quinta-feira, 6 de maio de 2021

A antiga Travessa dos Inocentes, em Manaus

Rua Visconde de Mauá. FOTO: Ana Graziela Maia. FONTE: G1 Amazonas, 2012.

No período Colonial brasileiro os enterros seguiam uma hierarquia. Enquanto os administradores públicos, membros do Clero e da elite eram enterrados no interior das Igrejas, próximos do altar, em seus átrios e em catacumbas, os escravos, criminosos, não-cristãos, suicidas, pagãos e pessoas humildes eram sepultados em terrenos improvisados, em valas comuns ou atirados nas estradas ou no mar, estes últimos casos sendo frequentes com os escravizados. Poderiam ocorrer exceções caso a pessoa, escrava ou livre de baixa renda, fizesse parte de alguma Irmandade Católica que possuísse capela própria ou um lugar reservado em Igreja Matriz para realizar os enterros de seus membros (BRAVO, 2014).

A rua Visconde de Mauá, localizada no Centro Histórico de Manaus, no antigo bairro de São Vicente, era conhecida, entre o final do século XIX e início do século XX, como rua Demétrio Ribeiro em homenagem a Demétrio Nunes Ribeiro (1853-1931), jornalista, engenheiro, político e Primeiro Ministro da Agricultura entre 1889 e 1890 (MONTEIRO, p. 203-204). Em um passado ainda mais remoto, nos tempos da Capitania de São José do Rio Negro, quando a cidade era o simples Lugar da Barra, era conhecida como Travessa dos Inocentes. Quem nos explica essa nomenclatura é o médico e historiador Antonio José Souto Loureiro no livro Histórias Esquecidas, publicado em 2018:

"[...] a antiga Rua Demétrio Ribeiro, hoje Visconde de Mauá, que passava nos fundos da Matriz Velha de Manaus, recebeu o nome de Travessa dos Inocentes, na época colonial, pois ela correspondia ao dito cemitério dos pequeninos pagãos, que haviam deixado chorosas mães, tristes pelas suas prematuras partidas, sem o lenitivo do batismo" (LOUREIRO, 2018, p. 29).

Loureiro registra, ainda, que "Dizem que quem por ali anda às horas mortas, nas noites de chuvas e ventos, sem luar, ainda ouve o choramingar dos pequeninos, pedindo um abrigo, na velha igreja, hoje desaparecida após um incêndio, ou o soluçar de suas mães a procura do curumim perdido (LOUREIRO, 1998, p. 29-30).

O historiador Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004), em seu Roteiro Histórico de Manaus (1998), questiona se o nome seria em homenagem ao Frei José dos Santos Inocentes, que morava ao lado da antiga Igreja de Nossa Senhora da Conceição, incendiada em 02 de julho de 1850, ou por causa do cemitério (MONTEIRO, 1998, p. 348).

Possivelmente a Travessa dos Inocentes homenageava, de fato, os pequenos pagãos, e não o Frei José dos Santos Inocentes, pois naquela região ficava um dos primitivos locais de enterro do Lugar da Barra, com os brancos, explica Agnello Bittencourt, enterrando seus mortos ao redor da antiga Igreja de Nossa Senhora da Conceição e os indígenas os seus na área que ia da Fortaleza à rua de São Vicente, hoje Bernardo Ramos (BITTENCOURT, 1969, p. 32-33).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


BRAVO, Milra Nascimento. A morte hierarquizada: os espaços dos mortos no Rio de Janeiro Colonial (1720-1808). Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, n. 8, 2014, p. 307-329.

BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus - Pródromos e Sequências. Manaus: Editora Sérgio Cardoso, 1969.

