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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

De súditos a inimigos: Perseguição a alemães, italianos e japoneses no Amazonas durante a 2° Guerra (1942-1945)

Alemães, italianos e japoneses, em diferentes cidades do Brasil, foram expulsos de organizações durante a Segunda Guerra. FONTE: Diário da Noite, RJ, 30/03/1942.

O ano de 1942 foi marcante na História do Brasil. Em 28 de janeiro de 1942, treze dias após conferência dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, com o objetivo de obter o alinhamento dos países Sul-Americanos no conflito, o país rompeu suas relações diplomáticas e comerciais com as potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Como represália, navios brasileiros da Marinha Mercante passaram a ser atacados e afundados por navios e submarinos alemães e italianos. Em 22 de agosto de 1942 é declarada por Getúlio Vargas guerra ao Eixo.

A reação popular foi instantânea às ofensivas militares contra o Brasil, assim como as políticas internas contra os imigrantes alemães, italianos e japoneses, que passaram a ser vistos como potenciais inimigos da nação. No presente texto será abordada a perseguição a esses súditos do Eixo no Amazonas durante a Segunda Guerra, mais especificamente entre os anos de 1942 e 1945.

Alemães e italianos viviam no Amazonas desde a segunda metade do século XIX. Os japoneses chegaram no início do século XX. Ambos exerciam diferentes atividades, fosse em colônias agrícolas no interior ou em estabelecimentos comerciais e repartições públicas na capital. A relação do Estado e da população local com estes sofreu mudanças drásticas a partir das investidas do Eixo contra o Brasil e a entrada do país no conflito.

No dia 07 de fevereiro de 1942 o Chefe de Polícia do Estado baixou uma portaria policial sobre o trânsito de alemães, italianos e japoneses no Estado. Essa portaria estabeleceu guias de trânsito para os súditos do Eixo. 

As guias seriam expedidas pela chefia de polícia em Manaus e pelos delegados gerais de polícia dos municípios do interior. Os estrangeiros que quisessem viajar para o interior ou para fora do Estado deveriam encaminhar um requerimento para a chefia de polícia, com nome, nacionalidade, idade, estado civil, profissão, embarcação em que viajariam, destino e endereço no local, número da carteira de registro de estrangeiro e o nome do órgão que a expediu. 

Os delegados gerais do interior só poderiam expedir guias de trânsito a quem desejasse viajar para outros municípios ou para a capital. Em hipótese alguma deveriam expedir guias para viagens para fora do Estado, sendo essa uma atribuição da Chefia de Polícia. Os alemães, italianos e japoneses que moravam no interior e queriam viajar para fora do Estado deveriam enviar um requerimento para a Chefia de Polícia através dos Delegados Gerais dos municípios. Todos os meses a partir da publicação da portaria os Delegados Gerais ficariam obrigados a enviar à Chefia de Polícia na capital uma lista com todos os dados dos estrangeiros aos quais foram expedidas guias de trânsito (Jornal do Comércio, AM, 08/02/1942).

Antonio Cavalcante de Oliveira Lima, Chefe de Polícia do Estado do Amazonas, por ordem do Interventor Federal Álvaro Botelho Maia, determinou que todos os cidadãos alemães, italianos e japoneses residentes em Manaus comparecessem à Seção do Serviço de Registro de Estrangeiros para realizarem a declaração de residência (Jornal do Comércio, AM, 08/02/1942).

Em 17 de março de 1942, mês em que foram atacados por submarinos alemães os navios Arabutã e Cairu, nos Estados Unidos, estudantes e operários de Manaus organizaram um comício em protesto aos países do Eixo e em solidariedade ao Governo Brasileiro (Diário da Noite, RJ, 17/03/1942). O clube de futebol Olímpico Clube realizou no dia 29 de março um festival em disputa pela taça Osvaldo Aranha, em referência a Osvaldo Euclides de Sousa Aranha, Ministro das Relações Exteriores. Na ocasião, a diretoria expulsou de seu quadro de associados todos os estrangeiros dos países que formavam o Eixo (Diário da Noite, RJ, 30/03/1942).

