sábado, 25 de agosto de 2018

Boulevard Álvaro Maia

Boulevard Amazonas, 1969.

Na publicação de hoje recupero um artigo originalmente publicado em 1972 no Jornal do Comércio pelo escritor, cronista e historiador Genesino Braga (1906-1988), no qual o autor discorre sobre o Boulevard Amazonas, em vias de se tornar Boulevard Álvaro Maia, um dos logradouros mais conhecidos de Manaus:


BOULEVARD ÁLVARO MAIA

O nome glorioso do maior dos amazonenses - Álvaro Maia - vai, afinal, dignificar uma rua de Manaus. Em breve, talvez a 4 de maio vindouro, quando os três anos da morte do Tuxaua se completam, as placas de mármore com o seu nome imortal estarão afixadas ao longo do até agora Boulevard Amazonas, que se rebatizará Boulevard Álvaro Maia. 

Esta velha aspiração dos amazonenses, fundada em ver o nome do conterrâneo mais querido e mais admirado em rua condigna da capital do Estado, convertê-la-á em Lei um projeto do nobre Vereador Praxíteles Antony, apresentado em dias desta semana ao Conselho Municipal de Manaus. Pôs o honrado edil, na sua magnificatória proposição, todo o anseio desta população, que vimos, outrora, no decurso de cinquenta anos, unida em seus aplausos e em sua solidariedade ao mais puro de seus líderes; todo o entusiasmo daquelas gerações de moços que dele beberam as sábias aulas do idioma e as exaltadas lições do civismo; toda a alma encantada desta cidade alegre e feliz, que dele ouviu os belos cantos de louvor ao seu "charme" tropical, à feitiçaria de suas ruas vestidas de verde e de sol, à fascinação de seus crepúsculos de tons violentos e fugaces.

E felicíssimo foi o ilustre licurgo manauense na escolha da via pública a ser honrada com o nome de Álvaro Maia. Nenhuma tão à altura do excelso amazonense, como o velho Boulevard Amazonas! A linha reta de sua vastíssima extensão é a linha reta daquela longa vida do estadista caboclo. Sua ampla largura do gabarito lembra a dimensão daquele espírito lato, a largueza daquele coração generosíssimo. Pois que o Boulevard Amazonas, conforme as lições do historiador Mário Ypiranga Monteiro, nascera de uma linha reta: a que se traçara "da foz do Igarapé da Castelhana até encontrar o Igarapé de Manaus", fazendo, assim, em 1859, o limite norte da cidade, consoante a Declaração de Limites proposta por Clementino José Pereira Guimarães (o Barão de Manaus), constante da ata da sessão de 31 de janeiro de 1859, da Câmara Municipal de Manaus. Trinta e quatro anos depois, pela Lei municipal n° 135, de 4 de novembro de 1893, aquele extenso traçado retilíneo "passou a constituir limite urbano da cidade"; e, em 1894, por decreto de 20 de fevereiro, do Superintendente Engenheiro Manuel Uchoa Rodrigues, tomou a denominação de Boulevard Amazonas, como homenagem do Município de Manaus ao Estado do Amazonas. "Boulevard", diga-se de passagem, por influência do figurino urbanístico francês, em moda na época, o qual assim denominava, em Paris, as ruas largas, tendo ao centro passeios plantadas de árvores, como as que se estendem da Madalena até a Bastilha. As principais capitais brasileiras até hoje esnobam com os seus "boulevards", que mantém integrados na sua tradição urbana.

Mas, foi ao honrado patriarca amazonense, Coronel Domingos José de Andrade, que coube, em 1908, quando Superintendente Municipal, mandar pavimentar o chão, até então tosco e quase intransitável, do Boulevard Amazonas, por força da Lei n° 510, de 30 de maio daquele ano. E o próprio Álvaro Maia, cujo nome vai ser agora placa da histórica via pública, foi quem lh' a deu, quando no Governo do Estado, melhoramentos consideráveis, através da antiga CERA, então dirigida pelo saudoso Xenophonte Antony. Isto é o que nos informa textualmente o mestre das pesquisas históricas, Professor Mário Ypiranga Monteiro, tratando do nosso Boulevard: "Foi melhorado grandemente no governo do dr. Álvaro Maia, quando se estabeleceu o sistema de duas vias (mão e contra-mão), para veículos, com passeios centrais. Asfaltado quando na direção da CERA (Comissão de Estradas de Rodagem do Amazonas) o sr. Xenophonte Antony".

