domingo, 2 de setembro de 2018

Modos e Modas dos Manauaras no século XIX

Interior da casa de modas e confecções Au Bon Marché, de Lifsitch & Russo.

Modos e modas. Dois elementos que acompanham nossa sociedade desde tempos imemoriais. Formas de ser, de sentir, de se comportar, de se vestir, bastante maleáveis, alterando-se em dias, meses, anos ou séculos. Modos lembram formas de conduta, maneiras. Modas, formas de vestir-se. Duas palavras que se confundem mas possuem suas diferenças. Moda (s) são mais abrangentes que modos, pois tudo vira moda, tudo entra na moda. Ideologias, formas arquitetônicas, alimentos etc. No entanto, nesse texto, tratarei modas como sinônimos de formas de se vestir, e modos como formas de conduta.

Os viajantes europeus que passaram por Manaus no século XIX produziram valiosos relatos sobre os modos e modas dos habitantes da cidade, ainda que seus escritos, críticas e opiniões estivessem baseados em valores totalmente diversos do da região naquele momento. Por volta de 1849, o naturalista, geógrafo e biológo inglês Alfred Russel Wallace escrevia o seguinte sobre os modos dos habitantes da então Vila da Barra do Rio Negro:

Os habitantes mais civilizados de Barra dedicam-se todos ao comércio, não havendo ali qualquer outra diversão, se assim podemos considerar, que não seja a de beber e jogar em pequena escala. A maior parte nunca abre um livro ou trata de empregar o seu tempo em qualquer outra ocupação intelectual” (WALLACE, 2004, p. 215).

Observou, também, que estes só vestiam-se com certo refinamento em dias especiais, como nas missas realizadas aos domingos. As mulheres se vestiam graciosamente e os homens abandonavam por algumas horas a rusticidade dos dias úteis da semana:

aos domingos, principalmente, todos trajam as suas melhores roupas. As mulheres vestem-se elegantemente, exibindo lindos vestidos, confeccionados com gazes e musselinas francesas. Em geral, têm elas bonito cabelo, que é penteado cuidadosamente; ornam-no de flores e não o cobrem, pois não usam chapéus, nem escondem o rosto sob véus. Os homens, que passam a semana inteira em mangas de camisa e de chinelos, nos imundos armazéns, trajam nesse dia bonitos ternos escuros, chapéu de castor, gravata de cetim e finíssimos sapatos de pelica (WALLACE, 2004, p. 215).

Após esse contato, o viajante inglês concluiu que “os sentimentos morais em Barra estão reduzidos ao mais baixo grau de decadência possível, mais do que em qualquer outra comunidade civilizada” (WALLACE, 2004, p. 216). Wallace possivelmente fala dos habitantes de classe média ou mesmo abastados da Vila da Barra, os que realmente tinham condições de adquirir produtos importados. Até esse período, final da década de 40 do século XIX, produtos da última moda, palavra já bastante em voga no mundo ocidental, eram em sua maioria adquiridos de Belém, capital da Província do Pará. A introdução, em 1852, da navegação a vapor na região, facilitou a introdução dos manufaturados do Velho Mundo, dentre eles o vestuário, de preferência o francês. Em 1855, o comerciante Leonardo Ferreira Marques anunciava ter para vender em seu estabelecimento, em Manaus, um

lindo sortimento de fazendas francezas, vindo ultimamente de París, e pelo último vapôr chegado do Pará – a ser – Cortes de vestidos de damasco bordados; ditos gros de naple, ditos de seda escoces, de damasco branco bordado para noiva, ditos de varias sedas de cores, e branca, um grande sortimento de vestidos de bareje da ultima moda, um variado sortimento de tafetas, glacé para vestidos, vestuario de meninos, e manteletes, lenços de seda de superior qualidade para algibeira, setins superiores de varias cores, fitas lavradas de muito bom gosto para sinto e enfeites de vestidos, ricas fitas de veludos para pintiados e pulseiras, um grande sortimento de rendas, de seda branca, e preta, luvas para homem, e Snra, chapéos de meninas, mininos e para homem tudo de palha de Italia, requifes de todas as qualidades para enfeites, e manteletes, um bom sortimento de lanzinhas de gostos modernos para vestidos, camizinhas bordadas para Snras, lenços de cambraia de linho bordados para ditos. Hum grande sortimento de ricos manteletes feitos pelos ultimos modelos de París” (ESTRELLA DO AMAZONAS, 21/07/1855).

