Vista parcial da fachada da Penitenciária não construída em Manaus. FONTE: Seção de Viação e Obras Públicas do Arquivo Nacional.
Inúmeros projetos de obras públicas e particulares, em Manaus, idealizados entre os séculos XIX e XX, ficaram apenas no papel, seja por falta de verbas, desistência dos vencedores dos editais, falta de mão de obra especializada e simples abandono. Nesse texto falarei sobre a monumental penitenciária pública de Manaus projetada em 1883 no Governo de José Lustosa da Cunha Paranaguá e não construída.
A ideia da nova cadeia pública de Manaus surgiu quando o Presidente da Província do Amazonas, José Lustosa da Cunha Paranaguá, atestou o péssimo estado em que se encontravam as prisões da região, como deixou registrado em seu relatório de 25 de março de 1883:
"E' em geral desanimador o estado das prisões publicas. Funccionam em edificios mal construidos e sem as precisas condições: ou são predios alugados, ou compartimentos especiaes nos edificios das camaras municipaes. A não ser a cadêa da capital, creio que nenhuma outra deixa de estar comprehendida em alguma d' essas duas classes. Mas nem essa mesma se isempta do mal geral de não preencher convenientemente seu fim" (AMAZONAS. Relatório. 25/03/1883, p. 09).
José Paranaguá visitou a cadeia pública de Tefé, por ele descrita como um pardieiro imundo, coberto de palha e com as paredes desmoronando. A da capital não estava em melhores condições, pois "[...] tem pouca segurança, carece de accommodações para as praças e simples detentos, não tendo sequer as indispensaveis aos criminosos; mas sobretudo resente-se da falta de officinas para trabalho" (AMAZONAS. Relatório. 25/03/1883, p. 09-10).
Dessa forma, a Assembleia Legislativa Provincial, através do § 8 da Lei N° 582 de 27 de maio de 1882, garantiu a verba de 40 contos de réis para a construção de uma nova penitenciária em Manaus. A concorrência, de 5 meses, para a apresentação das plantas e do orçamento da construção, que deveria obedecer o sistema panóptico, foi aberta em 19 de janeiro de 1883:
"A penitenciaria deve ter cinco raios, sendo um destinado para a administração e os outro quatros para presos. Esses quatro raios devem ter duzentas celulas para duzentos presos. O destinado á administração póde ter mais de um pavimento e conterá um corpo de guarda, uma prisão para detentos, sala para rouparia, cosinha, arrecadação de generos, e casa de morada para o administrador. No ponto em que os quatro raios para presos começam a divergir haverá quartos para os carcereiros. O edificio será todo fechado por um muro. Nos espaços entre os raios e o muro terá quatro officinas espaçosas. O raio destinado para a administração deve voltar em angulo recto para os dous lados, ficando em forma de T, afim de evitar que elle torne-se demasiadamente comprido. Todas as celulas serão abobadadas. Em cada raio destinado para presos haverá um corredor central e duas ordens de celulas, abrindo para esse corredor. Para ventilação cada celula terá uma abertura para o pateo correspondente, na qual haverá uma forte grade de ferro" (AMAZONAS. Relatório, 25/03/1883, p. 10).
O modelo panóptico foi idealizado no final do século XVIII pelo jurista e filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832). Ele consistia na vigilância total, sendo aplicado não apenas em prisões, mas também em escolas, fábricas, sanatórios e hospitais. Esses lugares deveriam ter o formato circular com uma torre com janelas e persianas no centro. No caso das prisões, as celas, pequenas e sem pontos cegos, seriam distribuídas igualmente ao redor da torre, de onde os presos seriam observados pelo inspetor, que nem sempre estaria lá (TADEU, 2008, p. 20-23). Como saber se o inspetor estava na torre? Não tinha como, e essa incerteza, o medo de ser pego, garantia o controle psicológico sobre os atos dos criminosos.
O local onde a penitenciária seria erguida não havia sido definido, mas José Paranaguá sugeriu que poderia ser na Praça da Saudade, em frente ao Cemitério de São José, ou em outra localidade. Ele também estipulou que as despesas com a obra não excederiam os 50 contos de réis, podendo a presidência ser autorizada a aumentar a verba dentro do orçamento. Caso não fossem apresentadas propostas ou as que surgissem fossem incongruentes com o solicitado, o governo poderia ser autorizado "[...] a executar as obras por arrematação ou administrativamente sob a fiscalisação da directoria de Obras Publicas, ou de um engenheiro contractado especialmente para esse fim" (AMAZONAS. Relatório, 25/03/1883, p. 11).
