Introdução
1910,
1912, 1929. Datas
utilizadas na tentativa de delimitar o começo e o fim da crise que
assolou a Amazônia em princípios do século XX. Tentar delimitar o
início e o fim de período é uma tarefa que envolve questões
sociais e históricas complexas, que dependem da interpretação de
uma pessoa ou grupo que se encarrega dessa tarefa. Na maioria das
vezes, os historiadores ou pesquisadores de outras vertentes não são
contemporâneos da época em questão, o que implica em julgamentos
mais ou menos coerentes. No mais, foi a primeira vez que a região
sofreu um abalo como esse. A economia gomífera substituiu a extração
das drogas do sertão, forte entre os séculos XVII e XVIII, e o
modesto cultivo
de gêneros alimentícios. Mas,
quando a borracha perdeu valor no mercado mundial, demorou para que
outras atividades a substituíssem com a mesma rentabilidade e furor
do início do século XX. Nessa terceira e última parte da série A
economia gomífera na Amazônia
serão abordados o declínio da economia gomífera; a busca pelos
culpados; a situação dos estados do Pará, Amazonas e suas
capitais; o neocolonialismo e a Segunda Guerra como esperanças de
crescimento; as discussões historiográficas e sociológicas sobre
o
período.
Declínio
da economia
“A
borracha do Amazonas dominou o mercado mundial no encontro do século
XIX com o XX. Os ingleses, porém, transplantando mudas da seringa
para jardins botânicos de Londres, recriaram o produto na Ásia.
Começara uma concorrência fatal. Queda dos preços, do consumo,
consequente queda da exploração. Queda dos reinos, desespero das
ambições, orgulho ofendido, falências. A falta de planejamento
encerrava mais um ciclo econômico do Brasil passado” - Glauber
Rocha em Amazonas, Amazonas, 1966.
Desde
o final do século XIX que a Amazônia, ou melhor dizendo, as
principais cidades dela, vinham experimentando um crescimento
econômico jamais antes visto. O trabalho semiescravo do seringueiro
deu origem a um dos mais importantes ciclos econômicos do Brasil
moderno, e tornou a região Norte uma das principais fontes de
arrecadação pública. O que ficava da arrecadação de impostos das
movimentações econômicas foi investido de forma maciça na
reestruturação de Belém e na estruturação de Manaus.
Em
meio ao sofrimento do seringueiro e o furor das capitais, a borracha
asiática começara a aparecer de forma expressiva no mercado
mundial, atingindo, em 1908, cerca de 1.800 toneladas.
Na Europa, o excesso de produtos fabricados com a borracha e a falta
de mercados consumidores fez as importações da borracha brasileira
caírem pela primeira vez. A partir de 1910, começara a crise que
culminou na estagnação da região até 1960, quando outras
alternativas surgiram, com destaque para a Zona Franca.
Os
ciclos econômicos, de acordo com o economista Joseph Schumpeter, são
divididos em quatro fases: boom, recessão, depressão e recuperação.
O boom do ciclo da borracha se deu entre o final de 1890 até 1910,
quando aumentou a demanda industrial e se especulou as produções
locais. A recessão se inicia no final de 1910, com altas e baixas no
mercado, com uma última grande exportação de 42.410 toneladas em
1912. A depressão vai de 1912, ainda com altos e baixos, até 1942.
Entre 1942 e 1945 ocorre uma breve recuperação motivada pelo
conquista, pelas forças japonesas, dos países asiáticos
fornecedores de borracha. Esse intervalo durante a Segunda Guerra
seria apenas uma breve recuperação até que voltasse o estado de
crise.
Buscando
causas culpados
Quando
uma crise assola uma cidade, estado ou país, em paralelo às buscas
por soluções, está também a busca pelas causas e culpados. A
dimensão do ciclo econômico em questão torna a busca passível de
diferentes interpretações, e esta se pretende ser apenas mais uma.
Henry Wickham? Estado brasileiro? Elites locais? De quem é a culpa?
Na História da Amazônia aprendemos que cada um deles tem sua
contribuição no processo. Vamos por partes.
Sir
Henry Alexander Wickham (1846-1928) foi um botânico e aventureiro
inglês ativo na América Latina. Aos 20 anos foi para a Nicarágua
em busca de plumas para a chapelaria de sua mãe. Durante a viagem,
produziu um diário com informações sobre a região e,
principalmente, sobre o crescimento e as possibilidades do comércio
da borracha. Seu diário se tornou conhecido, na Inglaterra, pelo
diretor do Kew Gardens, que lhe ofereceu dez libras para cada mil
sementes de seringueira coletadas (FORLINE, 2013). Com sua família,
Wickham se dirigiu para Santarém, no Pará, em 1871, onde conseguiu,
mediante o escambo com indígenas e caboclos, cerca de 70.000
sementes. Bem acondicionadas em recipientes para não estragarem e
nem despertar maiores suspeitas, passaram facilmente pela
fiscalização e atingiram o exterior graças às manobras do cônsul
inglês no Pará. A “encomenda” de Kew Gardens chegou em 1876,
sendo que apenas 7.000 das 70.000 sementes brotaram no jardim.