A variedade de produtos anunciados por Leonardo Ferreira Marques impressiona. Anúncios semelhantes passariam a ser publicados pelos novos estabelecimentos que iam surgindo na cidade e pelos antigos que começavam a se adaptar às novas exigências de seus clientes. A facilidade proporcionada pela navegação dinamizou as atividades comerciais, consequentemente alterando o vestuário local, que naquele período teria como maior influência a moda europeia (leia-se francesa). Algumas dessas casas de modas tinham nomes pomposos como a ‘Ville de Paris’, propriedade de Joze Joaquim Ribeiro Couto, na antiga rua dos Inocentes (atual Visconde de Mauá), que em 1869 oferecia aos seus clientes “ventarolas de seda, espartilhos, luvas de Jouvim, botinas para senhoras, sapatinhos de marroquim e muitos outros objectos” (O CATEQUISTA, 18/12/1869). A moda francesa influenciaria por muitas décadas a cidade. Em um artigo intitulado Causerie, assinado por Lúcia e publicado no jornal O Imparcial, recomendava-se desde as cores até os tecidos em alta na primavera francesa:

As côres que mais salientam-se são: crême, marfim, branco e bege, e o cinsento em todos os tons e nuances. Os tecidos dominantes são ligeiros, porem consistentes. Em saias, a alta novidade, é não barral-as, tendo-as no entanto sempre dispostas sobre transparentes de tafetá, ou outras sêdas ligeiras. Não soffrerão por enquanto alteração alguma as saias, que continuarão guarnecidas com folhas usadas por dous modos: ou dispostos em distancias iguaes em toda altura da saia, ou em grupos de trez, cinco e sete, muitos justos estes entre si, guardando os grupos o espaço de dez a vinte centimetros um do outro […] Os boleros estão abolidos pelas elegantes e será substituido pelos corpinhos em blusa que continuarão a dar o tom de chic e elegância” (O IMPARCIAL, 20/04/1897).

Uma década depois de Alfred Russel Wallace, em 1859, o médico e explorador alemão Robert Christian Avé-Lallemant foi bastante direto ao dizer que em Manaus “todos mandriam [...], todas as categorias e classes em geral, brancos, de cor, livres e escravos” (AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 106). Assim como Wallace, viu que os homens e mulheres vestiam-se melhor nos dias de missa, ainda que os primeiros tivessem a “aparência desleixada e gestos grosseiros” (AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 106).

Louis e Elizabeth Agassiz, o primeiro, zoólogo e geólogo suíço, e a segunda, educadora norte-americana, estiveram na cidade em 1865 por ocasião da Expedição Thayer. O casal de viajantes, durante a realização de um baile no Palácio do Governo, notou que “era grande a variedade das toaletes; a seda e o cetim misturavam-se à lã e às gazes, e os rostos mostravam todas as tonalidades do negro ao branco, sem esquecer as cores acobreadas dos índios e dos mestiços” (AGASSIZ, 2000, p. 270). Para eles os brasileiros eram boas pessoas e muito hospitaleiros, mas muito formais e um tanto vaidosos quando se trata de etiqueta:

As damas, ao chegarem, vão sentar-se em banquetas estofadas que estão colocadas ao longo das paredes do salão de danças; de tempos em tempos, um cavalheiro avança corajosamente até essa formidável linha de encantos femininos e diz algumas palavras; mas só mais tarde, depois que as danças dividem os convidados por grupos que se misturam é que a festa se torna realmente alegre(AGASSIZ, 2000, p. 270).

Apesar de toda a alegria e cordialidade, o casal Agassiz não pôde deixar de registrar, em tom de desaprovação, a conduta de algumas senhoras e jovens da sociedade, deixando transparecer o puritanismo do protestantismo de suas terras natais:

Grande foi a animação e luxo no Grande Baile. As mais distintas famílias manauaras presentes. As senhoras e senhoritas na ocasião com toilettes e jóias resplendorosas. Não podemos deixar de perceber que algumas senhoras e senhoritas se excediam em amabilidades com cavalheiros, independente se suas esposas ou pretendente estivessem presente” (AGASSIZ Apud MORGA, 2012, p. 4).

Esperava-se que os homens fossem bons filhos, bons pais, honrados e laboriosos, e as mulheres boas filhas, mães, esposas e donas de casa, dentro da moral cristã que lhes definia funções e posições.. Isso fica evidente nos necrológios, elogios fúnebres, publicados em periódicos. Por mais que sejam elogios, isto é, sem espaço para críticas, essas publicações dão um indício de quais modos e valores eram esperados de homens e mulheres. Inácio da Cunha Arruda e Sá, falecido em 1856, findou seus dias “dando provas de bom filho e verdadeiro Christão” (ESTRELLA DO AMAZONAS, 30/04/1856). Ana Raimunda Ferreira de Araújo Gomes, falecida em 1859, foi “nascida e educada segundo as maximas puras da Religão de Jesus Christo […]” e “um perfeito modelo das mães de famílias; e enviuvando ainda moça dedicou-se unicamente á educação de seos filhos, certa do dever que lhe cumpria de dar á Patria Cidadãos honrados e honestos, e á Religião filhos virtuosos” (ESTRELLA DO AMAZONAS, 26/10/1859).

