Mausoléu de Etelvina D' Alencar (1884-1901). FOTO: Fábio Augusto de C. Pedrosa, 2018.
A
História da jovem Etelvina D’ Alencar (1884-1901), popularmente
conhecida como Santa Etelvina, até hoje, passados 117 anos de seu
assassinato, desperta a curiosidade de leigos e pesquisadores. Seu
mausoléu no Cemitério São João Batista, para onde concorre grande
número de católicos em busca de graças ou agradecimentos ao que já
foi alcançado, seja a aprovação em um concurso ou a cura de uma
enfermidade, é o mais visitado daquela necrópole. Reproduzo,
abaixo, o texto referência sobre o caso, escrito pelo jornalista
Julio Uchôa em 1956 e publicado no Jornal do Comércio.
HOMENS,
COUSAS E FATOS
Julio
UCHÔA
(Da
Asoc. Amaz. de Imprensa)
Escrevemos,
em 1947, algumas notas sôbre Etelvina de Alencar, jovem nordestina,
de 17 anos de idade, sacrificada às mãos de um conterrâneo seu, o
qual se deixou dominar por estranha e mórbida paixão. Isso em
princípios de 1901. Descreveu o doloroso acontecimento, de
extraordinária repercussão em todo o país, um inspirado bardo
popular que enfeixou, em um folheto, sua magnífica produção.
Muitos anos volvidos, após sua divulgação, caiu sob nossas vistas
um exemplar dêsse livrinho1.
E, foi, assim, que ao historiador forneceu o poeta os elementos
indispensáveis à elaboração do citado trabalho, conservando
aquêle, desta feita, como da vez anterior, o mesmo sentido trágico
e humano, dado por êste à sua impressionante narrativa.
Filha
de Cosme José de Alencar e de dona Antônia Rosalina de Alencar,
Etelvina nasceu em Boa Vista do Icó (Ceará), em 1884, vindo para
Manaus em companhia de sua genitora, já, então, viúva, e de três
irmãs, sendo uma destas casada. Desta capital se transportou a
família à Colônia “Campos Sales”, inaugurada dois anos antes,
onde se ia dedicar aos labores agrícolas.
Na
Colônia, Etelvina veio a conhecer o colono de nome José, que logo a
primeira vista por ela se apaixonou, seguindo-se o ajuste de
casamento. Cedo, porém, a desilusão: a jovem fez saber a José não
mais desejava casar-se com êle, desfazendo-se, dêste modo, os
compromissos assumidos anteriormente.
Grande
abalo produziu no espírito de José o rompimento do noivado. Meio
pequeno, constituído como que de uma família, a notícia provocou
sensação. Houve mesmo quem afirmasse que Etelvina possuía três
namorados: Antônio, Estevam e Henrique. Tudo isso ouvira José, e
dando crédito às intrigas que lhe contavam, jurou vingar-se, não
só da ex-namorada, mas, igualmente, dos três rapazes que imaginava
causadores de sua infelicidade. E tudo planejou, fria demoradamente.
Veio
à cidade, onde adquiriu um rifle e farta munição. Mataria a todos,
dissera ele a amigos. Estávamos em março de 1901.
E,
assim, aconteceu. Mal entrava na área da Colônia, alvejava a tiro a
Estevam, que descuidado não esperava a agressão; ao primeiro
disparo êle corre, procurando desvencilhar-se do assassino; um
segundo tiro, porém, prostrou-o sem vida. Mais adiante estava
Henrique, com quem José trava violenta luta corporal; subjugado o
adversário, abateu-o a tiro. Um pobre caboclo que dormia à sombra
de uma árvore próximo à casa da Administração, é a terceira
vítima da fúria sanguinária do celerado…
Cometidos
os três crimes, José se dirige à residência de Etelvina, e,
valendo-se do coice do rifle, pôs abaixo a porta da casa. Nessa
ocasião aparece-lhe Versoli, administrador da Colônia, que procura
interceptar a entrada do criminoso, sendo morto, por êste.
Suspeitando das intenções do bandido, a moça tenta fugir, no que é
obstada por êle que conseguiu alcançá-la e “quase nua, pés
descalços em camisão” (diz o poeta), a desventurada Etelvina é
arrastada para a densa floresta que se estendia às proximidades da
casa.
Infrutíferas
foram as buscas nos primeiros dias. E, somente a 8 de março é
encontrado o local, em que se consumara o derradeiro ato do imenso
drama, misto de amor e ódio. Os urubús, em grupos simétricos,
voejavam alto, sinal evidente de que lauto fôra o repasto. E, ali, o
quadro punjente, que a todos estarreceu: duas caveiras se
defrontavam, numa evocação sinistra dos últimos instantes, de
pavor e de alucinação, que viveram aquelas duas criaturas. O rifle,
entre os dois esqueletos, explicava a cena final: José matara a
infeliz Etelvina, suicidando-se, a seguir.
Repousam
os restos mortais de Etelvina de Alencar, ou “Santa Etelvina”,
como é por todos reverenciada, no cemitério de São João, em
sepultura perpetuada por lei municipal n° 233, de 30 de agôsto de
1901, à sombra do jazigo que o Povo Amazonense ergueu à sua
memória. E, desde então as visitas ao seu túmulo se sucedem,
ininterruptamente, durante o dia: são os devotos da meiga
“Santinha”, que ali vão levar suas oblatas, ou acender um círio
votivo pelo atendimento às suas súplicas e orações…
FONTE:
JORNAL
DO COMÉRCIO, Ano 52, N° 13.971, 15/01/1956.
NOTAS:
1 Julio
Uchôa refere-se ao livreto ‘Os Horrores de Manaus’, do poeta
popular potiguar Antônio Mulatinho. Com primeira edição
possivelmente publicada em 1905, foi produzido em homenagem a
Etelvina D’ Alencar. O dinheiro arrecadado com a venda desse
trabalho foi utilizado em melhoramentos no seu túmulo. Além
do assassinato da jovem, que
leva o título ‘A infeliz Etelvina em março de 1901’,
Antônio aborda mais três crimes, todos narrados em forma de prosa:
'Tiroteio de 26 e 27 de fevereiro, em 1893'; 'A morte de 4 creanças
no bairro do Mocó, em setembro de 1895'; e 'O crime do Barba Azul,
em junho de 1901'. A trova final, ‘Saudades do meu sertão’, é
um poema saudosista em lembrança ao Nordeste, região de onde o
autor veio.
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