Depois, as mudas foram transportadas para o Ceilão, Malásia, Índia,
Birmânia e Bornéo Britânico. O Império Britânico também enviou
algumas mudas para o Jardim Botânico de Java, domínio das Índias
Orientais Holandesas. Assim, a Holanda também entrava no processo de
plantio ordenado das seringueiras, expandindo o cultivo para as ilhas
de Java, Bornéu e Sumatra. No contexto da corrida imperialista e
industrial, as principais potências da Europa buscavam, de qualquer
forma, seja por intervenção militar ou econômica, a
autossuficiência de matérias-primas. No entanto, da chegada das
sementes à Inglaterra, em 1876, levaria pouco mais de 30 anos para
que a produção europeia ultrapassasse a produção brasileira e
quebrasse seu monopólio.
Não
foi apenas a Amazônia a beneficiada com o ciclo da borracha. Os
governos imperial e, mais tarde, republicano, souberam aproveitar as
benesses do período. A relação dos seringalistas amazônicos com
negociantes ingleses tornava abundante a entrada da libra esterlina,
a moeda mais valorizada na época, nos portos brasileiros. No
entanto, mesmo se beneficiando dessa situação, o governo federal
tomou medidas tardiamente, quando o panorama da região já não era
dos melhores. Os principais comerciantes do Amazonas e do Pará,
vendo a cada dia os preços caindo vertiginosamente, com a entrada de
toneladas de borracha de produções asiáticas racionalizadas, há
muito pediam ajuda do governo federal para a implantação de
plantações de seringueiras e capitais do Banco do Brasil para
manter os preços estáveis. Nenhum desses pedidos teve resposta. Os
cafeicultores de São Paulo, quando a cotação do mercado era
desfavorável ao seu produto, recebiam da União grandes somas em
ajuda. Em 1912, quando o Brasil já não era mais o principal
exportador mundial de borracha, o Congresso aprovou um plano que, em
síntese, era destinado ao investimento na logística da região,
para aumentar a competitividade do produto, e incentivos ao cultivo
racional. O plano, 'Defesa Econômica da Borracha', ficou sediado no
Rio de Janeiro, distante da região problema. Foram feitos gastos
exorbitantes em compras e pesquisas desnecessárias, o que fez o
Congresso dar fim ao plano em 1913. Warren Dean afirma que
A
espantosa indiferença do governo federal para com a sorte da
economia amazônica parece quase suicida, considerando-se que a
região, com apenas1/25 da população do país, havia proporcionado
um sexto da renda nacional.
Ainda
segundo Dean, no período entre 1890 e 1912 o governo federal faturou
com os Estados do Amazonas e Pará cerca de 656 mil contos de réis,
sem contar a renda do território do Acre, que ia diretamente para a
União. Já os gastos do governo federal na Amazônia, “como a
caríssima ferrovia Madeira-Mamoré […], não eram particularmente
eficazes na promoção de um crescimento regional” (DEAN, 1989, p.
80). O governo federal foi um dos maiores beneficiários da economia
gomífera. Algumas obras financiadas com os impostos arrecadados
ainda podem ser vistas no Rio de Janeiro, das quais se destacam o
Teatro Municipal e a Av. Rio Branco. Quando a borracha asiática
começou a invadir os antigos mercados brasileiros, e as rendas
começaram a cair, esse mesmo governo demorou em tomar medidas para
socorrer a região Amazônica e, quando tomou, não teve sucesso na
empreitada.
Diante
desse caos anunciado, como reagiram as elites locais, do Pará e do
Amazonas? A elite paraense utilizou boa parte dos impostos da
borracha na reestruturação do Estado e, principalmente, da capital
Belém. Por reestruturação entende-se a reforma, novas aquisições
e modernização da estrutura econômica vigente, com raízes do
século XVIII, dos grandes proprietários de terra. A elite
amazonense tratou de estruturar a capital, até aquele momento sem
larga tradição comercial como a capital vizinha. As oligarquias do
Norte, no contexto da República Velha,
[…]
Gastavam mais do que arrecadavam, tomando empréstimos a esmo, na
esperança de obter uma constante renda crescente, e nunca pagavam as
dívidas. Impuseram taxas de exportação (reservadas aos Estados
pela Constituição) que se aproximavam de um estulto patamar de 20%
e dilapidaram a maior parte dessas rendas – que alcançaram um
montante de 241 mil contos de réis entre 1890 e 1912 – no
embelezamento de suas capitais e nos pagamentos de políticos
locais.
Seringalistas
e aviadores, os dois principais grupos sociais das elites regionais,
mantinham um estreito laço com o poder público. Eram publicados
frequentemente, em jornais, revistas e álbuns como o Álbum de
Belém do Pará para 15 de novembro de 1902 e Annuário
de Manáos para 1910, artigos e notas sobre a situação
econômica lisonjeira do Pará e do Amazonas, sobre a abundância da
região em recursos e de sua exclusividade como detentora natural das
seringueiras e principal fornecedora para os mercados estrangeiros.
Criou-se entre os dirigentes e a elite um mito da exclusividade e da
“eternidade” desse produto. Quando a realidade se mostrou
inversa, tudo se tornou possível para salvar a economia
[…]
inclusive alienar para grupos internacionais parte do território de
seu país, como tentou fazer o governo do Amazonas, que tomou um
empréstimo de um grupo americano garantido com terras públicas,
felizmente vetado pelo governo federal, de quem necessitava o aval.