Os inventários post-mortem e de bens penhorados para o pagamento de dívidas também permitem conhecer um pouco mais intimamente o guarda-roupas dos manauaras do século XIX. Dos 93 bens deixados por Guilherme Xavier de Lima, 87 eram acessórios e roupas:

1 relógio n° 6:694, 1 trancelim de ouro com chave de relogio com 6 oitavas, 1 anelão de ouro com 2 oitavas, 2 botões de peito de ouro com pedra, 12 camisas inglesas novas, 21 ditas de caniclo usadas, 4 pares de calça de linho, 4 coletes de fustão usados, 4 siroulas de linho usadas, 1 palitó branco de linho, 1 sobrecasaca de pano preto usada, 1 casaca de dito dita, 1 colete novo de veludo, 5 ditos diferentes usados, 2 gravatas usadas, 1 duzia de meias novas, 3 pares de ditas usadas, 1 chapeo de molla, 1 rede de fio usada, 1 par de botinas usadas, 1 barrete de seringa, 1 estojo de barba, com 2 navalhas, 1 livro, diccionario de portuguez, 1 bengala de cana, 1 bahu de couro usado” (ESTRELLA DO AMAZONAS, 26/01/1859).

Antônia Cecília Vianna Cardoso, em 1887, teve um grande número de bens penhorados para o pagamento de uma dívida. Roupas e acessórios eram a maioria:

uma grande mala francesa, contendo dentro: duas colchas sem rendas, uma saia e um paletot, dois pares de luvas de côr, dez metros e dez centimetros de poupelina de seda; dois leques pretos; quatro guardanapos em bom estado, uma camiza de flanella uzada, seis toalinhas de laberintho, um lenço de laberintho, cinco calças de casimira sendo duas pretas e uma azul e duas de côr, oito duzias de botões de seda […] uma casaca e um fraque de pano fino uzados, um par de sapatinhos de sras uzados […] uma capa de lã de côr, um vestido de seda amarella com enfeites dourados, um vestido de seda verde claro em bom estado, uma saia de cambraia branca, um vestido de seda parda por acabar, dois casacos de lã de cores, uma saida de baile de lã azul, um lenço de fita de seda amarella, dois chapeos de palinhas uzados de sras, uma copata uzada […] um vestido de cambraia fina branca, quatro casacos de sra, sendo um amarello e um encarnada e dois preto sendo um de mirinó e um de veludo, um vestido de cetim azul claro, uma polonezia de sêda amarella, um corpinho branco, tres leques sendo um de pennas pretas, um singello preto e outro roxo, uma capa de lã de varias cores […] dois chapeos de sol de sêda usados […] e um colete branco” (JORNAL DO AMAZONAS, 22/03/1887).

Tanto homens quanto mulheres, no dia a dia, utilizavam roupas feitas com tecidos leves e de cores claras, de forma a amenizar o calor da cidade, pois, de acordo com o historiador, geógrafo e professor Agnello Bittencourt (1876-1975), “embora a temperatura média de Manaus fôsse mais baixa uns 2,5° c que a de agora (1969), ainda assim o calor às vezes era grande” (BITTENCOURT, 1969, p. 70). Ainda assim, continua Bittencourt,

não era menor a elegância da época – as mulheres espartilhadas e vestidas até aos pés em pesadas sêdas; os homens, transpirando em seus fraques, croisés e casacas, muitas vêzes talhados em Londres, cartola ou chapéu-coco, colête, peito engomado e colarinho alto sob a forte canícula ou nos animados bailes, tão frequentes nos palacetes particulares, em suntuoso estilo ‘fin-de-siècle’” (BITTENCOURT, 1969, p. 70).

Um olhar mais atento sobre as fotografias publicadas em álbuns, como o Álbum Comercial de Manaus (1896) e o Vistas de Manáos (c. 1897), permite identificar os tipos de vestimentas das pessoas que aparecem timidamente, quase escondidas, postas em segundo plano ou, em alguns casos, em grande número em espaços públicos.

Álbum Vistas de Manáos, c. 1897.

Álbum Vistas de Manáos, c. 1897.

Álbum Comercial de Manáos, 1896.

Mercado Público. Álbum Comercial de Manáos, 1896.

Os cuidados com bigodes, barbas e cabelos também fazem parte da moda. No século XIX, vários trabalhadores especializados, com larga tradição na Europa, migraram para o Amazonas. Em 1877, Jorge Petrus, cabeleireiro francês, anunciava a abertura da sua “bonita loja de cabellereiro” na rua da Imperatriz (atual Lobo D’ Almada), que possuía todos os materiais para “renovar cokes antigos, cachos, tranças etc, tudo ao ultimo gosto de Paris” (JORNAL DO AMAZONAS, 16/01/1877). Utilizava, contra caspas, shampoos americanos. Além dos shampoos, homens e mulheres poderiam utilizar o famoso Tônico Oriental de Kemp, preventivo contra a calvice e recomendado para o penteado de cabelos de senhoras e crianças e para as barbas de senhores. Sobre o bigode e a barba, diz a museóloga Alice Aparecida Labarca Puelles, que os homens do século XIX “já não utilizavam mais a barba toda e cheia, era considerado vulgar, optando por bigodes ou bigodes e barbicha no queixo, à Napoleão III” (PUELLES, 2014, p. 37). Abaixo podem ser vistos alguns modelos locais, como a barba inteira de João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), as vistosas patilhas (pelos laterais, também conhecidos como suíças) e bigode de Guilherme José Moreira (1835-1899) e o bigode sóbrio de Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900).