LOUREIRO, Antonio José Souto. A Travessa dos Inocentes. In: Histórias Esquecidas. Manaus: GRAFISA, 2018, p. 29-30.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. vol. I e II. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1998.


terça-feira, 4 de maio de 2021

Lançamento: 'Práticas e Experiências de Ensino de História na Amazônia', de Eduardo Gomes da Silva Filho e Marcos Paulo Mendes Araújo


Será lançado, no dia 07 de maio (sexta-feira), o livro 'Práticas e Experiências de Ensino de História na Amazônia', organizado pelos professores Eduardo Gomes da Silva Filho e Marcos Paulo Mendes Araújo.

Nesse trabalho, que reúne artigos de professores das redes públicas de ensino dos Estados do Amazonas e Roraima, os organizadores buscaram, através de diferentes perspectivas, mostrar como os professores de História podem ajudar os discentes a desenvolver reflexões críticas sobre a sociedade, dialogando com diferentes perspectivas.

"E como os professores de história podem ajudar no sentido de formar pessoas que possam reunir esses aspectos?" Questiona o Professor Marcos Paulo Mendes Araújo. Ele afirma que "é importante que os discentes aprendam a valorizar a diversidade de ideias e diferentes pontos de vista. Aparecerão dificuldades? Sem dúvida! É comum que surjam resistências às mudanças, desvalorização da memória, manutenção de preconceitos, entre outras coisas. Mas isso pode ser superado? Acreditamos que sim! Principalmente com o uso de ações criativas".

segunda-feira, 29 de março de 2021

Podcast ep. 02 - Os cinemas da Manaus antiga


Vocês sabiam que o primeiro cinema de Manaus a ter ar condicionado foi o antigo Cine Odeon, na década de 1950? E que o filme 'O Exorcista', de 1973, só foi exibido na cidade em 1977? Confiram essas e outras curiosidades no segundo episódio do Podcast do Blog História Inteligente, que contou com a participação do pesquisador Ed Lincon Barros Silva, especialista na História dos cinemas de Manaus.

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sexta-feira, 26 de março de 2021

Podcast ep. 01 - O Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA)


O tema desse primeiro episódio é uma das instituições culturais mais antigas do Amazonas, o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), fundado em 25 de março de 1917. Para me ajudar nessa tarefa, contei com a participação do Professor, Historiador, Escritor e membro Aguinaldo Nascimento Figueiredo. 

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quarta-feira, 24 de março de 2021

Em meio a crise, a renovação: a fundação do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA)

Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), 2013. FOTO: Roberto Mendonça.

Amazonas, 1917. O Estado, desde 1912, vinha enfrentando uma de suas piores crises econômicas, ocasionada pela perda do monopólio da borracha. Periodicamente a Associação Comercial do Amazonas (ACA) anunciava a desvalorização do produto regional frente a gigantesca e barata produção asiática. Foi em meio a esse cenário caótico que surgiu em Manaus, no dia 25 de março de 1917, o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Era uma ideia antiga que ganhou forma física naquele ano após algumas reuniões.

Essa, que é uma das instituições culturais mais antigas do Amazonas, criada depois da Universidade Livre de Manáos (1909) e antes da Academia Amazonas de Letras (1918), foi fruto da iniciativa de três renomados intelectuais interessados na produção científica e na preservação de documentos históricos e do patrimônio arqueológico da região: o arqueólogo e numismata Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (1858-1931); o geógrafo e historiador Agnello Bittencourt (1876-1975); e o médico, advogado e jornalista Vivaldo Palma Lima (1877-1949). Bernardo Ramos foi seu primeiro Presidente e Agnello Bittencourt e Vivaldo Lima, respectivamente, 1° e 2° Secretários.