Recentemente, os cuidados de filho estremecido, que os tem Paulo Nery por sua querida cidade natal, aformosearam o Boulevard Amazonas com um comprido tapete de plantas ornamentais de folhas coloridas, o qual se estende por quase toda a sua extensão, - como à espera, talvez, da passagem da Rainha de Manoa, vaticinada nos versos de Raimundo Monteiro, que fora fidalgo e menestrel, sagrado Príncipe dos Poetas Amazonenses.

"Para ele (Álvaro Maia), o amor ao próximo era o fecundador excelente dos sentimentos generosos. Foi este amor que lhe encheu toda a existência terrena, lhe deu consolo quando o viu caluniado, lhe deu alento quando o encontrou no ostracismo, lhe inspirou romances e poesias, temas espiritualistas e narrativas de cenas e episódios havidos nos seringais amazônicos. E, como sua própria sombra, lhe deu brilho ao nome, o ajudou a tornar-se merecedor do manto de paladino das honrarias de seu país", - eis um trecho da comovedora beleza da Justificativa como que o Vereador Praxíteles Antony, sublimando o altruísmo e a força espiritual de Álvaro Maia, levou o Projeto ao consenso de seus pares. E ainda estoutro: "As mãos da gratidão eram suas, toda vez que a legião dos repesos da injustiça lhe batia à porta pedindo absolvição. Escrevia poemas, mas, tal qual Carlyle, preferia viver os dramas que lhe inspiravam os versos. E quando assim procedia, transformava as tormentas da vida em estranhas renúncias, que eram toleradas sem queixumes ou exprobrações".

Homenageará, assim, o maior dos amazonenses, doravante, a majestosa via pública alfombrada de trevos e folhagens variegados, que durante 78 anos homenageou o maior dos Estados do Brasil. Em breve, quando os Flamboyands, que ali ao centro se enfileiram, incederem suas copas de flores rubras, será já no Boulevard Álvaro Maia que as lindas árvores floriflamantes erguerão "ao céu, que te coroa de esplendores,/urnas de essências e pendões de flores", como poema "Árvore-bálsamo", do cantor de "Busina dos Paranás". E a Cidade de Manaus se ostentará maior, mais nobre e mais dignificada com o nome glorioso de Álvaro Maia em seu tradicional Boulevard. Não sabemos de ato que mereça mais aplausos, mais simpatia e a solidariedade unânime de um povo, que esse Projeto do vereador Praxíteles Antony.

FONTE:

Jornal do Comércio, 19/03/1972.


CRÉDITO DA IMAGEM:

Jankiel Gonczarowska/Página Manaus Sorriso

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Os grandes cafés manauaras do início do século XX

Movimentação em frente ao Café da Paz, na Avenida Eduardo Ribeiro. Foto de 1933.

Os cafés estão na moda. Cafés simples, gourmetizados, estão presentes nos quatro cantos da cidade, em shoppings, livrarias e em feiras, disponíveis para todos os gostos e bolsos. Esses estabelecimentos, de pequeno, médio ou grande porte, são locais de socialização, descontração e descanso, atendendo as mesmas funções que possuíam no início do século passado. Nos idos de 1900, as grandes capitais europeias e as demais cidades enriquecidas pela corrida industrial capitalista tornaram-se pequenos centros de diversão para a classe média e a burguesia, com os cafés figurando em destaque. Em Manaus, cidade enriquecida pelas atividades ligadas à extração do látex, não foi diferente.


Café dos Terríveis. 'Indicador Illustrado do Estado do Amazonas', 1910.

Na Praça 15 de Novembro, na zona portuária, destacava-se o botequim Café dos Terríveis, entre as ruas 15 de Novembro e Visconde de Mauá (antiga Demétrio Ribeiro). Sua inauguração, em 16 de outubro de 1904, foi bastante concorrida, com grande número de pessoas tomando a praça e suas imediações. Foram servidas bebidas finas e manjares frios. Na porta do café, uma banda regimental embalava o momento com peças variadas1. Seu cardápio era variado, como foi possível constatar em anúncios publicados em jornais. No dia 18 de outubro de 1904, por exemplo, foi servido “sorvete de morango, coalhada, leite puro, refrescos de diversos sabores, chocolate, comidas frias e café moka especial2. No dia 19 de outubro do mesmo ano foram servidos “sorvetes de leite, de creme e de baunilha, coalhada, leite puro, refrescos variados, comidas frias e café moka especial3. Além do ‘café moka’ especial, a principal bebida da casa era o chopp alemão da marca Pschorr. Um cardápio mais completo surge a partir de 1908, com “sanduíches, fiambres, salames alemães e de Lyon, conservas, frutas em caldas, doces, biscoitos, charutos e cigarros4.Os clientes do Café dos Terríveis também poderiam ouvir músicas no recinto, geralmente cantadas por quartetos e quintetos, nos quais figuravam nomes como o de Arão Benjamin, pianista português formado pelo Conservatório Real de Lisboa. Com organização do ‘Club dos Terríveis’, o local era um dos pontos de concentração dos festejos carnavalescos, como os famosos carnavais de 1905 e 1915.