Márcio
Souza, em uma perspectiva sociológica, afirma que as elites da
região não previram que a atividade extrativista demandaria mão de
obra de outras áreas, o que impediu o surgimento de uma agricultura
e indústria fortes ou tornou débil o que já existia. O curioso é
que, pelo menos desde os anos 50 do século XIX, os presidentes
provinciais denunciavam a fuga de braços para o extrativismo.
No jogo de cadeiras da República, faltava às elites amazônicas a
expressividade que tinham as do Sul e Sudeste, o que tornava difícil,
seja por manobras políticas, distância ou ignorância, qualquer
ajuda. Seria um reflexo dos tempos de um Grão-Pará distante e
fechado em uma relação direta com a metrópole portuguesa? Talvez.
Contrabando,
omissão do Estado Brasileiro e um cego otimismo por parte das elites
locais. Três causas, três culpados. É justo culpar Henry Wickham,
um aventureiro sem nada a perder que morreu na miséria? Não seria
mais coerente afirmar que ele foi uma marionete do Império Inglês,
que buscava autossuficiência de qualquer forma? O Estado Brasileiro,
no alvorecer da República, mantinha os mesmos traços do Império,
quando era comandado pelas oligarquias latifundiárias de São Paulo
e do Rio de Janeiro. Seus dirigentes, na maior parte originários
desses grupos de poder, ignoraram a região que por 30 anos lhes
garantiu 40% das exportações, no que parece ser mais um fruto de
discrepâncias políticas ou a crença de que o café sustentaria o
país, pois os cofres estavam sempre abertos quando São Paulo e Rio
de Janeiro precisavam. As elites do Pará e do Amazonas se
sustentaram por três décadas um sistema extrativista altamente
predatório, com resquícios de trabalho escravo e voltado
exclusivamente para a exportação. Faltou, por parte delas,
planejamento antecipado, preocupação com o desenvolvimento interno
e o desenvolvimento de áreas como a agricultura e a indústria.
Pará
e Amazonas no contexto da crise
1910
é uma data frequentemente utilizada para marcar o fim desse período
econômico. No entanto, o mercado não é um elemento que pode ser
apreendido pela exatidão de modelos estruturalistas generalizantes,
pois depende não apenas de fatores econômicos, mas também sociais
e subjetivos. Os preços nunca são estáveis, oscilando para mais e
para menos. O primeiro choque econômico da região se deu entre 1907
e 1908, quando começou a entrar na competição a borracha asiática,
mais barata e de melhor qualidade; a borracha recuperada dos
americanos; a borracha de guayule produzida no México e no Sul dos
Estados Unidos; e quando alguns países da Europa, por estarem com
excesso de pneus e outros derivados da borracha, diminuíram o nível
das importações.
No
Pará, em 1907, o governador Augusto Montenegro, representando a
região Norte, enviou ao presidente da República, Afonso Pena, um
telegrama contendo considerações sobre o comércio da borracha. O
conteúdo do telegrama “referia-se à queda nos preços e sugeria a
intervenção do governo federal por meio da criação de agências
do Banco do Brasil em Belém e Manaus, as quais atuariam como
reguladoras do mercado da seringa” (DAOU, 2000, p. 65). No
Amazonas, o Jornal do Comércio anunciava, no mesmo ano, que o
mercado continuava paralisado, sendo oferecido pela borracha fina
6$600, preço não aceito pelas casas aviadores. Informava também
que o estoque era de 55 toneladas.
Essa
primeira crise começou a ser superada em 1908, quando a borracha,
que chegou a valer 6$300 em outubro, chegou a 7$700 em novembro. Essa
alta se explica, de acordo com Antônio Loureiro, “pela
reorganização da indústria americana, pela resolução do processo
sucessório nos Estados Unidos, e, principalmente, pela grande
especulação na Bolsa de Nova Iorque, onde todos os “stocks” de
borracha estavam sendo comprados, por intermediários, para revenda
aos fabricantes” (LOUREIRO, 2008, p. 73). Entre 1909 e 1910 a
borracha atinge seu maior preço, chegando a custar 17$000 o quilo da
fina. Esse aumento foi fruto da especulação das bolsas de valores
da Europa e da compra, ainda no Brasil, da borracha por quilograma,
revendida às indústrias por libra-peso. Quando chegava às bolsas,
a borracha chegava a valer o quádruplo dos preços praticados em
Belém e Manaus. O lucro obtido pela especulação da borracha
brasileira tinha um destino certo: formar novas empresas plantadoras
no Oriente.
Em
maio de 1910, o governo brasileiro valorizou o mil-réis, baixando a
cotação das libras esterlinas de 16$000 para 15$000, fazendo essa
moeda entrar cada vez menos no país. Os depósitos da caixa de
conversão contavam com cerca de 20.000.000 de libras esterlinas,
sendo emitidos 320.000 mil contos de réis. No entanto, “a
quantidade de papel-moeda não conseguia suprir as necessidades do
comércio da região, carente de dinheiro em espécie” (LOUREIRO,
2008, p. 78). Vigorava, desde que se estabeleceram as casas aviadoras
e os seringais, o sistema de crédito, no qual os bancos forneciam
aos aviadores, comerciantes, ferramentas e gêneros diversos; e
estes, por sua vez, forneciam seus produtos aos seringalistas em
troca da borracha. O seringalista repassava parte do que obtinha com
o aviador para o seringueiro, através do barracão, em um sistema de
endividamento sempre crescente. A borracha asiática voltou a figurar
no mercado, agora com inúmeras empresas comandando sua produção. A
oferta e os preços baixos fizeram a borracha amazônica cair de
17$000 para 7$000. Os anos que se seguiram foram marcados pelo
recrudescimento contínuo dos preços; pela fuga de capitais para o
Oriente; e pela perda da posição de maior exportadora mundial.
