sábado, 17 de setembro de 2022

Receitas tradicionais de tartaruga por Dona Chloé Loureiro

FOTO: Marcelo Ferrari.

Concluí há alguns dias a leitura de Doces Lembranças, de Chloé Loureiro (1988). É um livro de memórias do tempo de infância da autora, vivida entre o Acre e o Amazonas entre as décadas de 1920 e 1930. Apesar da crise que se abateu sobre a região naquele período, a vida não deixou de pulsar na Amazônia. O texto é simples e encantador, principalmente quando se fala de Manaus, a Cidade Sorriso, que "tinha o cheiro característico da pescada e do tucunaré frescos, misturado ao forte perfume do cupuaçu" (p. 113). Os relatos são intercalados com receitas de família de encher os olhos e estimular o paladar. Nele se aprende a fazer a tradicional tartarugada, a galinha e o pato a cabidela, o pirarucu de casaca, os doces de cupuaçu e caju e os chás, caldos e mingaus fortificantes. Cada memória faz emergir um ou mais pratos que se degustava em determinado momento, fosse de alegria ou de tristeza. Em certas passagens me vi diante de minhas memórias de infância, de uma comida especial, da família reunida na mesa, dos risos e abraços fraternos. Dentre as várias receitas, é impossível não se deter nas de tartaruga, pois só quem provou sabe do sabor único que ela possui. Reproduzo abaixo as receitas de tartarugada, guisado das mãos, guisado de carne, picadinho, sarapatel e a farofa do casco.

Tartarugada

A tartarugada não é um prato, é um banquete, no qual a tartaruga é apresentada de diversas maneiras, com sabores diferentes e aproveitando carnes, vísceras e sangue do animal, nada sobrando.

Não é difícil de ser preparada. O guisado é feito como o de carne de vaca ou ragu de carneiro. O picadinho, também, embora o sabor seja totalmente diferente. Vivendo na água, não tem gosto de peixe sendo, por isso mesmo, sui generis.

O sacrifício do animal é triste, deprimente. Custa muito a morrer e mesmo depois de horas, escaldado, cortado, a sua carne ainda pulsa na panela. Dá pena.

Depois de morta a tartaruga é sangrada e retirada de sua carapaça, o que exige uma pessoa especializada para fazê-lo. O sangue é colhido e misturado com vinagre, limão e sal, batendo-se bem, para não talhar. O cuidado maior é o da retirada das vísceras, para não espocar a bolsa do fel, ao lado do fígado, pois a bile deixa um sabor amargo aonde pega. Tudo deve ser escaldado e limpo, pois da tartaruga nada se perde.

Coloca-se então os quartos em água fervente, para se retirar a pele das patas. Cortam-se as mãos pelas juntas, arrancando-se as unhas. A carne mais branca é para fazer o picadinho; a escura, para o guisado, o sarapatel e o paxicá. Se estiver muito gorda, tire o máximo de gordura antes de escaldar as carnes.

Guisado das mãos

Corte as mãos em pedaços, tempere com sal, pimenta do reino, alho, colorau e cominho. Tire pedaços de gordura e derreta numa panela. Junte cebolas e cheiro verde, e refogue. Coloque pedaços de tartaruga e deixe refogar. Deite, em seguida, água quente à panela, e deixe cozinhar até amolecer o couro das mãos. Adicione, se gostar, um pedaço de pimenta murupi e uma boa quantidade de folhas de alfavaca cortada. Abafe a panela e logo em seguida feche o fogo.

Guisado de carne

Corte pedaços de carne mais escura e dos ossos que a acompanham, logo acima das mãos. Tempere com sal, pimenta do reino, colorau, cominho, alho socado e uma folha de louro. Refogue tudo com um pouco de gordura, se precisar, pois geralmente há gordura nestes pedaços. Leve ao fogo, junte água quente, e deixe amaciar bem. Junte em seguida boa porção de cebolas, cheiro e alfavaca, tudo bem cortadinho. Quando a carne já estiver quase macia, coloque batatas descascadas, cruas no caldo ou molho, para cozinhar, em fogo brando. Sirva quente.

