Por Otoni Moreira de Mesquita
Chegar
a Manaus é sempre um impacto. Depois de horas de voo ou dias
navegando por densas áreas verdes, recortadas por curvas ocres e
negras, depara-se com uma grande clareira que ruge animadamente.
Surge clara e nua, banhada pelas águas escuras de um belo rio que
lhe embeleza. De noite ou de dia, é sempre um espetáculo, mesmo
para aqueles que estão sempre a retornar. Mas parte do encanto se
desfaz, ao constatar que a ânsia de modernizar se desfaz de suas
belezas naturais.
Quarenta
anos após a implantação da Zona Franca de Manaus não há como
duvidar do crescimento manifesto em vários setores da sociedade. A
arrojada expansão da cidade é sem dúvida conseqüência de suas
atividades econômicas que vem atraindo grande contingente de
trabalhadores de outros estados. O crescimento populacional, assim
como o nível de desigualdade social pode ser medido pela ampliação
exagerada das periferias suburbanas e dos arrojados empreendimentos
verticais que se multiplicam, em algumas áreas da cidade. Contudo, a
falta de infraestrutura necessária, não somente material, mas,
sobretudo, sociocultural, faz deste crescimento uma coisa ameaçadora
para todos os segmentos sociais.
Tal
como ocorreu no final do século XIX, um novo surto de prosperidade
econômica direciona mudanças radicais na cidade, visando atender as
novas necessidades de circulação, segurança e garantir as demandas
de crescimento, sobretudo dos setores industriais e comerciais.
Contudo, populações sem qualquer qualificação sobrevivem com
grande dificuldade nas áreas urbanas e sem condições de penetrarem
no mercado de trabalho, portanto, sem instrumentos que permitam
exercitar pleno direito de cidadania, permanecem excluídos. O
desafio é estabelecer políticas públicas capazes de promover a
integração, valorização e a inclusão deste contingente no viver
social da cidade.
Compreende-se
que uma sociedade democrática, deva ser regida por interesses dos
mais variados segmentos, não somente pelas políticas econômicas.
Certamente, as decisões seriam representativas, contemplando
múltipla participação e promovendo diferentes necessidades e
interesses. Assim, gerando uma sociedade mais humana, justa e
sensível.
Quanto
aos aspectos ambientais, históricos e patrimoniais, nota-se que
mesmo, parcialmente protegido pela Lei Orgânica do Município, e
ensaiadas algumas tentativas no sentido de recuperar, sobretudo,
alguns exemplares do patrimônio arquitetônico. No entanto, grande
parte das belas edificações do Centro histórico de Manaus se
encontra completamente abandonada, outras sem qualquer conservação,
e muitas definitivamente agredidas: descaracterizadas ou demolidas.
Patrimônio arquitetônico e o natural permanecem em risco, agredidos
e degradados em uma velocidade acelerada. Igarapés continuam
poluídos, mesmo que parte de suas margens tenham sido embelezadas. O
verde da arborização e das praças, com raríssima exceção, foi
subtraído ou substituído por magrelas palmeiras importadas de
outras regiões. Para o cidadão não há caminhos com sombra,
transporte digno ou calçadas contínuas e regulares.
Infelizmente,
o patrimônio material e imaterial não está amparado por uma
política pública autônoma e contundente, capaz de se confrontar
com interesses econômicos. Com amplos poderes de atuação, não
somente em sua extensão geográfica, mas, sobretudo, no âmbito
cultural. Para tanto, suas ações devem encontrar respaldo nos
currículos escolares, cujos conteúdos e metodologias inculquem
idéias e valores que fortaleçam as noções de cidadania e
pertencimento da cidade.