A fundação ocorreu no Conselho Municipal de Manaus, sendo a instalação solene realizada em 18 de maio daquele ano. Seus estatutos foram aprovados através do Decreto N° 1.190, de 11 de abril de 1917 e, no dia 18, novo decreto, de N° 1.191, garantiu à organização uma sede própria, concedida pelo Governo do Estado, administrado pelo Dr. Pedro de Alcântara Bacellar, localizada nos prédios n° 19 e 21, entre as ruas de São Vicente – que posteriormente viria a ser conhecida como Rua Bernardo Ramos – e Frei José dos Inocentes. Mesmo em meio às dificuldades financeiras, Bacellar, médico e homem culto, sensibilizado com a determinação do grupo, conseguiu dar o suporte necessário para que o instituto desse seus primeiros passos. Em 10 de julho de 1918, o Governador registrou que "Esta respeitavel Associação scientifica, creada sob os auspicios do Governo do Estado, está definitivamente installada á rua de São Vicente, d'esta cidade, em proprio estadoal" (MENSAGEM DO GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS, 10/07/1918, p. 88).


Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA) em 1948, ano do Centenário de Elevação da Vila da Barra à Categoria de Cidade. FONTE: Revista do IGHA, Ano VII, Vol. VII, 1948, p. 07. (Biblioteca Mário Ypiranga/CCPA).

Os membros fundadores, sem condições de reformar o prédio concedido, que estava em ruínas, solicitaram ao Governador que fossem feitas reformas e adaptações. Feitos os reparos e mudanças necessárias, recebeu, após proposta dos deputados Adriano Jorge, Jonathas Pedrosa Filho e Coronel Raymundo Neves, a Coleção de Numismática do Amazonas, comprada de Bernardo Ramos pelo Governo do Estado em 1899. Foi, de proposta do Governador Bacellar, que fosse concedido um auxílio financeiro anual para o custeio de pesquisas, manutenção do prédio e publicação de trabalhos (MENSAGEM DO GOVERNO DO ESTADO DO AMAZONAS, 10/08/1918, p. 89). O primeiro número da Revista do IGHA (RIGHA) foi publicado em junho de 1917.

Além de Bernardo Ramos, Agnello Bittencourt e Vivaldo Lima, o instituto contava com outros membros de peso, como o jornalista João Batista de Faria e Souza, exímio pesquisador de nossa História; o médico e escritor Adriano Jorge; o médico e ex-Prefeito da cidade, Jorge de Moraes; o Professor Paulo Eleuthério; o Professor Plácido Serrano Pinto de Andrade; o Comendador Cláudio Mesquita e outros nomes com larga produção intelectual. Parte deles, mais tarde, além da Casa de Bernardo Ramos, passou a fazer parte da Academia Amazonense de Letras. O IGHA, assim como os demais institutos, tinha como molde o IHGB, fundado em 1838 no Rio de Janeiro. Era uma academia ilustrada formada por membros que faziam parte das elites política e intelectual do Amazonas. Ao todo, estima-se em 98 o número de membros fundadores (REVISTA DO IGHA, jan. fev. mar. de 2015).

Quadro de Dom Pedro II. FOTO: Fábio Augusto, 2019.

Ainda em 1917, no mês de julho, novo projeto cedeu ao instituto um belíssimo quadro do Imperador Dom Pedro II localizado na sala de sessões do Conselho Municipal de Manaus. A obra foi alocada no Salão Nobre do IGHA, que recebeu o nome do monarca do antigo Império Brasileiro. O ano de 1917 se encerraria com a visita do renomado historiador paranaense José Francisco da Rocha Pombo (1857-1933), membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, “pai” dos institutos brasileiros. Rocha Pombo chegou em Manaus em 6 de novembro. Estava em viagem pelos Estados brasileiros com o objetivo de fazer pesquisas nos arquivos das capitais, preparando-se para a produção de um livro sobre a História do Brasil que seria publicado em 1922, ano do centenário da Independência. Os membros do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas realizaram, em 12 de novembro, na Assembleia Legislativa do Estado, uma sessão solene em sua homenagem. O historiador ficou na cidade até o dia 15 de novembro, quando partiu para o Sul do país, levando consigo uma ótima impressão do órgão congênere amazonense e de seus membros.

