2° parte da postagem. Anteriormente, tivemos um panorama da sociedade manauara nos anos 1940. Agora, vamos entender como Manaus foi inserida no contexto da Segunda Grande Guerra, e quais os proveitos tirados desse período obscuro da História Mundial.
Pelo Porto de Manaus, no início do século passado, passaram inúmeras pélas de borracha. Em um breve momento dos anos 40, essa mesma situação voltaria a ocorrer. Foto de 1940, A Favorita.
Em
1939, a deflagração da Segunda Guerra Mundial envolveu os países
do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e países do bloco Aliado
(Inglaterra, França, Estados Unidos, etc.), atraindo o mundo para um
desastre letal. Em 1941, o Japão atacou bases militares
norte-americanas e britânicas no Pacífico e invadindo possessões
asiáticas produtoras de borracha, responsáveis por 95% de toda a
produção mundial desse produto. Privados desta preciosa
matéria-prima, os aliados voltaram seus interesses para a única
região com capacidade suficiente para suprir esta perda - a
Amazônia.
O
torpedeamento de navios brasileiros, dentre eles o Baependi, que
ceifou a vida de muitos amazonenses e provocou uma onda de ira na
cidade, com patriotas amazonenses depredando e agredindo cidadãos de
origem alemã e italiana, fez o governo brasileiro declarar guerra
aos países do Eixo, inserindo o país no conflito mundial.
Incorporado diretamente no conflito como potencial fornecedor dessa
matéria prima o Amazonas assistirá novamente um surto de migração
rumo aos rios e florestas em busca da borracha.
Para
atingir esses objetivos é necessário reestruturar toda organização
produtiva no Estado, no que diz respeito à força de trabalho,
transporte, estocagem, comunicação e infraestrutura administrativa
e Manaus foi escolhida para ser uma das sub sedes desse monumental
plano proposto nos “Acordos de Washington”, assinado pelo Brasil
com governos aliados, capitaneados pelos Estados Unidos da América e
gerenciado pela Rubber Development Company, cujo escritório foi
instalado nas dependências do Teatro Amazonas.
Presidente Getúlio Vargas em visita a Manaus, 1940. Registro feito pelo fotógrafo americano Hart Preston, nas dependências do antigo Quartel da Polícia Militar do Amazonas, atual Centro Cultural Palacete Provincial. Sua visita visava acordos comerciais para o fornecimento de borracha para os Aliados.
Este
foi um período ruim para todos e sofreram muito com o conflito. A
cidade, que já vinha tendo problemas de abastecimento de alguns
gêneros alimentícios e outros produtos como café, açúcar, óleo
de cozinha, feijão, arroz, sal, carne entre outros mais vitais, já
que não os produzia, por conta da estagnação econômica e dependia
do abastecimento externo, com a entrada do Brasil no conflito, terá
a situação agravada com o bloqueio naval e o racionamento. Com a
falta de produtos industrializados, principalmente combustíveis,
roupas, remédios e equipamentos de reposição o povo teve de se
virar com improvisos regionais. O mercado negro nessa época foi
muito ativo, enriquecendo muito comerciantes inescrupulosos.
A
situação da energia elétrica só piorou com a guerra, porque se
acentuaram os apagões, que se tornaram uma verdadeira agonia por
conta do excesso de zelo das autoridades militares, que temia um
improvável ataque de aviões do Eixo a tão longínqua capital do
Amazonas realizando exercícios de blackout durante todo o período
da noite. Todavia, essas interrupções ocorriam, na maior parte, tão
somente por causa do desabastecimento de combustível usado para
movimentar os precários geradores instalados ainda no período da
borracha, muitas das vezes, suspenso pela falta de liquidez do
sistema que, até 1932, fora controlado pelos ingleses e, desde
então, subsistia sempre deficitário. Na verdade, quem sofreu mesmo
com o impacto das restrições foram apenas os mais pobres.