A
situação de Belém, entre 1912 e 1913, de acordo com o antropólogo
Fábio Fonseca de Castro em a Cidade
Sebastiana: Era da borracha, memória e melancolia numa capital da
periferia da modernidade,
era
a seguinte: acumulava cerca de 100 milhões de francos, ou 59.524
contos de réis. Nos
dias que se seguiram, cerca de 160 estabelecimentos comerciais
fecharam as portas.
A prefeitura de Belém devia mais de 2 milhões de libras esterlinas
e o governo do Estado devia quase a mesma quantia.
O
Amazonas também estava mergulhado em dívidas. Ao todo, somadas as
dívidas externas e internas, devia-se cerca de 100.000 contos de
réis, um valor, segundo Loureiro, “impossível de ser pago, pois a
arrecadação de 1914 fora de apenas 6.900 contos e a de 1915 ficaria
entre 4. 250 e 5.800 contos” (LOUREIRO, 2008, p. 14). Parintins,
Itacoatiara, Humaitá e Maués, que no período conseguiram
desenvolver algum comércio e se desenvolver, se encontravam agora
acanhadas, com seus habitantes vindo procurar na capital mínimas
condições de sobrevivência.A
arrecadação dos dois estados e a do território do Acre caiu de
forma significativa, tornando mais grave os quadros sociais e
econômicos:
A
receita do Estado do Pará, que era de 20.255 contos em 1910,
reduz-se a 8.887 em 1915 e a 8.517 em 1920; a do Amazonas, de 18.069
cai para 7.428 e 5.888 respectivamente; e a do Acre, de 19.868 baixa
para 5.610 em 1915, menos de 1/3 do que fora. A despesa pública teve
que cair, mas não na mesma proporção, de modo que o deficit
orçamentário se torna rotina naqueles anos.
Os
relatos de contemporâneos da Grande Crise, fontes primárias, nos
mostram com vivacidade o que foram aqueles anos de estagnação. Por
meio de artigos, a Revista da ACA noticiava o intenso movimento de
abandono da capital amazonense em direção a
outras regiões do país ou ao exterior. Um dos documentos mais
interessantes, não ligado a instituições políticas ou econômicas,
é a carta do fotógrafo alemão George Huebner, que por muitos anos
manteve um estúdio em Manaus. O
conteúdo da carta nos dá um panorama de
como ficou a cidade durante a Primeira Guerra Mundial, quando algumas
rotas comerciais foram temporariamente fechadas e os preços caíram
mais bruscamente:
O
que eu poderia dizer daqui? A situação é desoladora, não poderia
ser pior. Tudo isso é o efeito da guerra. Primeiramente, o preço do
látex
não parou de cair, depois foi o câmbio da moeda, e agora tudo se
encontra parado. Você deveria ter visto Manaus antes, tão animada!
Atualmente inúmeras casas nas ruas principais estão vazias e cada
vapor que vai para o sul viaja lotado de passageiros que fogem de
Manaus. As pessoas sem dinheiro, que não podem pagar a viagem, se
retiram para os seus sítios do interior, de maneira que a cidade se
torna cada vez mais vazia. Agora não se faz mais negócios. Feliz é
aquele que ainda consegue equilibrar suas despesas. Não é,
infelizmente, o meu caso.
Todos
os desdobramentos da Primeira Guerra eram diariamente noticiados
pelos jornais. No Estado
do Pará,
lamentava-se que o florescente comércio do Estado e sua pequena
indústria, por ausência de recursos, perdia a oportunidade de tirar
algum proveito com o conflito, como estavam fazendo outros países da
América Latina, que
impossibilitados de importar produtos manufaturados da Europa,
passaram em investir em suas próprias indústrias e a fortalecer o
mercado interno. Suicídios
motivados
por perdas de emprego também eram vez ou outra noticiados. Mas o que
realmente ganhava inúmeras páginas nos impressos era o isolamento
da Amazônia, motivado pela crise marítima ocasionada
pelo bloqueio naval alemão, iniciado em 1915. Um
dos episódios mais dramáticos foi torpedeamento, na Costa da
Grã-Bretanha, em 1917, do Paquete Antony, de propriedade da Booth &
Company, onde foram perdidas 586 toneladas de borracha e 366 de
farinha de mandioca.
A
crise da economia gomífera atingiu todos os setores da sociedade,
seringalistas, comerciantes, profissionais liberais etc. Pará
e Amazonas diminuíram as importações de gêneros alimentícios de
outros estados; as libras esterlinas passaram a entrar com mais
dificuldade no país; e uma fatia considerável da arrecadação da
União teve fim. O funcionalismo
público se
tornou uma das poucas alternativas ainda rentáveis para as classes
médias urbanas. Mas, para Márcio Souza, “o fim não significou
nenhuma mudança na qualidade de vida dos seringueiros, dos
operários, dos agricultores” (SOUZA, 2009, p. 310). O
Pará, que tinha uma larga tradição comercial desde o século
XVIII, resistiu melhor à crise. O Amazonas, no entanto, com comércio
e indústria inexpressivas desde os tempos coloniais, tardou a se
recuperar, encontrando salvação com a Zona Franca no final dos anos
60 do século XX. A
crise tem suas especificidades. Nem todos os empresários faliram, e
alguns chegaram a transformar a situação em oportunidade de
crescimento. Joaquim Gonçalves de Araújo, por exemplo, desde fins
do século XIX diversificava suas atividades, exportando não apenas
borracha, mas castanhas, peles de animais e, algo raro, construindo
uma indústria de manufaturas. Suas empresas resistiram às crises de
1910, 1920 e 1945 e só foram extintas no final dos anos 90 do século
passado.