Grande Café Central. 'Indicador Illustrado do Estado do Amazonas', 1910.

Entre as ruas José Paranaguá e Guilherme Moreira, na então Praça da Constituição, atualmente da Polícia, erguia-se o Grande Café Central. O Café Central era um estabelecimento completo, tendo 12 bilhares e diferentes tipos de jogos. Sua clientela poderia refrescar-se com cervejas, chopps, águas minerais, leite gelado e refrescos. A cada 1000 réis gastos, o cliente ganhava um cupom para concorrer a um prêmio de 300 mil réis5. O café fazia questão, em seus anúncios, de dar ênfase a arquitetura do prédio em que estava instalado, com 16 portas em arco perfeito6.

Na Avenida Eduardo Ribeiro, principal artéria de Manaus naquele período, existiu o Café da Paz, um dos mais longevos, encerrando suas atividades no início da década de 1960. Assim como o Café Central, possuía em suas dependências alguns bilhares ‘snooker’. Das bebidas que mais faziam sucesso, o caldo de cana era a principal pedida de estudantes, professores, advogados e intelectuais que se reuniam após o expediente.

Saindo do Café da Paz, os que quisessem continuar a diversão poderiam se dirigir ao Café Suisso, na Rua da Instalação. Talvez o Café Suisso tenha sido o estabelecimento com a maior variedade de bebidas: cervejas geladas, leite fresco, café, chocolate, refrescos, aluá, ginger-ale, uísque, vermute, cidra, vinho do Porto, conhaque, licores, vinho de Colares (freguesia portuguesa) e vinho verde. Castanhas, nozes, amêndoas, figos, passas, queijos, fiambres e salames eram os petiscos. Entre os pratos mais completos, pudins, pastéis, sanduíches, escabeche de peixe e peixe assado. Também eram vendidos charutos e cigarros de marcas variadas e azeite fino de Alcanhões (vila portuguesa do Distrito de Santarém). Funcionava até meia-noite7.


Interior do Café dos Terríveis. 'Indicador Illustrado do Estado do Amazonas', 1910.

Mais tardiamente, por volta de 1925, surge o Ponto Chic, café, bar e leitaria, na Avenida Eduardo Ribeiro, esquina com a Rua Henrique Martins. As bebidas servidas eram chocolate quente, café, chá e leite, enquanto que os alimentos de destaque eram os doces finos, as canjas, as papas, os queijos, presuntos e pratos completos. O leite servido era da Agência Lacta e o café do Moinho de Ouro. O Ponto Chic iniciava suas atividades às 6 horas e fechava 1 hora da madrugada8. Seus proprietários tinham uma interessante promoção: Na compra de um maço de cigarros das marcas Clarita (fortes) e Sportman (leves), ganhava-se uma xícara de café. Também na Eduardo Ribeiro, canto da rua Saldanha Marinho, ficava o Café Avenida, famoso pelos bilhares (também vendia artigos para bilhares) e outros tipos de jogos. Comercializava, assim como os demais, “café, leite, chocolate, fiambres, salames, mortadelas, vinhos, cervejas, águas minerais e gelo9.

Existiram outros estabelecimentos do gênero na cidade, como o Café Polo Norte (fechado em 1912), entre as ruas Saldanha Marinho e Lobo D' Almada, o Leão de Ouro, na Avenida Eduardo Ribeiro, esquina com a rua Henrique Martins, e o Café Real Colon (posteriormente Bar Normal), entre as avenidas 13 de Maio (atual Getúlio Vargas) e Sete de Setembro, ao lado do Cine Polytheama e em frente ao Cine Guarany, todos, em conjunto, dando um tom único de divertimento e desenvolvimento material à capital amazonense.


