Saque de Roma pelos Vândalos, em 455 d.C. Pintura de Heinrich Leutemann.
Bárbaro,
sinônimo de incivilizado, rude e atrasado. Essa expressão, que nos
leva à Idade Média, é consagrada no dia a dia, seja por meio da
mídia ou, na maioria das vezes, pela herança etimológica que nos
foi deixada. Quando se junta a essa palavra outra, invasões, temos
um prato cheio para análises. As invasões bárbaras são pontuadas
como uma das causas do declínio da parte Ocidental do Império
Romano, como bem vemos no ensino básico e, agora, em mais uma série
do canal History. Nos foi repassada através de livros didáticos e
até mesmo alguns acadêmicos, uma imagem de violentas incursões de
povos de vários lugares da Europa em direção ao Império Romano.
No
entanto, não foi bem isso que aconteceu, pelo menos em parte. Jerôme
Baschet, medievalista francês autor de A Civilização Feudal: do
ano mil à colonização da América (2006), uma síntese de
História Medieval para os calouros da UNACH (Universidad Autónoma
de Chiapas), analisa essa expressão saindo da tradição de ver
apenas o poderio militar bárbaro, dando foco para a organização
desses povos e desmistificando alguns pontos de suas relações com
Roma.
Baschet
faz uma dupla crítica a essa expressão. Primeiro, ele analisa a
palavra bárbaro, empregada, primeiramente, para designar os
não-gregos e, depois, os não-romanos. A palavra ganhou uma
conotação negativa, tornando Roma um modelo de civilização e os
não-romanos exemplo de atraso técnico e cultural. Ao entrar em
contanto com o Império, esses povos ignoraram elementos essenciais
para a cultura urbana de Roma, como a prática da escrita, o Direito
e a administração estatal. Mas, em contrapartida, esses povos,
organizados em torno de um chefe tribal, tinham suas próprias
técnicas, como o artesanato e o trabalho com metais, superior ao dos
romanos e frequentemente requisitado pelos mesmos.
Invasões
recebe a segunda crítica. O termo, quase que de forma automática,
nos faz pensar em violentas incursões militares contra o Império.
Elas existiram, claro, e foram bastante violentas, mas, paralelo a
elas, existiu um lento processo de infiltração, no qual esses povos
germânicos iam se instalando, na maioria das vezes, de forma
pacífica. Os grupos menores se favoreciam das práticas artesanais e
metalúrgicas, e também prestavam serviços ao exército romano.
Grupos maiores faziam acordos com o Império e ganhavam deste o
estatuto de Povo Federado, uma associação à Roma, na qual o Estado
Romano garantia cidadania, subsídios e proteção em troca de
contingentes militares.
Quando
o Império entrou em colapso e sua estrutura fiscal desabou, os
bárbaros souberam se favorecer com esse problema. As antigas cidades
romanas e suas elites, que sofriam cada vez mais com o aumento de
impostos, ganham dos reis germânicos privilégios fiscais maiores
que o normal, fazendo a antiga estrutura fiscal cair de dentro para
fora. O desaparecimento da antiga estrutura fiscal tornou o Ocidente
um grupo de regiões sem relação entre si e bastante regionalizado.
Os reinos germânicos não conseguem restaurar o imposto e controlar
suas terras e as elites locais.
As
elites locais das antigas cidades do Império tem seu papel no
processo de integração dos povos bárbaros. Para manter suas
posições, elas se aliam aos líderes germânicos, realizando
casamentos, fundindo linhagens romanas e bárbaras. Os dois lados
saem ganhando: os bárbaros, aos poucos, iam se integrando à
sociedade romana, muitas vezes ascendendo como membros da
aristocracia; enquanto que as antigas elites romanas se
militarizaram, protegeram suas posições e passaram a controlar cada
vez mais as cidades.
No
campo jurídico são misturados elementos do Direito Romano e
costumes de origem germânica, caracterizando a ausência de um poder
real que possa ser aplicado. O poder do rei germânico emana de sua
relação de fidelidade com sua corte, onde seus membros são
recompensados com proteção e concessões públicas, numa prática
de paternalismo que confunde o público com o privado. Com a ausência
de uma estrutura fiscal que garanta o controle das regiões e suas
elites; de uma codificação jurídica organizada, Baschet conclui
que é impossível considerar estados os reinos germânicos da Alta
Idade Média.
Portanto,
as Invasões Bárbaras não devem ser vistas ou imaginadas apenas
como ações violentas dos povos germânicos, mas também como um
processo de infiltração lento, com duração de vários séculos,
no qual os líderes dessas tribos souberam se aproveitar das
fraquezas internas do Império Romano e se integrar a essa realidade.
A fronteira, em certa medida, perde seu caráter de divisão e se
torna o lugar das trocas comerciais e culturais, onde são mesclados
elementos romanos e germânicos, dando luz a uma nova realidade na
Europa, a realidade romano-germânica.
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