Ao que tudo indica, nesse prazo de cinco meses não foram apresentadas propostas, pois nova concorrência foi aberta, dessa vez através da Lei N° 631 de 20 de Junho de 1883:
"Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléa Legislativa Provincial decretou e eu sanccionei a lei seguinte:
Art. 1.° Fica o Presidente da Província autorisado a abrir concurrencia para a construcção de uma penitenciaria, a vista da planta e orçamento, que forem acceitos pelo Jury de profissionaes de que trata a lei . 592 de 29 de Maio de 1882.
Art. 2.° Para execução d' esta obra poderá o Presidente da Provincia ordenar as desapropriações necessarias, nas quaes serão observadas as disposições do decreto n. 1664 de 27 de Outubro de 1855, e autorisar o pagamento da planta acceita, correndo as despezas pelo credito votado na lei do orçamento para a dita construcção.
Art. 3.° Revogam-se as disposições em contrario" (AMAZONAS. Parte Official, 25/07/1883, p. 01).
Em relatório de 16 de janeiro de 1884, José Paranaguá informa que no dia 27 de junho de 1883 foram apresentados três projetos para a construção da penitenciária, de B. Caymari, Alexandre Dantas e Bernardo Antonio de Oliveira Braga (AMAZONAS. Relatório, 16/02/1884, p. 59-60). No dia 14 de julho de 1883 foi nomeada pela Presidência da Província uma comissão composta pelo Diretor de Obras Públicas, Major Joaquim Leovigildo de Souza Coelho, pelo engenheiro adjunto da mesma, Antonio Constantino Nery, engenheiro João Carlos Antony e pelos mestres de obras José Cardoso Ramalho Júnior e José Pires dos Santos, para formar o juri que iria julgar as plantas e orçamentos apresentados (AMAZONAS, Actos officiaes. 18/07/1883, p. 01). O juri "[...] decidiu-se a favor do que foi organisado no Gabinete de Architectura e Engenharia Civil de Lisboa, e que tinha sido offerecido gratuitamente a provincia pelo Sr. Bernardo Antonio de Oliveira Braga" (AMAZONAS. Relatório, 16/02/1884, p. 60). O Gabinete de Arquitetura e Engenharia Civil de Lisboa foi o responsável pelo projeto do Teatro Amazonas. José Paranaguá mandou que fossem feitas cópias dos desenhos do projeto, que custaram 500$000, e fotografias dos mesmos (AMAZONAS. Relatório, 16/02/1884, p. 60).
No dia 01 de agosto de 1883 uma portaria do Governo nomeou uma comissão para escolher o local mais apropriado para a construção da penitenciária. Faziam parte dela Joaquim Leovigildo de Souza Coelho, Diretor de Obras Públicas, Jonathas de Freitas Pedrosa, médico da Santa Casa de Misericórdia, Aprígio Martins de Menezes, Inspetor da Saúde Pública, Tenente-Coronel Antonio Lopes Braga, Presidente da Câmara Municipal, e Lauro Batista Bittencourt, engenheiro das obras públicas da Câmara Municipal (AMAZONAS. Parte Official, Expediente do mez de Agosto, 23/09/1883, p. 01).
Apesar do projeto ter sido aprovado, o Diretor de Obras Públicas, em mensagem de 01 de setembro de 1883 endereçada ao Presidente da Província, afirmava não convir contratar de uma só vez a construção de todo o edifício, pois "[...] além de superior ás necessidades actuaes da provincia, terão de attingir as despezas da construcção a uma cifra elevada" (AMAZONAS. Parte Official, 07/10/1883, p. 01). Ele recomendou que o Presidente organizasse na repartição o orçamento para a construção de um ou dois raios e as dependências indispensáveis para o funcionamento de uma penitenciária, "[...] com tanto que o valor total d' essas construcções não exceda por emquanto a (400:000$000) quatrocentos contos de réis" (AMAZONAS. Parte Official, 07/10/1883, p. 01). Quando o orçamento fosse organizado seria aberta concorrência pelo tempo necessário,
"[...] publicando-se pela imprensa aqui, no Pará, no Maranhão, Rio de Janeiro e Lisbôa, editaes, que terão de acompanhar a inclusa memoria descriptiva apresentada pelos proponentes e quaesquer outras indicações que V. S. entender convenientes. E ao Ministerio d' Agricultura, Commercio e Obras Publicas na Côrte, será remettida uma cópia do projecto, que, a vista da urgencia, V. S. mandara tirar por pessoa habilitada fora da repartição" (AMAZONAS. Parte Official, 07/10/1883, p. 01). O responsável pelos desenhos, remetidos ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, na Corte, foi o desenhista Carlos Luiz David, do Instituto Amazonense.