NOTAS:

1 Jornal do Comércio, 17/10/1904.
2 Jornal do Comércio, 18/10/1904.
3 Jornal do Comércio, 19/10/1904.
4 Jornal do Comércio, 20/08/1908.
5 Correio do Norte, 06/06/1909.
6 Jornal do Comércio, 17/06/1908.
7 Quo Vadis? 24/12/1902.
8 Jornal do Comércio, 19/08/1925.
9 Correio do Norte, 31/03/1911.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Página Manaus Sorriso/Colorização digital de Paulo Menezes.
'Indicador Illustrado do Estado do Amazonas (1910)'/Instituto Durango Duarte.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Prédio do Visconde de Sá, na rua Guilherme Moreira (N° 201)


Prédio do Visconde de Sá, na rua Guilherme Moreira, Centro de Manaus. Foto: Ed Lincon.

Na movimentada rua Guilherme Moreira, no Centro de Manaus, o frontão de uma construção antiga me chamou a atenção. Uma coroa de cinco pontas encima o nome V. de Sá, tendo abaixo deste a data de 1905. Antes de analisar o prédio, é necessário conhecer seu antigo proprietário.

Após algumas pesquisas, descobri que o prédio da rua Guilherme Moreira pertenceu a Francisco Bento de Sá, Visconde de Sá, comerciante e industrial português nascido em 1848 na Freguesia de Coura. Francisco Bento de Sá chegou a Manaus ainda jovem, segundo consta em uma lista de 1871 de doações para a construção da Igreja de São Sebastião1 e uma lista de 1872 de súditos portugueses em Manaus2, ambas publicada no jornal Amazonas. Ainda segundo o mesmo periódico, este contraiu uma sociedade comercial em 1877 com José Maria da Silva, criando a firma Sá e Silva, tendo a mesma sido dissolvida em 26 de março de 18783. Nesse mesmo ano seu nome aparece em uma relação de casas comerciais sujeitas a impostos provinciais, sendo ele proprietário de uma loja e taberna na rua Brasileira (atual Avenida Sete de Setembro)4. Em 14 de agosto de 1894, dissolve mais uma vez uma sociedade comercial (Drogaria Normal), desta vez com Domingos da Silva Freitas5. Na eleição de 02 de dezembro de 1894 da Sociedade Beneficente Portuguesa, foi eleito um dos 12 mordomos da instituição6.

Informações complementares sobre o Visconde de Sá foram encontradas no Dicionário Amazonense de Biografias, do escritor, geógrafo e historiador Agnello Bittencourt. Consta na obra que Francisco Bento de Sá, além da taberna, montou na área portuária uma serraria a vapor, a Serraria Sá. Ingressou na Ordem Maçônica em 04 de novembro de 1876. Assim como o compatriota Joaquim Gonçalves Araújo, o Comendador J. G. Araújo, Bento de Sá era filantropo, tendo ajudado na conclusão e aparelhamento do Asilo de Mendicidade7. As informações sobre a família constituída na capital amazonense não são muitas. Foi casado com Rosa Amorim de Sá8, sendo seus filhos Emílio de Sá9 e Esmeralda Amorim de Sá10. Quando faleceu? Também não se sabe exatamente. O último natalício registrado no colunismo social da época foi em 22 de julho de 192311. Em 1925, em uma intimação municipal para a reconstrução da calçada de um prédio comercial da rua Joaquim Sarmento, já se falava em “herdeiros de Francisco Bento de Sá12. Quanto ao título de Visconde, possivelmente o recebeu da Monarquia Portuguesa pelas contribuições e serviços prestados à sociedade manauara.

'Lojão de Poupança' do BEA. Jornal do Comércio, 20/10/1989.

Conhecido o antigo proprietário, mesmo que de forma incompleta, com muitos dados ainda por serem encontrados, vamos ao prédio. A construção está localizada na rua Guilherme Moreira, entre a Importadora Sempre Novidades e a agência do Banco Santander. Está bem preservada, funcionando nela a Loja Aragão, de artigos diversos. Na década de 1980, mais especificamente em 1984, o prédio foi reformado para ser utilizado como o ‘Lojão de Poupança’ do BEA (Banco do Estado do Amazonas), função que desempenhou até 2002. O prédio, de acordo com o historiador e folclorista Mário Ypiranga Monteiro, em breve texto jornalístico, funcionou como casa de aviamento de mercadorias do Visconde de Sá13. Nesse mesmo endereço, por volta de 1944, funcionou a firma Jacob & Cia, de compra e exportação de matérias-primas da Amazônia, proprietária da Usina Estrela, de beneficiamento de borracha e balata, localizada na Ilha de Monte Cristo14. No início da década de 1960 o prédio passou a ser utilizado como sede social da Agro-Industrial Mercantil S. A. (AGROMEC S. A.) e da firma J. Sabbá & Cia15. Em 1977 o lugar já aparece como sede de outra instituição, a Syntil Cia. Industrial de Sintéticos16. No ano seguinte volta a ser utilizado como sede social da AGROMEC. Nesse mesmo ano passa a ser utilizado como sede social da AMAZON-LAR – Associação de Poupança e Empréstimo de Manaus17.

