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sexta-feira, 29 de março de 2024

Amazônia em textos: seca em Manaus faz reaparecer gravuras rupestres milenares (2023)

Gravuras rupestres. Foto: Valter Calheiros.

A seca de 2023 trouxe algumas surpresas. Com a vazante do Rio Negro, ficaram novamente visíveis petróglifos (representações gravadas em rochas) milenares do Sítio Arqueológico de Lajes, localizado no bairro Colônia Antônio Aleixo, zona Leste de Manaus. Estima-se que tenham entre 1 e 2 mil anos. No texto abaixo a jornalista Elaíze Farias fala sobre a redescoberta dessas marcas de outrora carregadas de simbolismos:

"As gravuras em forma de rostos humanos submersas nas paredes rochosas do sítio arqueológico e geológico das Lajes, à margem do rio Negro, em Manaus, voltaram a aparecer. Localizadas na região do Encontro das Águas, a última vez em que elas ficaram visíveis foi na seca de 2010. Nesta quinta-feira (12), a Amazônia Real visitou o pedral do sítio das Lajes, no bairro Colônia Antônio Aleixo, na zona leste, e visualizou algumas das “carinhas”. Uma delas, uma feição quadrada, estava a 80 centímetros e um metro do nível do rio. A seca de 2023 no Amazonas já é considerada a maior em mais de 100 anos, com o agravante das altas temperaturas, degradação ambiental e fumaça.

Especialistas ouvidos pela Amazônia Real estimam que os petróglifos, como também são chamadas por arqueólogos essas gravuras, têm entre 1.000 a 2.000 anos. O sítio das Lajes foi o primeiro de Manaus a ser registrado no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e é um dos mais degradados. Ele abrange uma área que inclui encostas de terra preta, fragmentos cerâmicos e urnas funerárias, além das gravuras. Grande parte, porém, desapareceu por ações humanas e obras sem salvaguarda suficiente.

Outro bloco rochoso destas gravuras ainda está debaixo d´água, mas deve aparecer nos próximos dias, caso o rio Negro continue baixando. Em 2010, as que estão localizadas mais abaixo foram avistadas em apenas um dia e logo depois, quando o rio começou a subir, voltaram a ficar submersas. Além das gravuras que reproduzem rostos humanos, também são encontrados, na parte de cima do pedral, imagens de animais e representações das águas, além de cortes nas rochas que mostram resultados de oficinas líticas – significando que as ferramentas para as gravuras eram confeccionadas ali mesmo.

Embora as gravuras do sítio das Lajes nunca tenham sido estudadas, a avaliação cronológica pode ser estimada com estudos comparativos feitos no sítio arqueológico Caretas, no rio Urubu, no município de Itacoatiara (a 175 quilômetros de Manaus), por semelhanças que existem em comum. A arqueóloga Marta Sara Cavallini estudou este sítio, que tem as mesmas características às do sítio das Lajes, documentando as centenas de figuras gravadas nas rochas e procurando entender a antiguidade dos vestígios.

No sítio Caretas a hipótese do nosso trabalho é que essas gravuras podem ter sido produzidas entre 1.000 e 2.000 anos atrás. As ‘caretas’ das Lajes não foram estudadas, então se trata de dizer que sendo que o estilo é semelhante poderiam fazer parte do mesmo código de comunicação”, disse à Amazônia Real.

O arqueólogo Filippo Stampanoni Bassi, que pesquisou o sítio Caretas junto com Marta, afirma que datar as gravuras rupestres é um desafio particularmente complexo, mas sabe-se que nessa época havia populações indígenas que moravam em grandes aldeias em frente ao Encontro das Águas.

Esses locais, hoje sítios arqueológicos com terra preta, grandes quantidades de fragmentos de cerâmica e gravuras rupestres, contam a história indígena antiga da região e precisam ser considerados com respeito por todos nós que moramos hoje em Manaus”, disse o arqueólogo.

Marta e Felippo afirmam que os petróglifos do afloramento rochoso Lajes apresentam fortes semelhanças estilísticas com outras figuras em formato de cabeça que se encontram gravadas ao longo de numerosos pedrais ribeirinhos da Amazônia central. Os dois dizem que outras características compartilhadas entre esses sítios de arte rupestre são o fato de serem visíveis somente nas épocas de seca dos rios e de normalmente localizarem-se próximos de antigos assentamentos indígenas pré-coloniais.

