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domingo, 3 de junho de 2018

Sociologia da Arte, de Gilberto Freyre (1964)

Grupo escultórico da tumba de Santo Inácio de Loyola, em Roma.

O texto a seguir foi originalmente publicado na revista O Cruzeiro em 1964 pelo sociólogo e ensaísta Gilberto Freyre (1900-1987). Nele o autor analisa as representações da arte sacra na África e no Oriente, as formas como as figuras (Santos, Cristos, Nossas Senhoras) são produzidas nessas duas regiões, influenciadas pela cultura local que lhes confere novas formas e significados.


SOCIOLOGIA DA ARTE

Interessante será o estudo do nôvo tratamento artístico que a rêde, levada pelo português do Brasil para a África, recebeu de mãos africanas, como interessante é observar-se como certas formas cristãs de arte, ligadas aos símbolos máximos do Catolicismo, receberam, ou vêm recebendo, no Oriente e na África, um tratamento artístico através do qual se nota a tendência para essas formas se harmonizarem com artes tradicionalmente ligadas à vida, à cultura, à ecologia orientais e africanas. Viajando pelo Oriente e pela África, minha atenção fixou-se em vários desses casos de transculturação.

No Convento de São Francisco de Assis, de Goa, quando lá estive em 1959, mostrou-me o Cônego Costa, no museu lapidário, um conjunto de esculturas cuja base é uma figura nua de feitio oriental, sôbre a qual se apóia a Família Sagrada vestida. Vi um altar indonésio no qual só o símbolo da cruz é, como arte simbólica, adventício: tudo o mais é arte oriental antiga, adaptada a uma nova função. O mesmo é certo de alguns dos paramentos de culto católico, bordados a ouro, que vi na basílica da chamada Velha Goa, com arabescos orientais decorando símbolos católicos.

O que, entretanto, me impressionou particularmente foi o gôsto, da parte de artistas africanos e orientais, em tratarem o Cristo crucificado como um Deus ostensivamente nu ou de tanga, identificado mais com êles, homens, em sua maioria, nus ou de tanga do que com os europeus ou ocidentais, tantas vêzes opressores de nativos ou de gente de côr. O que se nota também num Cristo do Amazonas, admiràvelmente ecológico, que figurou na exposição de Arte Sacra de Lisboa, em 1951.

O mesmo se nota numa Nossa Senhora esculpida em Timor, que vi na mesma exposição: nua da cintura para cima, com o Menino Jesus nu nos braços. Vêem-se no Oriente numerosos santos católicos, de marfim, esculpidos por artistas orientais, em trajos orientais; e até Nossas Senhoras, como a indo-portuguêsa do século XVII, pertencente ao Conde de Nova Goa, surgem-nos em trajos orientais e com o aspecto de mulheres do Oriente.

Diante dessa tendência, saudàvelmente Cristã, da parte de artistas orientais e africanos para com imagens ou símbolos de um sagrado que do plano etnocêntrico, deve ser elevado o mais possível ao cristocêntrico, é de estranhar que no Brasil, país de população em grande parte, se não mestiça, morena, artistas como certos discípulos de Mestre Cândido Portinari insistam em só pintar Cristos, Nossas Senhoras e anjos louros, ruivos, alvos, nórdicos, caucásicos. Temos, é certo, os nossos louros - tantos dêles brasileiríssimos. Êles têm direito a aparecer na nossa arte, as louras a vencer concursos de beleza, os louros a figurar entre os brasileiros mais elegantes. Nada, porém, de, na arte sacra, desprezarmos os morenos, os pardos, os prêtos, para nos fecharmos numa representação exclusivamente arianista do sagrado, como se o próprio Deus dos cristãos devesse ser sempre um Senhor alvo e louro e não um Deus ao mesmo tempo branco e prêto, alvo e moreno, louro e amarelo.

FREYRE, Gilberto. Sociologia da Arte. In: Revista O Cruzeiro, 31 de outubro de 1964, p. 95.


CRÉDITO DA IMAGEM:

http://goodjesuitbadjesuit.blogspot.com


domingo, 2 de novembro de 2014

Pelourinho: a origem da palavra

Vista do Rossio, atual Praça Tiradentes no Rio de Janeiro, com o pelourinho. Pintura de Jean-Baptiste Debret, 1834.