Detalhe do frontão. Foto: Mário Ypiranga Monteiro. Jornal do Comércio, 26/01/1984.

Assim como outras construções datadas do final do século XIX e início do século XX, o prédio do Visconde de Sá foi construído em estilo eclético. Sem janelas, dominam seis portas em arco perfeito ou romano, característica essa, de acordo com Mário Ypiranga Monteiro, da fase de expansão mercantil da cidade entre 1850 e 191018. No passado as portas eram de madeira, atualmente substituídas por portas de enrolar. No frontão semicircular, uma coroa de cinco pontas em alto-relevo, característica dos detentores do título de Visconde, o nome do antigo proprietário e o ano da obra (1905). Este é encimado por três acrotérios em forma de jarros. A platibanda é balaustrada, sendo ornamentada por dois acrotérios em formato de jarros nos cantos superiores.

Prédio do Visconde de Sá em 1964. Foto: Mildred Schaeffer Zichner. University of North Texas.

Passados 113 anos, o prédio do Visconde de Sá continua de pé, tendo resistido às demolições que botaram muitos de seus vizinhos abaixo durante o auge da Zona Franca. Que os atuais proprietários, e os que poderão vir futuramente, mantenham sua fachada e estrutura preservadas, legando para outras gerações de curiosos esse resquício da expansão urbana e econômica da cidade de Manaus no início do século passado.


NOTAS:


1 Amazonas, 07/10/1871.
2 Amazonas, 20/01/1872.
3 Amazonas, 05/04/1878.
4 Amazonas, 31/07/1878.
5 Diário Oficial, 17/08/1894.
6 Diário Oficial, 6/12/1894.
7 Bento de Sá. In: BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973, p. 136.
8 Correio do Norte, 30/01/1910.
9 Correio do Norte, 22/07/1909.
10 Correio do Norte, 23/07/1909.
11 Jornal do Comércio, 22/07/1923.
12 Jornal do Comércio, 10/05/1925.
13 “Lojão” do BEA preserva estilo do antigo prédio. Jornal do Comércio, 26/01/1984.
14 Jornal do Comércio, 07/09/1944.
15 Jornal do Comércio, 23/01/1962.
16 Jornal do Comércio, 11/05/1977.
17 Jornal do Comércio, 15/04/1978.
18 Op cit, Jornal do Comércio, 26/01/1984.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Ed Lincon.
Jornal do Comércio.
University of North Texas.


sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Manaus na década de 1950

Praça Oswaldo Cruz. Cartão postal da década de 1950. Ed. A Favorita.

No alvorecer da década de 1950, Manaus era uma cidade que ainda sentia os efeitos da desestruturação de sua economia, que por décadas esteve quase que exclusivamente alicerçada na exportação da borracha. Alguns anos antes, na década de 1940, houve, por um breve período, uma leve recuperação influenciada pela Segunda Guerra Mundial.

Entre 1942 e 1945, o Amazonas se viu inserido nesse conflito. Em 1941, o Japão atacou bases Aliadas americanas e britânicas no Pacífico, dominando logo depois as colônias asiáticas produtoras de borracha. Sem acesso a essa matéria-prima, útil à indústria bélica e manufatureira, os Aliados voltaram suas atenções para o Amazonas. Em 1942, navios brasileiros foram torpedeados pelos alemães, o que fez o país declarar guerra ao Eixo.

O Estado, através de acordos firmados entre o Brasil e os Aliados, entrou no conflito como fornecedor de borracha. Mais uma vez ocorreria um surto de imigração nordestina para a Amazônia. Através dos “Acordos de Washington”, ficou estabelecido que os Estados Unidos investiriam no financiamento da produção de borracha na Amazônia, enquanto que o governo brasileiro se encarregaria de recrutar o maior contingente possível de trabalhadores. Estima-se que, entre 1942 e 1945, o governo conseguiu enviar do Nordeste, que passava por uma terrível seca, cerca de 60.000 retirantes para a região Norte. O sistema de trabalho dos seringueiros continuava sendo o mesmo do início do século: em situação de semiescravidão, preso ao aviamento como devedor de um sistema cíclico.