Grandes
empreendimentos na área da construção civil e das obras públicas
vêem produzindo construções arrojadas, denotando uma clara
situação de prosperidade. No entanto, esta aparência não parece
de acordo com as condições enfrentadas pela maior parte da
população. Ou seja, a convivência com deficiências de serviços
públicos básicos, como a educação, saúde e transporte. Além de
uma rotina marcada por outros setores que necessitam ser
continuamente acompanhados, ou seja, a melhoria e ampliação do
serviço de distribuição de água, iluminação pública,
pavimentação de ruas, calçamento para pedestres, ciclovias,
instalação de rede de esgotos, engenharia e sociologia do trânsito.
Que pensem no homem como usuário da cidade.
A
sociedade tem pressa em demasia, violência em excesso e
solidariedade e fraternidade de menos. Por este ângulo, a cidade
humanizada, embelezada, e tranquila só faz sentido e só será
economicamente rentável, para usuários sensibilizados com estes
aspectos. Não se deve esperar uma mudança radical no modelo de
cidade, se não houver mudanças nas relações sociais, econômicas
e, sobretudo, culturais que se processam em seu interior. Novas
práticas exigem o apoio de uma população sensibilizada e
predisposta a adotá-la. Assim, a aceitação e a eficácia de sua
implantação, em geral, exigem um trabalho de médio e longo prazo,
vinculado a uma mudança substancial no processo educativo. Não há
como preservar a mais bela das cidades, ou as práticas mais
tradicionais se não tiverem sentido para os seus usuários. Não se
trata de decorar um discurso ou obedecer a leis, mas de uma relação
afetiva que envolve sensibilidade e pertencimento.
Não
é suficiente recuperar, conservar, limpar e embelezar espaços
públicos, nem estabelecer leis de conservação e fiscalizar sua
aplicação. É necessário inculcar idéias que sensibilizem aqueles
que usufruem desses espaços; planejar estratégias para as gerações
futuras. Que as manifestações culturais não sejam transformadas
apenas em espetáculos, nem que os espaços públicos sejam
embelezados somente para o lazer de alguns. Mesmo que os espaços
ganhem novos significados, que se busque preservar as referências e
a memória que possam proporcionar um relacionamento afetuoso com a
cidade.
Acreditamos
que recuperando monumentos e seus entornos, é possível propiciar
uma valorização da auto-estima da população, fazendo com que esta
se reconheça, não somente como usuária, mas como a protetora que
ama, preserva e se orgulha de sua cidade. De fora para dentro, a
recuperação destes espaços poderá auxiliar na construção e
difusão de uma imagem da cidade mais bela e humana.
Sem
dúvida é necessário que as idéias circulem na esfera da
administração pública, dos empresários e da população, mas a
ideia não é suficiente, se faz necessário animá-las a partir do
pronunciamento de nossos representantes, na Câmara, na Prefeitura,
na Assembléia, no Senado, sobretudo, no governo do Estado:
administradores competentes, políticos sensíveis e sabedor das
necessidades e processos, que trabalhem pelo bem comum e sejam
capazes de convencer seus pares e mantenham a continuidade dos
projetos. Sem dúvida, é um filão político e que poderá trazer
grandes dividendos econômicos para a cidade, mas que ainda exigirá
algum tempo.
Otoni Moreira Mesquita nasceu em Autazes-AM, em 27 de junho de 1953. É artista plástico e professor da Universidade Federal do Amazonas. Formado em jornalismo (1979 - UFAM) e em Gravura (1983 - Escola de Belas Artes - UFRJ). É mestre em Artes Visuais e História e Crítica da Arte (1992 - UFRJ). De março de 1997 a dezembro de 1998, atuou como coordenador do Patrimônio Histórico, da Secretaria de Cultura e Estudos Amazônicos. É doutorado em História Social pela UFF, concluído em 2005 com o trabalho O Mito de progresso na refundação da cidade de Manaus: 1890/ 1900. Livros publicados: La Belle Vitrine: Manaus entre dois tempos - 1890/1900 (2009) e Manaus: História e arquitetura - 1852/1910 (3 edições. 1997, 1999 e 2006).
CRÉDITO DA IMAGEM: http://turismo.culturamix.com/