sábado, 18 de janeiro de 2014

Do que Morriam os Brasileiros ?


 Cemitério da igreja N. Sra. do Carmo, Ouro Preto.


Existiram épocas em que os brasileiros morriam de maneira ridícula. As mortes iam desde cupim nos pés a cãibra no sangue. Essas informações, que chegam a ser engraçadas, estão presentes nos livros de óbitos brasileiros escritos até meados do século 19.Na época, as pessoas responsáveis por determinar a causa mortis eram os padres, que não tinham muita noção do que faziam. As causas chegavam a atestar simplesmente que a vítima "faleceu de repente".

Por mais de 300 anos, os defuntos foram enterrados dentro ou nos arredores das igrejas brasileiras. "Ser sepultado nas dependências das paróquias ajudaria a chegada ao paraíso", diz o historiador Luís Soares de Camargo, um dos pesquisadores que estudam o tema. Com o passar do tempo, a prática passou a ser contestada por médicos sob a alegação de que as tumbas próximas da população eram um risco para a saúde da população. Assim, os enterros passaram a ser realizados nos cemitérios públicos, construídos a partir de 1850. "Já nessa época havia pressão dos intelectuais para que os corpos fossem examinados por médicos, não mais por párocos, em virtude do rigor científico", afirma o historiador. Os sepultamentos em paróquias passaram a ser proibidos em 1889, com a Proclamação da República. E, junto com eles, acabou o humor involuntário nos atestados de óbitos.


DE QUE MORRIAM OS BRASILEIROS ?

(Ano - Nome - Causa Mortis)

1768 - Maria Antônia - Alienação dos sentidos.

1771 - Cônego Tomé Pinto - Subitamente porque o acharam morto na cama.

1859 - João - Cãibra no sangue.

1860 - João (escravo) - Congestão cerebral.

1860 - Francisco Antonio - Cupim nos pés.

1861 - Maria Joana das Dores - Apressadamente.

1861 - Hermenegildo - Morte repentina envolto em cetim vermelho.

1862 - Joaquim de Jesus - Ataque cerebral.

1862 - João Baptista - Mal de fogo.

1862 - Prixa - Quebradeira de espinhaço.

1868 - João - Marasmo.


FONTE: Morreu de quê?!. Texto de André Larcher. Revista Superinteressante. Ed. 220. 7 Dez. 2005.


CRÉDITO DA IMAGEM: http://www.trekearth.com - foto de Maurício Patelli.
 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Recife nos Tempos da Cólera

Rua da Cruz, Recife, 1855.