O governo norte-americano ficou de pagar 100$ por trabalhador instalado nos seringais. Manaus se tornou uma das subsedes da Rubber Development Company, órgão criado para administrar os serviços no Estado. A exportação da borracha, a circulação monetária, a construção de um aeroporto, os investimentos na capital e a especulação imobiliária criaram um momento de recuperação e alimentaram a esperança de dirigentes e empresários locais.

Esse pequeno surto de desenvolvimento teve seu fim paralelo ao término da Guerra. O antigo mercado asiático estava novamente aberto, novas técnicas aperfeiçoaram o uso de borracha sintética. Já não existia mais a necessidade da borracha amazônica. O conflito acabara e, com ele

as esperanças de tirar a região do abismo sem fim do subdesenvolvimento. Os planos de desenvolvimento concebidos nos “Acordos” foram abandonados, as verbas indenizatórias dos trabalhadores foram descaminhadas, as estruturas do atraso não foram rompidas e tudo voltou como dantes. As atenções do governo federal agora são para as regiões Sul-Sudeste, por estas apresentarem mais condições de dinamismo econômico. A Amazônia vai ser mesmo esquecida do resto da nação por muito tempo”.1

A Amazônia se viu novamente abandonada. O capital estrangeiro, depois de mais de 40 décadas conseguindo alguns resultados satisfatórios, foi direcionado para mercados mais estáveis. Em socorro à região, a nova Constituição de 1946, no artigo 199, de autoria do deputado federal Leopoldo Péres, instituiu que a União destinaria 3% de sua arrecadação para financiar o Plano de Valorização Econômica da Amazônia. Em 1953 foi criada a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), que visava o desenvolvimento da agricultura, da extração mineral e da pecuária. Por falta de estrutura, principalmente de estradas, o plano não vingou. A construção da estrada Belém-Brasília, em 1958, atraiu o capital de grandes indústrias que passaram a funcionar no Pará.

Manaus, a antiga ‘capital do boom borracha’, chega à década de 1950 em um ritmo mais lento, provinciano pode-se dizer. As arrecadações estadual e municipal ficavam muito abaixo do esperado, sendo insuficientes para sanar dívidas, para o pagamento do funcionalismo público e para abastecer hospitais e escolas2. Dia sim, dia não, ocorriam racionamentos de energia elétrica. Em 1957 os bondes elétricos foram desativados, sendo substituídos por ônibus de madeira construídos de diferentes formas por seus proprietários. Na orla do Rio Negro, a Cidade Flutuante, uma grande favela fluvial destruída em 1967, se expandia.

Mesmo com todos esses problemas, a capital era o local para onde convergiam pessoas do interior, esperançosas em mudar de vida ou fugidas das constantes enchentes, e retirantes nordestinos. Sobre o período e o aumento populacional, Neper Antony, advogado e jornalista, escreveu o seguinte:

Manaus é uma cidade em crescimento permanente. Principalmente nestes últimos anos, coincidindo com a intensificação do êxodo das populações nordestinas fugindo ao flagélo da sêca, seus quadrantes têm aumentado à olhos visto, empurrando para bem longe as divisas com a matéria. A existência dessa população flutuante, ou em fase de agregação definitiva ao meio, força a conquista de novas áreas habitáveis e, por via de consequência, o aparecimento de novos bairros3.

Uma pessoa nascida em 1900 ficaria impressionada com a quantidade de bairros surgidos, com a expansão dos limites da cidade, até então dividida em Centro, Aparecida, Cachoeirinha, Educandos, Colônia Oliveira Machado, São Raimundo e Adrianópolis. Na década de 1950 surgiram os seguintes:

Em 1950, um contingente chegado dos interiores amazônicos e do Nordeste brasileiro, ultrapassou o bairro dos Educandos criando São Lázaro e Crespo. No ano seguinte, nas imediações do Igarapé do Pancada, um lugar conhecido por Emboca é desmembrado do bairro dos Educandos e oficializado como bairro de Santa Luzia. Ao Norte do bairro de São Francisco, também em 1951, inaugura-se Petrópolis, e na outra frente de Manaus, limites do bairro de São Raimundo, a constante movimentação dos recém-chegados empurrou as fronteiras da cidade, resultando na criação de mais dois bairros: Santo Antonio e São Jorge4.