Diferente do sítio Caretas, as gravuras do sítio das Lajes estão em paredes extensas e debaixo da água, o que torna seus estudos complexos, mas ao mesmo tempo lhes dão uma mística enigmática. Não se pode afirmar nem mesmo como as gravuras foram feitas ou se foi em uma época de grande seca ou se o rio, há mais de mil anos, tinha um nível mais baixo do que atualmente.

Essas coisas só aparecem de vez em quando. Tem duas hipóteses. Ou elas foram feitas numa época de grande seca ou houve alguns episódios de seca no passado. Só que as secas atuais acontecem num contexto de mudança climática, acompanhada de impactos das ações humanas”, diz o arqueólogo Eduardo Goes Neves, relatando os processos de degradação florestal causados por ação humana na região.

Segundo Neves, o sítio das Lajes é um patrimônio “super importante”, mas mal estudado. Para agravar a situação, o sítio é impactado e ameaçado por empreendimentos, como é o caso do projeto Porto da Lajes.

Quando as gravuras apareceram em 2010, Neves lembra que ele e outros especialistas chegaram a estimar que elas tinham 4 mil anos ou mais. “A gente achava que era bem antigo. Que devia ter uma época que era mais seca na Amazônia. Só que a Marta Cavallini encontrou umas coisas parecidas no rio Urubu e conseguiu fazer umas datações e a idade era de pouco mais de mil anos ou dois”, conta".

FARIAS, Elaíze. Seca em Manaus faz reaparecer gravuras rupestres milenares. Amazônia Real, 13/10/2023, Adaptado.

domingo, 28 de janeiro de 2024

A ocupação da Amazônia

Artefatos expostos no Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Foto: Bruno Kelly.

Os cronistas europeus que passaram pela Amazônia entre os séculos XVI e XVII deixaram interessantes e importantes relatos sobre as populações indígenas, auxiliando na reconstituição da demografia amazônica antes e durante a conquista. Frei Gaspar de Carvajal viu na província de Machifaro, ou Machiparo, na margem direita do Solimões, "[...] muitas e grandíssimas povoações que reúnem cincoenta mil homens, entre os trinta e setenta anos". A abundância de comida -  tartaruga, carne, peixe e biscoito - era tanta que "[...] daria para sustentar um batalhão de mil homens durante um ano".

Esses relatos demonstram que a Amazônia foi uma região densamente povoada, sofrendo um catastrófico decréscimo populacional nos dois primeiros séculos da colonização, causado pela violência da escravidão e pela letalidade das doenças. Quando começou a ocupação do território?

Segundo o arqueólogo Eduardo Góes Neves, a região começou a ser ocupada há cerca de 11 mil anos, mas essa presença pode ser ainda mais antiga. Na caverna de Pedra Pintada, localizada em Monte Alegre, no Pará, foram encontrados indícios datados de 9.200 a. C. Na gruta Lapa do Sol, na bacia do Guaporé, no Mato Grosso, foram encontrados resquícios de 12 mil a. C. O pesquisador explica que "De qualquer modo, diferentes partes da Amazônia já eram ocupadas em torno de 7000 a. C. As evidências vêm de locais tão diversos como a serra dos Carajás, no Pará; a bacia do rio Jamari, em Rondônia; a região do rio Caquetá (Japurá), na Colômbia; o baixo Rio Negro, próximo a Manaus, e o alto Orinoco, na Venezuela".

Apesar de os grupos nativos terem diferentes culturas e formas de sociabilidade, eles compartilhavam entre si a exploração sustentável da fauna e da flora, pescando, coletando, cultivando o solo e caçando animais de pequeno porte. De suas atividades restaram artefatos de pedra polida, fragmentos de pontas de lança, potes e vasilhames.

A arqueóloga estadunidense Betty Meggers defendia a tese de que o ambiente amazônico, pobre em nutrientes e sem animais de grande porte, teria impedido a formação de grandes contingentes populacionais, contribuindo para a "degeneração" de seus habitantes. Em contrapartida, a também arqueóloga estadunidense Anna Roosevelt defende que as terras baixas da região (várzeas), ricas em nutrientes e com grande fartura, foram o polo irradiador da povoação da Amazônia, abrigando cacicados complexos e sofisticados:

"Desta forma, enquanto habitat da ocupação humana pré-histórica, a Amazônia surge como mais rica, complexa e variada do que pensávamos. Mais significativo para a compreensão dos padrões da adaptação nativa e desenvolvimento cultural é, provavelmente, o fato de que existiram determinadas áreas nas quais a abundância de recursos sustentava populações caçadoras-coletoras, horticultoras e agricultoras durante longos períodos, e que nestas áreas se desenvolveram grandes populações indígenas".