Picadinho

Moa uma boa quantidade de carne branca. Passe junto um pouco de gordura.

Tempere com todos os temperos, sem excesso, para não tirar o sabor especial. Os melhores temperos são o cheiro verde, a cebola, a cebolinha e o colorau. Não use tomate. Moa também os temperos, pois fica mais gostoso. Refogue tudo junto, deixe cozinhar em fogo lento, desprendendo a água da própria carne. Pode ficar molhadinho mas não aguado.

Para acompanhar faça uma farofa com farinha d'água, na gordura da tartaruga, com cebola, cheiro verde e cebolinha, deixando ficar bem torrada.

No peito da tartaruga, limpo e assado na brasa, coloque o picadinho, e cubra com a farofa, enfeitando com ovos cozidos e azeitonas.

Sarapatel

Corte miúdo o bucho, o fígado, as tripas e alguns pedacinhos de carne (isto depois de tudo limpo e lavado com limão). Tempere com os mesmos temperos dos pratos anteriores. Leve ao fogo e deixe cozinhar bem. Quando tudo estiver bem macio, bata bem o sangue com um pouco de água, e despeje na panela. Mexa bem, para não pegar no fundo. Deixe engrossar e apague o fogo. Sirva quente.

Farofa do casco

Lave e tempere o casco da tartaruga e asse-o na brasa, com cuidado para não queimar. Vá raspando com uma colher, a carne e a gordura presa no mesmo. Fogo baixo para não queimar muito rápido.

Quando tudo estiver bem fritinho, coloque cebola, cebolinha, cheiro verde cortadinho, e vá juntando a farinha da sua preferência, para fazer uma farofa molhadinha.

Estes pratos são todos acompanhados com molho de pimenta murupi, feita com o caldo do guisado, suco de limão e temperos verdes bem batidinhos. Estes pratos são os principais.

O paxicá é feito com os miúdos e mais a cabeça cortada em pedaços, do mesmo modo que o sarapatel, mas sem usar o sangue.

Se a tartaruga estiver magra, não use óleo de qualquer espécie, nem margarina. Apenas manteiga ou banha de porco. Caso contrário o gosto fica horrível.

O filé pode ser assado ou frito na gordura.

Todos esses pratos são demorados, pois a carne é muito dura. Use panela de pressão para o guisado das mãos para maior rapidez.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Amores proibidos: a homossexualidade em Manaus no início do século XX

Rapaz com cesto de frutas. Caravaggio, 1593. FONTE: commons.wikimedia.org.

Nos últimos 100 anos o entendimento sobre a homossexualidade sofreu grandes mudanças. Considerada uma condição/prática pecaminosa e antinatural, dentro a esfera religiosa, passou a ser compreendida e aceita por parte da população, ainda que boa parcela da sociedade continue utilizando justificativas de cunho religioso para condená-la. Entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, tornou-se objeto de estudo das ciências médicas, por elas entendida como um “distúrbio, anomalia, carecendo de cura, correção” (MOREIRA, 2012, p. 263), no contexto da medicalização e saneamento “moral” que se difundiu no Ocidente.

No recorte temporal do presente texto, a homossexualidade é entendida como um vício, uma imperfeição que degenerava homens e mulheres, estando lado a lado, nos famosos Códigos de Posturas, da prostituição e do alcoolismo. De acordo com o professor Adailson Moreira, “As práticas sexuais passaram dos domínios da religião para os da ciência, com sua postura higienista” (MOREIRA, 2012, p. 256). A passagem da esfera sagrada para a científica não representou o fim das perseguições. Pode-se pensar que, agora, a “ciência” justificava, seguindo os mais modernos critérios de pesquisa, a repressão e a marginalização de homens e mulheres que não se enquadravam em padrões normativos.