Neocolonialismo
e Guerra como “esperanças”
Na
década de 20 do século passado, Europa e Estados Unidos controlavam
boa parte dos países da África, Ásia, Oceania, Oriente Médio e
América. A Amazônia foi economicamente controlada, por 30 anos, por
agentes do capital estrangeiro. No entanto, uma dominação completa,
característica do neocolonialismo (dominação
política e econômica),
surgiria na região, mais especificamente no Tapajós (PA) a partir
do final dos anos 20.
Henry
Ford, grande empresário da indústria automobilística do início do
século XX, buscava a autossuficiência de matérias-primas para suas
indústrias. Não
só Henry, mas um grande número de empresários americanos voltariam
a depender da borracha brasileira. Durante a Primeira Guerra, o
comércio europeu se tornou instável, agravado que fora pelo
bloqueio marítimo alemão. A Inglaterra, que detinha o monopólio da
borracha, viu os estoques acumularem e os preços caírem. Visando
garantir preços estáveis e impedir a acumulação do produto
durante o pós-guerra, o país adotou, a partir de 1923, o Plano
Stevenson, que, basicamente, passa a limitar a cota de cada produtor
inglês.
Com
menos matéria-prima no mercado e os preços novamente favoráveis
aos ingleses, os grandes fabricantes americanos de pneus foram os
mais prejudicados. Como reação, as grandes companhias da época
(Goodyear, Firestone e Ford) passaram a buscar diferentes locais, da
América à África, para implantar seus próprios seringais.
José
Custódio Alves de Lima, cônsul geral do Brasil nos Estados Unidos,
depois de saber do interesse do empresário em criar um seringal em
Everglades, na Flórida, lhe sugeriu a Amazônia como local de
implantação para seu projeto. José Custódio, em contato com
Dionísio Bentes, governador do Pará, facilitou para Ford a
aquisição de um milhão de hectares no Tapajós. A Companhia Ford,
através de contrato firmado com o governo do Estado do Pará em
03/01/1927, tinha o direito à exploração das terras, dos minerais
e de outras matérias-primas nela encontradas; de realizar a
navegação nos rios Tapajós e Amazonas; construir estradas,
armazéns, fábricas, criar núcleos de povoação, escolas, linhas
de comunicação etc, sem necessidade do aval de qualquer autoridade.
Poderia criar sua própria relação política, sem intervenção do
governo. Estava, também, isenta de qualquer imposto pelo prazo de 50
anos. Surgiu um território americano na Amazônia, independente do
Brasil, gerido por uma empresa privada.
Antigos
trabalhadores das cidades do interior, dos seringais e de outras
atividades atingidas pela grande crise, passaram a se dirigir à
região que ficou conhecida como Fordlândia. Xingu, Madeira, Purus,
Acre, Solimões, Guaporé e Jutaí foram os maiores “fornecedores”
de mão de obra. Essas pessoas, acostumadas com um tradicional
sistema de trabalho comandado pelo aviamento e pela rigidez do
seringalista, pela primeira vez venderiam suas forças de trabalho
através de um sistema de contrato. O funcionário recebia da
Companhia uma chapa de alumínio, com seu número de identificação
e tipo de serviço, pelo valor de dez mil réis. Através dessa chapa
eram controladas as faltas, as licenças para tratamentos médicos,
pagamentos de férias e transferências.
O
regime de trabalho era pesado, indo de 7 da manhã à 17 da tarde,
com direito a uma hora de intervalo. Relógios e sirenes ditavam o
início e o fim do dia. Nos Estados Unidos vigorava a Lei Seca, que
proibia o consumo de bebidas alcoólicas em todo o território. Henry
Ford, com apoio do governo paraense, implantou a medida em
Fordlândia, onde já existia um considerável número de bares e
casas de diversão. Para escapar da rigidez da fiscalização, à
mesma maneira que nos Estados Unidos, surgiu um intenso movimento de
contrabando de bebidas. Nos barracões onde eram feitas as refeições
dos funcionários de patentes mais baixas, peixe e farinha eram
substituídos por pão e espinafre, e servidos em bandejas
padronizadas. A imposição dessas mudanças, nos anos 1930, fez
surgir movimentos de greve radicais, com a destruição de galpões,
tomada de usinas e refeitórios.
Os
funcionários americanos abandonaram Fordlândia. Foi preciso a
intervenção de forças policiais para o fim do movimento. Mas,
antes mesmo de qualquer revolta, essa concessão já não mostrava os
resultados esperados:
A
grande distância do porto de Santarém, dificultando a comunicação
e o abastecimento comercial, a reduzida força de trabalho, a não
seletividade das mudas e sementes de seringueiras e a topografia do
local, bastante acidentada, representavam um entrave para a
lucratividade da empresa.