Um leitor me perguntou qual a origem da palavra Pelourinho. Para responder essa pergunta, reproduzo aqui um pequeno texto de Sérgio Rodrigues, da coluna Sobre Palavras, da Revista Veja.

Antes de ser nome próprio, pelourinho era um substantivo comum com o sentido de “coluna de pedra ou de madeira, colocada em praça ou lugar central e público, onde eram exibidos e castigados os criminosos” (Houaiss). A palavra – assim como a coisa que designa – existe em português desde 1550, vinda provavelmente do francês pilori, um vocábulo do século 12 oriundo do latim.

Criminosos? Mas não era no pelourinho que se castigavam os escravos, como se vê na famosa ilustração do francês Jean-Baptiste Debret aí em cima? Bem, o pelourinho foi usado por séculos para humilhar e castigar condenados em geral, mas na história do Brasil acabou ligado de forma indissolúvel ao castigo de escravos.
A etimologia da palavra [...] tem alguns aspectos nebulosos: nem todos os estudiosos estão de acordo sobre os passos – e sua cronologia – da transição que levou do latim ao francês pilori, matriz de nosso pelourinho, inicialmente grafado pelovrinho.
No entanto, parece razoavelmente seguro afirmar, concordando com a maioria dos filólogos, quepilori – de sentido idêntico ao que geraria em português – derivou do latim medieval pillorium, ligado por sua vez ao substantivo pila, termo do latim clássico que veio a dar em nosso pilar, “coluna”.

Sérgio Rodrigues. Do pilar ao pelourinho. Coluna Sobre Palavras. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/consultorio/do-pilar-ao-pelourinho/ acesso em outubro de 2014.


CRÉDITO DA IMAGEM: wikimedia.commons.com

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Um olhar sobre o século 21



1997, ano do meu nascimento e final do século 20. Com quatro anos, assisti pela televisão, um dos atentados mais marcantes da História: em 11 de setembro de 2001, dois aviões foram lançados por terroristas islâmicos nas duas torres do World Trade Center; um terceiro avião no Pentágono; e um quarto no Estado da Pensilvânia. Morreram cerca de 2977 pessoas, entre funcionários do WTC, passageiros dos aviões sequestrados, funcionários do Pentágono e bombeiros que socorriam as vítimas. A Guerra Santa (Jihad) promovida por radicais islâmicos; o preconceito religioso e étnico contra os árabes, gerado pelo trauma da sociedade americana; e a Guerra ao Terror, investida militar americana contra o terrorismo, marcada pela invasão do Iraque e Afeganistão. Ao meu ver, assim começava o século 21, de forma conturbada e marcado pela guerra.

A primeira resposta dos Estados Unidos ao atentado de 2001 foi a Guerra do Afeganistão, na qual forças americanas, apoiadas pela Força Islâmica Unida e países como a França e Reino Unido, visavam a captura do terrorista Osama bin Laden e outros membros da Al Qaeda e por um fim no regime Talibã. Em 2011 bin Laden foi capturado e morto. Os Estados Unidos, no entanto, tiveram grandes baixas e altos gastos.

Em 2002, os Estados Unidos, sob o comando do presidente George W. Bush, acusavam o Iraque de possuir um poderoso arsenal de armas de destruição em massa. Não só o Iraque, mas também o Irã e a Coréia do Norte, que, nas palavras do presidente, formavam o "Eixo do Mal". Os Estados Unidos estavam planejando invadir o país caso a ONU não tomasse medidas drásticas. A Organização investigou o Iraque, mas não foram encontradas provas a favor da acusação americana. Contrariando a ONU, Os Estados Unidos, com o apoio da Grã-Bretanha, invadiu o Iraque em 2003 e, no mesmo ano, conquistou a capital Bagdá. Mais tarde, ONU legitimou a presença anglo-americana no território. O ditador Saddam Hussein foi capturado em 2003 e condenado por cometer crimes de guerra. Foi enforcado em 2006. Terminada a guerra, com um saldo de 100 mil civis mortos, as forças anglo-americanas não conseguiram provar a presença de armas de destruição em massa no Iraque.