Mesmo
com a desorganização e falta de sintonia entre os vários órgãos
gestores do mega projeto americano, que não alcançou seus objetivos
e produziu uma quantidade pífia de borracha nativa, pois o preço
estava abaixo do mercado, foi a partir dos investimentos oriundos
dele que a cidade vai ter algumas reformas na sua infraestrutura,
reformando e construindo novos edifícios públicos, recebendo novas
vias e recuperando outras, reaparelhando portos e locais de embarque
e desembarque de borracha, inclusive dando sinais de um curto ciclo
de desenvolvimento a partir da circulação monetária acompanhada de
uma tímida especulação imobiliária. O comércio revigorou seus
estoques por algum tempo, ganhando folego e renovando esperanças, já
que não se sabia quando a guerra iria acabar.
Seringueiro, 1943, Acervo IBGE. Uma nova leva de nordestinos viria para a Amazônia, para suprir a falta de mão de obra para a extração do látex, utilizado para fabricar borracha para os Aliados. Durante a 2° Grande Guerra, esses trabalhadores ficaram conhecidos como "Soldados da Borracha". Até hoje lutam por reconhecimento e pagamentos do governo.
Em
1944, foi inaugurado o Aeroporto de Ponta Pelada no bairro da Colônia
Oliveira Machado, introduzindo a cidade nas comunicações aéreas,
muito embora as rotas comerciais aéreas já operem em Manaus desde
1932, com os hidroaviões da Panair do Brasil. Muitos migrantes
nordestinos, que compunham os “Soldados da Borracha” que não
chegaram nem a ir aos seringais ou fugiram deles durante e depois da
guerra, se refugiaram na cidade, aumentando consideravelmente sua
população, indo habitar antigos bairros como Colônia Oliveira
Machado, Educandos, Santa Luzia, bem como contribuíram para a
formação de novos a exemplo do Morro da Liberdade, da Chapada e
Barro Vermelho ou se alojando em locais já visivelmente
estrangulados, como a “Cidade Flutuante”, se constituindo como um
novo componente do estrato social da cidade.
Muitos
manauaras participaram diretamente do conflito nos campos de batalhas
europeus à frente das tropas do 27º Batalhão de Caçadores, (o
famoso 27BC) que foi incorporado ao 5º Escalão da Força
Expedicionária Brasileira (FEB) do general Mascarenhas de Moraes, em
1945. O sargento Manoel Chagas, que era natural de Manaus, foi o
único militar a perecer no conflito, vitima de uma mina terrestre
que explodiu a viatura em que viajava.
Manoel Chagas. Foto do livro o Amazonas na Segunda Guerra Mundial.
Mas
a guerra teve seu fim e, com ela, as esperanças de tirar a região
do abismo sem fim do subdesenvolvimento. Os planos de desenvolvimento
concebidos nos “Acordos” foram abandonados, as verbas
indenizatórias dos trabalhadores foram descaminhadas, as estruturas
do atraso não foram rompidas e tudo voltou como dantes. As atenções
do governo federal agora são para as regiões Sul-Sudeste, por estas
apresentarem mais condições de dinamismo econômico. A Amazônia
vai ser mesmo esquecida do resto da nação por muito tempo.
Como
medida de alento, a partir da formulação da nova Constituição
brasileira, promulgada em 18 de setembro de 1946, em seu Artigo 199,
introduzido pelo deputado federal Leopoldo Peres, a União passa a
ser obrigada a destinar pelo menos 3% de toda a receita tributária
bruta do país para financiar o Plano de Valorização Econômica da
Amazônia como meio de fomentar o progresso regional. As expectativas
tomaram contas das mentes e dos sentimentos dos amazonenses,
principalmente dos manauaras, interessados em romper as amarras da
indigência econômica e fomentar algum progresso na cidade. No
entanto, as medidas não se concretizaram e, somente a partir da
década seguinte, é que alguns mecanismos de operacionalização dos
recursos serão implementados e, mesmo assim, de forma muito tímida,
sem trazer resultados práticos de imediato, sendo que, a maior parte
deles, se concentrou na parte oriental da região beneficiando tão
somente o estado do Pará, trazendo apenas como consequência mais
desigualdades regionais.
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