O primeiro caso de cólera na capital de Pernambuco foi registrado em 28 de janeiro de 1856. A vítima faleceu em apenas 24 horas. Todos os esforços empreendidos por médicos e autoridades locais para deter o avanço da doença foram inúteis. Isso foi só o começo: nos três primeiros meses daquele ano, o cólera matou 3.338 moradores do Recife, o equivalente a cerca de 5% da população.
Desde 1849 até então, haviam sido registrados 11 surtos epidêmicos na cidade do Recife, sendo os mais graves os de febre amarela (de 1849 a 1852) e esse de cólera. A constância das epidemias denunciava a insalubridade do ambiente urbano, que se tornou alvo dos higienistas e das autoridades provinciais de Pernambuco ao longo de todo o século XIX.
Os caminhos que o cólera seguiu pelo mundo desde a sua origem revelam a insalubridade das cidades e a falta ou a precariedade dos serviços públicos de esgoto e de abastecimento de água como principais fatores de proliferação da doença. O delta do Rio Ganges, na Índia, é considerado o local de origem das pandemias de cólera ocorridas nos séculos XIX e XX. Suas águas serviam de cenário para rituais de purificação ligados à vida e à morte, que criavam as condições propícias para a disseminação da doença.
Mesmo banhado por dois rios, o Capibaribe e o Beberibe, o Recife ainda não era provido de água potável suficiente para toda a população, já que ambos os rios são invadidos pelo mar até duas léguas – aproximadamente 12 quilômetros – acima de sua foz, além de sofrerem com o despejo de dejetos. Assim, os habitantes da cidade consumiam água das cacimbas e dos poços ou mandavam buscá-la no Monteiro ou em Beberibe, de onde era transportada por escravos em canoas reconhecidamente desprovidas de higiene.
O acesso limitado às redes de esgoto, a destinação imprópria dada ao lixo e a oferta insuficiente de água tratada formavam um quadro de má gestão do ambiente, contribuindo para a epidemia de cólera. Muitas medidas foram tomadas para evitar que a doença se alastrasse nessas condições tão propícias. Uma delas foi o controle do movimento portuário. A Provedoria de Saúde do Porto do Recife sugeriu ao governo provincial que os navios vindos de lugares infectados fossem submetidos a uma quarentena de observação, devendo os passageiros seguir para o lazareto da Ilha do Pina – estabelecimento destinado ao controle sanitário que abrigava pessoas que podiam ser portadoras de moléstias contagiosas. Lá, elas disporiam de acomodação e assistência médica.
Essa medida não foi bem-aceita pelos viajantes e pela população. Por isso a Vigilância Sanitária do Porto pediu a colaboração da força policial para que fosse posta em prática. O local permaneceu guardado por sentinelas, para evitar que possíveis infectados deixassem o lazareto e circulassem pelas ruas da cidade antes do término do tempo previsto para o isolamento. Outra medida adotada foi a exigência de apresentação de uma carta de saúde no ato da entrada do navio, comprovando o estado do porto de onde ele procedia.
Mas essas providências não impediram a chegada da epidemia,obrigando o governo provincial a decretar “estado de peste”. Cerca de 15 hospitais provisórios exclusivos para coléricos foram instalados em toda a cidade, evitando os riscos de contágio advindos do deslocamento e da concentração de muitos doentes em um espaço confinado. A preocupação com o contágio também levou à criação de uma companhia de desinfetadores, que deveriam se deslocar para os lugares onde aparecessem novos casos da doença com utensílios e agentes químicos necessários para realizar uma desinfecção imediata.
Outro problema era a resistência da população à hospitalização, o que levou a Comissão de Higiene a pôr em prática uma campanha de isolamento dos doentes em suas próprias casas e de desinfecção. Os agentes de saúde contavam com o apoio da polícia para garantir o cumprimento das medidas sanitárias e das quarentenas impostas.Contudo, os focos de contágio, sobretudo dos mocambos – habitações mais humildes e rústicas –, estavam espalhados pelo Recife inteiro, inclusive pelos bairros mais urbanizados. Isso levou as autoridades a adotar um plano de higienização da cidade, com o objetivo de limpar as ruas, as praias, as praças, os mercados, o cais e todos os locais públicos onde houvesse entulhos e alagados. As fontes de água potável também passaram a ser rigorosamente policiadas, sendo proibida a lavagem de roupas e de animais. 
Durante a epidemia de 1856, os sepultamentos, antes cercados de pompas fúnebres, eram realizados rapidamente, por sugestão da própria Comissão de Higiene. Na capital e no interior da província, a população foi tomada pelo pânico. Muitos fugiam na tentativa de evitar a contaminação. Em meio ao desespero, abandonavam os parentes doentes à própria sorte e, por vezes, chegavam a deixar os cadáveres insepultos. A epidemia não só matava como provocava medo e desordem.
Em todo o Brasil, nos anos de 1855 e 1856, cerca de 200.000 vidas foram ceifadas pela doença. Até então, nenhuma epidemia vitimara tanta gente no Brasil. Revisitar esse passado permite repensar a falta de compromisso das autoridades com seu dever de propiciar a infraestrutura necessária à manutenção de um meio ambiente mais salubre e livre de doenças como o cólera, sinônimo de subdesenvolvimento.  

FONTE: Revista de História da Biblioteca Nacional. Recife nos tempos do cólera. Texto de Rosilene Gomes Farias. Ano 7. N* 82. Julho de 2012.


CRÉDITO DA IMAGEM:  http://www.gibanet.com

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

O Grande Baile em Manaus, no Palácio

 Residência do Presidente da Província.