Tempos difíceis, sem dúvidas, foram aqueles do final da década de 1910, marcados por endividamentos, fugas de capitais e empobrecimento. Foram esses tempos difíceis, no entanto, que moldaram na intelectualidade amazonense da época, guiada desde priscas eras por um sentimento de defesa dos interesses regionais, o desejo de erguer uma casa de cultura que congregasse conhecimentos geográficos, históricos e de áreas afins, garantindo a preservação, a pesquisa e a divulgação das grandezas do Amazonas, casa essa que, passados 104 anos, continua firme na defesa de seus ideais.


FONTES:


Mensagem lida perante a Assembléa Legislativa na abertura da Segunda Sessão Ordinaria da Nona Legislatura pelo Exm. Sr. Dr. Pedro de Alcantara Bacellar, Governador do Estado, a 10 de julho de 1918.

Revista do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), jan. fev. mar. de 2015.

sábado, 13 de março de 2021

Manaus na década de 1920

Nesse vídeo, através de fotografias, são apresentados diferentes lugares da cidade de Manaus na década de 1920. São registros de prédios públicos e particulares, praças, bairros, ruas, locais de lazer e personagens da capital amazonense durante a crise econômica da borracha.

Trilha sonora:

Charleston - Royalty Free Music (Disponível em Ghoulish Grin Films).



domingo, 28 de fevereiro de 2021

Zona Franca de Manaus: 54 anos no coração da Amazônia

Vista aérea do Distrito Industrial de Manaus na década de 1970. FONTE: Instituto Durango Duarte.

Terminado o ‘boom’ da economia gomífera (1890-1920), o Amazonas se viu mergulhado em uma crise sem precedentes. A borracha asiática dominava o mercado mundial desde 1913. Em 1920 a produção de borracha brasileira foi de 30.790 toneladas, enquanto a asiática foi de 304.816 toneladas (LOUREIRO, Antonio José Souto. A Grande Crise. 2° Ed. Manaus: Valer, 2008, p. 23). O cenário era desolador, mas uma breve recuperação veio com a Segunda Guerra Mundial. Entre 1942 e 1945 o Amazonas se viu inserido nesse conflito. Em 1941 o Japão atacou bases Aliadas americanas e britânicas no Pacífico, dominando logo depois as colônias asiáticas produtoras de borracha. Sem acesso a essa matéria-prima, útil à indústria bélica e manufatureira, os Aliados voltaram suas atenções para o Amazonas. Em 1942, navios brasileiros foram torpedeados pelos alemães, o que fez o país declarar guerra ao Eixo.

O Estado, através de acordos firmados entre o Brasil e os Aliados, entrou no conflito como fornecedor de borracha. Mais uma vez ocorreria um surto de imigração nordestina para a Amazônia. Através dos “Acordos de Washington”, ficou estabelecido que os Estados Unidos investiriam no financiamento da produção de borracha na Amazônia, enquanto que o governo brasileiro se encarregaria de recrutar o maior contingente possível de trabalhadores. Estima-se que, entre 1942 e 1945, o governo conseguiu enviar do Nordeste, que passava por uma terrível seca, cerca de 60.000 retirantes para a região Norte.

O governo norte-americano ficou de pagar 100$ por trabalhador instalado nos seringais. Manaus se tornou uma das subsedes da Rubber Development Company, órgão criado para administrar os serviços no Estado. A exportação da borracha, a circulação monetária, a construção de um aeroporto, os investimentos na capital e a especulação imobiliária criaram um momento de recuperação e alimentaram a esperança de dirigentes e empresários locais. Esse pequeno surto de desenvolvimento teve seu fim paralelo ao término da Guerra. O antigo mercado asiático estava novamente aberto, novas técnicas aperfeiçoaram o uso da borracha sintética. Já não existia mais a necessidade da borracha amazônica. O conflito acabara e, com ele, o Amazonas caiu novamente no esquecimento.


Deputado Federal Francisco Pereira da Silva (1890-1973). FONTE: Blog 'Antonio Miranda'.