No dia 22 de julho do mesmo ano o Professor Carlos Mesquita, do Colégio Amazonense Dom Pedro II, organizou um comício com os estudantes contra o Eixo. Além dos discentes e professores, esse comício contou com grande número de populares, estando presentes o Interventor Federal Álvaro Botelho Maia, o Presidente do Departamento Administrativo e o Prefeito Adhemar de Andrade Thury (Diário de Notícias, RJ, 22/07/1942). Uma Liga Contra o Eixo chegou a ser criada.

Os momentos de maior tensão ocorreram em janeiro de 1943, quando foi aberto um inquérito investigativo contra o coletor José Vieira de Andrade, suspeito de simpatizar com os países do Eixo; e um de maior repercussão, ganhando as páginas dos jornais do Rio de Janeiro, sobre a possível sabotagem de japoneses em Parintins e Vila Amazônia. Este último, pelo teor das denúncias, foi mais grave, pois nada foi comprovado contra José Vieira de Andrade.

Conforme informações obtidas por jornais cariocas (Diário da Noite, 25/02/1943; O Radical, 28/02/1943), José Aniceto Costa, membro da diretoria da Companhia Industrial do Amazonas, denunciou através do jornal amazonense O Jornal a sabotagem que japoneses estariam cometendo nos núcleos agrícolas de Parintins e Vila Amazônia, comprometendo a produção local. O caso rapidamente se espalhou, gerando temor no Estado e em outras regiões. O jornal O Radical, do Rio de Janeiro, afirmava, comentando o caso de Parintins, que "Os japoneses que vivem no Brasil são nossos inimigos e como tal devem ser encarados".

O Interventor Álvaro Botelho Maia, a par da situação, determinou que o Delegado de Ordem Política e Social, Sebastião Norões, abrisse um inquérito. Álvaro Maia enviou o seguinte telegrama para o representante do Amazonas na capital Federal:

"A interventoria determinou a abertura de um novo inquérito na vila da Amazônia. Foi ouvido o denunciante José Aniceto Costa, diretor comercial da antiga Companhia Japonesa estabelecida naquele porto. As autoridades do município de Parintins são oficiais da Força Pública: prefeito, delegado especial militar, comandante do destacamento e sub-delegado. Logo que termine depoimento em Manaus, o delegado da Ordem Social irá a Parintins". (Gazeta de Notícias, RJ, 26/02/1943).

Sebastião Norões foi a Parintins, tendo regressado no dia 13 de abril. Em Manaus, Norões ficou no aguardo do Capitão do Exército designado pelo Comando da 8° Região Militar para apurar a denúncia. José Aniceto Costa foi levado preso de Parintins a Manaus, pois as autoridades nada encontraram sobre a possível sabotagem nipônica naquela região. As denúncias, aparentemente, eram mesmo infundadas, fruto do estado psicológico de beligerância e do medo constante do inimigo, pois na Exposição Ao Excelentíssimo Senhor Doutor Getúlio Vargas, Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal, de Maio de 1942 a maio de 1943, o Interventor relatou o seguinte:

"O próprio caso de Parintins, que chegou a impressionar a opinião pública nas primeiras versões sempre exageradas, não teve consequências que perturbassem o ritmo da ordem naquele município, apurando afinal as investigações in-loco que os japoneses, ali organizados numa sociedade agro-pastoril, não exerciam atividades nocivas ao regime atual". (Exposição, maio de 1942/maio de 1943, p. 61).

Mesmo que o caso de Parintins tenha sido infundado, o Governo do Estado do Amazonas criou duas Delegacias Especiais de Polícia Militar, "[...] uma com atuação no Baixo-Amazonas, extendendo-se a sete dos seus municípios onde se domiciliam naturais dos países do Eixo, e outra em Bôa-Vista do Rio Branco, região fronteiriça que, por essa circunstância, impunha a providência governativa, dada a concorrência de estrangeiros atraídos para ali pela mineração de ouro e diamantes" (Exposição, maio de 1942/maio de 1943, p. 62).

Foram nomeados para Parintins, onde viviam os colonos japoneses, e Boa Vista do Rio Branco, região com campos de criação e áreas de garimpagem, Prefeitos militares.  Para melhor vigiar e isolar os estrangeiros eixistas, foi criado um campo de concentração em Manacapuru, na antiga Fazenda Nova Hamburgo, propriedade do alemão Kurt Kremer ocupada pelo Estado e rebatizada com o nome Fazenda Baependi, em homenagem ao navio Baependi, afundado em 15 de agosto de 1942 por um submarino alemão. Álvaro Maia informou que ele

"Tornou-se desnecessário, até agora, porque na Penitenciária ha apenas três alemães. Quanto aos agricultores japoneses, espalhados por Parintins e outros Municípios do Baixo Amazonas, estão sob vigilância policial. Os italianos, antigos residentes no Amazonas, não oferecem o menor perigo" (Exposição, maio de 1942/maio de 1943, p. 98-99).