Em maio de 1953, a cheia do Rio Negro, que atingiu a marca de 29,69 metros, devastou as cidades do interior, sendo um dos fatores que concorreu para a vinda de pessoas para Manaus, que também viu os bairros da orla serem alagados. Apesar de todas as dificuldades, a teia de relações sociais era mais forte. Manaus conservava-se como uma cidade tradicional. As relações sociais eram mais diretas, mais vívidas, com diferentes classes sociais compartilhando as mesmas práticas e mantendo contato em um ritmo mais lento.

Os balneários, públicos e particulares, eram o ponto de encontro, nos finais de semana, das famílias de classe média baixa e alta, amenizando o calor enfrentado nas semanas de trabalho. Clubes, célebres clubes, Atlético Rio Negro, Ideal, Acapulco, Sheik, Olímpico, Libermorro e tantos outros espalhados no Centro e nos subúrbios, recebiam jovens, boêmios e casais para noites dançantes, festas de 15 anos e carnavais. Os cinemas, Odeon, Polytheama, Guarany, Eden, Ideal, Rex, Vitória, pequenos projetores instalados em igrejas, ofereciam um espetáculo diferenciado diariamente por um preço popular.

Com uma população estimada em 139.620 habitantes5, não era difícil uma família do Centro conhecer uma do São Raimundo, uma do São Raimundo conhecer uma do Educandos e vice-versa. Nas tabernas e mercearias, em sua maioria de madeira, algumas já de alvenaria, os produtos eram comercializados a granel e 'fiados', numa relação de sobrevivência entre comércio e clientela.

As grandes Igrejas como a Matriz, Aparecida e São Sebastião, as paróquias de bairro e as Igrejas Protestantes que iam surgindo serviam de núcleos aglutinadores de famílias, que mantinham contato entre si. Era comum receber a visita de padres, freiras e pastores para almoços no final de semana. As ruas, os becos e as travessas se tornavam uma extensão da casa, servindo de palco, com as cadeiras postas na calçada ou mesmo do contato pelas janelas, para conversas informais, transmissão dos fuxicos, burburinhos, conto de causos e estórias. As praças, de São Sebastião, da Polícia, do Congresso, D. Pedro II, dos Remédios, da Matriz, eram locais de passagem e de encontros.

A cidade era “pacata”. Uso aspas pois não se deve cair na ilusão de que no passado não existiam crimes, apesar destes serem mais leves, como as invasões de casas perpetradas pelos ventanistas, os arrombadores de outros tempos. Dificilmente a tranquilidade era quebrada, mas jamais se esqueceu do bárbaro Caso Delmo6, ocorrido em 1952.

A elite tentava manter algum prestígio do passado, reunindo-se entorno da Associação Comercial, dos clubes, agremiações e repartições existentes. Eram comerciantes, altos funcionários do governo e da prefeitura, políticos, médicos, advogados e juízes. Ainda era uma cidade de pequenos burgueses, como aquela da década anterior descrita por Jefferson Péres7. As classes mais baixas viviam do trabalho nas fábricas de beneficiamento (de castanha, borracha e outros produtos), nas olarias, no curro, nas serrarias e marcenarias; de trabalhos informais como a lavagem de roupas, a venda de doces, de garapa e de cascalho e, em alguns casos, em pequenos estabelecimentos comerciais como quitandas e botecos.

Em 1954 era fundado, na Praça Heliodoro Balbi (Praça da Polícia), o Clube da Madrugada, movimento regionalista de renovação cultural e artística. A geração de intelectuais manauaras daquele período foi uma das mais profícuas. Nas Ciências Humanas e Sociais destacavam-se Mário Ypiranga Monteiro, Pe. Nonato, Geraldo Pinheiro, Agnello Bittencourt, André Vidal de Araújo, Djalma Batista, Nunes Pereira e Samuel Benchimol. Pe. L. Ruas, Farias de Carvalho, Luís Bacellar e Arthur Engrácio eram nomes fortes da Literatura. No campo do Direito se sobressaiam Octaviano Mello e Aderson de Menezes. Nas artes plásticas, Branco Silva, Anísio Mello e Moacir Andrade.

Tanto os mais ricos quanto os menos abastados estudavam em escolas públicas. As principais referências eram o Colégio Estadual e o Instituto de Educação do Amazonas. Também existiam o Princesa Isabel, Arthur Bernardes (atual Ribeiro da Cunha), Saldanha Marinho, Carvalho Leal, Marechal Hermes, Barão do Rio Branco, Machado de Assis, Euclides da Cunha, Nilo Peçanha e tantos outros grupos escolares. Dom Bosco, Santa Dorotéia e Patronato Santa Terezinha eram (ainda são) escolas particulares. Os manauaras podiam se informar lendo o Jornal do Comércio, A Gazeta, o Diário da Tarde, o Correio de Notícias e A Crítica. Os que tivessem rádio em casa poderiam sintonizá-los na Rádio Baré, na Rádio Difusora e na Rádio Rio Mar.