Diferente da tradicional periodização da Pré-História europeia, dividida em Paleolítico, Mesolítico e Neolítico, a Pré-História da Amazônia é dividida em três fases distintas das propostas por Thomsem, Lubbock e Mortillet: fase Paleoindígena, fase Arcaica e fase da Pré-História Tardia. Isso se dá pelo fato de a Pré-História da região ainda não ter sido plenamente estudada e possuir suas próprias particularidades.

A fase Paleoindígena vai de 11.000 a 7.500 a. C. Os primeiros habitantes da Amazônia eram nômades, e sobreviviam da coleta de frutos, moluscos, da agricultura rudimentar e da caça de animais de pequeno porte. Nas regiões do norte do Rio Orenoco, no escudo e na costa da Guiana e no Rio Galera, no Mato Grosso, foram encontradas ferramentas de pedra como machados, pontas de lanças e raspadores. Apesar de as pontas de lanças terem sido encontradas, a caça de grande porte era rara. As gravuras rupestres desse período, segundo Anna Rosevelt, "[...] abrangem círculos rajados, faces humanas estilizadas ou máscaras, triângulos púbicos femininos, motivos baseados nos pés humanos, quadrúpedes, motivos geométricos sombreados e cavidades para trituramento e raspagem".

A fase arcaica compreende o período de 7.500 a. C. a 1.000 a. C., sendo caracterizada pela existência de complexos pré-cerâmicos, evidenciando a transição dos grupos coletores para grupos mais complexos que praticavam a agricultura de subsistência. Os sambaquis, depósitos artificiais de conchas, são as principais fontes dessa época. No sambaqui de Taperinha, em Santarém-PA, foram encontrados instrumentos de pedra lascada (machados, moedores e quebradores de grãos), de ossos e alguns exemplares de cerâmica avermelhada com desenhos geométricos. O tamanho dos sambaquis indica o aumento demográfico e o surgimento de grupos humanos que passaram a se fixar em um único local. "Nesse sentido", explica Roosevelt, "este estágio parece representar uma fase de intensificação da subsistência e do crescimento populacional similar àquela do Mesolítico no Velho Mundo".

A Pré-História Tardia vai de 1000 a. C. a 1000. d. C. Se desenvolvem, à margem dos principais rios da Amazônia, sociedades indígenas bastante complexas em aspectos demográficos, econômicos e políticos. Ela são conhecidas como cacicados complexos. Por volta do ano 1000 a. C. surgiram as culturas dos construtores de tesos, aterros artificiais inundáveis onde eram erguidas as aldeias. Elas foram sucedidas por sociedades mais desenvolvidas, divididas hierarquicamente, apresentando uma cerâmica altamente refinada, cujos melhores exemplares são encontrados na Ilha do Marajó e na região de Santarém-PA.

Quantos eram os indígenas antes da conquista? O professor William M. Denevan, do Departamento de Geografia da Universidade de Wisconsin-Madison, estimou para a Grande Amazônia (bacia Amazônica, leste e sul dos Andes e Amazônia Legal) uma população de 6 milhões e 800 mil, dos quais 5 milhões habitavam a bacia Amazônica. O historiador John Hemming, no final da década de 1970, estimou a população da bacia Amazônica no período pré-colonial em 3 milhões 625 mil indivíduos.

O antropólogo Antônio Porro registra que os grupos linguísticos que compunham a Amazônia antes da chegada dos europeus eram oito: Aruak, Karib, Tupi, Jê, Katukina, Pano, Tukana e Xiriana. Os povos que formam esses grupos, cerca de 90, encontram-se distribuídos pela bacia hidrográfica da região.

Os povos da língua Aruak estão localizados nos afluentes do rio Solimões. No rio Jutaí encontramos os Wairaku; no Juruá os Marawá e Kulína; no Purus os Purupurú, Paumari, Yamamadí, Ipurinân e Kanamari; no Içá os Pasé e Wainumá; no Japurá os Kayuixâna e Yumana; nos rios Negro e Içana os Manáo, Baré, Warekúna e Baníwa. Entre a Serra de Parima e a de Acaraí encontram-se os Guinaú, Wapitxana, Atoraí e Maopituan. Na Ilha de Marajó e na região litorânea do Amapá estão os Palikur, Arawak e Aruân.