João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), Guilherme José Moreira (1835-1899) e Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900).

Falar dos cabelos das mulheres e não falar dos penteados é como não ter dito nada. Eles sofreram grandes mudanças ao longo do século XIX. Se até determinado momento desse período as ondulações regulares que cobriam parte das orelhas eram a preferência, no final dele, escreve Lúcia, na coluna Causerie do jornal O Imparcial, “não se fazia mais questão”, preferindo-se um penteado em que o cabelo ficava “apenas um pouco levantado em topete, a frente desembaraçada conservada alguns crespos aos lados, nas fontes […] feito o chignon no alto da nuca é preso por grampos de tartaruga ou de fantazia […] e aos lados collocam-se travessinhas para conter os cabellos mais rebeldes” (O IMPARCIAL, 21/03/1897). Para as festas, Lúcia recomendava que as mulheres utilizassem fitas nos cabelos, bem como flores naturais para adorná-los.

Quanto aos acessórios, em alguns registros fotográficos da cidade é possível ver os transeuntes, em sua maioria homens, utilizando chapéus do tipo coco, booter, Chile, Panamá e Fedora. Quando não aparecem com bengalas em mãos, portam guarda-chuvas. O uso, de bolsas, no caso das mulheres, era tímido, praticamente nulo, se popularizando apenas no século seguinte. Pulseiras, colares, brincos, diamantes e outras pedras preciosas poderiam ser adquiridas em ourivesarias, em bazares e leilões, como os que ocorreram em 1897 na rua Municipal (atual Avenida Sete de Setembro, todos regados “com a bôa cerveja gelada” (O IMPARCIAL, 25/05/1897).

Álbum Vistas de Manáos, c. 1897.

De acordo com o historiador Antônio Emílio Morga, ao difundir novas maneiras de ser e estar em sociedade os agentes da modernidade imprimiam na teia da sociedade manauara um conjunto de regras e receituários sobre o viver no mundo publico e privado(MORGA, 2013, p. 12). Esses agentes da modernidade de que fala o historiador, em primeiro lugar, eram os viajantes europeus. Wallace, Lallemant, Agassiz e tantos outros que andaram pelos caminhos tortuosos da vila e, posteriormente, cidade de Manaus, depararam-se com pessoas, modos e modas diversos de seus países de origem, por mais que já fosse possível identificar elementos de influência europeia. Por último, a imprensa, a nascente imprensa amazonense do século XIX, agente da modernidade, sempre a par das novidades europeias, promotora dos discursos considerados essências para tirar a região do atraso da barbárie e inseri-la no mundo moderno.


FONTES:

Estrella do Amazonas, 21/07/1855.
Estrella do Amazonas, 30/04/1856.
Estrella do Amazonas, 20/10/1859.
O Catequista, 18/12/1869.
Jornal do Amazonas, 22/03/1887.
O Imparcial, 20/04/1897.
O Imparcial, 25/05/1897.
O Imparcial, 21/03/1897.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


AGASSIZ, Jean Louis Rodolph. Viagem ao Brasil 1865-1866. Trad. de Edgar Süssekind de Mendonça. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2000.

AVÉ-LALLEMANT, Robert. No Rio Amazonas. Trad. Eduardo de Lima Castro. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1980.

BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus: Pródromos e Sequências. Manaus: Sérgio Cardoso, 1969.

MORGA, Antônio Emílio. Mulheres do Amazonas na Narrativa dos Viajantes. In: VI Simpósio Nacional de História Cultural. Escrita da História: Ver - sentir - Narrar, 2012, Teresina. Anais do VI Simpósio Nacional de História Cultural. Escrita da História: Ver - Sentir - Narrar. Local da Edição: Uberlândia: Editora: GT Nacional de História Cultural, 2012. p. 1-13.

_____________________. Afetividade e Sociabilidade: masculinidade no Amazonas nos relatos dos viajantes no século XIX. In: ANPUH - XXVII Conhecimento histórico e diálogo social, 2013, Natal. Caderno de Resumo, 2013. p. 01-14.

PUELLES, Alice Aparecida Labarca. O vestuário e seus acessórios em São Paulo em meados do século XIX: uma construção de vocabulário para compreender indumentária. 2014. Dissertação (Mestrado em PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM MUSEOLOGIA) - Universidade de São Paulo.

WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Álbum Vistas de Manáos - Instituto Moreira Salles.
Álbum Comercial de Manáos - SEC-AM.
João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, Guilherme Moreira Salles e Eduardo Gonçalves Ribeiro - Blog do Coronel Roberto.
Au Bon Marché - Instituto Durango Duarte.


sábado, 25 de agosto de 2018

Boulevard Álvaro Maia

Boulevard Amazonas, 1969.