Para compreendermos a vida dos homossexuais de Manaus no início do século XX, devemos, primeiramente, ter ciência de que a cidade estava em plena modificação. A partir de 1890-1900, ela passa por um profundo processo de transformação em seus aspectos socioculturais, políticos e econômicos, possibilitado pelo crescimento do mercado de produtos primários – com destaque para a borracha - destinados ao abastecimento dos grandes centro industriais da Europa e da América do Norte. Ela precisa ser modernizada, práticas consideradas impróprias devem ser expurgadas e a vida urbana deve ser controlada por rigorosos Códigos de Posturas criados pelos administradores para garantir o bom funcionamento do novo polo econômico para as elites. Hábitos, costumes e práticas são sepultados, nos dizeres da historiadora amazonense Edinea Mascarenhas Dias (DIAS, 2007, p. 43).

Os periódicos locais são fontes preciosas para o estudo da vida dos homossexuais da cidade. O contato e leitura deles permitiu compreender o tratamento dispensado a eles, referidos nas folhas como pederastas, sodomitas e invertidos. As principais formas encontradas pelo poder público para combatê-los em nome do “saneamento moral” eram as perseguições e prisões, estimuladas pelos veículos de imprensa. Em 1912 o jornal A Marreta informava, estarrecido, que “Augmenta, dia a dia, de uma forma assustadora entre nós, o numero dos invertidos”. Eles estavam se espalhando pelas imediações do botequim ‘O Malho’, próximo ao Mercado Municipal, e por outros pontos da cidade. O redator da denúncia considerava a homossexualidade um vício terrível, afirmando que “Os invertidos de Manáos são de indole perversa, corruptos de natureza, excessivos e bandidos”. Para cortar o mal pela raiz, sugeriu que “Pode-se arranjar uma ilha, e nella se colocar os invertidos, obrigando-os a trabalhos forçados” (A MARRETA, 03/11/1912). A prisão com trabalho forçado era aplicada em diferentes partes do mundo contra os homossexuais, como foi o caso da condenação, em 06 de abril de 1895, do escritor e dramaturgo irlandês Oscar Wilde (1854-1900). Nesse mesmo ano o Jornal do Commercio informava ter recebido da Casa Freitas um exemplar do primeiro volume da obra Os desequilibrados do amor, de A. Dubany (JORNAL DO COMMERCIO, 08/07/1912).

Em 1913 uma matéria do jornal O Chicote registrou que Manaus era “um dos mais sinceros espelhos de Sodoma e Gomorrha”, onde todos os vícios eram praticados, da vadiagem às relações sexuais com pessoas do mesmo sexo. A “pederastia” era um vício que “alastra-se, desce do alto, arrasta na onda a infancia inexperiente e atira para as esquinas dos cinemas e sombras propicias dos jardins publicos as figuras amarellentas e repulsivas dos “brizas” (O CHICOTE, 02/08/1913). O autor finaliza sua denúncia pedindo mais esforços da polícia para moralizar a capital. No ano seguinte, Evaristo da Silva e Norberto da Silva Azevedo foram presos por um guarda-civil na Rua Governador Vitório, no bairro de São Vicente, por estarem praticando, de madrugada, atos capazes de “lembrar os tempos de Sodoma” (JORNAL DO COMMERCIO, 26/12/1914). A homossexualidade era enquadrada nos crimes sexuais. Seja por questões biológicas, hereditárias ou adquiridas do meio em que se vive, o historiador Carlos Martins Júnior afirma que

Sob a justificativa de evitar o contato de indivíduos “sãos” com a “doença” física e moral, no final do século XIX desenvolveu-se a noção de que o controle racional das “perversões sexuais”, e mais especificamente da “homossexualidade viciosa”, garantiria a defesa do corpo social ameaçado (MARTINS JÚNIOR, 2015, p. 1249).