Encontram-se no maciço das Guianas e arredores, nos afluentes ao norte do rio Amazonas e a leste do rio Negro os povos do grupo Karib. Nos maciços temos os Purukotó, Makiritare, Makuxí e Taulipang; no rio Branco, os Pauxiânia e Parauiana; no rio Jauaperi, os Yauaperí e Waimiri-Atruahí; no rio Jatapu, os Bonarí; no rio Nhamundá, os Xauianá e Piranya; no rio Trombetas, os Kaxuiana, Pauxi e Pianakotó; no rio Paru, os Apalaí, Wayana e Tirió; e no sul do Amazonas, os Arara, entre o Xingu e o Tocantins.

Os tupi têm localização semelhante à dos Karib, entre o sul do médio e baixo Amazonas. No rio Madeira encontram-se os Kawahíb, Arikên, Tuparí e Tupinambarâna; na bacia do rio Tapajós, os Mundurukú, Mawé, Apiaká, Kawahíb, Parintintim e Kayabí; no rio Xingu os Jurúna, Oyanpík, Asuriní e Xipáya; no rio Tocantins os Pakayá, Parakanân e Amanayé; no extremo leste do Pará, até o Maranhão, os Tupinambá, Tembé, Guajajára e Tobajára; no rio Paru os Apama; no rio Nhamundá os Apoto; e na área de várzea do Solimões os Kokâma, Omágua e Yurimágua.

Os povos da língua Jê são encontrados nas bacias do médio Xingu, Araguaia e Tocantins. São eles os Kayapó, Gorotíre, Gaviões, Apinayé e Timbíra. Nos rios Tapajós e Madeira os Nambikuára, Torá e Pakaánovas.

Segundo Edilene Coffaci de Lima, "Desde a primeira metade do século passado, os registros históricos produzidos por missionários, viajantes e agentes governamentais sobre as populações indígenas do rio Juruá fazem referência a grupos indígenas conhecidos pelo nome de Katukina". Os povos do grupo Katukina estão localizados entre os rios Purus e Juruá. São eles os Katukína, Katawixí e os que levam o sufixo Diapá.

Os povos do grupo Pano encontram-se entre os rios Juruá, Javari, Içá e Japurá. Entre os rios Juruá e Javari estão os Kaxinawá e Mayorúna. Entre os rios Içá e Japurá, os Tukúna, Yurí, Mirânia e Koerúna. Esses povos, no final do século XIX, foram obrigados a se refugiar em locais distantes na floresta por conta da invasão de suas terras durante a extração do látex das seringueiras. Muitos morreram em conflitos e outros foram escravizados.

No rio Uaupés estão localizados os grupos dos Tukána, que são os Takána, Desàna e Wanâna. Os antropólogos Stephen Hugh-Jones e Aloisio Cabalzar explicam que "Os Tukano compartilham uma área geográfica contínua e um mesmo modo de vida básico, que inclui a caça e a coleta, mas no qual predomina a pesca e a agricultura de coivara, sendo a "mandioca brava" o principal produto".

Em Roraima são encontrados os representantes do grupo Xiriâna, que são os Xiriâna e Waiká. De acordo com Otto Zerries, trata-se de um subgrupo Yanomami. Waiká significa "pessoa braba" e Xiriana "pessoa mansa". Essas nomenclaturas, vistas pelos indígenas como apelidos, não são aceitas pelos Yanomami.

Como podemos ver, Amazônia, até 1500-1600, abrigava grandes populações indígenas organizadas em grupos linguísticos com culturas distintas que habitavam a igualmente rica bacia hidrográfica da região. Aqui exploraram as matas e os rios, cultivaram o solo e produziram uma refinada cerâmica que impactou cronistas e arqueólogos por sua qualidade e riqueza de detalhes. O primeiro tiro de espingarda deu início à ruína dessas sociedades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CARVAJAL, Frei Gaspar de. Descobrimento do Rio das Amazonas. Traduzidos e anotados por C. de Melo-Leitão. São Paulo; Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1941.

FREIRE, José Ribamar Bessa (org.); PINHEIRO, Geraldo P. Sá Peixoto; TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa; SANTOS, Francisco Jorge dos; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo; COSTA, Hideraldo Lima da. A Amazônia Colonial (1616-1798). 4° ed. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1991.

