quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A Historiografia da Conquista I - Portugueses e Espanhóis entre 1450 e 1800

Conquista de México por Cortes.

 “A maior coisa depois da criação do mundo, tirando a encarnação e a morte de quem o criou, foi o descobrimento das Índias” - Fernando López de Gómara, em História General de las Indias (1552)


Podemos perceber, através dessa frase do padre e historiador espanhol Fernando López de Gómara, como a descoberta das Américas, empreendida por Colombo em 1492, teve um grande impacto na Europa. Novos povos, costumes e crenças eram apresentados à Europa cristã, que rapidamente tentou interpretá-los através de uma ótica clássica, mesmo percebendo, de início, que não seria uma tarefa fácil. A historiografia do primeiro século de ocupação europeia seria dominada por autores ligados ao poder eclesiástico e imperial, surgindo mais tarde escritores mestiços e nativos. Nosso primeiro foco de análises vão ser os escritores portugueses e espanhóis.

Portugueses e Espanhóis

Os pioneiros nos descobrimentos além-mar foram os portugueses, que conquistaram Ceuta, cidade do Norte da África, em 1415. Fernão Lopes é considerado um dos principais cronistas-historiadores de Portugal. Antigo guarda-mor da Torre do Tombo e Tabelião do reino, teve farta fonte documental para a elaboração de seus escritos. Na África, na Ásia e no subcontinente indiano, os historiadores portugueses, assim como os espanhóis, na América, se viram frente a frente com novas formas de contagem de tempo, mitos, lendas e histórias fundadoras. Com dificuldades para analisá-las sob a perspectiva cristã ou sem bases documentais, muitos desses autores se viram utilizando os conhecimentos dos nativos em suas obras.

Nas Américas Andina e Caribenha, áreas de interesse da Coroa Espanhola, existiam os historiadores ligados ao clero e aqueles relacionados à máquina administrativa e militar. As primeiras obras sobre a América foram escritas por autores humanistas que nunca estiveram ou passaram pela região. Pedro Mártir de Anglería, italiano que viveu boa parte de sua vida na Espanha, produziu, com conhecimentos geográficos da Antiguidade, provenientes de Plínio, e a divisão por décadas, de Tito Lívio, a primeira grande obra sobre o descobrimento da América, intitulada Décadas sobre o Novo Mundo. Outros humanistas que se dedicaram a escrever a história do continente, mesmo sem ter contato com este, foram Antonio de Herrera y Tordesillas, Pedro Sarmiento de Gamboa e Francisco López de Gómara. Enquanto alguns historiadores davam uma introdução geral sobre a origem do mundo e dos povos (segundo a Bíblia), outros preferiam dividir seus livros em capítulos sobre Geografia, Economia, Religião e História. Eles saem do marasmo cronológico humanista e abordam outros conhecimentos, como Heródoto fez em suas Histórias.

O primeiro historiador a colocar os pés no Novo Mundo foi Gonzalo Fernández de Oviedo, representante da Coroa. Suas principais obras, Sobre a História natural das Índias e História Geral das Índias, foram as primeiras escritas em espanhol. Abordando história natural e outros aspectos do continente, a história começava a partir do descobrimento de Colombo, em 1492. De sua experiência como romancista, Oviedo evoca a figura de Júlio César em referência ao conquistador espanhol Cortés. Gómara, que como já foi dito, não esteve na América, escreveu a História da Conquista do México e História Geral das Índias, através de relatos de Cortés, a quem serviu como capelão. Cronologicamente, a obra se inicia com as conquistas de Cortés e termina com sua morte, em Sevilha, na Espanha.

No século 17, os historiadores da América Espanhola estavam relutantes em utilizar fontes orais vindas dos nativos. Isso se deve ao fato de que as obras eram patrocinadas por particulares e pela Igreja – os primeiros interessados em informações de fácil acesso e entendimento, e o segundo em inserir os nativos na cultura cristã. Com o surgimento de uma nova vertente do Cristianismo, o Protestantismo, a Igreja Católica se viu incumbida de absorver o passado desses povos para a religião considerada a correta, o Catolicismo. Os historiadores ligados à Igreja, escreviam sobre a história do continente sob a ótica de suas ordens religiosas: Dominicana, Jesuíta e Franciscana.

Os historiadores clericais que se destacam são Bartolomé de Las Casas, José de Acosta e Bernardino de Sahagún. Las Casas se destacou por sua defesa aos nativos, muitas vezes vistos com inferioridade por outros autores e, desde sempre, massacrados pelos conquistadores. Seu livro História das Índias, dividido em décadas, vem com um prólogo explicando o que é História, a lembrança a historiadores clássicos e a motivação para a escrita. Analisava os indígenas americanos em comparação a gregos e romanos. José de Acosta, Jesuíta, escreveu a História Natural e Moral das Índias, na qual articulava, como se pensa na teoria moderna, que os nativos descendiam da Ásia. Acosta, ao narrar a História dos nativos, afirma que isso é importante para facilitar o processo de evangelização. Dividia os povos bárbaros em Civilizados, Semicivilizados e Selvagens. Sahagún foi um proeminente conhecedor das línguas nativas, bem como um destaque entre os demais historiadores, pois sua principal obra História geral das Coisas da Nova Espanha, foi produzida através de muitas informações orais de seus alunos indígenas, que aprenderam latim com ele. É uma grande enciclopédia, com diversos assuntos sobre a região. Foi um escritor bilíngue, escrevendo em Nahuatl, língua geral dos povos da Mesoamérica, e espanhol, a língua do Império.

Em síntese, podemos ter como características dos historiadores do Novo Mundo: Divergências entre autores espanhóis, geralmente em relação ao uso de fontes e de conhecimentos indígenas; A visão de mundo era providencialista, sendo que esses autores viam a Espanha como a realizadora da missão de cristianizar os novos territórios; As línguas europeias e indígenas se hibridizaram, isto é, passaram a trocar influências; Autores da Antiguidade eram evocados, tinham o estilo literário copiado; Por mais que tenha ocorrido algumas tentativas diferentes, o passado nativo era visto sob a ótica da cultura europeia; Uso de conhecimentos indígenas para a produção de livros; Obras controladas politicamente e escritas com objetivos de informação; Autores ligados ao Clero, particulares e Monarquia.


FONTES:

WOOLF, Daniel. Uma História global da História. Tradução de Caesar Souza - Petrópolis, RJ, Vozes, 2014.


CRÉDITO DA IMAGEM:


Library of Congress - www.loc.gov

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