de Paris” (JORNAL DO AMAZONAS, 16/01/1877). Utilizava, contra caspas, shampoos americanos. Além dos shampoos, homens e mulheres poderiam utilizar o famoso Tônico Oriental de Kemp, preventivo contra a calvice e recomendado para o penteado de cabelos de senhoras e crianças e para as barbas de senhores. Sobre o bigode e a barba, diz a museóloga Alice Aparecida Labarca Puelles, que os homens do século XIX “já não utilizavam mais a barba toda e cheia, era considerado vulgar, optando por bigodes ou bigodes e barbicha no queixo, à Napoleão III” (PUELLES, 2014, p. 37). Abaixo podem ser vistos alguns modelos locais, como a barba inteira de João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), as vistosas patilhas (pelos laterais, também conhecidos como suíças) e bigode de Guilherme José Moreira (1835-1899) e o bigode sóbrio de Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900).

João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), Guilherme José Moreira (1835-1899) e Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900).

Falar dos cabelos das mulheres e não falar dos penteados é como não ter dito nada. Eles sofreram grandes mudanças ao longo do século XIX. Se até determinado momento desse período as ondulações regulares que cobriam parte das orelhas eram a preferência, no final dele, escreve Lúcia, na coluna Causerie do jornal O Imparcial, “não se fazia mais questão”, preferindo-se um penteado em que o cabelo ficava “apenas um pouco levantado em topete, a frente desembaraçada conservada alguns crespos aos lados, nas fontes […] feito o chignon no alto da nuca é preso por grampos de tartaruga ou de fantazia […] e aos lados collocam-se travessinhas para conter os cabellos mais rebeldes” (O IMPARCIAL, 21/03/1897). Para as festas, Lúcia recomendava que as mulheres utilizassem fitas nos cabelos, bem como flores naturais para adorná-los.

Quanto aos acessórios, em alguns registros fotográficos da cidade é possível ver os transeuntes, em sua maioria homens, utilizando chapéus do tipo coco, booter, Chile, Panamá e Fedora. Quando não aparecem com bengalas em mãos, portam guarda-chuvas. O uso, de bolsas, no caso das mulheres, era tímido, praticamente nulo, se popularizando apenas no século seguinte. Pulseiras, colares, brincos, diamantes e outras pedras preciosas poderiam ser adquiridas em ourivesarias, em bazares e leilões, como os que ocorreram em 1897 na rua Municipal (atual Avenida Sete de Setembro, todos regados “com a bôa cerveja gelada” (O IMPARCIAL, 25/05/1897).

Álbum Vistas de Manáos, c. 1897.

De acordo com o historiador Antônio Emílio Morga, ao difundir novas maneiras de ser e estar em sociedade os agentes da modernidade imprimiam na teia da sociedade manauara um conjunto de regras e receituários sobre o viver no mundo publico e privado(MORGA, 2013, p. 12). Esses agentes da modernidade de que fala o historiador, em primeiro lugar, eram os viajantes europeus. Wallace, Lallemant, Agassiz e tantos outros que andaram pelos caminhos tortuosos da vila e, posteriormente, cidade de Manaus, depararam-se com pessoas, modos e modas diversos de seus países de origem, por mais que já fosse possível identificar elementos de influência europeia. Por último, a imprensa, a nascente imprensa amazonense do século XIX, agente da modernidade, sempre a par das novidades europeias, promotora dos discursos considerados essências para tirar a região do atraso da barbárie e inseri-la no mundo moderno.


FONTES:

Estrella do Amazonas, 21/07/1855.
Estrella do Amazonas, 30/04/1856.
Estrella do Amazonas, 20/10/1859.
O Catequista, 18/12/1869.
Jornal do Amazonas, 22/03/1887.
O Imparcial, 20/04/1897.
O Imparcial, 25/05/1897.
O Imparcial, 21/03/1897.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


AGASSIZ, Jean Louis Rodolph. Viagem ao Brasil 1865-1866. Trad. de Edgar Süssekind de Mendonça. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.

AVÉ-LALLEMANT, Robert. No Rio Amazonas. Trad. Eduardo de Lima Castro. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1980.

BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus: Pródromos e Sequências. Manaus: Sérgio Cardoso, 1969.

MORGA, Antônio Emílio. Mulheres do Amazonas na Narrativa dos Viajantes. In: VI Simpósio Nacional de História Cultural. Escrita da História: Ver - sentir - Narrar, 2012, Teresina. Anais do VI Simpósio Nacional de História Cultural. Escrita da História: Ver - Sentir - Narrar. Local da Edição: Uberlândia: Editora: GT Nacional de História Cultural, 2012. p. 1-13.

_____________________. Afetividade e Sociabilidade: masculinidade no Amazonas nos relatos dos viajantes no século XIX. In: ANPUH - XXVII Conhecimento histórico e diálogo social, 2013, Natal. Caderno de Resumo, 2013. p. 01-14.

PUELLES, Alice Aparecida Labarca. O vestuário e seus acessórios em São Paulo em meados do século XIX: uma construção de vocabulário para compreender indumentária. 2014. Dissertação (Mestrado em PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM MUSEOLOGIA) - Universidade de São Paulo.

WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Álbum Vistas de Manáos - Instituto Moreira Salles.
Álbum Comercial de Manáos - SEC-AM.
João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, Guilherme Moreira Salles e Eduardo Gonçalves Ribeiro - Blog do Coronel Roberto.
Au Bon Marché - Instituto Durango Duarte.