A afirmação de que os italianos não ofereciam perigo é interessante. Comparados aos alemães e japoneses, eles pouco sofreram com as perseguições. Aliás, desde a década de 1920 funcionou em Manaus uma célula do Partido Nacional Fascista, sem maiores problemas com as autoridades locais. Eles publicavam seus convites para reuniões e eventos nos jornais, como o que foi traduzido e reproduzido abaixo:

"Para comemorar o oitavo aniversário da Batalha de Vittorio Veneto e o aniversário de S. M Vittorio Emanuele III, este Fascio irá realizar uma sessão cívica, seguida de um modesto baile. Todos os membros e suas famílias, assim como os italianos em geral, são convidados para o evento; é necessário que os membros providenciem o recebimento do último outubro na entrada, enquanto que, para os não-membros, é necessário mostrar o respectivo convite, que será enviado por solicitação, pela comissão organizadora, todas as noites, para a sede da a empresa acima mencionada, das 9h às 11h. 

Manáos, 10 de novembro de 1926
O diretório" (Jornal do Comércio, 11/11/1926).

Em 15 de julho de 1943, Sebastião Norões, Delegado de Ordem Política e Social, baixou uma portaria determinando que alemães, italianos e japoneses residentes em Manaus, no prazo de 15 dias, registrassem na chefia de polícia todos os seus aparelhos fotográficos (A Manhã, RJ, 16/07/1943). Temia-se a espionagem através de máquinas fotográficas, pois na Argentina já havia sido presos japoneses com registros de plantas de cidades daquele país.

Jefferson Péres, em seu livro de memórias Evocação de Manaus, recupera alguns momentos violentos da perseguição aos alemães em Manaus durante a Segunda Guerra. A tradicional Photographia Alemã, localizada na Avenida Eduardo Ribeiro, fundada pelo alemão George Huebner, dadas as animosidades e perseguições, mudou de nome em 1944, passando a chamar-se Foto Artística. O Consulado Alemão, na Avenida Joaquim Nabuco, foi depredado pela população em 1943.

Crianças e jovens malhando um boneco de Judas simbolizando Adolf Hitler. Manaus, 1943. Foto de Thomas D. Mcavoy. FONTE: Time-Life Photos.

Em 1943 o fotógrafo norte-americano Thomas D. Mcavoy, da Revista Time-Life, em viagem a Manaus, registrou na rua Costa Azevedo, no Centro, um grupo de crianças malhando um boneco de Judas com o nome 'Xitler', uma possível paródia com o nome do ditador Adolf Hitler.

Foram levados para o campo de concentração da Vila de Tomé-Açu, na ilha do Aracá, no Pará, imigrantes de Belém, Parintins e Manaus. Funcionando entre 1943 e 1945, recebeu cerca de "480 famílias japonesas, 32 alemãs e algumas poucas italianas" (GRANDELLE, 2014).

Em trabalho sobre a perseguição a estrangeiros em Juiz de Fora, MG, durante a Segunda Guerra, o historiador Luiz Antonio Belletti Rodrigues afirma que o clima de guerra e a perseguição a inimigos internos serviu de mecanismo de fortalecimento da política getulista, através da propaganda política de exaltação dos valores patrióticos. Conforme Luiz Antonio, 

"O inimigo externo serviu de pretexto para que a nação se unificasse em torno de seu líder, Getúlio Vargas, e qualquer manifestação em contrário seria considerada uma sabotagem. O inimigo interno era qualquer um que não concordasse com o governo" (RODRIGUES, 2016, p. 01).

Esse é um capítulo pouco conhecido da História do Amazonas. Não se teve a pretensão de esgotar o tema nesse texto. São necessárias pesquisas mais profundas: Levantar  o número de estrangeiros presos no período, conhecer suas trajetórias, o funcionamento do campo de concentração da Fazenda Baependi e outros aspectos. Em suma, é um capítulo da história a ser escrito.