HUGH-JONES, Stephen; CABALZAR, Aloisio. Tukano (verbete). Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tukano.

LIMA, Edilene Coffaci de. Katukina Pano (verbete). Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Katukina_Pano.

NEVES, Eduardo Góes. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

PORRO, Antônio. O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

ROOSEVELT, Anna Curtenius. Arqueologia Amazônica. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992.

ZERRIES, Otto. Los Waika (Yanoama), indígenas del Alto Orinoco 1954-1974. Indiana 3: 147-150, 1975.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

As Grandes Províncias Indígenas da Amazônia entre os séculos XVI e XVII


Índio Cambeba com suas armas. Alexandre Rodrigues Ferreira, século XVIII.

São dos cronistas os primeiros registros escritos sobre a organização dos povos indígenas da Amazônia entre os século XVI e XVII. Nomes como os de frei Gaspar de Carvajal, Maurício de Heriarte, Cristóbal de Acuña e padre Samuel Fritz nos legaram informações valiosas sobre o estado dos indígenas da região antes do estabelecimento dos conquistadores europeus, isto é, antes de terem seu estilo de vida e organização alterados.


PROVÍNCIA DE APARIA

A Província de Aparia, também conhecida como Carari, estava localizada entre o baixo Rio Napo, afluente do rio Amazonas no território peruano, e os rios Javari e Iça, afluentes do rio Solimões, compreendendo uma extensão territorial de 600 quilômetros. A província era formada por 20 povoados, cada um dividido por grandes plantações de milho e mandioca, tendo como capital o povoado de Aparia Grande ou Aparia o Grande, na boca do rio Javari. O poder político estava nas mãos do chefe de Aparia Grande, que dominava desde a foz do rio Jandiatuba até a aldeia de Aparia Menor ou Aparia o Menor, no baixo Napo. Aparia era habitada por índios Aricanas, Arimocoas e, a partir do século XVII, Omáguas. Os habitantes de Apararia vestiam-se com tecidos de algodão pintados, as mulheres utilizando botas e roupas de meias mangas feitas com algodão e cobertas com piche negro. Os Arimocoas, no entanto, andavam nus.

PROVÍNCIA DOS OMÁGUAS

A Província dos Omáguas é a transformação da Província de Aparia, ocupada pelos Omáguas desde o século XVII. Ela se estendia desde a parte baixa da boca do rio Napo, mais de 100 quilômetros acima da foz do rio Javari, até a boca do rio Mamoriá, entre os rios Jutai e Juruá, compreendendo 700 quilômetros. Pedro Teixeira, em 1639, contabilizou 400 aldeias, cujas casas eram protegidas com estacas de madeira. No entanto, no final do século XVII, padre Samuel Fritz contabilizou 38 aldeias, possivelmente uma consequência das epidemias que passaram a dizimar os Omáguas. Essas aldeias possuíam chefes locais, tendo a Província um chefe supremo, o Tururucari (Deus), que representava o poder central. Além de chamarem a atenção por possuírem a cabeça achatada, os Omáguas também se destacavam pela inclinação à guerra, conquistando outras províncias e possuindo vários escravos, frutos das conquistas.

PROVÍNCIA DE MACHIFARO

A Província de Machifaro, no século XVI, estava localizada na margem direita do rio Solimões, em um território que tinha início acima da boca do rio Tefé e se estendia até o rio Coari, totalizando 200 quilômetros. Era uma Província bastante povoada, com aldeias próximas umas das outras. No século XVII também ficou conhecida como Província de Curuzirari, Província de Carapuna e Província de Aisuari.


PROVÍNCIA DE AISUARI

A Província de Aisuari tinha a mesma localização da Província de Machifaro, com o adicional de ter se estendido 120 quilômetros a Oeste, ultrapassando a foz do rio Juruá; além de ser populosa da mesma forma. Os Curuzaris, habitantes dessa Província, mantinham relações comerciais com os índios Manaus. Os Manaus comercializavam ouro, urucum, raladores de mandioca, redes de miriti, cestarias e tacapes, enquanto os Curuzuraris comercializavam cerâmicas de alta qualidade.

