O que é História Cultural? Essa pergunta é antiga. De acordo com o historiador inglês Peter Burke, autor de O que é História Cultural? (2005), ela foi formulada no final do século XIX pelo historiador alemão Karl Lamprechet. Desde então muito já se escreveu e se refletiu sobre, mas ainda não existe uma resposta concreta, ou, pelo menos, uma resposta totalmente aceita pela comunidade acadêmica. Como entender a História Cultural, dada a sua complexidade? A presente reflexão, singela, abordará a História Cultural como um campo historiográfico.
A História Cultural pode ser entendida como um campo historiográfico em que seus praticantes realizam uma interpretação cultural da História. Cultura é um conceito polissêmico, o que garante certas especificidades a esse campo, que é estudado e praticado desde a segunda metade do século XIX, sendo redescoberto na década de 1970. Em uma definição simples, mas não satisfatória, cultura pode ser entendida como um conjunto de práticas que caracterizam determinado grupo social. Existe a cultura popular, a cultura erudita, a cultura material, a cultura imaterial etc.
Peter Burke (2005) divide a História Cultural em quatro fases: fase clássica, fase da História social da arte, fase da descoberta da História da cultura popular e a fase da Nova História cultural. A primeira vai de 1800 a 1950. Os historiadores desse período voltam-se para o estudo dos clássicos da arte, da filosofia, da literatura e da ciência. A segunda tem início na década de 1930, sendo marcada pela produção de trabalhos que abordavam a arte através de uma perspectiva social. A terceira fase, surgida na década de 1960, tem como principal característica a “descoberta do povo”, isto é, a descoberta do protagonismo das classes populares (operários, camponeses, artesãos), anteriormente relegadas ao esquecimento. A quarte e última fase, denominada Nova História Cultural, está em pleno desenvolvimento desde a década de 1980. Caracteriza-se pelo diálogo com outras ciências como a Antropologia, a Sociologia e as Ciências Sociais.
Essa redescoberta ocorrida na década de 1970 está ligada às transformações pelas quais passaram as ciências humanas nesse período, transformações essas que dizem respeito à valorização das diferenças culturais, dos modos de vida das sociedades. Em síntese, tudo que está relacionado à identidade cultural. Os historiadores culturais buscam significados, práticas e representações, elementos simbólicos construídos pelo homem ao longo de sua trajetória. Por dedicar-se ao simbólico e ao abstrato, a História Cultural possui uma abordagem diferente do que ocorre, por exemplo, nas histórias política e econômica. Ela oferece uma gama de possibilidades de estudos. O pesquisador que se dedica a esse campo pode produzir uma História do cotidiano, História da vida privada, História dos costumes, História da morte, História da sexualidade etc. Aparentemente não existem fronteiras para os estudos culturais, pois tudo está permeado pela cultura humana.
Outro fator que possibilitou essa redescoberta de História Cultural foi a crise dos paradigmas, que atingiu principalmente o marxismo, enfraquecido pela denúncia dos crimes cometidos por Josef Stálin na União Soviética, o que causou uma cisão na intelectualidade marxista. A historiadora Sandra Jatahy Pesavento, em História & História Cultural (2003), explica que a visão mecanicista, etapista, materialista e economicista do marxismo tradicional passou a ser criticada e vista como insuficiente para a produção do conhecimento histórico. A abordagem cultural, dessa forma, tornou-se uma alternativa para superar essa crise.
Uma característica importante da História Cultural, brevemente destacada anteriormente, é sua interdisciplinaridade, a relação com outros campos do conhecimento humano. Os historiadores culturais, em seus estudos, lançam mão de conhecimentos em Ciências Sociais, Sociologia, Antropologia, Linguística e outras ciências que auxiliem nos estudos sobre a cultura em suas mais diferentes dimensões. O diálogo com outras áreas torna-se essencial. Os pesquisadores desse campo também procuram utilizar métodos qualitativos em vez de quantitativos, como o levantamento seriado de fontes. Isso não quer dizer, no entanto, que não existam historiadores culturais que o façam. Um exemplo que pode ser dado são os estudos culturais que utilizam a demografia, sendo necessária a utilização de fontes seriadas como registros de nascimento e de óbito.
Como todo campo historiográfico, a História Cultural está ligada à diferentes tradições culturais de origem nacional. Existem as tradições germânica, holandesa, inglesa, norte-americana e francesa, para ficarmos apenas em alguns exemplos básicos. Cada uma possui sua particularidade. A francesa possui algumas especificidades que devem ser destacadas, como, por exemplo, suas abordagens, surgidas através da Escola dos Annales, sobre as mentalidades, as sensibilidades, as representações coletivas, a cultura material e o imaginário social. São autores renomados Marc Bloch, Lucien Febvre, Fernand Braudel, Jacques Le Goff, Emmanuel Le Roy Ladurie e Alain Corbain.
A História Cultural é, portanto, um campo historiográfico no qual a cultura é o prisma da análise histórica de seus historiadores praticantes. Isso quer dizer que práticas, pensamentos, gestos, símbolos, são seus objetos de estudo. Os métodos utilizados podem ser qualitativos e, em menor ocorrência, quantitativos. E por ser a cultura um conceito com diferentes significados, em constante mudança, a História Cultural está em plena expansão, oferecendo diferentes possibilidades aos pesquisadores.
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