terça-feira, 13 de novembro de 2018

Resenha: Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências, de Agnello Bittencourt (1969)


Em 1969, ano que ficou consagrado pelos festejos do tricentenário de Manaus, o renomado geógrafo, historiador e professor amazonense Agnello Bittencourt (1876-1975) publicou o trabalho ‘Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências’, uma síntese da história da cidade de seus primeiros anos até a década de 1960.

Agnello Bittencourt inicia seu texto abordando os empreendimentos espanhóis e portugueses na América entre fins do século XIV e início do século XV, ou como ele diz, “o estado de espírito dos conquistadores lusos e espanhóis” (BITTENCOURT, 1969, p. 23). Por estado de espírito ele não se refere apenas à conquista territorial e material, mas, principalmente, à influência dos mitos e lendas na mentalidade daqueles homens recém-saídos do período medieval. Para o historiador a penetração do território que viria a ser conhecido como Amazonas é fruto da “cobiça europeia embalada nos mitos que se divulgaram” (BITTENCOURT, 1969, p. 24). A Expedição de Pedro Teixeira, realizada em 1637, durante o domínio da Coroa Espanhola sobre Portugal, foi de extrema importância para uma ocupação mais efetiva dos lusitanos na Amazônia.

Como um dos historiadores de Manaus da geração mais tradicional, Agnello Bittencourt não pôde deixar de citar o célebre episódio da construção, em 1669, pelo Capitão Francisco da Mota Falcão, da Fortaleza de São José do Rio Negro, vinda à luz para pôr fim às pretensões conquistadoras de ingleses, franceses e holandeses na região, bem como para estimular o povoamento daquela parte da Amazônia. Ao redor da construção fixaram-se indígenas das tribos Manaus, Barés, Banibas e Passés. Como vestígio da Fortaleza, o autor cita o Cemitério Indígena encontrado durante as obras realizadas na Praça Dom Pedro II, afirmando que “a atual geração que hoje habita Manaus ignora o fato, mal podendo avaliar que ali foram sepultados muitos antepassados nossos, de raça e mesmo de sangue” (BITTENCOURT, 1969, p. 34).

Seguiu-se à criação da Capitania de São José do Rio Negro, em 1755, a mudança de sua sede, até então em Mariuá (Barcelos), para o Lugar da Barra, ocorrida em 1791 durante a administração do Brigadeiro e engenheiro militar Manuel da Gama Lobo D’ Almada. A mudança foi gestada pela melhor localização, na confluência dos rios Negro e Amazonas, daquele tímido burgo. A medida não agradou D. Francisco de Souza Coutinho, Capitão-General do Grão-Pará, temeroso do prestígio que tal mudança garantiu a Lobo D’ Almada, pois este, em seu governo, dinamizou o Lugar da Barra, introduzindo nele várias melhorias como fábricas, olarias, padarias etc. Com a ajuda de seu irmão, Rodrigo de Souza Coutinho, Ministro em Portugal, iniciou “[…] sua campanha contra a nova sede da Capitania e, como consequência, em 1799 retorna esta para Barcelos, nos têrmos da Carta Régia de 22 de agôsto de 1798” (BITTENCOURT, 1969, p. 35-36). O Lugar volta a ser sede da Capitania de São José do Rio Negro em 1808, passando a categoria de Vila em 1832, com o nome de Manaus, sendo elevada à Cidade da Barra do Rio Negro em 1848 e, em 1856, “recebeu a designação definitiva de Cidade de Manaus, já então com 4.000 habitantes” (BITTENCOURT, 1969, p. 37).

Reconhecendo que as mudanças de status (Lugar, Vila e Cidade) não alteram profundamente, de forma imediata, os aspectos de Manaus, e que essas transformações dependem de fatores econômicos e sociais que se processam lentamente ou em surtos, Agnello Bittencourt propõe três etapas em que se pode observar, do ponto de vista dos aspectos físicos, a cidade de Manaus: “a primeira, que vai da fundação do Forte até meados do último quartel do século passado; a segunda, indo dessa época até quase da Segunda Guerra Mundial; e a terceira, a Manaus de hoje” (BITTENCOURT, 1969, p. 38-39).

Da primeira fase, entre fins do século XVIII até a segunda metade do século XIX, o historiador recupera os relatos dos viajantes que, durante suas expedições, passaram por Manaus, e os relatórios dos primeiros Presidentes da Província do Amazonas: Alexandre Rodrigues Ferreira (1787), Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius (1819), Alfred Russel Wallace (1849), Richard Spruce (1850-51), Lourenço da Silva Araújo e Amazonas (1852), João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1852), Herculano Ferreira Pena (1853), A. Belmar (1860), Louis e Elizabeth Agassiz (1865) e Franz Keller-Leuzinger (1867). É do casal Agassiz a famosa impressão de que “insignificante hoje (1865), Manaus se tornará, sem dúvida, um grande centro de comércio e navegação(AGASSIZ, 2000, p. 196). Esses diversos relatos e impressões dão notícia de uma cidade com população diminuta, sem maior expressão econômica e com seus limites urbanos definidos pelo terreno tortuoso, pelas matas e igarapés. A partir do final do século XIX, a narrativa se torna mais pessoal, baseada no que o autor viu ao longo de 92 anos de vida, “setenta dos quais passados em Manaus” (BITTENCOURT, 1969, p. 55). São frequentes os termos ‘vi’, ‘andei’, ‘conheci’: “Esta Manaus que conheci era limitada ao norte pela rua Monsenhor Coutinho, ao Sul pelo Rio Negro, a leste pela rua Joaquim Nabuco e a oeste pelo igarapé de São Vicente. Além daí era os bairros de Educandos, Cachoeirinha, Campinas e São Raimundo” (BITTENCOURT, 1969, p. 63-64).