Na publicação de hoje recupero um artigo originalmente publicado em 1972 no Jornal do Comércio pelo escritor, cronista e historiador Genesino Braga (1906-1988), no qual o autor discorre sobre o Boulevard Amazonas, em vias de se tornar Boulevard Álvaro Maia, um dos logradouros mais conhecidos de Manaus:


BOULEVARD ÁLVARO MAIA

O nome glorioso do maior dos amazonenses - Álvaro Maia - vai, afinal, dignificar uma rua de Manaus. Em breve, talvez a 4 de maio vindouro, quando os três anos da morte do Tuxaua se completam, as placas de mármore com o seu nome imortal estarão afixadas ao longo do até agora Boulevard Amazonas, que se rebatizará Boulevard Álvaro Maia. 

Esta velha aspiração dos amazonenses, fundada em ver o nome do conterrâneo mais querido e mais admirado em rua condigna da capital do Estado, convertê-la-á em Lei um projeto do nobre Vereador Praxíteles Antony, apresentado em dias desta semana ao Conselho Municipal de Manaus. Pôs o honrado edil, na sua magnificatória proposição, todo o anseio desta população, que vimos, outrora, no decurso de cinquenta anos, unida em seus aplausos e em sua solidariedade ao mais puro de seus líderes; todo o entusiasmo daquelas gerações de moços que dele beberam as sábias aulas do idioma e as exaltadas lições do civismo; toda a alma encantada desta cidade alegre e feliz, que dele ouviu os belos cantos de louvor ao seu "charme" tropical, à feitiçaria de suas ruas vestidas de verde e de sol, à fascinação de seus crepúsculos de tons violentos e fugaces.

E felicíssimo foi o ilustre licurgo manauense na escolha da via pública a ser honrada com o nome de Álvaro Maia. Nenhuma tão à altura do excelso amazonense, como o velho Boulevard Amazonas! A linha reta de sua vastíssima extensão é a linha reta daquela longa vida do estadista caboclo. Sua ampla largura do gabarito lembra a dimensão daquele espírito lato, a largueza daquele coração generosíssimo. Pois que o Boulevard Amazonas, conforme as lições do historiador Mário Ypiranga Monteiro, nascera de uma linha reta: a que se traçara "da foz do Igarapé da Castelhana até encontrar o Igarapé de Manaus", fazendo, assim, em 1859, o limite norte da cidade, consoante a Declaração de Limites proposta por Clementino José Pereira Guimarães (o Barão de Manaus), constante da ata da sessão de 31 de janeiro de 1859, da Câmara Municipal de Manaus. Trinta e quatro anos depois, pela Lei municipal n° 135, de 4 de novembro de 1893, aquele extenso traçado retilíneo "passou a constituir limite urbano da cidade"; e, em 1894, por decreto de 20 de fevereiro, do Superintendente Engenheiro Manuel Uchoa Rodrigues, tomou a denominação de Boulevard Amazonas, como homenagem do Município de Manaus ao Estado do Amazonas. "Boulevard", diga-se de passagem, por influência do figurino urbanístico francês, em moda na época, o qual assim denominava, em Paris, as ruas largas, tendo ao centro passeios plantadas de árvores, como as que se estendem da Madalena até a Bastilha. As principais capitais brasileiras até hoje esnobam com os seus "boulevards", que mantém integrados na sua tradição urbana.

Mas, foi ao honrado patriarca amazonense, Coronel Domingos José de Andrade, que coube, em 1908, quando Superintendente Municipal, mandar pavimentar o chão, até então tosco e quase intransitável, do Boulevard Amazonas, por força da Lei n° 510, de 30 de maio daquele ano. E o próprio Álvaro Maia, cujo nome vai ser agora placa da histórica via pública, foi quem lh' a deu, quando no Governo do Estado, melhoramentos consideráveis, através da antiga CERA, então dirigida pelo saudoso Xenophonte Antony. Isto é o que nos informa textualmente o mestre das pesquisas históricas, Professor Mário Ypiranga Monteiro, tratando do nosso Boulevard: "Foi melhorado grandemente no governo do dr. Álvaro Maia, quando se estabeleceu o sistema de duas vias (mão e contra-mão), para veículos, com passeios centrais. Asfaltado quando na direção da CERA (Comissão de Estradas de Rodagem do Amazonas) o sr. Xenophonte Antony".

Recentemente, os cuidados de filho estremecido, que os tem Paulo Nery por sua querida cidade natal, aformosearam o Boulevard Amazonas com um comprido tapete de plantas ornamentais de folhas coloridas, o qual se estende por quase toda a sua extensão, - como à espera, talvez, da passagem da Rainha de Manoa, vaticinada nos versos de Raimundo Monteiro, que fora fidalgo e menestrel, sagrado Príncipe dos Poetas Amazonenses.

"Para ele (Álvaro Maia), o amor ao próximo era o fecundador excelente dos sentimentos generosos. Foi este amor que lhe encheu toda a existência terrena, lhe deu consolo quando o viu caluniado, lhe deu alento quando o encontrou no ostracismo, lhe inspirou romances e poesias, temas espiritualistas e narrativas de cenas e episódios havidos nos seringais amazônicos. E, como sua própria sombra, lhe deu brilho ao nome, o ajudou a tornar-se merecedor do manto de paladino das honrarias de seu país", - eis um trecho da comovedora beleza da Justificativa como que o Vereador Praxíteles Antony, sublimando o altruísmo e a força espiritual de Álvaro Maia, levou o Projeto ao consenso de seus pares. E ainda estoutro: "As mãos da gratidão eram suas, toda vez que a legião dos repesos da injustiça lhe batia à porta pedindo absolvição. Escrevia poemas, mas, tal qual Carlyle, preferia viver os dramas que lhe inspiravam os versos. E quando assim procedia, transformava as tormentas da vida em estranhas renúncias, que eram toleradas sem queixumes ou exprobrações".

