segunda-feira, 20 de junho de 2022

O Índex de Livros Proibidos e a Inquisição Católica

Inquisição. Pintura de Edouard Moyse (1872). FONTE: commons.wikimedia.org.

No período da Contrarreforma, em que a Igreja Católica se viu diante das ameaças do Protestantismo, que ganhava, naquele contexto da Modernidade, grande número de adeptos, já fazendo-se presente em algumas das principais Cortes europeias, a autoridade papal utilizou poderosos mecanismos de controle e repressão, destacando-se o Index librorum prohibitorum (Índice de Livros Proibidos), datado de 1559, e a Inquisição, já utilizada na Idade Média e reativada na Idade Moderna.

As listas de livros proibidos já circulavam em universidades de Teologia pelo menos desde o início do século XVI. Coube ao Papa Paulo IV a promoção de uma lista de trabalhos considerados hereges e que, por isso, deveriam ser proibidos em toda a Cristandade. Interessante destacar que não foram apenas os livros protestantes a serem proibidos, mas também os trabalhos clássicos de humanistas. Autores como Dante Alighieri, Michel de Montaigne, René Descartes, Montesquieau, La Fontaine, Jean-Jacques Rousseau e Voltaire tiveram suas obras listadas no índex. Deve-se destacar que a censura já se fazia presente desde os tempos de Paulo de Tarso. Em Atos 19, Paulo se dirigiu à cidade de Éfeso para converter judeus e gregos. Nessa ocasião, os recém convertidos se desfizeram de seus antigos livros de magia:

"E foi isto notório a todos que habitavam em Éfeso, tanto judeus como gregos; e caiu temor sobre todos eles, e o nome do Senhor Jesus era engrandecido. E muitos dos que tinham crido vinham, confessando e publicando os seus feitos. Também muitos dos que seguiam arte mágicas trouxeram os seus livros, e os queimaram na presença de todos e, feita a conta do seu preço, acharam que montava a cinquenta mil peças de prata" (ATOS 19:17-19).

Não só os autores sofriam com a censura. Os impressores de livros e jornais e os livreiros também eram vigiados pela Igreja. A fiscalização, feita com frequência, era severa e muitas vezes arruinava as vendas, pois o material, caso não estivesse de acordo com as determinações da Santa Sé, era confiscado e posteriormente eliminado. O historiador britânico Toby Green registra que a repressão acabava estimulando a procura pelos livros proibidos, que se tornavam cada vez mais valiosos. Surgia assim um contrabando rentável de obras, que chegavam aos seus destinos escondidas em baús, roupas e navios.

O historiador norte-americano Carter Lindberg, autor de História da Reforma (2017), registra, no entanto, que a historiografia mais recente afirma que o Index não teve um efeito tão devastador como se imagina, sendo “menos uma “cortina de ferro” que uma rede de malha” (LINDBERG, 2017, p. 492). Lindberg mostra que as visões sobre o período, ainda falando sobre o Index, são marcadas pela ponderação entre a rigidez e a continuidade da produção de cultural, embora autores como Gleason e Silvana Menchi mostrem os efeitos da repressão. A proibição de obras, pela Igreja, durou, embora já bastante enfraquecida, até 1966.

A Inquisição poder ser definida, de forma pedagógica, como um instrumento legal de perseguição a heresias, tendo suas raízes na repressão ao catarismo no século XIII. Na Espanha, no final do século XV, ela teve como alvo o judaísmo, determinando a conversão ao Cristianismo aos seus praticantes. Esses cristãos-novos, assim como seus descendentes, continuaram a ser perseguidos por conta da suspeita da continuidade de seus antigos cultos. Durante e após a Reconquista, além dos judeus, também foram perseguidos e mortos muçulmanos recém-convertidos. 

Lindberg pontua que existiam na Europa sistemas legais seculares mais severos que a Inquisição, como a pena das galés, mas nenhum com efeitos psicológicos tão duradouros quanto ela, que promovia uma intensa exploração do medo, através, principalmente, da humilhação pública dos condenados. O historiador britânico Toby Green, autor de Inquisição: O Reinado do Medo (2012), recuperou bem essa dimensão psicológica, mostrando como o medo era almejado pelas autoridades inquisitoriais:

"Esse terror era cuidadosamente cultivado pelas autoridades inquisitoriais. Em 1564, um advogado escreveu à Suprema para dizer que na Galícia era necessário que as pessoas "alimentassem o medo", respeitando a Inquisição. Em 1578, ao reeditar o Directorium Inquisitorium, texto sobre os procedimentos inquisitoriais de Nicolas de Eymeric, inquisidor de Aragão no século XIV, Francisco Peña escreveu: "Devemos recordar que o objetivo essencial do julgamento e da sentença de morte não é salvar a alma do acusado, mas fazer o bem público e aterrorizar as gentes" (GREEN, 2012, p. 28).

Mais uma vez o autor nos convida a contextualizar esse instrumento, mostrando que a tortura, na qual logo se pensa quando se fala em Inquisição, tinha uma dinâmica própria, sendo mais moderada do que se imagina. A Inquisição espanhola tinha relação com o Estado, este último a utilizando como mecanismo de controle social não apenas de hereges, mas também de estrangeiros que poderiam comprometer a organização social. O Papa Paulo IV, interessado pelos resultados da Inquisição, a aplicou na Itália e posteriormente a toda a Cristandade, organizando o tribunal romano, com juízes dominicanos e cardeais escolhidos pelo Papa. Lindberg afirma que a Inquisição “serviu de arma defensiva da Contrarreforma” (LINDBERG, 2017, p. 497).

Após nos inteirarmos brevemente sobre o funcionamento do Index librorum prohibitorum e da Inquisição, tendo como base as pesquisas de Carter Lindberg e Toby Green, concluímos que eles foram mecanismos importantes na Reforma Católica ou Contrarreforma, muito mais de defesa do que de ataque, em um período em que o enfrentamento ao Protestantismo tornou-se mais rígido, embora fique claro que a natureza de ambos foi revisitada pela historiografia mais recente, que buscou contextualizá-los e historicizá-los.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


GREEN, Toby. Inquisição: O Reinado do Medo. Trad. Cristina Cavalcanti. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

LINDBERG, Carter. História da Reforma. Trad. Elissamai Bauleo. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017.

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