Sabe-se que, além de justificativas militares e investidas contra o terrorismo, os Estados Unidos tinham interesses econômicos, pois o Iraque é rico em reservas de petróleo. O brasileiro Sérgio Vieira de Mello, funcionário da ONU e Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Unidos - e outros 14 funcionários da organização, foram mortos em um atentado em Bagdá, atribuído à Al Qaeda.

A economia mundial também mostrou que era propensa à grandes crises como a que se iniciou em 2008. Depois dos atentados de 11 de setembro, os Estados Unidos passaram a investir maciçamente em material bélico e também estavam importando mais do que exportavam. Com a economia fragilizada e recebendo ajuda financeira do exterior, o governo americano reduziu os juros numa tentativa de incentivar o consumo. Milhões de americanos, alguns considerados de risco (nome sujo), financiaram a compra de imóveis. A situação econômica foi piorando, a inflação aumentou, e os juros tiveram que ser aumentados pelo governo. Os financiamentos, muitas vezes, tinham juros variáveis, fazendo com que pessoas que financiaram com juro baixo tivessem que pagar um juro mais alto.

As pessoas que fizeram os empréstimos ficaram sem condições de pagá-los, o que gerou um efeito dominó: sem o pagamento dos empréstimos, as casas financiadoras ficaram sem dinheiro para pagar os bancos. Em pouco tempo, a Bolsa de Valores foi atingida. Igual a Crise de 1929, os países que mantinham relações econômicas com os Estados Unidos também tiveram suas economias atingidas. Aumento de juros bancários e queda de bolsas se tornaram frequentes na vida desses países.

Neste século, a internet, o celular, computadores multi-uso, DVDs e produtos de última geração estão cada vez mais presentes em nosso cotidiano. Além desses avanços, a descoberta de novos planetas, a maioria deles em condições de abrigar vida;  o Projeto Genoma, criado para desvendar o código genético dos organismos; e melhorias na Medicina e em tratamentos, são avanços técnicos que permitem o intercâmbio de conhecimentos e o aumento da expectativa de vida.

Uma Primavera jamais vista atingiu o Norte da África e o Oriente Médio. Era a Primavera Árabe, uma onda de revoluções e protestos contra governos corruptos e autoritários e a favor de melhores condições de vida. Os primeiros protestos começaram na Tunísia em 2010, e terminaram vitoriosos em 2011, com a deposição do ditador Abidine Ben Ali, que estava no poder desde 1987. A vitória tunisiana influenciou a Líbia, o Egito, a Argélia, a Síria, o Barhein, o Marrocos, o Iêmen, a Jordânia e Omã. Além do governo da Tunísia, também foram derrubados os da Líbia, Egito e Iêmen.

O Brasil ficou marcado pelos Protestos de Junho de 2013. A redes sociais se mostraram poderosos mecanismos de mobilização popular. Mais de 430 cidades, capitais ou interioranas, estiveram envolvidas nesse evento. As causas que motivaram as manifestações foram várias: aumento da tarifa do transporte público; PEC 137, projeto de lei que, se fosse oficializado, tiraria do Ministério Público o poder de investigar crimes; Repressão policial; e gastos vultosos em obras e eventos esportivos. Em meio aos manifestantes que queriam mudanças na "ordem" vigente, existiam pessoas que agiam de forma violenta, depredando o patrimônio público, agredindo pessoas e envolvendo na causa o partidarismo político. Terminados os protestos em julho de 2013, algumas medidas foram tomadas pelos governantes: redução da tarifa do transporte público; Aprovaram o projeto de lei que tornava a corrupção um crime hediondo; e arquivaram a PEC 137.

Século 21. Em um curto espaço de tempo já presenciamos momentos que entraram para a História. Avanços tecnológicos, guerras, invasões de territórios, embates entre Esquerda e Direita, enfraquecimento das religiões dominantes e ascensão de outras, manifestações no Brasil e disputas por territórios. Todos esses eventos em menos de duas décadas. Até 2100, nos surpreenderemos com nossos próprios atos, tanto para o bem quanto para o mal.



CRÉDITO DA IMAGEM: http://blogdelapraca.files.wordpress.com/