Homenageará, assim, o maior dos amazonenses, doravante, a majestosa via pública alfombrada de trevos e folhagens variegados, que durante 78 anos homenageou o maior dos Estados do Brasil. Em breve, quando os Flamboyands, que ali ao centro se enfileiram, incederem suas copas de flores rubras, será já no Boulevard Álvaro Maia que as lindas árvores floriflamantes erguerão "ao céu, que te coroa de esplendores,/urnas de essências e pendões de flores", como poema "Árvore-bálsamo", do cantor de "Busina dos Paranás". E a Cidade de Manaus se ostentará maior, mais nobre e mais dignificada com o nome glorioso de Álvaro Maia em seu tradicional Boulevard. Não sabemos de ato que mereça mais aplausos, mais simpatia e a solidariedade unânime de um povo, que esse Projeto do vereador Praxíteles Antony.

FONTE:

Jornal do Comércio, 19/03/1972.


CRÉDITO DA IMAGEM:

Jankiel Gonczarowska/Página Manaus Sorriso

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Os grandes cafés manauaras do início do século XX

Movimentação em frente ao Café da Paz, na Avenida Eduardo Ribeiro. Foto de 1933.

Os cafés estão na moda. Cafés simples, gourmetizados, estão presentes nos quatro cantos da cidade, em shoppings, livrarias e em feiras, disponíveis para todos os gostos e bolsos. Esses estabelecimentos, de pequeno, médio ou grande porte, são locais de socialização, descontração e descanso, atendendo as mesmas funções que possuíam no início do século passado. Nos idos de 1900, as grandes capitais europeias e as demais cidades enriquecidas pela corrida industrial capitalista tornaram-se pequenos centros de diversão para a classe média e a burguesia, com os cafés figurando em destaque. Em Manaus, cidade enriquecida pelas atividades ligadas à extração do látex, não foi diferente.


Café dos Terríveis. 'Indicador Illustrado do Estado do Amazonas', 1910.

Na Praça 15 de Novembro, na zona portuária, destacava-se o botequim Café dos Terríveis, entre as ruas 15 de Novembro e Visconde de Mauá (antiga Demétrio Ribeiro). Sua inauguração, em 16 de outubro de 1904, foi bastante concorrida, com grande número de pessoas tomando a praça e suas imediações. Foram servidas bebidas finas e manjares frios. Na porta do café, uma banda regimental embalava o momento com peças variadas1. Seu cardápio era variado, como foi possível constatar em anúncios publicados em jornais. No dia 18 de outubro de 1904, por exemplo, foi servido “sorvete de morango, coalhada, leite puro, refrescos de diversos sabores, chocolate, comidas frias e café moka especial2. No dia 19 de outubro do mesmo ano foram servidos “sorvetes de leite, de creme e de baunilha, coalhada, leite puro, refrescos variados, comidas frias e café moka especial3. Além do ‘café moka’ especial, a principal bebida da casa era o chopp alemão da marca Pschorr. Um cardápio mais completo surge a partir de 1908, com “sanduíches, fiambres, salames alemães e de Lyon, conservas, frutas em caldas, doces, biscoitos, charutos e cigarros4.Os clientes do Café dos Terríveis também poderiam ouvir músicas no recinto, geralmente cantadas por quartetos e quintetos, nos quais figuravam nomes como o de Arão Benjamin, pianista português formado pelo Conservatório Real de Lisboa. Com organização do ‘Club dos Terríveis’, o local era um dos pontos de concentração dos festejos carnavalescos, como os famosos carnavais de 1905 e 1915.


Grande Café Central. 'Indicador Illustrado do Estado do Amazonas', 1910.

Entre as ruas José Paranaguá e Guilherme Moreira, na então Praça da Constituição, atualmente da Polícia, erguia-se o Grande Café Central. O Café Central era um estabelecimento completo, tendo 12 bilhares e diferentes tipos de jogos. Sua clientela poderia refrescar-se com cervejas, chopps, águas minerais, leite gelado e refrescos. A cada 1000 réis gastos, o cliente ganhava um cupom para concorrer a um prêmio de 300 mil réis5. O café fazia questão, em seus anúncios, de dar ênfase a arquitetura do prédio em que estava instalado, com 16 portas em arco perfeito6.

Na Avenida Eduardo Ribeiro, principal artéria de Manaus naquele período, existiu o Café da Paz, um dos mais longevos, encerrando suas atividades no início da década de 1960. Assim como o Café Central, possuía em suas dependências alguns bilhares ‘snooker’. Das bebidas que mais faziam sucesso, o caldo de cana era a principal pedida de estudantes, professores, advogados e intelectuais que se reuniam após o expediente.