Soma-se
ao fracasso técnico a doença do mal das folhas, que atacava a
árvore da seringueira e reduzia a produção do látex. Com o
fracasso da primeira concessão de terra, a Ford permutou com o
governo uma parte de Fordlândia por outra, dessa vez Belterra,
distante 30 milhas de Santarém. Da mesma forma que na primeira,
Belterra recebeu todos os aparatos necessários para seu
funcionamento: escolas, hospitais, vilas, instalações industriais,
um porto e estradas. Os antigos trabalhadores de Fordlândia foram
transferidos para Belterra, e também foram realizadas novas
contratações. Esse, que parecia ser o emprego dos sonhos, mostrava
sua face mais cruel com a política da empresa para com os
funcionários. Um anúncio da companhia em 1943, publicado em O
Jornal de Santarém,
oferecia 9 cruzeiros por dia para homens e 6 para mulheres. As
crianças, que já eram aceitas a partir dos 7 anos, ganhava 0, 50
por hora de serviço. Os fiscais estavam sempre atentos aos afazeres
dos funcionários. Por menor que fosse o erro, o trabalhador era
expulso da companhia sem o direito de tentar se explicar. Esses
problemas, a baixa produtividade das plantações e a invenção da
borracha sintética buna, mais barata que a natural, deram fim ao
projeto, que durou de 1927 até 1945.
Entre
1942 e 1945, o Amazonas se viu inserido no conflito mundial. Em 1941,
o Japão atacou bases Aliadas americanas e britânicas no Pacífico,
dominando logo depois as colônias asiáticas produtoras de borracha.
Sem acesso a essa matéria-prima, útil à indústria bélica e
manufatureira, os Aliados voltaram suas atenções para o Amazonas.
Em 1942, navios brasileiros foram torpedeados pelos alemães, o que
fez o país declarar guerra ao Eixo.
O
Amazonas, através de acordos firmados entre o Brasil e os Aliados,
entrou no conflito como fornecedor de borracha. Mais uma vez
ocorreria um surto de imigração nordestina para a Amazônia.
Através dos “Acordos de Washington”, ficou estabelecido que os
Estados Unidos investiriam no financiamento da produção de borracha
na Amazônia, enquanto que o governo brasileiro se encarregaria de
recrutar o maior contingente possível de trabalhadores. Estima-se
que, entre 1942 e 1945, o governo conseguiu enviar do Nordeste, que
passaram por uma terrível seca, cerca de 60.000 retirantes para a
região Norte. O sistema de trabalho dos seringueiros continuava
sendo o mesmo do início do século: em situação de semi
escravidão, preso ao aviamento como devedor de um sistema cíclico.
O governo norte-americano ficou de pagar 100$ por trabalhador
instalado nos seringais. Manaus se tornou uma das subsedes da Rubber
Development Company, órgão criado para administrar os serviços no
Estado. A exportação da borracha, a circulação monetária, a
construção de um aeroporto, os investimentos na capital e a
especulação imobiliária criaram um momento de recuperação.
Enquanto
o conflito ia se encaminhando e delineando o mapa político do mundo,
os amazonenses e paraenses, inflados pelas propagandas do governo de
Getúlio Vargas, mergulhavam, às de vezes de forma violenta, em um
sentimento patriótico. Há registros, em Manaus, da malhação de
bonecos de Judas como o nome ‘Xitler’, uma paródia com o nome do
ditador alemão Adolf Hitler. Na Vila de Tomé-Açú, no Pará, foi
construído um campo de concentração que chegou a receber 480
famílias japonesas, 32 alemãs e algumas italianas, tanto do próprio
Estado quanto do Amazonas. Essas famílias, em Manaus e Belém,
sofriam perseguição, tinham seus estabelecimentos e residências
depredados pelo simples fato de virem dos países que formavam o
Eixo.
Esse
pequeno surto de desenvolvimento, de patriotismo, teve fim com a
Segunda Guerra. O antigo mercado asiático estava novamente aberto,
novas técnicas aperfeiçoaram o uso de borracha sintética. Já não
existia mais a necessidade da borracha amazônica. O conflito acabara
e, com ele
as
esperanças de tirar a região do abismo sem fim do
subdesenvolvimento. Os planos de desenvolvimento concebidos nos
“Acordos” foram abandonados, as verbas indenizatórias dos
trabalhadores foram descaminhadas, as estruturas do atraso não foram
rompidas e tudo voltou como dantes. As atenções do governo federal
agora são para as regiões Sul-Sudeste, por estas apresentarem mais
condições de dinamismo econômico. A Amazônia vai ser mesmo
esquecida do resto da nação por muito tempo.
A
Amazônica se viu novamente abandonada. O capital estrangeiro, depois
de mais de 40 décadas conseguindo alguns resultados satisfatórios,
foi direcionado para mercados mais estáveis. Em socorro à região,
a nova Constituição de 1946, no artigo 199, de autoria do deputado
federal Leopoldo Péres, instituiu que a União destinaria 3% de sua
arrecadação para financiar o Plano de Valorização Econômica da
Amazônia. Em
1953 foi criada a Superintendência
de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que visava o
desenvolvimento da agricultura, da extração mineral e da pecuária.
Por falta de estrutura, principalmente de estradas, o plano não
vingou. A
construção da estrada Belém-Brasília, em 1958, atraiu o capital
de grandes indústrias que passaram a funcionar no Pará. Em
1966 foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
(SUDAM), que criou incentivos fiscais para empresas nacionais e
estrangeiras se instalarem na região. O resultado desse programa foi
a criação da Zona Franca de Manaus, zona
de livre comércio.