Ao fim do período provincial surgem prédios de arquitetura mais refinada, destacando-se o Paço Municipal, a Catedral de Nossa da Conceição, a Santa Casa de Misericórdia, o Gymnasio Dom Pedro II, o Asilo Elisa Souto, o Mercado Público, o Quartel de Artilharia, a Cadeia Pública, a Assembleia Legislativa e a Delegacia Fiscal. “Era assim a cidade que, a 3 de junho de 1889, recebeu a visita de S. A. I. o Conde d’Eu, a cujo desembarque tive a oportunidade de assistir” (BITTENCOURT, 1969, p. 64). Findada a Monarquia e instalada a República, tem início a segunda etapa de Manaus, que será marcada pelo frenesi da economia gomífera.

Agnello Bittencourt foi testemunha dessas mudanças, vendo de perto as administrações de Eduardo Gonçalves Ribeiro, Fileto Pires Ferreira, José Cardoso Ramalho Júnior, Silvério Nery, Constantino Nery e Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, apenas para ficarmos no período que vai de 1890 a 1912, do apogeu ao início da desestruturação do sistema gomífero. De forma saudosista, lembra que a cidade atingiu “[…] o apogeu da (também muito sua) “belle époque” - lindos prédios, ruas bem pavimentadas com seus batentes e calçadas em mármore de Lioz, iluminação feérica, luxo e até esbanjamento” (BITTENCOURT, 1969, p. 69). Tais afirmações reforçaram a ideia de uma cidade plenamente próspera, também presente em outros autores da mesma geração, quando já se sabe, por estudos feitos desde a década de 1980, que paralelamente a esse enriquecimento houve um forte processo de exclusão das camadas populares. Como membro de uma família tradicional da elite local, tendo ele próprio estado a frente da Prefeitura de Manaus entre 1909 e 1910, não é estranho que faça afirmações como a de que, em Manaus, “a população vivia à europeia, viajando para o Velho Mundo, especialmente Paris” (BITTENCOURT, 1969, p. 69).

A partir de 1913 até a Segunda Guerra Mundial, com exceção da expansão ao Norte pela criação do bairro da Vila Municipal (Adrianópolis), em 1912, a cidade pouco cresceu materialmente. Agnello Bittencourt cita a compra, pelo Estado, do Palacete Scholz, transformado em Palácio Rio Negro (1918) e a construção do Relógio da Avenida Eduardo Ribeiro durante a administração municipal de Araújo Lima (1926-1930). Termina assim a segunda etapa.

A cidade começa a ganhar novo fôlego a partir da terceira etapa. Entre o final da década de 1930 e início da década de 1940 surgem o Parque 10 de Novembro (1938-1943), vários grupos escolares, o Departamento de Saúde Pública e o Instituto de Educação do Amazonas. Nos governos de Leopoldo Amorim da Silva Neves, Plínio Ramos Coelho e Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo, “novas estradas e avenidas rasgaram a cidade, muitas ruas foram asfaltadas e solucionou-se o problema crucial que havia anos afligia a população: voltou a haver iluminação elétrica” (BITTENCOURT, 1969, p. 81). Vale lembrar que, apesar dessa aparente recuperação, o município, ao longo de toda a década de 1950, enfrentaria sérios problemas de déficit orçamentário.

A terceira etapa, a Manaus de hoje (1960), é coroada com a criação e instalação da Zona Franca. Esse novo modelo econômico possibilitou a entrada da cidade em uma nova era de crescimento, expansão e integração. Agnello Bittencourt finaliza seu texto desejando um bom futuro para a cidade e para seus administradores naquele momento do tricentenário, o Governador Danilo Duarte de Mattos Areosa e o Prefeito Paulo Pinto Nery.

Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências’, é um singelo trabalho de síntese histórica comemorativa ao aniversário da cidade, produzido, em grande parte, através de reminiscências da Manaus que o autor viu crescer aos poucos, atravessando surtos econômicos e crises. O livro se tornou um clássico que não deve ser olvidado por aqueles que desejam conhecer melhor a cidade e analisar criticamente sua historiografia tradicional, da qual este faz parte.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGASSIZ, Louis; AGASSIZ, Elizabeth. Viagem ao Brasil: 1865-1866. Brasília, DF: Senado Federal, 2000, p. 196. (Coleção o Brasil visto por estrangeiros). [original: 1868].

BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências. Manaus: Editora Sérgio Cardoso, 1969.



CRÉDITO DA IMAGEM:

estilousado.com.br



Um comentário:

  1. Meu problema com o obelisco erguido na Matriz inaugurado em 24 de outubro de 1948, fazendo referencia a data histórica de mudança de vila para cidade em 24 de outubro de 1848. Então, temos ai um centenário, com dia mês e ano. Entretanto, depois de 20 anos, em 1969 comemorava-se o Tricentenário de Manaus. Portanto, obelisco não tem sentido, pois não tem como determinar dia e mês do ano de 1669, para comemorar um aniversário.
    Agora, com esta obra maravilhosa que em 1969 comemora os 300 anos de Manaus, começo a entender melhor a confusão do obelisco de um centenário.
    Posso dizer agora olhando pro bendito obelisco. Parabéns Manaus pelos 170 anos em 2018. (Agora o Obelisco faz sentido, Srs. iluminats..kkk)

    ResponderExcluir