segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Os que não morrem na gratidão dos amazônidas

Busto de Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900) localizado em seu túmulo no Cemitério de São João Batista, em Manaus. Foto de 1984. FONTE: Revista Manchete.

O presente texto foi escrito pelo historiador Arthur Cezar Ferreira Reis (1906-1993) e publicado no suplemento do dia 02 de novembro de 1932 da Revista Redempção, produzido especialmente para o Dia de Finados. Nele o autor discorre, brevemente, sobre três personalidades amazônidas sepultadas no Cemitério de São João Batista, em Manaus: Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900), Frederico José de Sant' Anna Nery, Barão de Sant' Anna Nery (1848-1901) e Clementino José Pereira Guimarães, Barão de Manaus (1828-1906).


Os que não morrem na gratidão dos amazônidas


Arthur Cezar Ferreira Reis.
Secretario Perpetuo do Instituto Geographico e Historico do Amazonas


Aquelle é o Pensador. Manáos é creação delle. Antes da acção dynamica, cyclopica por que se assignalou no mando, o que não havia aqui era tosco.

Manáos dava ares de burgo. Os homens do Imperio nada tinham realizado. Nada ou pouco. Se duvidam consultem os aspectos velhos, leiam as palavras dos viajantes, alarmados todos com o quadro que enxergavam.

Pensador fez tudo. Imaginou e executou.

E' verdade que errou. Talvez grandes, enormes, imperdoaveis erros. Um delles, o maior, o mais grave, foi o pouco caso pelo futuro economico. As rendas cresciam, avolumando-se espantosamente, sem que se visse a medida governativa que as impulsionavam, que lhes davam vida. Era tudo naturalmente. O ouro negro operava o milagre. Não é mentira o que se affirma aqui. Ha provas.

A palavra de Pensador não será bastante? Elle escreveu uma confissão franca, que as arcas se enchiam, sem as attenções directas do officialismo.

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Pensador, como Lobo d' Almada, foi uma victima do seu grandioso querer pelo Amazonas. Ambos, em prodigios, construindo, zelando, civilizando. Ambos cobertos da maledicência dos incapazes, dos inimigos de todo homem que tem idéas, defende-as e as realiza alheio ácção peçonhenta desses malvados. Hontem como hoje, como agora, frisemos.

Sant' Anna Nery, não é o Barão que veio do Imperio, formando ao lado do servilissimo corpo de fidalgos improvisados, sem tradicções. O Amazonas não o conhece nessas vestes canhostras e insignificantes.

A homenagem é ao revelador de sua grandeza. E' ao escriptor, ao estylista, ao sabedor immenso do Paiz das Amazonas, de Folk-lore Bresilien, de Le Bresil em 1889, aquelle primeiro o livro fundamental, em que reuniu todo o conhecimento das nossas coisas, agua e terra, flora, fauna, o homem, de cá ou de fóra amansando a jangla formidavel. Livro em que se conta o passado, mostra ao globo, em quatro idiomas, o maravilhoso do valle, sem a phantazia dos poetas, dos romancistas, sem a sciencia improvisada de certos amazonologos de livros europeus.

Tres seculos antes, fora um jesuita, frei Gaspar de Carvajal, numa chronica phantastica, farta em trechos sensacionaes que dissera, alem-mar, do gigantesco deste mundo em formação. E por tal modo, que desassocegara espiritos, inquietara governos, provocando a cubiça do gaulez.

O frade dizia do quadro verde, da selva virgem. Com os excessos que a sua imaginação ardente lhe ditou, encantado. Vendo mulheres em guerra, novas Amazonas, valentes, heroicas, dominadoras, formando o imperio que, no lendario amerindio, seria o El Dorado faiscante.

Sant' Anna Nery, embora dominado pelos encantamentos da gleba, mas um forte sobre as emoções perturbadoras, com o senso da realidade, segredo que poucos sabem guardar, não mentiu. O Paiz das Amazonas, surprehendendo muita vez pela exatidão dos conceitos, da noticia que se lê, lançou-nos. Apontou-nos. Entregou-nos ao estudo detalhado de povos servidos pela experiencia de punhados de seculos.

Antes de Barão, que nada significa para nós, Sant' Anna Nery foi, insistamos, o revelador do Amazonas, que o outro, Pensador, levantara cheio de amor. Sabio e artista. Das maiores cabeças nacionaes, ao seu tempo, e ainda hoje.

O outro, o terceiro amazonida, teve posições políticas. Barão de Manáos, titulou-o a princeza Izabel, a 27 de Julho de 1888. E' o unico amazonense do grupo. Por isso mesmo, o mais ignorado na sua terra. Triste destino de um povo!

Filiado á corrente conservadora, governou a Província, em 1885 e em 1887. Governou com decencia, com patriotismo. Administrou, é bem o termo. Não foi nunca um transfuga. Não foi nunca, porem, um escravisado ao partido para acceitar exigencias imprudentes, comprometedoras. Quantos lhe rascunharam a biographia accentuaram o prestigio popular que o animava para caminhadas pelo berço. Morreu em 1906, a 26 de Outubro, em Manáos. Sempre sob a admiração dos coestadanos. Seu nome — Clementino José Pereira Guimarães. Nascido no velho Logar da Barra, em 1828. Commendador da Ordem da Rosa, deram-lhe o nome á uma rua. Fragil homenagem, numa terra onde se louvam, nessas demonstrações, até quantos lhe sugaram as energias, lhe deram as horas amargas de agora!

Pensador, Sant' Anna Nery, Commendador Clementino, não proclama o leitor, tres homens do Amazonas? Homens, no sentido honesto!!?

Dormem, os tres, em S. João.

Porque os moços, que desejam licções no passado, não lhes estudam as vidas. E no dia de hoje, não lhes vão á necropole, numa visitação comovedora e a denotar que já se forma um espirito nosso, voltado para o que é do patrimonio amazonense?

Arthur Cezar Ferreira Reis.


REIS, Arthur Cezar Ferreira. Os que não morrem na gratidão dos amazônidas. Revista Redempção. Suplemento do dia 2 de novembro de 1932, p. 09-10. (Biblioteca Arthur Reis - CCPA).

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