Algumas
perspectivas historiográficas e sociológicas (1945-1999)
Existe,
desde 1940, uma densa historiografia sobre esse período econômico
da região, tanto de autores naturais da terra quanto de outros
estados. Institutos Históricos e Geográficos, Universidades e
outros especialistas lançaram uma gama de interpretações na
tentativa de compreender o que ocorreu naquele intervalo de tempo
entre 1890 e 1920.
Caio
Prado Júnior, em História Econômica do Brasil (1945), vê
de forma negativa o sistema de aviamento, que se aproveitando do
baixo ou nulo letramento do seringueiro, o prende a um sistema
contínuo de endividamento; e o sistema rudimentar de trabalho, que
destruía aos poucos as árvores de seringueira, tornando os
espécimes cada vez mais raros. Para o autor, além do contrabando de
Wickham, o declínio se deu porque a Amazônia se constituía em uma
região meramente exportadora de matéria-prima, enquanto que suas
concorrentes, as colônias asiáticas, eram financiadas, desde a
plantação até a distribuição, pela Inglaterra e outras potências
europeias; e porque as elites locais, políticos e seringalistas, não
construíram algo duradouro, dissipando rapidamente os lucros obtidos
com essa economia, cujo maior símbolo, de “imponência e mau
gosto”, é o Teatro Amazonas. Para esse historiador da geração
nacionalista e progressista, o ciclo da borracha foi marcado por uma
prosperidade fictícia e superficial, o que torna seu fim “mais um
assunto de novela romanesca que de história econômica” (MESQUITA, 2006).
Em
Ordem e progresso (1957), Gilberto Freyre aborda a transição
do período imperial para o Republicano, mostrando como permanecem,
nesse novo contexto político, formas de organização social
características da monarquia, com o diferencial de que a República
trouxe a industrialização, a urbanização e, em menor proporção,
alguma ascensão social de grupos antes excluídos. É nessa
oposição, entre Império e República, que entra Manaus. Para
Gilberto, a cidade foi “uma reação à rotina brasileira”, pois,
recebendo influências inglesas, francesas, americanas e espanholas,
se diferenciava da maioria das cidades do país, ainda com fortes
traços conservadores do Império, acolhendo “desajustados
políticos e sociais” que se entregavam aos prazeres em um ambiente
de “economia de aventura e de civilização cenográfica” (MESQUITA, 2006).
A
partir de 1960 autores da região Norte começaram a publicar obras
sobre o assunto. Genesino Braga, em Fastígio e sensibilidade do
Amazonas de ontem (1960), é saudosista ao afirmar que, naquele
momento, o Amazonas “passava por uma fase alucinante de fausto, de
luxo, de esbanjamento e de gastos imoderados, sendo um pequeno centro
de ressonância da cultura europeia” (MESQUITA, 2006).
Bradford
Burns, professor de História da UCLA e especialista em América
Latina, produziu em 1961 uma monografia editada pelo governo do
Estado do Amazonas em 1966, com o nome Manaus 1910: retrato de uma
cidade em expansão. Sobre a capital, diz ele: “em 1910, Manaus
reinava como a capital mundial da borracha. Manaus alardeava com
orgulho todas as civilidades de qualquer cidade europeia de seu
tamanho ou mesmo maior”. Notou que, politicamente, a cidade estava
ligada ao Rio de Janeiro, economicamente dependia de Londres e,
culturalmente, de Paris. A obra, que não possui maiores informações,
não carrega críticas sobre o sistema econômico, as condições de
trabalho e as elites (MESQUITA, 2006).
Roteiro
Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro (1969), de Luiz
de Miranda Corrêa, tem ares de um elogio saudosista ao período, à
influência europeia e à ação das elites. Manaus se transformava,
com obras monumentais e serviços públicos de qualidade. “Uma
sociedade inteira passava de um estágio primitivo para os requintes
da civilização europeia”. A descrição dos palacetes, bares,
hotéis e bordéis são vívidas. As elites elogiadas são aquelas
formadas com o nascimento da República, enquanto que “as famílias
mais antigas do Amazonas, o pequeno número de privilegiados do
Império, […] ou se adaptavam às novas condições de vida da
região ou seriam, como vários o foram, tragados pelo redemoinho dos
interesses da borracha” (CORRÊA, Luiz de Miranda. Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro. Manaus: Artenova, 1969).
Com
exceção da análise de Caio Prado Júnior e, em parte, da de
Gilberto Freyre, que ainda tenta ver algum ponto positivo na
sociedade republicana do início do século XX, todas as demais são
positivas, algumas constituindo-se em verdadeiros elogios
saudosistas. A borracha tornou alcançável o ideal de progresso
burguês da Europa, sedimentando um passado amazônico nativo e
mestiço, estagnado no marasmo colonial e, logo depois, imperial (MESQUITA, 2006).
O
sociólogo Márcio Souza encerra essa linha de elogios e exaltação
da cultura burguesa em 1977, com a publicação de A Expressão
Amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo. De acordo com
Otoni Mesquita, Márcio Souza, em algumas passagens, “mostra ter
alguma influência de Caio Prado e Gilberto Freyre, mas tece críticas
mais radicais” (MESQUITA, 2006, p. 157). Para o autor, durante o
apogeu da borracha, o Amazonas esteve bastante alienado, com sua
capital sendo “a única cidade brasileira a mergulhar de corpo e
alma na franca camaradagem dispendiosa da belle époque”.