O projeto não foi levado adiante. Em exposição de 10 de janeiro de 1888, o Presidente da Província do Amazonas, Conrado Jacob de Niemeyer, ao falar sobre o aumento no número de presos e a necessidade de uma nova penitenciária na capital, afirmou que "essa penitenciaria, porem, não deve começar logo por grandes proporções e sim na rasão das circunstancias financeiras para que, no intuito de remediar um mal, não se origine um outro não menor, qual o do desbarato dos dinheiros publicos" (AMAZONAS. Exposição, 10/01/1888, p. 11). Uma nova penitenciária só viria a ser mencionada em 1892, no Governo de Eduardo Gonçalves Ribeiro: "Igualmente espero plantas e orçamentos de uma penitenciaria; do quartel para Policia; casas para forum, congresso e outras repartições que são indispensaveis e urgentes (AMAZONAS. Mensagem, 01/06/1892, p. 12)
Reproduzi abaixo fotos das plantas da penitenciária, que fazem parte do fundo do Ministério da Viação e Obras Públicas do acervo do Arquivo Nacional:
Ao que tudo indica, nesse prazo de cinco meses não foram apresentadas propostas, pois nova concorrência foi aberta, dessa vez através da Lei N° 631 de 20 de Junho de 1883:
"Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléa Legislativa Provincial decretou e eu sanccionei a lei seguinte:
Art. 1.° Fica o Presidente da Província autorisado a abrir concurrencia para a construcção de uma penitenciaria, a vista da planta e orçamento, que forem acceitos pelo Jury de profissionaes de que trata a lei . 592 de 29 de Maio de 1882.
Art. 2.° Para execução d' esta obra poderá o Presidente da Provincia ordenar as desapropriações necessarias, nas quaes serão observadas as disposições do decreto n. 1664 de 27 de Outubro de 1855, e autorisar o pagamento da planta acceita, correndo as despezas pelo credito votado na lei do orçamento para a dita construcção.
Art. 3.° Revogam-se as disposições em contrario" (AMAZONAS. Parte Official, 25/07/1883, p. 01).
Em relatório de 16 de janeiro de 1884, José Paranaguá informa que no dia 27 de junho de 1883 foram apresentados três projetos para a construção da penitenciária, de B. Caymari, Alexandre Dantas e Bernardo Antonio de Oliveira Braga (AMAZONAS. Relatório, 16/02/1884, p. 59-60). No dia 14 de julho de 1883 foi nomeada pela Presidência da Província uma comissão composta pelo Diretor de Obras Públicas, Major Joaquim Leovigildo de Souza Coelho, pelo engenheiro adjunto da mesma, Antonio Constantino Nery, engenheiro João Carlos Antony e pelos mestres de obras José Cardoso Ramalho Júnior e José Pires dos Santos, para formar o juri que iria julgar as plantas e orçamentos apresentados (AMAZONAS, Actos officiaes. 18/07/1883, p. 01). O juri "[...] decidiu-se a favor do que foi organisado no Gabinete de Architectura e Engenharia Civil de Lisboa, e que tinha sido offerecido gratuitamente a provincia pelo Sr. Bernardo Antonio de Oliveira Braga" (AMAZONAS. Relatório, 16/02/1884, p. 60). O Gabinete de Arquitetura e Engenharia Civil de Lisboa foi o responsável pelo projeto do Teatro Amazonas. José Paranaguá mandou que fossem feitas cópias dos desenhos do projeto, que custaram 500$000, e fotografias dos mesmos (AMAZONAS. Relatório, 16/02/1884, p. 60).
No dia 01 de agosto de 1883 uma portaria do Governo nomeou uma comissão para escolher o local mais apropriado para a construção da penitenciária. Faziam parte dela Joaquim Leovigildo de Souza Coelho, Diretor de Obras Públicas, Jonathas de Freitas Pedrosa, médico da Santa Casa de Misericórdia, Aprígio Martins de Menezes, Inspetor da Saúde Pública, Tenente-Coronel Antonio Lopes Braga, Presidente da Câmara Municipal, e Lauro Batista Bittencourt, engenheiro das obras públicas da Câmara Municipal (AMAZONAS. Parte Official, Expediente do mez de Agosto, 23/09/1883, p. 01).