Esses são alguns registros de como os homossexuais eram tratados em Manaus. Não trata-se de um fenômeno exclusivo, pois ao redor do mundo, nas mais variadas sociedades, essas pessoas eram perseguidas, ridicularizadas e punidas. Observando bem, percebemos que esses informes tratam de um tipo específico de homossexual, o de baixa renda, que muitas vezes tinha que se prostituir para sobreviver. O que acontecia quando ele pertencia à elite? Qual era o peso da classe social sobre essa questão? O jornal A Marreta, em matéria já citada, informava que a campanha contra os “invertidos” deveria “[…] começar pelos grandes, que occupam logares importantes em nossa sociedade” (A MARRETA, 03/11/1912). Aqueles que tinham prestígio na sociedade procuravam viver de maneira discreta, sem levantar suspeitas. Alguns mantinham uma vida dupla, pois eram casados ou tinham a fama de mulherengos, que não passava de uma fachada. Qualquer rumor era um prato cheio para os jornais de mexericos como O Chicote, A Marreta e A Farpa, sempre dispostos a acabar com uma reputação considerada irretocável.

A sociedade manauara do início do século XX tinha rígidos valores morais, que não davam espaço para qualquer tipo de “desvio”. Em Evocação de Manaus – como eu a vi ou sonhei, trabalho memorialístico de José Jefferson Carpinteiro Péres sobre sua infância e adolescência entre as décadas de 1940 e 1950, nos é apresentada uma Manaus de padrões vitorianos, patriarcais, praticamente inalterados desde 1900. As meninas eram educadas para serem esposas obedientes, e os meninos para serem varões exemplares, chefes de família. Existia uma única preocupação que atormentava pais e mães: a homossexualidade. “Não tanto o feminino”, escreve Jefferson, “pois, tanto quanto eu sabia, o lesbianismo era raríssimo”. “O problema dizia respeito”, continua, “aos homens. Estes podiam ser tudo, bêbados, vagabundos ou arruaceiros, mas homossexuais, nunca. Era o que de pior podia acontecer a uma família. Quando um garoto ou rapaz se revelava como tal, os pais e irmãos morriam de vergonha e desgosto”. O pai castigava o filho e este era expulso de casa e, assim que os amigos ficavam sabendo, também era excluído de seus círculos sociais:

Lembro-me de um, meu contemporâneo no Colégio D. Bosco, assumido, como hoje se diz, que levava surras homéricas do pai, um militar que se julgava desonrado pelo filho. Este acabou expulso de casa, indo abrigar-se na casa da avó. Mas a hostilidade existia na escola, na rua, em toda parte. Aqueles de trejeitos mais acentuados eram perseguidos com assobios e piadas obscenas. E quando ousavam replicar, os provocadores reagiam com sonoras vaias e, não raro, com agressões físicas. Os enrustidos, quando descobertos, eram sumariamente excluídos das turmas. Lembro-me, por exemplo, dos meus tempos de molecagem na rua Saldanha Marinho, hoje Huáscar de Figueiredo. Fazia parte do grupo um garoto chamado Celino, dos mais inteligentes e agradáveis. Um dia, não sei como, correu a notícia de que o Celino era. Recebida com estupor e incredulidade, a nova levou algum tempo para ser assimilada. Quando não houve mais dúvida, ficou decidido que ele não mais frequentaria a roda (PÉRES, 2002, p. 49-50).

Celino não esperou pela expulsão do grupo de amigos. Fez, de acordo com Jefferson Péres, o que muitos homossexuais que tinham condições faziam: deixou de procurá-los e, “[…] pouco tempo depois tomava o rumo do Rio de Janeiro” (PÉRES, 2002, p. 50). Amaro Vieira de Alencar, autor de São Raimundo dos Meus Amores, obra sobre sua infância e adolescência no bairro de São Raimundo entre as décadas de 1940 e 1950, relata, com certa carga pejorativa, aspectos da homossexualidade dos meninos de seu tempo. Um jovem de nome Leopoldino, cita Amaro, era inclinado à “pederastia”. Certa vez, foi flagrado por vários garotos em posição de quatro com um rapaz, que logo saiu de cena: “Indignado, Leopoldino continuou de quatro pés e, arreganhando as nádegas com as duas mãos, exclamou – Deixa porr!… O c… é meu! Mete Chico! Amaro finaliza esse breve relato afirmando que isso não era estranho, pois outros meninos também eram homossexuais, ativos ou passivos, abandonando a prática na fase adulta: “Quando meninos, davam até por uma bolacha, hoje não dão nem por uma padaria” (ALENCAR, 1985, p. 26).