Saindo do Café da Paz, os que quisessem continuar a diversão poderiam se dirigir ao Café Suisso, na Rua da Instalação. Talvez o Café Suisso tenha sido o estabelecimento com a maior variedade de bebidas: cervejas geladas, leite fresco, café, chocolate, refrescos, aluá, ginger-ale, uísque, vermute, cidra, vinho do Porto, conhaque, licores, vinho de Colares (freguesia portuguesa) e vinho verde. Castanhas, nozes, amêndoas, figos, passas, queijos, fiambres e salames eram os petiscos. Entre os pratos mais completos, pudins, pastéis, sanduíches, escabeche de peixe e peixe assado. Também eram vendidos charutos e cigarros de marcas variadas e azeite fino de Alcanhões (vila portuguesa do Distrito de Santarém). Funcionava até meia-noite7.


Interior do Café dos Terríveis. 'Indicador Illustrado do Estado do Amazonas', 1910.

Mais tardiamente, por volta de 1925, surge o Ponto Chic, café, bar e leitaria, na Avenida Eduardo Ribeiro, esquina com a Rua Henrique Martins. As bebidas servidas eram chocolate quente, café, chá e leite, enquanto que os alimentos de destaque eram os doces finos, as canjas, as papas, os queijos, presuntos e pratos completos. O leite servido era da Agência Lacta e o café do Moinho de Ouro. O Ponto Chic iniciava suas atividades às 6 horas e fechava 1 hora da madrugada8. Seus proprietários tinham uma interessante promoção: Na compra de um maço de cigarros das marcas Clarita (fortes) e Sportman (leves), ganhava-se uma xícara de café. Também na Eduardo Ribeiro, canto da rua Saldanha Marinho, ficava o Café Avenida, famoso pelos bilhares (também vendia artigos para bilhares) e outros tipos de jogos. Comercializava, assim como os demais, “café, leite, chocolate, fiambres, salames, mortadelas, vinhos, cervejas, águas minerais e gelo9.

Existiram outros estabelecimentos do gênero na cidade, como o Café Polo Norte (fechado em 1912), entre as ruas Saldanha Marinho e Lobo D' Almada, o Leão de Ouro, na Avenida Eduardo Ribeiro, esquina com a rua Henrique Martins, e o Café Real Colon (posteriormente Bar Normal), entre as avenidas 13 de Maio (atual Getúlio Vargas) e Sete de Setembro, ao lado do Cine Polytheama e em frente ao Cine Guarany, todos, em conjunto, dando um tom único de divertimento e desenvolvimento material à capital amazonense.


NOTAS:

1 Jornal do Comércio, 17/10/1904.
2 Jornal do Comércio, 18/10/1904.
3 Jornal do Comércio, 19/10/1904.
4 Jornal do Comércio, 20/08/1908.
5 Correio do Norte, 06/06/1909.
6 Jornal do Comércio, 17/06/1908.
7 Quo Vadis? 24/12/1902.
8 Jornal do Comércio, 19/08/1925.
9 Correio do Norte, 31/03/1911.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Página Manaus Sorriso/Colorização digital de Paulo Menezes.
'Indicador Illustrado do Estado do Amazonas (1910)'/Instituto Durango Duarte.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Prédio do Visconde de Sá, na rua Guilherme Moreira (N° 201)


Prédio do Visconde de Sá, na rua Guilherme Moreira, Centro de Manaus. Foto: Ed Lincon.

Na movimentada rua Guilherme Moreira, no Centro de Manaus, o frontão de uma construção antiga me chamou a atenção. Uma coroa de cinco pontas encima o nome V. de Sá, tendo abaixo deste a data de 1905. Antes de analisar o prédio, é necessário conhecer seu antigo proprietário.

Após algumas pesquisas, descobri que o prédio da rua Guilherme Moreira pertenceu a Francisco Bento de Sá, Visconde de Sá, comerciante e industrial português nascido em 1848 na Freguesia de Coura. Francisco Bento de Sá chegou a Manaus ainda jovem, segundo consta em uma lista de 1871 de doações para a construção da Igreja de São Sebastião1 e uma lista de 1872 de súditos portugueses em Manaus2, ambas publicada no jornal Amazonas. Ainda segundo o mesmo periódico, este contraiu uma sociedade comercial em 1877 com José Maria da Silva, criando a firma Sá e Silva, tendo a mesma sido dissolvida em 26 de março de 18783. Nesse mesmo ano seu nome aparece em uma relação de casas comerciais sujeitas a impostos provinciais, sendo ele proprietário de uma loja e taberna na rua Brasileira (atual Avenida Sete de Setembro)4. Em 14 de agosto de 1894, dissolve mais uma vez uma sociedade comercial (Drogaria Normal), desta vez com Domingos da Silva Freitas5. Na eleição de 02 de dezembro de 1894 da Sociedade Beneficente Portuguesa, foi eleito um dos 12 mordomos da instituição6.