Apesar do projeto ter sido aprovado, o Diretor de Obras Públicas, em mensagem de 01 de setembro de 1883 endereçada ao Presidente da Província, afirmava não convir contratar de uma só vez a construção de todo o edifício, pois "[...] além de superior ás necessidades actuaes da provincia, terão de attingir as despezas da construcção a uma cifra elevada" (AMAZONAS. Parte Official, 07/10/1883, p. 01). Ele recomendou que o Presidente organizasse na repartição o orçamento para a construção de um ou dois raios e as dependências indispensáveis para o funcionamento de uma penitenciária, "[...] com tanto que o valor total d' essas construcções não exceda por emquanto a (400:000$000) quatrocentos contos de réis" (AMAZONAS. Parte Official, 07/10/1883, p. 01). Quando o orçamento fosse organizado seria aberta concorrência pelo tempo necessário,
"[...] publicando-se pela imprensa aqui, no Pará, no Maranhão, Rio de Janeiro e Lisbôa, editaes, que terão de acompanhar a inclusa memoria descriptiva apresentada pelos proponentes e quaesquer outras indicações que V. S. entender convenientes. E ao Ministerio d' Agricultura, Commercio e Obras Publicas na Côrte, será remettida uma cópia do projecto, que, a vista da urgencia, V. S. mandara tirar por pessoa habilitada fora da repartição" (AMAZONAS. Parte Official, 07/10/1883, p. 01). O responsável pelos desenhos, remetidos ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, na Corte, foi o desenhista Carlos Luiz David, do Instituto Amazonense.
O projeto não foi levado adiante. Em exposição de 10 de janeiro de 1888, o Presidente da Província do Amazonas, Conrado Jacob de Niemeyer, ao falar sobre o aumento no número de presos e a necessidade de uma nova penitenciária na capital, afirmou que "essa penitenciaria, porem, não deve começar logo por grandes proporções e sim na rasão das circunstancias financeiras para que, no intuito de remediar um mal, não se origine um outro não menor, qual o do desbarato dos dinheiros publicos" (AMAZONAS. Exposição, 10/01/1888, p. 11). Uma nova penitenciária só viria a ser mencionada em 1892, no Governo de Eduardo Gonçalves Ribeiro: "Igualmente espero plantas e orçamentos de uma penitenciaria; do quartel para Policia; casas para forum, congresso e outras repartições que são indispensaveis e urgentes (AMAZONAS. Mensagem, 01/06/1892, p. 12)
Reproduzi abaixo fotos das plantas da penitenciária, que fazem parte do fundo do Ministério da Viação e Obras Públicas do acervo do Arquivo Nacional:
Capa.
Contra capa.
Alçado principal, escala 1:100.
Alçado principal, escala 1:100.
Alçado principal, escala 1:100.
Alçado A. B., escala 1:100.
Alçado A. B., escala 1:100.
Planta ao rez do chão, escala 1:200.
Planta ao rez do chão, escala 1:200.
Planta do 1° pavimento.
Cortes, escala 1:200.
Cortes, escala 1:200.
Cortes, escala 1:200.
Alçados.
Compartimentos de ouvir missa e tipos de grades para janelas.
Tipos de portões de ferro das celas.
FONTES:
Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas na abertura da segunda sessão da decima sexta legislatura em 25 de março de 1883 pelo Presidente José Lustosa da Cunha Paranaguá.
Amazonas (periódico), 18/07/1883.
Amazonas (periódico), 25/07/1883.
Amazonas (periódico), 23/09/1883.
Amazonas (periódico), 07/10/1883.
Relatorio com que o Presidente da Província do Amazonas, Dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá, Entregou a administração da mesma província ao 1° Vice-Presidente Coronel Guilherme José Moreira, em 16 de fevereiro de 1884.
Exposição com que o Exm. Sr. Coronel Conrado Jacob de Niemeyer passou a administração da Província do Amazonas ao Exm. Sr. Coronel Francisco Antonio Pimenta Bueno em 10 de janeiro de 1888.
Mensagem do Exm. Sr. Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro Presidente do Estado, lida perante o Congresso Amazonense, na sessão de instalação, em 01° de junho de 1892.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
TADEU, Tomaz (Org.). O Panóptico/Jeremy Bentham. 2° ed. Trad. de Guacira Lopes Louro, M. D. Magno e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte (MG): Autêntica Editora, 2008.
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