Na passagem pelo Amazonas, o casal Agassiz descreveu um grandioso baile ocorrido na cidade de Manaus, entre 1865 e 1866. Tratava-se de uma homenagem ao Sr. Tavares Bastos, político que foi presidente das províncias de Alagoas, de 29 de outubro a 30 de outubro de 1838, e de São Paulo, de 8 de novembro de 1866 a 12 de outubro de 1867.

8 de novembro - Desacostumada animação reina desde alguns dias em Manaus. Trata-se de organizar um grande baile em homenagem ao Sr. Tavares Bastos. Onde se realizará? Em que dia? A que hora? E, quanto às senhoras, que vestido havemos de botar, qual será a toalete da Sra...? Tais os motivos da animação. Essas delicadas questões foram enfim resolvidas e ficou aprovado que a "função" teria lugar no dia cinco deste mês, no "Palácio". Este é o nome invariavelmente dado à residência do Presidente, mesmo quando ela consiste numa pequena casa, modesta demais para carregar o pomposo título. A noite do dia marcado não foi tão favorável como se desejava; esteve muito escura, e, como o luxo de carruagens é totalmente desconhecido, os grupos atravessam às carreiras as ruas iluminadas por lanternas de mão. Aqui e ali, pelo caminho, via-se, num trecho de rua, surgir do escuro uma toalete de baile saltando por cima duma poça de lama. Entretanto, quando todos já haviam chegado, observei que nenhum dos vestidos sofrera muito com a caminhada pelas ruas. Era grande a variedade das toaletes; a seda e o cetim misturavam-se à lã e às gazes, e os rostos mostravam todas as tonalidades do negro ao branco, sem esquecer as cores acobreadas dos índios e dos mestiços. Não há aqui, com efeito, o menor preconceito de raça. Uma mulher preta — admitindo-se, já se vê, que seja livre — é tratada com a mesma consideração e obtém a mesma atenção que teria se fosse branca. Todavia, é raro encontrar-se na sociedade uma pessoa que seja absolutamente de pura raça negra, mas vêm-se numerosos mulatos e mamelucos, como chamam aos mestiços de índio e negro. Reina geralmente um certo constrangimento na sociedade brasileira, mesmo nas grandes cidades; com mais forte razão nas pequenas, onde, para evitar qualquer omissão, se exagera ainda mais o rigorismo das convenções sociais. Os brasileiros, com efeito, tão hospitaleiros e bons, são muito formalistas e enfatuados em matéria de etiqueta e cerimônias. As damas, ao chegarem, vão sentar-se em banquetas estofadas que estão colocadas ao longo das paredes do salão de danças; de tempos em tempos, um cavalheiro avança corajosamente até essa formidável linha de encantos femininos e diz algumas palavras; mas só mais tarde, depois que as danças dividem os convidados por grupos que se misturam é que a festa se torna realmente alegre.

Nos intervalos, as bandejas circulam, carregadas de doces e xícaras de chá e por volta de meia-noite a ceia é servida; as damas tomam lugar à mesa, tendo, de pé, por trás de cada uma, os seus cavalheiros. Principiam logo os brindes e as saúdes, feitos e recebidos com entusiasmo. E o baile recomeça. Estavam as danças muito animadas quando, entrando no porto, o paquete vindo de Pará ficou todo iluminado e soltou girândolas e foguetes em sinal de regozijo pelas boas notícias da guerra. A alegria chegou ao auge; as quadrilhas, interrompidas, sucederam-se ruidosas manifestações de júbilo. A maioria dos assistentes passou a noite em claro e dirigiu-se para bordo do navio para receber os jornais; não tardamos em saber que uma vitória decisiva fora ganha sobre os paraguaios em Uruguaiana, onde o Imperador comandava em pessoa. Dizem que foram feitos aí sete mil prisioneiros. No dia seguinte, foi dado um novo baile para comemorar a vitória, de modo que em Manaus, cujos habitantes se queixam de levar uma vida triste, houve esta semana um turbilhão de alegria absolutamente excepcional.


Viagem ao Brasil, 1865-1866. Louis Agassiz e Elisabeth Cary Agassiz.
 
 
CRÉDITO DA IMAGEM: manausdeantigamente.blogspot.com