Essa Manaus de Jefferson Péres e Amaro Alencar guardava resquícios dos tempos dos periódicos analisados. Os relatos desses memorialistas descortinam uma cidade que convivia, de um lado, com rígidos padrões morais, oriundos de um tradicional Catolicismo enraizado na sociedade, que castigava, humilhava e excluía os homossexuais do convívio social; e, do outro, com esse e outros grupos marginalizados que, apesar das tentativas de “saneamento moral” e exclusão e após anos de luta renhida, conquistaram o direito de existir.


FONTES:


Jornal do Commercio, 08/07/1912.

A Marreta, 03/11/1912.

O Chicote, 02/08/1913.

Jornal do Commercio, 26/12/1914.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ALENCAR, Amaro Vieira de. São Raimundo dos Meus Amores. Manaus, Sociedade de Televisão Ajuricaba, 1985.

DIAS, Edinea Mascarenhas. A Ilusão do Fausto: Manaus 1890-1920. 2° ed. Manaus: Editora Valer, 2007.

MOREIRA, A. S. A homossexualidade no Brasil no século XIX. Bagoas: Revista de Estudos Gays, v. 6, p. 253-279, 2012.

MARTINS JÚNIOR, Carlos. Saber jurídico e homossexualidade no Brasil da Belle Époque. Diálogos (Maringá), v. 19, p. 1217-1251, 2015.

PÉRES, Jefferson. Evocação de Manaus – como eu a vi ou sonhei. 2° edição revista e ampliada. Manaus: Editora Valer, 2002.

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

O Amazonas na época da Elevação à categoria de Província

Bandeira do Amazonas.

Naquele 05 de Setembro de 1850, encerrava-se, pela força da lei, uma luta. Luta por emancipação política que teve início décadas antes. A antiga Comarca do Alto Amazonas, subordinada à Província do Grão-Pará, foi elevada, através da Lei n° 582 de 05 de Setembro daquele ano, à categoria de Província do Amazonas. Emancipada essa porção territorial, criada uma nova unidade política, era preciso organizar a administração, ver o que existia, o que faltava, cuidar da arrecadação. Enfim, planejar o futuro da nova Província.

Os limites da Província do Amazonas seriam os mesmos da antiga Capitania de São José do Rio Negro, “com a Capitania de Mato Grosso, ao sul, através da Cachoeira de Nhamundá até sua foz no Amazonas e deste pelo outeiro de Maracá-Açu, ficando para o Rio Negro a margem ocidental do Nhamundá e do outeiro” (REIS, Arthur Cézar Ferreira. História do Amazonas, 2° ed, 1989, p. 121).

Quando a Província foi entregue a seu primeiro Presidente, João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), nomeado por Carta Imperial de 07 de junho de 1851, esta contava com um Comando Geral, criado em 05 de julho de 1737, que compreendia todo o território; a Guarda Policial, criada em 04 de abril de 1837, formada por dois Batalhões com uma força de 1339 praças; nos portos existiam 12 oficiais militares destacados; e as Companhias de Trabalhadores, instituídas pela Lei n° 02 de 25 de abril de 1838, que eram instituições que recrutavam trabalhadores, índios e mestiços, para a prestação de serviços compulsórios para o Estado e particulares. Foi criada uma Companhia Provisória de Caçadores de 1° Linha, que contava com 84 praças. Existiam também 39 praças destacadas que pertenciam ao 3° Batalhão de Artilharia a pé. Com 2 Termos com foro independente, o Amazonas possuía 4 municípios, 20 freguesias, 18 Distritos de Paz, 2 Delegacias e 11 Subdelegacias.