PROVÍNCIA DE ONÍGUAYAL OU OMÁGUA

A Província de Oníguayal estava localizada abaixo da de Machifaro, que se estendia acima da barra do rio Coari até as proximidades da foz do rio Purus, com cerca de 250 quilômetros. Ocupavam também a margem esquerda da região de Codajás. A maior aldeia de Oníguyal estava localizada na ilha de Codajás, e era conhecida como Aldeia da Louça, por nela serem fabricadas cerâmicas policrômicas de grande qualidade. Para rituais e festividades, seus habitantes construíam grandes ídolos de fibras vegetais trançadas. Também eram bons navegantes, comercializando com outras tribos. No século XVII seria conhecida como Província de Yoriman, Solimões ou Yurimágua.

PROVÍNCIA DE YORIMAN, SOLIMÕES OU YURIMÁGUA

Com extensão semelhante à Província de Oníguayal, a Província de Yoriman estava localizada na margem direita do rio Amazonas (rio Solimões), com uma extensão territorial de 250 quilômetros. As comunidades eram bastante povoadas, com seus habitantes, os Solimões, vivendo em casas comunais, que abrigavam quatro ou cinco famílias. Seus habitantes comercializavam intertribalmente e com outros povos, negociando manufaturas e escravos. De acordo com o padre Cristóbal de Acuña, os Solimões eram bastante belicosos, fazendo frente às esquadras portuguesas que tentavam penetrar na região.


PROVÍNCIA DE PAGUANA

O território da Província de Paguana estava localizado acima da boca do rio Purus e se estendia 100 quilômetros acima do encontro das águas do rio Negro e do rio Solimões. Essa Província era dividida em dois grandes e populosos povoados: A Aldeia dos Bobos, com duas léguas de extensão e vários caminhos para o interior; e a Aldeia dos Viciosos.  No século XVII, a região de Paguana era habitada por diferentes tribos, das quais destacam-se os Caripunas e Zurinas, na margem direita do Encontro das Águas; e os Carabuyunas, na margem esquerda, estendendo-se pelos lagos de Manacapuru e pelo baixo Rio Negro. Com exceção dessas referências, as informações sobre Paguana são escassas.


PROVÍNCIA DO ENCONTRO DAS ÁGUAS E ILHA DE TUPINAMBARANA

Entre os rios Negro e Urubu, existiu um grande número de aldeias fortificadas com paliçadas de toras grossas e, em um povoado na margem esquerda entre esses dois rios, existia um altar para celebrações religiosa, onde eram ofertadas bebidas fermentadas para uma divindade solar. Passando a boca do rio Madeira, existiu a Província de Picotas, onde seus habitantes fincavam estacas com as cabeças dos que matavam nas guerras. No século XVII, da barra do Rio Negro até o rio Urubu, viviam os Tarumãs. A Ilha de Tupinambarana era habitada pelos Tupinambás que vieram da costa leste do Brasil.

PROVÍNCIA DOS TAPAJÓS

A Província dos Tapajós compreendia o trecho do rio Amazonas que vai da boca do rio Nhamundá até o baixo curso do rio Tapajós. De acordo com frei Gaspar de Carvajal, na região no século XVI, as duas margens do rio Amazonas eram ocupadas por aldeias, estando as maiores na margem direita. O padre Cristóbal de Acuña, no século XVII, constatou a existência de 2500 pessoas em apenas uma aldeia, o que nos permite ter uma noção da grandiosidade da Província como um todo. Os Tapajós eram bastante conhecidos e temidos pelas tribos vizinhas, pois utilizavam flechas envenenadas nas guerras. De acordo com Maurício de Heriarte, na região em 1662, os Tapajós estavam organizados em povoados que possuíam entre 20 e 30 casas. Cada povoado era governado por um 'principal', e a Província como um todo pelo 'Principal grande'. Foi nessa Província que aconteceu o combate entre os soldados Francisco de Orellana e as Amazonas, registrado por Gaspar de Carvajal.

PROVÍNCIA DOS NEGROS

A Província dos Negros se estendia da região de Monte Alegre até o rio Xingu. Os homens dessa região, de acordo com Carvajal, eram altos, tosquiados e tinha a pele pintada de negro. O chefe dessas terras se chamava Arripuna. Até os limites na foz do Amazonas, foram registradas várias povoações indígenas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SANTOS, Francisco Jorge dos. História do Amazonas. 1° Ed. Rio de Janeiro: MEMVAVMEM, 2010.

FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. História do Amazonas. Manaus: Editora Valer, 2011.



CRÉDITO DA IMAGEM:

Alexandre Rodrigues Ferreira. Viagem Filosófica. In: SANTOS, Francisco Jorge dos. História do Amazonas. 1° Ed. Rio de Janeiro: MEMVAVMEM, 2010.