Apesar de ter sido uma década de instabilidade econômica, foram realizadas grandes obras públicas e particulares, das quais elenco o Hotel Amazonas (1951), a Ponte Presidente Dutra (1951), ligando os bairros de São Raimundo e Glória à Avenida Álvaro Maia, o Pavilhão São Jorge (1951), na Praça da Polícia, o Cine Odeon (reformulado em 1953), o IAPETEC (1954), na Praça D. Pedro II, a Refinaria de Petróleo Isaac Sabbá (1956-57), a Ponte Juscelino Kubitschek (1952-59), ligando o bairro de Santa Luzia ao bairro Cachoeirinha, o Conjunto Kubitschek (1958), no bairro da Cachoeirinha, o Lord Hotel (1959-63), e as igrejas de Santa Rita de Cássia (1950), São Raimundo (1953), Santa Luzia (1953) e Aparecida (1957).

Entre 1950 e 1959 a cidade teve os seguintes prefeitos: Raymundo Chaves Ribeiro (1947-1951); Walter Scott da Silva Rayol (1951); Edson Epaminondas de Mello (1951-1952); Álvaro Symphoronio Bandeira de Mello (1952); Jessé de Moura Pinto (1952); Oscar da Costa Rayol (1952-1953); Aluizio Marques Brasil (1953-1955); Raymundo Coqueiro Mendes (1955); Walter Scott da Silva Rayol (1955); Stenio Neves (1955-1956); Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo (1956-1958); Eurythis Pinto de Souza (1958); Ismael Benigno (1958-1959); Eurythis Pinto de Souza (1959); Lóris Valdetaro Cordovil (1959); Walter Scott da Silva Rayol (1959); e Olavo das Neves de Oliveira Melo (1959-1960)8.


NOTAS:

1 FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. Manaus nos anos 40 (II): A Segunda Guerra Mundial. 25/07/2018. Disponível em: http://historiainte.blogspot.com.br/2015/10/manaus-nos-anos-40-ii-segunda-guerra.html Acesso em 17/03/2017.

2 MENSAGENS, Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, 1950-1959. Estado e Prefeitura, todos os anos, tinham arrecadações baixas e despesas bastante vultosas, deixando grandes déficits orçamentários. A receita prevista para o Estado no ano de 1953, por exemplo, ficava em 93.274.100,00 cruzeiros, enquanto as despesas atingiam a cifra de 163.076.655,20 cruzeiros, deixando, para aquele ano, um déficit orçamentário de 69.802.555,20 cruzeiros. Quanto à Prefeitura, esta arrecadou no ano de 1950 12.241.773,90 cruzeiros, tendo por despesas 24.873.708,10 cruzeiros, ficando com um déficit orçamentário de 12.631.934,20 cruzeiros.

3 ANTONY, Neper. Em torno da mensagem. Jornal do Comércio, 19/04/1959.

4 Cidade de Manaus. Revista Codeama. Manaus: Governo do Estado do Amazonas, n. 13, jun. 1966, p. 04. In: SOUZA, Leno Barata. Cidade Flutuante: Uma Manaus sobre as águas. Urbana - Revista Eletrônica do Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade, v. 8, p. 115-146, 2016.

5 IBGE. População nos Censos Demográficos, segundo os municípios das capitais – 1872/2010.

6 O assassinato com requintes de crueldade do estudante Delmo Campelo Pereira parou a cidade, sendo noticiado nas rádios e revistas da época, como O Cruzeiro (RJ), que dedicou duas matérias sobre o crime. Todo esse caos foi consequência de uma série de crimes cometidos por Delmo em 31 de janeiro de 1952. Para maiores informações ver DUARTE, Durango Martins. Caso Delmo: o crime mais famoso de Manaus. 1ª. ed. Manaus: Mídia Ponto Comm, 2011.
7 PÉRES, Jefferson. Evocação de Manaus: Como Vi ou Sonhei. Manaus: Imprensa Oficial do Estado do Amazonas, 1984, p. 21-22.

8 DINIZ, Antonio; PESSOA, Simão. História da Câmara Municipal de Manaus. Manaus: Edições Gens da Selva, 2013, p. 227.


CRÉDITO DA IMAGEM:

Página Manaus em Cores