O estado da segurança pública era considerado lisonjeiro, ainda que as maiores ameaças consideradas pelos administradores locais fossem os ataques de indígenas das tribos arara, macûs, muras e karipuna, que vez ou outra assaltavam embarcações e matavam seus passageiros. Tenreiro Aranha tomou medidas para coibir esses ataques e punir seus autores.

No que diz respeito ao culto público, representado pela religião Católica, existiam 3 Missões na região para a catequese dos indígenas: a de Porto Alegre, em São Joaquim do Rio Branco, no Alto Rio Branco, onde eram catequizados uapixanas, macuxis, jaricunas, anhuaques, arutanis, procutus e saparás; a de Japurá, Içá e Tonantins, na margem esquerda do Solimões, cujos trabalhos eram feitos com ticunas, mariatés, xomanas, juris e passés; e a do Andirá, em Vila Nova da Rainha (Parintins), voltada para a catequese de maués e muras. As missões não estavam dando os resultados esperados, o que era atribuído “a carencia de Missionarios esclarecidos, e animados de fervor religioso, e de patriotismo; a insufficiencia dos meios pecuniarios, de que se tem disposto; e a falta de um systema de educação mais apropriada” (EXPOSIÇÃO, 1851).

Em aspectos educacionais, em seus anos iniciais a Província possuía 8 escolas de ensino primário, das quais 7 estavam plenamente providas de todos os materiais necessários para o funcionamento. A única instituição de ensino secundário, o Seminário de São José, criado em 1848, ficava na capital, Cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro (Manaus). Nela eram ensinada gramática latina, língua francesa, música e canto. À época era frequentado por 17 alunos, sendo 13 internos. Em trabalho de recenseamento realizado em 1851, a população foi estimada em 29.798 habitantes, sendo 7.815 homens livres e 225 escravos, 8.772 mulheres livres e 272 escravas, 6.776 menores do sexo masculino livres e 117 escravos, e 5.685 menores do sexo feminino livres e 136 escravas.

Assim se encontrava a Província do Amazonas, de acordo com a Exposição apresentada em 09 de dezembro de 1851 por Fausto Augusto de Aguiar, Presidente da Província do Pará, a João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha. Fausto concluiu sua exposição desejando sucesso a Tenreiro Aranha e ao Amazonas: "Concluindo, felicito a V. Exa. pela gloria, que lhe caberá, de dar á Provincia do Amazonas o impulso, que deve acceleral-a na carreira do progresso, desenvolvendo largamente os grandes meios que ella possue, e que lhe afiançam, no porvir, um logar a par das que mais hajam florescido" (EXPOSIÇÃO, 1851).

A par dessas informações, do lugar que primeiro administraria, Tenreiro Aranha pôde enfim instalá-la em 01 de Janeiro de 1852, no prédio da Câmara Municipal de Manaus. Instalada, nomeados seus vice-presidentes e demais funcionários, seguiram-se os festejos e dois tradicionais atos religiosos, o de Ação de Graças, na capela do Seminário de São José, e o Te Deum Laudamus (A Ti Louvamos, Deus), na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, que estava servindo de Igreja Matriz.

Em 1852 foi levantada a planta de Manaus. Nela, além dos limites urbanos, pode-se observar que a pequena cidade era dominada pelos igarapés de São Vicente, da Ribeira, do Espírito Santo e do Aterro, que cortavam seus poucos bairros, Remédios, República, Espírito Santo, Campina e São Vicente. As ruas continuavam estreitas e curtas, como nos tempos coloniais, definidas de forma natural pelo terreno. Registra-se, ainda, como acontecimento marcante para a região, a introdução da navegação a vapor mediante a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, de Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.