Francisco Pereira da Silva (1890-1973), Deputado Federal pelo Amazonas (1946-1963), buscando soluções para a crise econômica a tempos se abatia sobre o Estado, apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 1.310, de 23 de outubro de 1951, propondo a criação de um porto-franco na capital amazonense nos moldes dos existentes no México e no Panamá. Esse projeto, após ser emendado pelo Deputado Federal Maurício Joppert da Silva (1890-1985), relator da matéria na Câmara, foi convertido, quase seis anos mais tarde, em Lei n° 3.173, de 06 de junho de 1957, criando um porto livre destinado ao armazenamento, beneficiamento e retirada de produtos vindos do exterior. Nesse mesmo ano, estampou a primeira página da edição do dia 31 de julho do Jornal do Commercio de Manaus a matéria "Zona Franca em Manaus na ordem do dia", que discorria sobre as expectativas que a medida gerava nos empresariados local, nacional e internacional, interessados nas importações e exportações (Jornal do Commercio, 31/07/1957, p. 01). Apesar da movimentação que já estava causando, a Zona Franca seguiu sem regulamentação pelo Governo Federal.

Foi somente no Regime Militar (1964-1985), período em que uma nova política de integração nacional foi pensada para a região, que a Zona Franca de Manaus foi regulada e implementada. No Governo do Presidente Humberto de Alencar Castello Branco, o Decreto-Lei n° 288, de 28 de fevereiro de 1967, alterou as disposições da Lei n° 3173 de 6 de junho de 1957 e regulou a Zona Franca de Manaus. O primeiro artigo desse Decreto-Lei define bem o modelo econômico a entrar em vigor: “Art 1º A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatôres locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos” (Decreto-Lei n° 288, de 28 de fevereiro de 1967). Para administrá-la foi criada a SUFRAMA (Superintendência da Zona Franca de Manaus). No dia 01 de março daquele ano era publicada na primeira página do Jornal do Commercio de Manaus a matéria "Nova fase para o Amazonas. Manaus dentro da Zona Franca", em que o autor afirmava que "A transformação da cidade de Manaus em Zona Franca provocou justificado entusiasmo nos circulos administrativos, industriais, comerciais e, enfim, em todos os setores das mais diversas atividades, sendo saudada com a maior euforia" (Jornal do Commercio, 01/03/1967, p. 01).


Loja de artigos importados no Centro de Manaus. Foto de 1968. FONTE: Revista O Cruzeiro, 18/05/1968, p. 04.

Era chegada a hora do Amazonas se reerguer. Apenas em seu primeiro ano de existência, a Zona Franca fez surgir 1.339 novos estabelecimentos comerciais. Eram empresas dos ramos de eletrodomésticos, alimentos, tecidos e hotelaria. Sua primeira indústria foi a IPLAM – Indústria de Pasteurização de Leite do Amazonas. O projeto para a construção de sua usina, na Avenida Constantino Nery, foi aprovado pela SUFRAMA entre 1967 e 1968, pois enquadrava-se no plano de desenvolvimento do Amazonas mediante incentivos fiscais. Ela era especializada na pasteurização de leite e produção de seus derivados.

No Centro de Manaus, antigos prédios do tempo da borracha eram adaptados ou demolidos para dar lugar a novos empreendimentos. Estrangeiros de diferentes partes do mundo e brasileiros de outros Estados vinham em busca dos artigos regionais e internacionais. Faziam sucesso as calças Lee, His, Lewis, as televisões, as câmeras fotográficas, os brinquedos chineses e japoneses e as vitrolas portáteis. Cada turista tinha direito a trazer 100 dólares em artigos e mais 25 dólares em produtos comestíveis (CORRÊA, Luiz de Miranda. Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro. Manaus: Artenova, 1969, p. 100-101). Em 1960 a população de Manaus era estimada em 175.343 habitantes. Em 1970, com a criação de novas vagas de emprego, esse número saltou para 314.197 (IBGE, censos de 1960 e 1970). A cidade se expandiu. Surgiram novos bairros, em sua maioria frutos de invasões inopinadas.

O Distrito Industrial de Manaus, localizado entre as zonas Sul e Leste da cidade, teve a sua pedra fundamental lançada no dia 30 de setembro de 1968. Foi planejado pelos arquitetos Luís Carlos Antony e Fernando Pereira da Cunha, da ‘Antony & Pereira da Cunha – Arquitetos Associados Ltda’. Junto ao marco foi fixada uma faixa com a frase ‘Distrito Industrial: marco da redenção da Amazônia Ocidental”. A tradicional revista Manchete, do Rio de Janeiro, assim descreveu a paisagem das obras: “Tratores abrem caminho na selva, derrubando árvores e deixando o sulco de futuras estradas. Pesados caminhões transportam homens e máquinas. Vista do alto, a bordo de um avião de carreira que chega a Manaus, a área mostra a presença definitiva do homem da cidade até a margem do Rio Negro, numa grande faixa de terra onde a mata deixou de existir e o progresso já chegou” (Manchete, 30/11/1968, p. 110). Em 1972 o Distrito Industrial recebeu sua primeira indústria, a CIA – Companhia Industrial Amazonense. Ocupando uma área de 45.416 m², produzia boa parte do estanho e das ligas metálicas consumidas no Brasil.

O artigo 42 do Decreto-Lei n° 288 determinou que as isenções da Zona Franca vigorariam por 30 anos, indo até 1997, podendo ser prorrogadas por decreto do Poder Executivo. A primeira prorrogação ocorreu em 1986, por 10 anos, vigorando até 1997. Em seguida, em 1988, a Zona Franca foi prorrogada por mais 25 anos, até 2013. Em 2003 ocorre nova prorrogação, de mais 10 anos, garantindo os incentivos até 2023. A última foi decretada em 2014, por mais 50 anos, até 2073 (COSTA, José Alberto Machado da; PONTES, Rosa Oliveira de. Zona Franca de Manaus (ZFM): circunstâncias históricas, cenário contemporâneo e agenda de aperfeiçoamento, p. 227 In: SILVA, Osíris M. A. da. HOMMA, Alfredo Kingo Oyama. Pan-Amazônia: Visão histórica, perspectivas de integração e crescimento. Manaus, 2016, p. 221-267).

Entre 1975 e 1976, o Governo Federal implementou na Zona Franca o Índice Mínimo de Nacionalização. As empresas sediadas na Zona Franca estavam autorizadas a importar apenas peças, componentes e matérias-primas que não eram produzidas no mercado interno, sendo o restante adquirido localmente. Também foi imposto um limite anual de importação. A liberdade de importação foi restringida, mas o mercado interno foi estimulado. No Governo do Presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992) o mercado brasileiro foi aberto às importações, cujas tarifas eram extremamente baixas. A Zona Franca, desde 1975 vinha nacionalizando sua produção, se viu diante de uma concorrência desigual, pois os produtos nacionais, dadas as tarifas e carências tecnológicas, passaram a ser menos visados que os importados. A diminuição da competitividade foi superada no final da década de 1990 e início dos anos 2000 com medidas como a redução de 88% do Imposto de Importação, a implantação de normas técnicas de qualidade, automação das fábricas, reestruturação fabril, criação do Centro de Ciência, Tecnologia e Inovação do Polo Industrial de Manaus e do Centro de Biotecnologia da Amazônia.

Atualmente existem 600 empresas instaladas no Polo Industrial de Manaus, que geram mais de meio milhão de empregos diretos e indiretos. Esse modelo econômico, que completa 54 anos, segue sendo o sustentáculo não só do Amazonas, mas da região Norte como um todo, seja no comércio, na indústria ou na agropecuária.