Informações complementares sobre o Visconde de Sá foram encontradas no Dicionário Amazonense de Biografias, do escritor, geógrafo e historiador Agnello Bittencourt. Consta na obra que Francisco Bento de Sá, além da taberna, montou na área portuária uma serraria a vapor, a Serraria Sá. Ingressou na Ordem Maçônica em 04 de novembro de 1876. Assim como o compatriota Joaquim Gonçalves Araújo, o Comendador J. G. Araújo, Bento de Sá era filantropo, tendo ajudado na conclusão e aparelhamento do Asilo de Mendicidade7. As informações sobre a família constituída na capital amazonense não são muitas. Foi casado com Rosa Amorim de Sá8, sendo seus filhos Emílio de Sá9 e Esmeralda Amorim de Sá10. Quando faleceu? Também não se sabe exatamente. O último natalício registrado no colunismo social da época foi em 22 de julho de 192311. Em 1925, em uma intimação municipal para a reconstrução da calçada de um prédio comercial da rua Joaquim Sarmento, já se falava em “herdeiros de Francisco Bento de Sá12. Quanto ao título de Visconde, possivelmente o recebeu da Monarquia Portuguesa pelas contribuições e serviços prestados à sociedade manauara.

'Lojão de Poupança' do BEA. Jornal do Comércio, 20/10/1989.

Conhecido o antigo proprietário, mesmo que de forma incompleta, com muitos dados ainda por serem encontrados, vamos ao prédio. A construção está localizada na rua Guilherme Moreira, entre a Importadora Sempre Novidades e a agência do Banco Santander. Está bem preservada, funcionando nela a Loja Aragão, de artigos diversos. Na década de 1980, mais especificamente em 1984, o prédio foi reformado para ser utilizado como o ‘Lojão de Poupança’ do BEA (Banco do Estado do Amazonas), função que desempenhou até 2002. O prédio, de acordo com o historiador e folclorista Mário Ypiranga Monteiro, em breve texto jornalístico, funcionou como casa de aviamento de mercadorias do Visconde de Sá13. Nesse mesmo endereço, por volta de 1944, funcionou a firma Jacob & Cia, de compra e exportação de matérias-primas da Amazônia, proprietária da Usina Estrela, de beneficiamento de borracha e balata, localizada na Ilha de Monte Cristo14. No início da década de 1960 o prédio passou a ser utilizado como sede social da Agro-Industrial Mercantil S. A. (AGROMEC S. A.) e da firma J. Sabbá & Cia15. Em 1977 o lugar já aparece como sede de outra instituição, a Syntil Cia. Industrial de Sintéticos16. No ano seguinte volta a ser utilizado como sede social da AGROMEC. Nesse mesmo ano passa a ser utilizado como sede social da AMAZON-LAR – Associação de Poupança e Empréstimo de Manaus17.

Detalhe do frontão. Foto: Mário Ypiranga Monteiro. Jornal do Comércio, 26/01/1984.

Assim como outras construções datadas do final do século XIX e início do século XX, o prédio do Visconde de Sá foi construído em estilo eclético. Sem janelas, dominam seis portas em arco perfeito ou romano, característica essa, de acordo com Mário Ypiranga Monteiro, da fase de expansão mercantil da cidade entre 1850 e 191018. No passado as portas eram de madeira, atualmente substituídas por portas de enrolar. No frontão semicircular, uma coroa de cinco pontas em alto-relevo, característica dos detentores do título de Visconde, o nome do antigo proprietário e o ano da obra (1905). Este é encimado por três acrotérios em forma de jarros. A platibanda é balaustrada, sendo ornamentada por dois acrotérios em formato de jarros nos cantos superiores.

Prédio do Visconde de Sá em 1964. Foto: Mildred Schaeffer Zichner. University of North Texas.

Passados 113 anos, o prédio do Visconde de Sá continua de pé, tendo resistido às demolições que botaram muitos de seus vizinhos abaixo durante o auge da Zona Franca. Que os atuais proprietários, e os que poderão vir futuramente, mantenham sua fachada e estrutura preservadas, legando para outras gerações de curiosos esse resquício da expansão urbana e econômica da cidade de Manaus no início do século passado.


NOTAS:


1 Amazonas, 07/10/1871.
2 Amazonas, 20/01/1872.
3 Amazonas, 05/04/1878.
4 Amazonas, 31/07/1878.
5 Diário Oficial, 17/08/1894.
6 Diário Oficial, 6/12/1894.
7 Bento de Sá. In: BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973, p. 136.
8 Correio do Norte, 30/01/1910.
9 Correio do Norte, 22/07/1909.
10 Correio do Norte, 23/07/1909.
11 Jornal do Comércio, 22/07/1923.
12 Jornal do Comércio, 10/05/1925.
13 “Lojão” do BEA preserva estilo do antigo prédio. Jornal do Comércio, 26/01/1984.
14 Jornal do Comércio, 07/09/1944.
15 Jornal do Comércio, 23/01/1962.
16 Jornal do Comércio, 11/05/1977.
17 Jornal do Comércio, 15/04/1978.
18 Op cit, Jornal do Comércio, 26/01/1984.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Ed Lincon.
Jornal do Comércio.
University of North Texas.