FONTES:

Jornal do Comércio, AM, 11/11/1926.

Jornal do Comércio, AM, 08/02/1942.

Jornal do Comércio, AM, 08/02/1942.

Diário da Noite, RJ, 17/03/1942.

Diário da Noite, RJ, 30/03/1942.

Diário de Notícias, RJ, 22/07/1942.

Diário da Noite, RJ, 25/02/1943.

O Radical, RJ, 28/02/1943.

Gazeta de Notícias, RJ, 26/02/1943.

A Manhã, RJ, 16/07/1943.

AMAZONAS. Exposição Ao Excelentíssimo Senhor Doutor Getúlio Vargas, Presidente da República, por Álvaro Maia, Interventor Federal, de Maio de 1942 a maio de 1943.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GRANDELLE, Renato. Pará teve campo de concentração durante Segunda Guerra Mundial. O Globo, 08/02/2014.

PÉRES J. Jefferson Carpinteiro. Evocação de Manaus: Como eu a vi ou Sonhei. Manaus: Valer, 2002.

RODRIGUES, Luiz Atonio Belletti. Perseguições a estrangeiros durante II Guerra Mundial:  O assalto ao Banco Hypotecário de Juiz de Fora, MGXX Encontro Regional de História - História em Tempos de Crise - Anpuh MG, 2016, Uberaba. Anais do XX Encontro Regional de História, 2016.

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Meu Bairro Querido

Uma rua do bairro São Lázaro em 1960.

Moro na Zona Sul de Manaus. Essa zona, acredito eu, é diferente do que se vê em outras cidades do país. Ela não abriga bairros nobres. Aqui, a maioria dos mais abastados estão na Zona Centro-Sul e Oeste. A parte sul, porém, guarda os bairros mais antigos, os que deram origem a cidade.

O bairro São Lázaro nasceu na década de 1950. Eram tempos difíceis para o Amazonas. Passados o efêmero Ciclo da Borracha de 1890 a 1920 e a rápida recuperação Durante a Segunda Guerra Mundial, o Estado vivia mais de 30 anos em recessão econômica. Primeiro foram os europeus que a abandonaram, depois foi Getúlio Vargas, que utilizou a região para fornecer borracha para os Aliados.

Além da péssima situação financeira, a natureza também agravava a situação. Em junho de 1953, as águas do Rio Negro atingiram a marca de 29,69 metros. Essa foi, por décadas, a maior cheia do Amazonas. Várias famílias vieram do interior para a capital, ocasionando o primeiro boom populacional da cidade. O São Lázaro, ou "Barro Vermelho", nome que recebia por causa da coloração do solo, nasce durante esse período, sendo fundado por seringueiros abandonados, os 'Soldados da Borracha', e por pessoas vindas de cidades como Itacoatiara, Manacapuru e Parintins.

Com a instalação da Zona Franca em 1967, o progresso trouxe, além de melhorias, problemas que existem até hoje, tanto no bairro como na cidade. Ruas foram asfaltadas, a energia elétrica e a água chegaram nas residências. Os problemas ficam por conta das constantes invasões que o bairro sofreu, principalmente na Rua Magalhães Barata e adjacências.

Foi pelas mãos de Carlos Viana, um jovem de 14 anos que sonhava em ser padre, que o bairro passou a ser reconhecido desde 1958. Carlos saiu de Manaus em 1972, quando entrou para a Polícia Militar de Porto Velho. Desde aquela época, perdeu-se contato com ele. Seu nome caiu no esquecimento do bairro. Nenhuma rua ou instituição leva o seu nome. A História está aqui para lembrar as pessoas de suas origens.

Hoje o São Lázaro cresce à passos lentos. O progresso parece ter dado uma "pausa". O Catolicismo é a religião predominante, marcando a paisagem com procissões em nome do Santo Lázaro. No início, os moradores sobreviviam da venda de capim para fábricas de colchões, da coleta de caju e da produção de farinha. Hoje, a economia é baseada em pequenos comércios e na renda da maioria dos moradores que trabalham no Polo Industrial. Vez ou outra temos uma ocorrência, mas nada que abale as estruturas.


Bairro São Lázaro em 2013.



CRÉDITO DAS IMAGENS: Paróquia São Lázaro
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