Acrescenta ainda que ela não era “verdadeiramente uma cidade, mas
decoração do sonho e do delírio, microcosmo das doenças do
espírito burguês com toques de selvageria e grossura”, cujo novo
estilo de vida contrastava com sua linhagem portuguesa, a tornando um
verdadeiro cenário para o colonialismo. Essas críticas, em especial
ao ideal burguês citadino, também poder ser vistas em sua Breve
História da Amazônia (1994) e História da Amazônia (2009).
Roberto
Santos, com sua História Econômica da Amazônia: 1800-1920
(1980), vê o ciclo da borracha como uma fase de expansão da
economia amazônica, dependente de estímulos externos
(industrialização na América do Norte e na Europa). Para ele, a
força desses estímulos foi tão forte ao ponto de outros setores
econômicos não conseguirem competir com a extração do látex, que
absorveu mão de obra até da agricultura de subsistência. O sistema
de aviamento “falseava o cálculo econômico”, estimulando o
escambo nos seringais e “limitando a liberdade de consumo dos
trabalhadores”. Roberto divide o período em quatro fases: 1830-50
– elevação inicial moderada; 1850-70 – melhoria do tirocínio,
com aceleramento da produtividade; 1870-90 – adestramento
nordestino, com modestíssima elevação da produtividade; e
1890-1910 – A fase acreana.
Antônio
Loureiro, em A Grande Crise (1986), com um grande arsenal de
dados estatísticos, analisa a derrocada da borracha em uma
perspectiva nacional. O Brasil, para o autor, sentiu os efeitos da
crise, pois dependia da Amazônia para a obtenção das libras
esterlinas, necessárias para o pagamento da dívida externa, para
equilibrar o preço do café e urbanizar a capital federal; mas
continuava alheio à região. As críticas, em sua maioria, são
feitas à omissão da União, que tardiamente tomou medidas que se
mostraram ineficazes ao combate da crise; outras são feitas aos
empresários e outros trabalhadores que enviavam altas somas de
dinheiro para suas terras de origem, descapitalizando a região.
Warren
Dean, americanista autor de A luta da borracha no Brasil (1987),
desenvolve uma pesquisa interdisciplinar entre a história e a
ecologia, ou História Ecológica, popular nos EUA entre 1970 e 1990.
Dean levantou importantes questionamentos, como o porque de o país
ter perdido o monopólio; quais os limites da monocultura; e porque
as plantações brasileiras falharam. A luta do Brasil se deu após o
auge das exportações e no início da decadência, quando começaram
as primeiras tentativas de domesticação da seringueira e seu
cultivo racional. Sua abordagem ultrapassa o recorte cronológico
tradicional, indo de 1855 a 1986.
Bárbara
Weinstein, também americanista, produziu A borracha na Amazônia:
expansão e decadência, 1850-1920 (1993). Nesse estudo a autora
mostrou como essa matéria-prima dominava a região muito antes do
boom do final do século XIX; como existia, entre as elites,
discursos a favor e contra essa economia extrativa. Ao abordar a
figura do seringueiro, Bárbara, dentro do conceito de luta de
classes da teoria marxista, foge da historiografia tradicional, que o
mostrava apenas como um trabalhador miserável e explorado, o
mostrando como um “militante” que usava diferentes formas de
resistência contra a opressão dos seringalistas.
O
ensaio de Edinea Mascarenhas Dias, A
Ilusão do Fausto – Manaus 1890-1920
(1999), é
um estudo que, ao mesmo tempo em que é esmiuçado o processo de
transformação e desenvolvimento da cidade e de suas políticas
públicas, são apresentadas as contradições do espaço urbano
pensado pelas elites e pelo poder público, que criou mecanismos que,
ao mesmo tempo em que ordenavam a urbe, segregavam pobres,
prostitutas, analfabetos e desocupados. Tem
influências de Edward Thompson, com sua crítica ao marxismo
estruturalista; e de Max Weber, com
seu conceito de estratificação social. O
livro é dividido em duas partes: A cidade do Fausto e A falácia do
Fausto.
Conclusão
A
crise da economia gomífera é um período ainda pouco estudado,
tanto a nível regional quanto seus reflexos para o resto do país.
Existem
trabalhos, nos campos da História, da Sociologia e da Economia, de
autores nacionais e estrangeiros, que buscaram diferentes formas de
interpretar a Amazônia a partir de 1910. A
Amazônia fora incorporada ao capitalismo internacional como
fornecedora de matéria-prima. Passou por um surto de progresso, mas
ao custo de milhares de vidas humanas e
na forma de pequenas ilhas de privilégios de seringalistas e
aviadores. O
período não deve ser encarado como uma “novela romanesca” de
Caio Prado Júnior, pois por 3 décadas fora um dos sustentáculos da
economia nacional; nem romantizado como em Luiz de Miranda Corrêa,
pois ergueu-se em meio a exploração do seringueiro, à prostituição
feminina e a exclusão de grupos menos favorecidos. Analisar
o ciclo da borracha e sua crise é levar em conta sua dinâmica, suas
especificidades e o contexto da época.
Bibliografia
VANIA, Paula. Biografia de
Huebner. Manaus, 2014. Disponível em: