segunda-feira, 25 de março de 2019

Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA)

Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). FOTO: A Crítica, 2018.

Neste dia 25 de março o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), localizado entre as ruas Bernardo Ramos e Frei José dos Inocentes, no antigo bairro de São Vicente, Centro Antigo de Manaus, completou 102 anos de fundação. Por várias décadas o IGHA foi o polo irradiador da produção dos conhecimentos geográfico e histórico na região, sendo uma instituição cuja trajetória não deve ser esquecida. No presente texto não pretendo abordar toda a sua história, pois seria uma tarefa hercúlea, mas apenas fazer algumas incursões por seus primeiros anos de atividades.

O Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), popularmente conhecido como Casa de Bernardo Ramos, foi fundado por Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (Presidente), Agnello Bittencourt (1° Secretário) e Vivaldo Palma Lima (2° Secretário) no Conselho Municipal de Manaus em 25 de março de 1917, sendo, depois da Universidade Livre de Manáos (1909) e antes da Academia Amazonense de Letras (1918), a instituição científica mais antiga do Amazonas. Instalado solenemente em 18 de maio, foi um dos últimos institutos do gênero a surgir no Brasil, preenchendo uma lacuna na produção e divulgação das pesquisas sobre a geografia e a história do Amazonas, bem como na conservação de documentos sobre essas duas áreas (1).

Os estatutos do instituto foram aprovados pelo Decreto N° 1.190 de 10 de Abril de 1917, e em 18 do mesmo mês, através do Decreto N° 1.191, foram concedidos pelo Estado os prédios n° 19 e 21 localizados entre as ruas de São Vicente (Bernardo Ramos) e Frei José dos Inocentes. Em mensagem de 10 de Julho de 1918, o Governador Alcantar Bacelar informava que 

"Esta respeitavel Associação scientifica, creada sob os auspicios do Governo do Estado, está definitivamente installada á rua de São Vicente, d'esta cidade, em proprio estadoal" (2).

O belo casarão localizado no antigo bairro de São Vicente, agora sede do IGHA, estava em péssimas condições. O corpo administrativo do Instituto, não dispondo de recursos, solicitou ao Governador que fossem realizados reparos e adaptações em sua estrutura, no que foi atendido. O Governador lembrou que, estando ele devidamente instalado, poderia receber a Coleção de Numismática do Amazonas, conforme apresentado em projeto dos deputados Adriano Jorge, Jonathas Pedrosa Filho e Coronel Raymundo Neves. Para que funcionasse sem dificuldades, sugeriu que lhe fosse concedido um auxílio financeiro anual (3).

Nesse mesmo ano, em julho, foi apresentado o projeto que, através de recibo, cedia o quadro de Dom Pedro II, localizado na sala de sessões do Conselho Municipal, ao IGHA. A obra foi posta no Salão  Nobre, que leva o nome do antigo Imperador. O ano de 1917 se encerraria com a visita do renomado historiador paranaense José Francisco da Rocha Pombo (1857-1933), membro do IHGB. Rocha Pombo chegou em Manaus em 6 de novembro. Estava em viagem pelos estados brasileiros com o objetivo de fazer pesquisas em seus arquivos, preparando-se para a produção de um livro sobre a História do Brasil que seria publicado em 1922, ano do centenário da Independência. Os membros do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas realizaram, em 12 de novembro, na Assembleia Legislativa do Estado, uma sessão solene em sua homenagem. O historiador ficou na cidade até o dia 15 de novembro, quando partiu para o Sul do país.

Em 25 de fevereiro de 1919, por ocasião da realização do Congresso Brasileiro de Geografia, em Belo Horizonte, que teve como principal discussão as questões dos limites entre alguns estados da Federação (4), foi nomeada uma comissão de membros do instituto formada por Antonio Monteiro de Sousa, José Furtado Belém e Agnello Bittencourt para representar o Amazonas. Neste momento começavam-se os preparativos para a comemoração do Centenário da Independência do Brasil, que ocorreria em 1922. No ano do centenário, durante o Congresso Internacional de História da América, seria apresentado "um Diccionario Historico, Geographico e Ethnographico do Brasil" (5). Para escrever a parte do dicionário referente ao Amazonas e representar o Estado no Congresso Internacional de História da América, foi nomeada uma comissão formada por João Batista de Faria e Sousa, Vivaldo Palma Lima e Agnello Bittencourt. Os membros do instituto pediram que o Governo do Estado do Amazonas fizesse um recenseamento dos habitantes dos municípios amazonenses, de forma a apresentar dados demográficos mais consistentes.

De 3 a 4 de maio de 1919 o sócio fundador Bernardo de Azevedo da Silva Ramos apresentou duas conferências sobre 'Tradições e Inscripções do Brasil Pre-Historico'. Esperava-se que o Estado financiasse, logo que possível, a publicação da obra. No entanto ela só ocorreria em 1932, de forma póstuma, no Rio de Janeiro.

Diferente da maioria de seus congêneres, o Instituto do Amazonas é geográfico e histórico, e não histórico e geográfico. De acordo com o historiador e professor do Departamento de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Luís Balkar Sá Peixoto, isso ocorreu pelo prestígio de um de seus membros fundadores, o geógrafo Agnello Bittencourt (6). Pode-se pensar, além do papel de destaque de Bittencourt, no fato de que, quando foi criado, estava em jogo, na região, a questão das fronteiras com os outros estados, sendo necessário o predomínio dos estudos sobre a geografia do Estado para assegurar sua soberania.

Informações sobre o seu corpo administrativo nos primeiros anos podem ser encontradas no Almanaque Laemmert, publicado no Rio de Janeiro. Para o triênio de 1920 a 1923 ele estava organizado da seguinte forma: "Diretoria: Presidente - Coronel Antonio Clemente Ribeiro Bittencourt, ex-governador do Estado, 1° Vice-Presidente - Dr. Antonio Ayres de Almeida Freitas, ex-superintendente de Manaus, 2° Vice-Presidente - Dr. Franklin Washington da Silva e Almeida, professor da Faculdade de Direito, 1° Secretário (perpétuo) - Professor Agnello Bittencourt, catedrático do Gymnasio Amazonense, 2° Secretário - Dr. Paulo Eleutherio Alves da Silva, professor da Escola Média de Agricultura, Orador (perpétuo) - Dr. Vivaldo Palma Lima, diretor do Gymnasio Amazonense, Tesoureiro - Dr. João Batista de Faria e Souza, da Associação de Imprensa Amazonense. Comissões:  De sindicância, redação de estatutos, regimentos e regulamentos: Dr. Manoel Miranda Simões, Dr. Vicente Telles de Souza Junior e Dr. Raymundo de Carvalho Palhano. De finanças: Dr. Antonio Crespo de Castro, Coronel Antonio Lopes Barroso e Dr. M. M. Simões. De redação da Revista do Instituto:  Coronel Antonio Bittencourt, professor Agnello Bittencourt e Dr. Vivaldo Lima. De geografia: Dr. Agnello Bittencourt, Dr. Theogeur da Silva Beltrão e Dr. José Chevalier Carneiro de Almeida. De observações astronômicas, limites e levantamentos de cartas do Estado: Dr. Lourival Alves Muniz, Dr. Henrique José Mouers e Capitão Tenente Armando Octávio Roxo. De historia: Cônego Dr. Israel Freire de Souza, Dr. Vivaldo Lima e Dr. J. B. de Faria e Souza. De arqueologia: Dr. Henrique José Mouers, Coronel José da Costa Monteiro Tapajós e Coronel Bernardo de Azevedo da Silva Ramos. De etnografia: Dr. José de Moraes, Dr. Astrolabio Passos e Dr. João Manoel Dias. De antropologia: Dr. Basílio Torreão Franco de Sá, Dr. Hamilton Mourão e Dr. Ricardo Matheus Barbosa de Amorim. De botânica e zoologia: Dr. Francisco Lopes Braga, Dr. Alfredo Augusto da Matta e Dr. Angelino Bevilacqua. De Geologia e mineralogia: Dr. Antonio Telles de Souza, Dr. F. Lopes Braga e Dr. Gilberto Frignani. De filologia: Dr. Adriano Augusto de Araujo Jorge, Dr. Placido Serrano Pinto de Andrade e Dr. João Coelho de Miranda Leão. De agricultura e zootécnica: Dr. Paulo Eleutherio Alvares da Silva,  Dr. Manoel Peretti da Silva Guimarães e Comendador José Claudio de Mesquita. De comércio, industria e navegação: Dr. Luiz Maximiano de Miranda Corrêa, Dr. Adelino Cabral da Costa e Coronel José da Costa Teixeira. De numismática, tombamento, pesquisa de documentos, obras e manuscritos antigos e raros: Coronel Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, Coronel Raymundo Monteiro e Dr. J. B. de Faria e Souza" (7).

Observando o corpo administrativo de 1920-1923, percebe-se que o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas era formado por intelectuais com uma larga tradição e produção locais, posteriormente incorporados na Academia Amazonense de Letras e outras instituições. Agnello Bittencourt (1876-1975) era professor de Geografia Geral e Corografia do Brasil no Gymnasio Amazonense Dom Pedro II, membro da Academia Amazonense de Letras, da Maçonaria e sócio do IHGB. Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (1858-1931), além da carreira militar, foi arqueólogo, linguista e numismata. Vivaldo Palma Lima (1877-1949) foi professor química e física do Gymnasio Amazonense Dom Pedro II, médico, farmacêutico, jornalista, político e bacharel em Direito. Muitos também começaram atuando na arena jornalística, como João Batista de Faria e Souza, funcionário público e membro da Associação de Imprensa do Amazonas que atuava no Diário Oficial, jornal Amazonas e Jornal do Comércio publicando artigos sobre a história da cidade de Manaus.

Apesar de ter sido tardiamente criado, o IGHA seguia os moldes do IHGB, criado no Rio de Janeiro em 1838. Era uma academia ilustrada formada por membros oriundos da elite política e econômica. O grande número de comissões mostra que a geografia e a história não eram os únicos campos de atuação do instituto, que abarcava um amplo número de áreas do conhecimento. Os cursos universitários de Geografia e História surgiram no Amazonas apenas em 1981. Até aquele momento o IGHA monopolizava esses dois campos. E, parecendo ser uma tradição em todo o Brasil, nem sempre pelas mãos de pessoas da área, mas por advogados, jornalistas e autodidatas (o que ocorre até os dias de hoje). A relação entre o meio universitário e o IGHA, por esse motivo, sempre foi conflituoso. De um lado, a universidade (parte dela) não vê com bons olhos a produção do conhecimento sem teorias e métodos e, em certa medida, de forma idílica (sem a crítica das relações dialéticas que movem as sociedades). Do outro, o instituto prefere manter-se distante de novas discussões e aportes teóricos.


Nos últimos anos, no entanto, vêm ocorrendo mudanças nessa relação. Professores universitários passaram a fazer parte o instituto, e antigos membros deste passaram a buscar a especialização em suas áreas de interesse. Apenas dessa forma colaborativa o conhecimento pode ser produzido, divulgado e consumido de forma mais ampla e democrática.

Posso dizer que felizmente faço parte dessa história, dessa troca de conhecimentos entre a universidade e o centenário Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. Com incentivo do amigo e membro Antonio José Souto Loureiro, publiquei em 2016 na revista do instituto o artigo A evolução da via pública em Manaus (séc. XVII-XXI), sobre o surgimento das primeiras ruas de Manaus e a evolução destas até os dias atuais. Que venham mais séculos de existência, mais pesquisas e mais conquistas para a Casa de Bernardo Ramos

NOTAS:

(1) Amazonas. Mensagem lida perante a Assembléa Legislativa na abertura da Segunda Sessão Ordinaria da Nona Legislatura pelo Exm. Sr. Dr. Pedro de Alcantara Bacellar, Governador do Estado, a 10 de Julho de 1917, p. 92.

(2) Amazonas. Mensagem lida perante a Assembléa Legislativa na Abertura da Terceira sessão Ordinaria da nona legislatura pelo Exm. Sr. Dr. Pedro de Alcantara Bacellar, Governador do Estado, a 10 de Julho de 1918, p. 88.

(3) ________., p. 89.

(4) CARDOSO, Luciene Pereira Carris. Os congressos brasileiros de geografia entre 1909 e 1944. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, n.1, jan.-mar. 2011, p. 90.

(5) Amazonas. Mensagem lida perante a Assembléa Legislativa na abertura da primeira sessão ordinaria da decima legislatura, pelo Exm. Sr. Dr. Pedro de Alcantara Bacellar, Governador do Estado, a 10 de Julho de 1919, p. 124.

(6) MENDONÇA, Roberto. Relíquias do Amazonas são vistas no exterior. Manaus, Jornal do Comércio, 07/08/2001.

(7) Almanak Laemmert. 3°Vol. Estados do Norte. Rio de Janeiro, 1921, p. 3164-3165.


CRÉDITO DA IMAGEM:

A Crítica.

Apogeu e Declínio do Hotel Cassina, em Manaus

Hotel Cassina. FOTO: Implurb, 2015.

O Hotel Cassina foi um dos principais hotéis de Manaus em fins do século XIX e início do XX, rivalizando com o Grande Hotel, na Avenida Sete de Setembro (o prédio abriga, nos dias de hoje, diferentes tipos de loja) e o Hotel Restaurant Français, na Avenida Eduardo Ribeiro (descaracterizado). Há mais de meio século que o prédio, localizado entre as ruas Bernardo Ramos e Governador Vitório, na Praça Dom Pedro II (antiga Praça da República), está reduzido a condição de ruínas, existindo apenas as quatro paredes e parte das armações de ferro.

Conforme anunciado na edição de 25 de outubro de 1894 do Diário Oficial do Estado do Amazonas, o italiano Andrea Cassina era proprietário do Café Restaurant Amazonense, localizado onde estava sendo construído o futuro Hotel Cassina, em frente a Praça da República (atual Praça Dom Pedro II)¹. O restaurante foi oficialmente inaugurado em 28 de outubro daquele ano. No Almanach do Amazonas de 1896, o negócio, além de restaurante, já estava funcionando como pensão, sendo informado ao público que um prédio apropriado para esse fim estava sendo construído no lugar. Em 1899 o Hotel Cassina já estava em pleno funcionamento, sendo anunciado local, nacional e internacionalmente. Seu primeiro proprietário foi o italiano Andrea Cassina, cujo nome batizou o empreendimento. Pouco se sabe sobre ele. Estabeleceu-se em Manaus no final do século XIX. Em 1891 ou 1892 adquire o Hotel do Commercio, localizado na Praça da República 2, e em 1894 a mercearia de Antonio Ribeiro, localizada na rua de São Vicente 3. Em 1899, quando teve que viajar para a Itália para cuidar da saúde, admitiu como sócio do hotel o empresário Hernani Donati, que cuidaria dos negócios até seu retorno 4. Cassina, talvez por esses problemas de saúde, faleceu em 1905.

O Hotel Cassina surge no período em que as atividades comerciais ligadas à extração do látex e comercialização da borracha começam a impulsionar o crescimento da cidade. Seus dirigentes passam a realizar grandes obras para torná-la atrativa para o estabelecimento de empresas. Afluíram a capital imigrantes de diferentes nacionalidades. Os serviços de hospedaria começavam a se tornar uma necessidade. Além do Cassina e dos já citados Grande Hotel e Hotel Restaurant Français, existiram o Hotel de França, Hotel da Madama, Grande Hotel Internacional e um sem número de pensões e cortiços, estes dois últimos geralmente frequentados e habitados por pessoas de baixo poder aquisitivo.

Mais que um hotel, também era uma casa de prostituição, mas uma ‘prostituição’ oficial, que não sofria com as sanções da municipalidade e seus Códigos de Posturas. Uma fatia considerável de seus frequentadores eram homens que geriam os negócios da cidade e que dominavam a máquina pública. Buscavam no Cassina prostitutas de luxo, as conhecidas polacas e coccotes eternizadas por uma historiografia saudosista que não se preocupou com as agonias do baixo meretrício 5. De acordo com o historiador Aguinaldo Nascimento Figueiredo, “nos confortáveis aposentos os magnatas da borracha ou ilustres visitantes promoviam verdadeiras orgias baconianas que incluíam inclusive leilões de virgens6.

As ruínas do Hotel Cassina vistas da rua Governador Vitório. FOTO: Girlene Medeiros, G1, 2013.

A partir de 1905 o hotel, agora Grande Hotel Cassina, passa a ser administrado por Luiz Pinto & Cia, que o reinaugurou no dia 27 de dezembro daquele ano 7. Em 1910 o negócio é comprado por Fernandes & Cia, proprietários até 1913, quando ele é adquirido pelos sócios J. C. Leitão Melita, Aurelio Vallado Gomes e Jesus Muguey Fernandes. Nos anúncios que se seguem a 1918, surge o nome de Gomes, Telles & Cia como novos proprietários. Gomes Telles & Cia, em 1° de janeiro de 1922, abriram uma filial do Grande Hotel Cassina na rua Municipal (Avenida Sete de Setembro), na esquina com a rua Marechal Deodoro 8. Gomes, Telles & Cia, aparentemente, foram seus últimos donos 9.

Seus anúncios e álbuns nos dão uma dimensão de sua estrutura e serviços, bem como alguns aspectos de seu interior. Em 1899, ano em que o prédio e os serviços foram remodelados e melhorados, Andrea Cassina anunciava que o hotel possuía “[...] bons quartos arejados, bem mobiliados e com todas as commodidades. Salas e salões”, além de “bebidas finas e das melhores procedências. Vinhos finos e de mesa, portuguezes, francezes, italianos, hespanhóes e do reino10. No livro Impressões do Brazil no século Vinte, editado em 1913, ele é descrito da seguinte forma:

Este hotel ocupa um edifício novo, de dois andares, de alvenaria de tijolo e pedra, situado em um lado da Praça da República e com frente para duas outras ruas. A entrada principal do hotel fica fronteira ao jardim da Praça da República e a vista das janelas na fachada principal se estende pelos canteiros floridos, gramados, ornamentados por fontes e estátuas, plantas e árvores tropicais daquele belo jardim, do qual o hotel fica separado apenas pela largura da rua.

O Hotel Cassina é todo iluminado por elétrica; os banheiros com chuveiro ficam situados no primeiro andar; dispõe de 45 quartos e, em ocasiões excepcionais, tem já acomodado 100 pessoas. O salão de jantar tem capacidade para 150 pessoas, e o menu é sempre de primeira ordem, sendo o serviço do pessoal do hotel um dos melhores do Brasil. Os aposentos são amplos e bem mobiliados. O hotel tem pessoal encarregado de esperar os vapores que chegam; automóveis e carros podem ser facilmente obtidos no hotel, para qualquer hora do dia ou da noite; os tramways elétricos passam a umas 50 jardas do edifício.

Perto do hotel ficam a sede do comando militar da região e o palácio do governador do estado. Nele se têm hospedado os viajantes mais notáveis que chegam a Manaus, e o hotel tem tido referências elogiosas em vários livros publicados por viajantes europeus.

São proprietários do Hotel Cassina os srs. J. C. Leitão Melita, Aurelio Vallado Gomes e Jesus Muguey Fernandes, sendo gerentes os dois primeiros11.

Nas fotografias desse e de outros livros e álbuns é possível ver um prédio eclético de dois andares, com pisos de madeira (material largamente utilizado em construções residencias e comerciais) e paredes revestidas com papéis com motivos florais, sustentado por colunas de ferro. O único registro de Andrea Cassina que se tem conhecimento foi produzido pelo fotógrafo italiano Vittorio Turatti em 1898, fazendo parte do álbum O Estado do Amazonas, publicado em 1899, de autoria do fotógrafo Arthuro Lucciani e do escritor Bertino de Miranda Lima.

Hotel Cassina. Álbum O Estado do Amazonas, 1899. FONTE: Biblioteca Virtual do Amazonas.

O Hotel Cassina, como pôde ser visto em sua evolução administrativa, funcionou regularmente, e também com uma filial, até a década de 1920. Ele começa, então, a desaparecer dos anunciadores e almanaques comerciais, bem como dos álbuns fotográficos. No primeiro Guia Turístico e Comercial de Manaus, publicado em 1932 por Edezio de Freitas, menciona-se que na cidade, por conta da crise financeira que atingia o Estado, não existiam hotéis que fizessem jus ao nome, mas são citados, como sendo de primeira e segunda ordem, respectivamente, o Grande Hotel, o Hotel Brasil e a Pensão Avenida. O Cassina sequer é mencionado 12. Na década de 1940 ele surge apenas na pena dos memorialistas, que lembram-se dele de forma saudosista, quando estava no auge, período em que recebia pessoas dos quatro cantos do mundo 13.

Hotel Cassina. Álbum O Estado do Amazonas, 1899. FONTE: Instituto Durango Duarte.

No Cassina, aliás, se hospedaram pessoas ilustres, de políticos a intelectuais, como o escritor e membro da Academia Brasileira de Letras Henrique Maximiano Coelho Netto (1864-1934), em 1899, o líder revolucionário Plácido de Castro (1873-1908), em 1904, e o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), em 1906 e em 1910, e o vencedor do Nobel de Fisiologia ou Medicina Charles Robert Richet (1850-1935), em 1914.

O antigo Hotel Cassina passou a ser conhecido pejorativamente como Cabaré Chinelo, ponto de referência da prostituição no Centro. Entre fins da década de 1940 e início da década de 1950 são frequentes as queixas das famílias das redondezas da Praça Dom Pedro II, incomodadas com “o barulho e as pornografias” que funcionavam “até alta madrugada, com grande barulho provocado pelos que os frequentam, em algazarras e bebedeiras14. Seu nome aparece ao lado de boates e cabarés de quinta, como eram referenciados, tais como Carapanã e Fortaleza 15.

Hotel Cassina. Impressões do Brazil no Século Vinte, 1913.

O restauro do Hotel Cassina começou a ser estudado entre as décadas de 1980 e 1990. A então Fumtur, Fundação Municipal de Turismo, idealizou, em 1993, sua recuperação e criação de um centro de lazer, mas nada saiu do papel, apenas alguns trabalhos de contenção para evitar o desabamento completo. O Projeto Monumenta, da Prefeitura, em 2005, intentou transformá-lo em um teatro, o que também não ocorreu. Mais recentemente, em 2018, o Implurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano) apresentou um projeto de intervenção, aprovado pelo IPHAN, que reativa o Hotel Cassina na condição de hotel 3 estrelas 16. Até agora, no entanto, nenhuma movimentação ou preparo para restauro foi vista no local, um pedaço considerável da história da cidade que incrivelmente resiste ao desaparecimento, como se esperasse, novamente, viver dias de apogeu.

NOTAS: 

1 Diário Oficial do Estado, 25/10/1894.

2 Diário de Manáos, 27/12/1892.

3 Diário Oficial, 17/07/1894.

4 Commercio do Amazonas, 19/09/1899.

5 JÚNIOR, Paulo Marreiro dos Santos. Glamour e agonia na prostituição da Manaus da borracha. Cordis. Mulheres na história, v.2, n.13, p. 17-31, jul/dez, 2014.

6 FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. O Hotel Cassina. Revista Amazônia Cabocla, novembro de 2017.

7 Jornal do Comércio, 27/12/1905.

8 Jornal do Comércio, 01/01/1922.

9 A evolução administrativa de vários empreendimentos brasileiros, como o Hotel Cassina, entre 1891 e 1940, pode ser vista no Almanak Laemmert, publicado no Rio de Janeiro.

10 Jornal do Comércio, 27/12/1905.

11 Impressões do Brazil do Século Vinte: sua historia, seo povo, commercio, industrias e recursos. Londres (RU), Lloyd’s Greater Britain, 1913, p. 984.

12 FREITAS, Edezio. Guia Turistico e Comercial da Cidade de Manaus e Seus Arredores. Manaus, Velho Lino, 1932, p. 43.

13 BRAGA, Genesino. O ilustre hóspede do Hotel Cassina. Jornal do Comércio, 17/11/1948.

14 Jornal do Comércio, 07/02/1956.

15 Jornal do Comércio, 16/07/1957.

16 Projeto de intervenção vista transformar Hotel Cassina em estabelecimento 3 estrelas. Jornal A Crítica, 14/08/2018.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Implurb, 2015.
Biblioteca Virtual do Amazonas.
Instituto Durango Duarte.
Girlene Medeiros, G1, 2013.
Impressões do Brazil no Século Vinte, 1913. Disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300g47g17.htm

terça-feira, 19 de março de 2019

História Pública e o Samba Enredo da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira (2019)



No Carnaval carioca de 2019, sagrou-se campeã a tradicional Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, que teve como samba enredo História pra ninar gente grande. Em trinta versos e seis estrofes, a História do Brasil é apresentada ao grande público de uma forma totalmente diferente do que ocorre tradicionalmente, isso em dois sentidos. O primeiro, da institucionalização do conhecimento histórico, por universidades ou institutos históricos e o surgimento e expansão da História Pública; O segundo, das abordagens, isto é, de uma corrente historiográfica que valoriza o cotidiano, as lutas populares, as classes menos abastadas. São esses dois pontos, dois sentidos, que devem permear a presente análise.

Nunca houve uma época em que se lesse tanto sobre História, nacional ou internacionalmente, como a atual. Os livros que figuram nas listas dos mais vendidos são de História. Historiadores são solicitados para promover palestras, encontros e debates. Programas de televisão, seriados e filmes sobre história tornaram-se sensação. Nos dizeres de Cícero, a História tornou-se mestra da vida na atualidade. Tal afirmativa pode ser constatada quando se percebe que o conhecimento histórico já não é mais produzido exclusivamente por historiadores profissionais, com ampla formação, ultrapassando os muros das universidades. Está no cerne dessas mudanças a História Pública, um campo de indefinições (método, abordagem, objeto de estudo) que começa a suscitar debates acalorados no Brasil.

A História Pública tem raízes nos Estados Unidos na década de 1970. O historiador norte-americano Robert Kelley, pioneiro no assunto, apresenta a História Pública, em 1978, da seguinte forma:

Em seu sentido mais simples, História Pública se refere à atuação dos historiadores e do método histórico fora da academia: no governo, em corporações privadas, nos meios de comunicação, em sociedades históricas e museus, até mesmo em espaços privados. Os historiadores públicos estão atuando em todos os lugares, empregando suas habilidades profissionais, eles são parte do processo público. Uma questão precisa ser resolvida; uma política pública precisa ser elaborada; o uso de um recurso ou uma atividade precisa ser melhor planejada – eis que os historiadores serão convocados para trazer à baila a questão do tempo: isso é História Pública1.

Dessa forma, compreende-se que a História Pública, em suas origens, é vista como um conhecimento produzido fora das universidades por historiadores que buscam outros direcionamentos que não a carreira docente, mas a atuação em centros culturais, em empresas privadas e órgãos burocráticos. No entanto, como já pôde ser visto nos meios de comunicação, a história pública não é feita apenas por historiadores com formação acadêmica, como se refere Kelley. É comum ver jornalistas, advogados, pesquisadores independentes e autodidatas produzindo e divulgando textos sobre História geral e do Brasil.

Tal produção é vista, em parte, com ressalvas pelos historiadores profissionais, que temem pela simplificação do processo de pesquisa, pela ausência de métodos e discussões mais aprofundadas. Seria, de acordo com o historiador Bruno Flávio Lontra Fagundes, “aquela história que chega a públicos não-formados mas que tem pouco cuidado metodológico, feita de modo rápido e sem rigor”2. Outros preferem vê-la como uma chance de popularizar o conhecimento. Fugindo dessa polarização e buscando um diálogo entre academia, grande público (especializado ou não) e demandas, as historiadoras Juniele Rabêlo de Almeida e Marta Gouveia de Oliveira Rovai, autoras de Introdução à História Pública, acreditam em

uma possibilidade não apenas de conservação e divulgação da história, mas de construção de um conhecimento pluridisciplinar atento aos processos sociais, às suas mudanças e tensões. Num esforço colaborativo, ela pode valorizar o passado para além da academia; pode democratizar a história sem perder a seriedade ou o poder de análise. Nesse sentido, a história pública pode ser definida como um ato de “abrir portas e não de construir muros3.

O 1° Simpósio Internacional de História Pública: A História e seus públicos, ocorrido em 2012 na USP, foi bastante profícuo, com discussões sobre os problemas, apropriações, as possibilidades e a interdisciplinaridade que envolve a História Pública. Essa abordagem/método/objeto de estudo já se tornou o mais novo foco de problematizações e campo de pesquisas fértil para os historiadores brasileiros 4.

Exemplo ímpar dessa História Pública produzida a partir de conhecimento pluridisciplinar conectado às mudanças e colaborativo, anteriormente citado por Gouveia e Rovai, foi o samba enredo da escola de samba carioca Mangueira, História pra ninar gente grande, reproduzido abaixo:

Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos brasis que se faz um país de Lecis, jamelões
São verde e rosa, as multidões

Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas pros teus heróis de barracões
Dos brasis que se faz um país de Lecis, jamelões
São verde e rosa, as multidões

Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra

Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato.

Brasil, o teu nome é Dandara
E a tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati

Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês5

Ao ler esse samba enredo fica mais do que evidente que trata-se de um texto sobre a História do Brasil com uma abordagem bastante diversa do que ocorre no ensino básico (fundamental e médio), valorizando, ao invés da trajetória política e os grandes personagens, o cotidiano, as minorias e classes populares, elementos esquecidos. Isso fica evidente na primeira estrofe, em que pede-se para que se tire “a poeira dos porões” e que seja aberto caminho para os “heróis de barracões”.

A seguir, a segunda estrofe sintetiza o sentido do enredo ao falar da “história que a história não conta”, marcada por lutas e resistência. A Mangueira trouxe “versos que o livro apagou”, rompendo com a ideia já superada de descobrimento, apresentando a violência da invasão portuguesa no século XVI, marcada pelo genocídio de índios e, posteriormente, negros. Ao citar as mulheres, os mulatos e os tamoios, clama por novos protagonismos. A força do povo e desses novos protagonistas é lembrada pelos exemplos de Dandara, mulher de Zumbi dos Palmares e guerreira do século XVII; e pela Confederação do Cariri (Kariri), movimento de resistência indígena ocorrido entre 1683 e 1713 na região Nordeste.

O fim da escravidão, com a abolição, também é revisitado. Tira-se do pedestal a figura redentora, quase divina, da Princesa Isabel e sua assinatura, sendo reforçado o papel do movimento abolicionista, das províncias de Norte a Sul. “A liberdade é um dragão no mar de Aracati”, referência a Francisco José do Nascimento (1839-1914), líder jangadeiro, prático mor e abolicionista conhecido como Dragão do Mar.

Por último, são lembrados grupos e pessoas que lutaram, resistiram e foram perseguidos, tais como os Caboclos de Julho, que participaram das lutas de Independência na Bahia; os militantes que lutaram contra a Ditadura Militar e, no tempo presente, a vereadora do PSOL Marielle Franco, assassinada em 14 de março de 2018. No verso final, o protagonismo feminino e a revolução, lembrados pelas Marias (Maria Quitéria?); Luísa Mahin, ex-escrava e revolucionária do início do século XIX; Marielle Franco; e pela Revolta dos Malês, levante de escravos africanos muçulmanos ocorrido em Salvador, na Bahia, entre 24 e 25 de janeiro de 1835.

O samba enredo da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira apresenta a História do Brasil a contrapelo, vista de baixo. Trata-se uma corrente historiográfica de origem inglesa que valoriza o papel das massas, das massas geralmente postas ou deixadas no anonimato. De acordo com o historiador inglês Jim Sharpe,

essa perspectiva atraiu de imediato aqueles historiadores ansiosos por ampliar os limites de sua disciplina, abrir novas áreas de pesquisa e, acima de tudo, explorar as experiências históricas daqueles homens e mulheres, cuja existência é tão frequentemente ignorada, tacitamente aceita ou mencionada apenas de passagem na principal corrente da história6.

Não apenas vencidos, mas de personagens que, a seu modo, encontraram formas de resistência aos poucos recuperadas. A historiadora Heloisa Starling, em entrevista, afirmou que o samba enredo da Mangueira reflete nossa atual conjuntura política e dúvidas acerca dos novos contextos em que vivemos, pois “A História é uma coisa muito viva. Você sempre viaja para o passado com as perguntas do presente. E as perguntas que ele está fazendo são questões de hoje, como a busca por mulheres que tiveram protagonismo no Brasil7.

Falar em História Pública e produção do conhecimento histórico extra muro é falar em apropriações, ressignificação de temporalidades e disputas. O samba enredo da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira gerou fortes discussões e embates. O Círculo Monárquico do Rio de Janeiro publicou, antes da apresentação da escola, uma nota de repúdio ao samba enredo por este pretender levar a avenida “a imagem de Dona Isabel, a Redentora, manchada de sangue, em tom de culpabilidade pela escravidão8

A produção, circulação e consumo do conhecimento histórico é marcada por embates, verdadeiras Guerras da História, nos dizeres do historiador Josep Fontana, pela transmissão ou não de versões que agradem dirigentes políticos e membros das elites. De acordo com Fontana, “[…] os debates a que se referem tem pouco a ver com a ciência e muito com o contexto político e social em que se movem os historiadores9.

O historiador, independente de suas visões de mundo, não dissocia sua produção da política. A própria “neutralidade” já é um direcionamento político. De um lado temos um grupo monárquico cuja concepção de história do Brasil é tradicional, feita por grandes personagens como a Princesa Isabel e formado, em sua maioria, por pessoas com conhecimento histórico autodidata. Do outro, um samba enredo que desconstrói essa história e apresenta algo mais popular e combativo ao grande público (especializado e não especializado). Ambos tem em comum o fato de serem frutos da História Pública, o que evidencia os debates e disputas no interior desse próprio método/abordagem/objeto de estudo que sem dúvidas veio para ficar.

NOTAS:

1 KELLEY, Robert Apud CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. História Pública: uma breve bibliografia comentada. In: Café História – história feita com cliques. Disponível em: https://www.cafehistoria.com.br/historia-publica-biblio/. Publicado em 6 nov. 2017. Acesso em 14/03/2019.

2 FAGUNDES, Bruno Flávio Lontra. O que é, como e por que história pública? Algumas considerações sobre indefinições. VIII Congresso Internacional de História, XXII Semana de História, 9-11 outubro de 2017, p. 3021.

3 ALMEIDA, Juniele Rabêlo de; ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. Introdução à História Pública. Florianópolis: Letra e Voz, 2011, p. 07.

4 Anais do 1° Simpósio Internacional de História Pública: A História e seus públicos. Textos Completos. USP, 16-20 de Julho de 2012.

5 Mangueira – Samba Enredo 2019. Disponível em: https://www.letras.mus.br/sambas/mangueira-2019/. Acesso em: 15/03/2019.

6 SHARPE, Jim. A História vista de baixo. In: BURKE, Peter. A Escrita da História: Novas perspectivas. Trad. Madga Lopes. São Paulo: Edunesp, 1992, p. 41.

7 Carnaval 2019: As histórias do ‘país que não está no retrato’ cantadas pelo samba da Mangueira. Disponível em: http://envolverde.cartacapital.com.br/carnaval-2019-as-historias-do-pais-que-nao-esta-no-retrato-cantadas-pelo-samba-da-mangueira/. Acesso em 16/03/2019.

8 Nota de Desagravo. Círculo Monárquico do Rio de Janeiro. Disponível em www.circulomarquicorio.org. Acesso em: 16/03/2019.

9 FONTANA, Josep. A História dos Homens. Bauru SP: EDUSC, 2004, p. 379.

CRÉDITO DA IMAGEM:

mangueira.com.br

sexta-feira, 8 de março de 2019

História da Província do Amazonas, de Aprígio Martins de Menezes (1884)



O extenso texto a seguir foi publicado no Almanach Administrativo, Histórico, Estatístico e Mercantil da Província do Amazonas para o anno de 1884, de autoria do médico, político e historiador baiano Aprígio Martins de Menezes (1844-1891), radicado na então Província do Amazonas desde a década de 1870. Ele foi o primeiro autor a sistematizar a História do Amazonas, propondo divisões e marcos cronológicos para seu estudo. Ele é de grande importância para a compreensão dos primeiros passos de nossa historiografia regional, tanto para os que iniciam suas primeiras leituras quanto para aqueles que já desenvolvem estudos mais aprofundados sobre a história do Estado, seja dentro ou fora das universidades.

A. M. M.

HISTÓRIA DA PROVÍNCIA DO AMAZONAS

A historia da Provincia do Amazonas, cujo territorio comprehendeu outr’ora a Capitania de S. José do Rio Negro e mais tarde fez parte da Provincia do Gram-Pará sob a denominação de comarca do Alto-Amazonas, deve ser estudada, por amor do methodo e de uma exacta discriminação dos factos que lhe dão vida, tendo-se em mira dous grandes periodos. O 1°. relativo ao Amazonas do Brazil colonia e Reino; o 2°. relativo ao Amazonas do Brazil-Imperio.

Aquelle estende-se de 1540 a 1823, este de 1823 até o presente.

Neste periodo o historiador destaca duas epochas bem distinctas; uma que se refere ao Amazonas-comarca do Pará e outra – ao Amazonas-Provincia.

Seria da historia da Provincia do Amazonas, propriamente dita, da qual largamente nos deviamos occupar neste momento, se a contemporaneidade dos acontecimentos não nos oppozesse um obstaculo a que não devemos procurar vencer.

E’ por esta razão e attenta a natureza do trabalho á que ella se destina que vamos esboçar a ligeiros toques os principaes factos que se tem succedido no territorio da Provincia desde a sua descoberta até nossos dias.

1540-1823

Foi o capitão Francisco de Orelhana o primeiro homem civilisado que navegando o Amazonas vio o paiz que é hoje a provincia do Amazonas.

Não ha noticia de que antes delle outro o tivesse visitado.

Commandava então Orelhana a vanguarda de uma expedição, de cujo commando geral fora encarregado em 1540 Gonsalo Pizarro no intuito de descobrir-se o El-dorado e o paiz da canella.

Nesta occasião Orelhana deu o seu nome ao grande rio em que se achava para logo substituil-o pelo de Amazonas, quando na confluencia do Yhamundá foi aggredido, como se suppõe, pelos cumuris, cuja apparencia fel-o acreditar ter-se batido com uma horda formada de mulheres guerreiras.

Tambem em 1560, o general Pedro de Orsua, andando em exploração das falladas riquezas, por ordem do Vice-Rei do Perú, visitou o Amazonas, descendo pelo rio Jutahy e regressando pelo Juruá, onde foi traiçoeiramente assassinado por dous officiaes de sua expedição, - Fernando de Gusmão e Pedro de Aguirre, o qual por ordem regia soffreu morte affrontosa.

Outros em seguida desejaram descobrir o Amazonas. Entre elles Bento Maciel Parente, capitão-mor do Pará e depois governador do Maranhão, que não tentou a realisação de seus desejos, para o que alcançou autorisação por uma real cedula, expedida em 1626, por terem sido preferidos seus serviços em Pernambuco, e Francisco Coelho de Carvalho, em 1633 ou 1634. A este uma ordem regia mandava que fizesse em pessôa a desejada descoberta; e é presumivel que elle a tentasse, se dispozesse de forças com que ao mesmo tempo podesse impedir a invasão dos Holandezes que então infestavam as costas d’aquelle Estado e satisfaser as necessidades do serviço da exploração ordenada.

Ainda em 1673, dous leigos franciscanos, Fr. Domingos de Briéba e Fr. André de Toledo, que por ordem superior acompanhavam ao capitão João de Palacios, chefe de uma expedição organisada em S. Francisco de Quito, não só para o fim da catechése, como para o da descoberta, desceram pelo Amazonas, depois que viram mortos pelos Encabellados, no rio Aguarico o dito João de Palacios e grande parte do pessoal da expedição.

Os dous franciscanos logo que chegaram ao Pará passaram para a cidade de S. Luiz do Maranhão, residencia do Governador do Estado Jacome Raymundo de Noronha, a quem communicaram a viagem que acabavam de fazer. No dominio das informações que recebera dos dous religiosos o dito governador ordenou uma expedição, cujo commando foi confiado ao capitão-mor Pedro Teixeira.

Governava o Pará o capitão-mor Ayres de Souza Chichorro, quando a 28 de outubro de 1637 partio de Cametá a expedição de Pedro Teixeira, que em principio do anno seguinte navegava em aguas do Alto Amazonas, descobria o Rio Negro e no fim de Setembro chegava a Quito, onde o ouzado explorador <<foi recebido com as honras correspondentes a um feito que no maior rio do mundo equevalia ao de Gama no oceano>> (1).

Regressando de Quito Pedro Teixeira plantou a 16 de Agosto de 1639 um marco limitando e legitimando o dominio portuguez n’aquella região, em frente a bocca do Aguarico, na margem do Napo, chamada Franciscana: depois do que feito regressou para o Pará, ondechegou a 12 de Dezembro de 1639, acompanhado pelos padres Christovão da Cunha e André de Artieda.

A este acontecimento, certamente importante, seguiram-se durante muitos annos grandes luctas entre os seculares e os jesuitas, sendo certo que uns e outros, a seu modo, não promoviam os beneficios de que careciam os povoadores d’aquellas florestas, mas que impunham-lhes a escravidão, para o que foram principalmente as bandeiras de resgate o poderoso meio, o agente incomparavel.

E’ edificante exemplo da inconveniencia de taes expedições a que em 1663, sob o commando do sargento-mór Arnáo Villela se dirigiu ao rio Urubú e ali travando renhido combate com os indigenas, n’elle falleceu o dito Arnáo Villela e o alferes Francisco de Miranda.

D’ este desastre resultou que em 1665 Pedro da Costa Favélla invadisse o Urubú e a 7 de Janeiro levasse ás malocas de suas principaes nações o incendio, a devastação e a morte.

Foi ainda Pedro da Costa Favélla que tres annos depois dirigiu-se para o Rio Negro, mas ao que parece, nutrindo intenção diversa d’aquella que o conduzira ao Urubú e com os Aruaquis, Tarumans, Manáos e Tacús fundou a primeira povoação do Rio Negro (S. Elias do Jahú).

Em 1669 fundou Francisco da Motta Falcão a Fortaleza de S. José do Rio Negro, da qual foi primeiro commandante Angelico de Barros.

Esta fundação e os domicilios que em redor d’ella foram estabelecendo algumas famílias Banibas, Barés e Passés dão origem a cidade de Manáos.

D’ ahi começa o desenvolvimento do Rio Negro, desenvolvimento consequente não só das explorações n’elle feitas pelo sargento da dita Fortaleza Guilherme Valente, do consorcio d’este com a filha de um principal indigena do mesmo rio, como tambem da missão carmelita ahi espalhada e no Rio Branco (1675), onde se levantaram a seu benefico impulso differentes povoações, e bem assim no Solimões, principalmente depois do apresionamento e expulsão do jezuita Sana (1710), que sob a influencia do elemento hispanhol procurava estabelecer dominio n’esta região.

Em 1725 Francisco de Mello Palheta explorou o rio Madeira e deu-lhe este nome em substituição ao de Caiari, pelo qual era conhecido.

Já antes disto (1716) lhe havia sulcado as aguas o capitão-mor do Pará João de Barros Guerra que ali falleceu arrastado com a embarcação em que viajava por um troço de barranca desprendido da margem do rio em uma occasião que o abeirava. Então já se achava fundada pelos jesuitas no rio Canumã uma missão que soffreu differentes trasladações e é actualmente a cidade de Itacoatiara.

<<A este tempo sob o governo de decimo setimo Capitão-mor do Pará, José Velho de Azevedo, occorreu um facto de não pequena importância, qual a correiria que no Rio Negro exerceu o famoso Ajuricaba, Principal dos Manáos do rio Hiiaá, por inducção dos Holandezes da Guiana, que levados de sua instintiva perfidia se lembraram de emprehender o aniquilamento dos estabelecimentos portuguezes, não por aberta hostilidade, que compromettesse as relações internacionaes, mas insinuando a insurreição e a devastação por mãos dos próprios subditos rebelados; e Ajuricaba vencido pela persuasão e dedicado como indigena, aggredindo as missões do rio Negro e arrebatando seus neophitos, os arrastava pelo rio Branco ás possessões hollandezas, cuja bandeira trazia arvorada em sua flotilha, constante de vinte e tantas canôas. Sciente o Governador do Estado, João da Maia Gama, expedio a Belchior Mendes de Moraes com uma força em defeza das povoações, em quanto aguardava determinações da Côrte: em virtude das quaes, em 1727, expedio o capitão João Paes do Amaral com sufficiente reforço ao dito Belchior, que bateu e apresionou Ajuricaba, o qual remettido em ferros para o Pará, baldada ainda uma tentativa de levantamento a bordo, atirou-se ao rio, e com este expediente poupou-se a ignominia do patibulo que o aguardava. Os indigenas, seus enthusiastas até a superstição, recusaram por muito tempo acreditar em sua morte e o esperavam com a mesma tenacidade com que ainda hoje esperam os portuguezes por seu D. Sebastião>> (2).

Em 1744, Condamine, sócio da academia de sciencias de Paris, desceu de Quito e com permissão do governo portuguez visitou todas as povoações do Solimões.

A este acontecimento digno de consignar-se aqui devemos reunir o que se refere a descoberta de communicações entre o rio Negro e o Orenoco, verificadas n’este mesmo anno e o crescido numero de povoações que embellezavam as margens dos principaes rios do Alto Amazonas, então conhecidos.

Entretanto no meio do incontestavel desenvolvimento que se operava a esforços tão somente das missões carmelitas, jámais deixou-se de sentir a reacção viva que os jesuitas oppunham á acção da influencia dos portuguezes nos destinos das florescentes povoações, as quaes conservavam pensadamente na ignorancia, não admittindo que os seus habitantes fallassem outra língua que não a geral, etc.; reacção que com mais vigor exerceram, quando em 1749 certificaram-se de existir em poder do Bispo do Pará a Bulla de Benedicto XIV de 20 de Dezembro de 1741, que restituiu a liberdade aos indigenas e quando, animados por seu vice-provincial, procuravam embaraçar não só que partisse do Pará a commissão de demarcação, da qual fôra nomeado por despachos de 30 de Abril de 1753 principal commissario e plenipotenciario o governador do Estado Francisco Xavier de Mendonça Furtado, como tambem que ella se reunisse em Muruiá (Barcellos), logar designado para as respectivas conferencias.

Todavia a 2 de Outubro de 1755, deixando o bispo encarregado do governo, parte o governador para o Rio Negro com todo o pessoal da commissão de que fôra incumbido.
N’ este mesmo anno crea o bispo do Pará, D. Frei Miguel de Bulhões, a vigararia geral do Rio Negro (que só foi confirmada por Carta regia de 18 de Junho de 1760) provendo n’ella o Padre Dr. José Monteiro de Noronha.

Não arrefeciam, porém, os intentos jesuiticos; ao contrario, elles mais vulto tomavam, pois além das intrigas e más praticas que insinuavam, como a insurreição da tropa, a deserção dos indigenas, por meio de dedicados agentes, preparavam-se para a lucta a força armada, o que se deprehende de serem encontrados em Janeiro de 1756, na villa de Borba, os dous jesuitas allemães Anselmo Echart e Antonio Meisterburg com duas peças de artilheiria, em cujo exercicio instruiam os indigenas.

Presos os dous, foram remettidos para Lisbôa com os da sua ordem Antonio José, Roque Hunderfund, Theodoro da Cruz e Manuel Gonzaga, sobre os quaes já existia em poder do governador uma ordem regia, datada de 3 de março de 1755, pela qual podia assim proceder.

Entretanto, como não chegasse a Partida Hespanhola para as conferencias de demarcações, o que ainda era devido a influencia dos jesuitas que empregavam todos os meios para demoral-a no Orenoco, o governador Mendonça Furtado, depois de dar algumas determinações, entre as quaes a de mandar cumprir a Real de 14 de Novembro de 1752, referente a fundação da fortaleza de S. Joaquim no Rio Branco, partiu para o Pará, onde chegando publicou a lei de 6 de Junho de 1755, consoante com a Bulla já citada restituindo a liberdade aos indigenas, e para dar-lhe melhor execução expediu o Regulamento de 3 de Maio de 1757, que é conhecido pela denominação de <<directorio>>.

Foi em sua ausencia, n’este mesmo anno, que deu-se a rebellião de Lama-longa, no Rio Negro, sendo assassinado o missionario Fr. Raymundo de Santo Eliseu e o principal Caboquena.

No logar d’este nome foram executados (1758) por sentença da junta de justiça os cabeças de tal rebellião.

Voltando ao rio Negro o governador empossa em 27 de Maio do mesmo anno o coronel Joaquim de Mello Povoas no governo da capitania de S. José do Rio Negro, creada por Decreto de 11 de Junho de 1757.

Em 1759, Mendonça Furtado recebe communicações officiaes destituindo-o dos cargos que exercia no Brazil.

Mello Povoas, n’este mesmo anno, dá novos predicamentos a differentes povoações da Capitania substituindo-lhes os nomes indigenas por outros de origem portugueza no intuito de aluzitanar o paiz.

Por Decreto de 30 de Junho de 1759 foram creadas uma Ouvidoria e uma Provedoria de Fazenda na Capitania, cujo governo exerceram, depois do fallecimento de Mello Povoas, os governadores interinos Gabriel de Souza Filgueiras, Nuno da Cunha Athaide Verona e Valerio Correia Botelho de Andrade até 1772, quando tomou posse do governo o segundo governador Coronel Joaquim Tinoco Valente.

Com a destituição do governador geral Francisco Xavier de Mendonça Furtado, succedida justamente quando chegava ao rio Negro a Partida Hespanhola de que era 1° commissario e plenipotenciario D. José de Iturriaga, cessaram por alguns annos os trabalhos de demarcação.

E não se pense que a expulsão dos jesuitas da metropole e de suas possessões, decretada n’este mesmo anno, conjurou a todos os embaraços que se oppunham á marcha regular do governo na Capitania, não. Ao jesuita pertinaz succedia o hespanhol pretensioso. E foi prevenidamente que além de outras providencias tomadas em differentes epochas, em 1762 fundaram-se as fortalezas de S. Gabriel e de Marabitanas no rio Negro, em 1766 o sargento-mór Domingos Franco fundou a povoação de Tabatinga, onde já estacionava uma força e onde teve ordem superior para construir uma fortaleza, e era ordenada nova Expedição de Demarcações, sendo nomeado Plenipotenciario e Commandante geral João Pereira Caldas que para este fim, em 1780, fôra substituido no governo do Gram-Pará e Rio Negro por José de Napoles Telles de Menezes.

Segundo as instrucções recebidas da Côrte a nova Expedição se dividiria em duas Partidas com a numeração de terceira e quarta; (3) aquella para os respectivos trabalhos em Mato Grosso, esta para os do Alto Amazonas.

A quarta Partida compôz-se do Commissario subalterno Theodosio Constantino Chermont, dos Engenheiros Henrique João Wilkens, Eusebio Antonio Ribeiro, Pedro Alexandrino Pinto de Souza e dos Astronomos José Simões de Carvalho e José Joaquim Victorio da Costa.

Um facto notavel destaca-se nos trabalhos d’esta Partida, facto que se não comprometteu os créditos do commissario Chermont, demonstrou a falta de tino e de interesse com que se occupou dos importantes negocios que lhe estavam confiados.

Referimo-nos ao Termo que a 29 de Março de 1782 Chermont assignou com o commissario hespanhol Requenha, e pelo qual acceitava a demarcação pelo rio Apaporis, deixando-se de explorar o Alto-Japurá, o que trazia manifesto prejuizo aos dominios portuguezes. Felizmente, como se fôra um correctivo ao acto impolitico de Chermont, desenvolveu-se n’esta occasião no Apaporis uma epidemia que obrigou das duas Partidas – hespanhola e portugueza – a se recolherem para Ega (Teffé).

Os limites dentro dos quaes está circumscripto este trabalho não nos permittem uma apreciação detida do acto de Chermont, em consequencia do qual fôra este commissario suspenso por ordem da Côrte, sendo substituido pelo Tenente Coronel Henrique João Wilkes, que depois fôra destituido do mesmo cargo e reprehendido por ordem régia pelo mal que se houve nas informações que dera ao governo após sua visita ao Japurá.

Ao Comissario Wilkens succedeu o Tenente Coronel João Baptista Martel.

Ainda em consequencia do acto de Chermont o General Plenipotenciario se dirigiu a Ega e ahi conferenciando com Requenha insistiu com justas e criteriosas ponderações na necessidade de entrarem as Partidas de novo no Japurá. O Commissario hespanhol, porém, oppôz-se resolutamente a isto, pelo que <<se lavrou um protesto e ficaram sustados os trabalhos das demarcações até que os respectivos Monarchas aplainassem as difficuldades que os fizera cahir na inactivdade>>.

Por este tempo Manuel da Gama Lobo d’Almada, que desde 1783 foi mandado encorporar a Partida portugueza, já havia explorado o Alto Rio Negro e muitos de seus affluentes.

Em virtude do avizo de 27 de Junho de 1786 Almada ainda explorou o rio Branco, do qual deu circumstanciada, minunciosa e positiva relação.

Corria o anno de 1788 e Requenha continuava no Solimões fazendo commercio franco, estabelecendo arsenaes para construcção de canôas, fazendo plantações de mandioca no lago Cupacá. &.
Neste mesmo anno assumio o governo da Capitania o Coronel Manuel da Gama Lobo d’Almada o qual no seguinte anno (1789) foi nomeado commissario Plenipotenciario das demarcações.

Com a posição que assumio Almada uma phase da prosperidade e engrandecimento abrio-se para a Capitania, pois no novo governador concorriam todos os predicados attinentes á tão lisongeira presumpção.

Assim foi, que como medida preliminar para satisfação dos deveres dos seus cargos e de seu patriotismo fez Requenha evacuar o lago Cupacá, mandando-o occupar por força militar que fez descer do Içá e de Tabatinga, prohibio o córte de madeiras, a edificação de casas, & &.

Taes providencias causaram certa estranheza em Requenha; mas afinal resolveram-no a partir para Mainas, o que realizou-se em 1790, guardadas por parte do plenipotenciario portuguez todas as cortezias que eram dividas ao commissario hespanhol.

Em 1791 o governador M. da Gama Lobo d’Almada muda a séde da Capitania de Barcellos (Muruiá) para o Logar da Barra, posição sem duvida alguma mais apropriada para o centro das operações governamentaes.

Foi d’ahi principalmente que poz em actividade todos os recursos de que era capaz seu talento administrativo, no intuito de imprimir nos negocios da Capitania esse movimento salutar, que só manifestou-se em crescente progressão durante o seu governo.

E tal foi o resultado que obteve, e tal foi o respeito, o prestigio e a estima de que acercou-se, que melindrados os zelos do Governador geral Francisco de Souza Coitinho, poude este conseguir do governo da metropole, onde occupava a pasta dos negocios da Marinha um seu irmão, a expedição do Aviso de 17 de Junho de 1797 que diz á Almada que não faça a Real Fazenda contratadora por que estas operações a depauperam; e que não procure enriquecer-se no seu actual cargo, como tem feito muitos governadores.

<< Este Aviso – diz Baena, foi concitado pelo Governador do Estado na sua correspondencia secreta ou reservada increpando aquelle governador seu subalterno de escorchador do salario dos indianos, de arbitrario nas operações da Fazenda, de empolgar de uma ampla fortuna e que não se continha nas justas raias das suas attribuições.

<< A boa escolha que o governador do Rio Negro tinha feito do Logar da Barra para o assento do Governo, unida a sua energia excitada pela ambição de gloria, que é talvez o mais poderoso movel de todas acções humanas nas empresas arduas, produsio uma distincta prosperidade de commercio e cultura. Este homem verdadeiramente do bem publico não cessava de promover com pasmosa actividade tudo quanto conspirar podesse para a felicidade dos habitadores>>.

<< De anno em anno surdiam estabelecimentos novos, e todos proficuos. Ali se padejou pão de arroz moido em Atafona movida por bestas. Estabeleceo-se uma fabrica de pannos de algodão de rolo, na qual haviam desoito teares e dez rodas de fiar com vinte e quatro fuzos cada uma. Fez-se uma fabrica de calabres e cordas de piassaba para canoas. Construio-se uma nora para ministrar agua á excellente fabrica de fecula do anil, e uma horta, cujas plantas regadas ao theor da Europa recebiam facilmente das aguas o effeito da sua benefica influencia na fertilisação do solo disposto em alforbes. Estabeleceu-se uma Olaria, cujo arranjamento de amassaria, estendedouro, e fornos calcinatorios e de torrefacção da telha e ladrilho, era por extremo bem concebido. Agricultou-se arroz no Rio Branco, do qual se colhiam mais de mil e duzentos alqueires annuaes. Criou-se uma officina de velas de cera para provimento das igrejas das vilas, julgados e povoações, cuja cera vinha em pão do Solimões. Lavrou-se a terra com arada para a sementeira e cultivo do anil.

<< Estabeleceu-se um açougue regular em que se talhava e vendia carne vacca vinda do rio Branco, em cujas campinas immensas e pingues o mesmo governador a despesas suas havia posto gado vacum de excellente qualidade, cavallar e muar importado das terras dos hespanhóes na certeza de que a visivel bondade d’aquelles campos assalitrados faria crescer rapidamente a producção destes animaes a ponto de que não só chegaria parr alimentar os moradores do rio Negro, mas ainda para estes exportarem para o Pará. Estabeleceram-se dous pesqueiros no rio Branco, um na margem esquerda vinte e duas leguas acima da sua embocadura, e o outro na margem direita defronte da boca do rio Uanauau. E foram extraidos do estado insocial para a nossa união politica os Mundurucús, Silvicolas bravos e temidos das outras cabildas alprestres, que dispersas vivem nas rudes selvas e nas incultas brenhas da Capitania>>.

<< Eis o espectaculo, que ateou no governador do Estado do Pará uma inveja perfeitissima, que por extremo o indispoz contra um homem verdadeiramente zelozo do serviço do principe e amante da publica utilidade; de cujo genio creador receava que a noticia chegasse a concitar na Côrte a lembrança de o fazer seu successor no governo do Estado; e para baldar esta possibilidade tratava de cortar pelo credito e merecimento d’aquelle homem denegrindo e offuscando a sua pessoal reputação perante o throno de seu Soberano na certeza de ser acreditado por um irmão que n’esse momento occupava um dos logares do gabinete, e de não ser desconcertada a sua calumnia e acirrada intriga pelas cartas officiaes do Gama buscando, como buscava, interceptal-as para mais empecilhar a verdade >>.

<< Ao supramencionado Avizo respondeo o Govenador do Rio Negro com um inventario authentico da notoria escacez da sua fortuna. Era esta a única resposta que devia dar um cidadão como elle de genio desinteressado e independente, que sempre surdo ás vozes da ambição nunca duvidou desprezar as riquezas >>.

Não obstante a justificação plena com que Almada fulminou as torpes accusações de Souza Coitinho, o desgosto n’elle occasionado pelo credito que taes occasiões mereceriam do governo, junto ao que lhe trouxe o Avizo de 3 de Agosto de 1799, que fel-o trasladar a séde da Capitania do Logar da Barra para Barcellos condenou-lhe que ahi devia fixar sua residencia, cavou fundo n’aquelle grande espirito, e no dia 27 de Outubro de 1799 Manuel da Gama Lobo d’Almada deixava de existir.

Este dia marca o da retrogradação do Rio Negro, retrogradação que nem o braço forte do Governador e Capitão General do Gram-Pará e Rio Negro, D. Marcos de Noronha e Britto, Conde de Arcos (1803) na intenção generoza de honrar a memoria d’Almada poude suster; sendo n’este intuito que em 1804 pedio que de novo fosse transferida a séde do governo da Capitania para o Logar da Barra e propoz para Governador do Rio Negro ao Coronel José Simões de Carvalho, conhecedor d’esta região, onde servio como membro da Partida de Demarcações. Infelizmente o Coronel Simões, já em viagem para o Rio Negro, falleceu na Aldeia de Tupinambarana (hoje cidade de Parintins) de uma indigestão, produzida por ovos de tartaruga.

Por carta patente de 6 de Dezembro de 1806 e sob proposta do mesmo governador Conde de Arcos, foi nomeado Governador do Rio Negro o Capitão de Fragata José Joaquim Victorio da Costa, o qual em 1807 tomou posse do seu cargo.

Não apreciaremos aqui, detalhadamente, o governo do Capitão de Fragata Victorio da Costa.

No conceito de Araujo Amazonas, este governador foi assás contrariado em sua administração pelo Ouvidor da Capitania, impossibilitando-o pela força superior das circumstancias de fazer o menor beneficio ao paiz.

<< O governador Victorio celebrisou-se por fallar a língua geral, da qual se apossou com tanta felicidade que corrigia os próprios indigenas >>.

Succedeu-lhe no governo, em 1818, o Major Manuel Joaquim do Paço.

Foi n’este mesmo anno que da villa de Silves e de Villa Nova da Rainha dirigiram-se petições á Côrte, solicitando a separação do governo da Capitania do governo geral do Pará.

N’este mesmo sentido, a 5 de Setembro de 1820 tambem dirigiu a Camara de Barcellos uma representação que lhe foi indicada pelo próprio governador Paço, o qual insinuara áquella corporação o que devia n’ella dizer com o fim de beneficial-o acreditando-o junto ao governo de D. João VI.

Por este procedimento do governador se póde adduzir qual o seu prestigio na gerencia dos negocios da Capitania.

Foi elle, no entanto, quem fundou a capella de Nossa Senhora dos Remedios de Manáos e promoveu outros pequenos melhoramentos, que, por certo, não seriam sufficientes para conjurar a decadencia da Capitania.

Dado que foi em Belem, capital da Provincia do Gram-Pará, o pronunciamento constitucional de 1° de Janeiro de 1821, por meio do qual foram depostos os governadores provisorios do Gram-Pará e Rio Negro, Arcediago Antonio da Cunha, Coronel Joaquim Felippe dos Reis, Desembargador Ouvidor do Pará Antonio Maria Carneiro de Sá, e foi instalada a junta provisoria da qual foi eleito presidente o Conego Vigario Capitular Romualdo Antonio de Seixas, depois Arcebispo da Bahia, e foi proclamada a Constituição de Portugal, o governador Manuel Joaquim do Paço oppôz-se a que fosse tambem proclamada na Capitania, do que resultou ser deposto do governo e substituido por uma junta governativa, composta do Ouvidor Ramos, do Juiz Ordinario João da Silva e Cunha e do Coronel Joaquim José Gusmão, que pelo governo do Pará foi encarregado do commando da tropa do rio Negro e ao mesmo tempo, como é de suppôr-se, de promover a revolução que depôz a Paço.

Em 1821 chegou ao Rio Negro o Vigario Geral José Maria Coelho.

Tem a data de 7 de Março o Decreto pelo qual D. João VI annunciou que voltava para Portugal deixando o Principe Real D. Pedro de Alcantara como regente.

Os acontecimentos que derivaram d’este Decreto, a extensão e vehemencia das idéas liberaes n’aquella epocha, a reacção do Principe Regente e dos Brazileiros contra o Decreto de 29 de Setembro de 1821, fulminado pela Côrtes de Lisboa, rasgaram largos horisontes á legitima aspiração de independencia, que já revoluteava ardentemente no coração e no espirito dos Brazileiros.

D’ahi o Fico de 9 de Janeiro de 1822 e a proclamação da independencia do Brazil a 7 de Setembro d’este anno.

Era então a Capitania do Rio Negro administrada por uma junta governativa, eleita a 3 de Junho, de conformidade com o Decreto das Côrtes de Portugal de 1° de Outubro de 1821, a qual se compunha dos cidadãos Antonio da Silva Craveiro, Bonifacio João de Azevedo, Manuel Joaquim da Silva Pinheiro e João Lucas da Cruz.

O governo do Pará sentia o movimento de que vinham tocados taes acontecimentos; mas todo adheso á causa de Portugal e adstricto ao juramento que prestára de olhar n’elle a cabeça dirigente, além de não submetter-se ao impulso que se lhe imprimia do sul, interceptava as communicações que do Rio de Janeiro eram dirigidas para a Capitania, no sentido das evoluções politicas que abriam nova era para a patria.

Foi assim que o Rio Negro em vez de eleger deputados a Assembléa Constituinte do Brazil elegeo-os ás Côrtes de Lisboa, recebendo o mandato n’esta occasião José Cavalcante de Albuquerque e João Lopes da Cunha.

A chegada do brigue de guerra Maranhão ao porto de Belem, sob o commando do capitão Tenente Grenfell, o reconhecimento solemne ali de D. Pedro de Alcantara, como Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brazil, refletiram-se logo no Alto Amazonas, onde a 9 de Novembro de 1823 tambem foi proclamada a independencia do Imperio.

Aqui terminamos a historia do primeiro periodo dos dous em que dividimos estes trabalho.

1823-1883

Proclamada n’aquelle dia, no Alto Amazonas, a Independencia do Imperio, a 22 do mesmo mez, reunida a camara, todas as autoridades civis e militares e mais cidadãos prestou-se juramento de fidelidade e adhesão a pessoa e governo do Senhor D. Pedro I, e no dia seguinte procedeu-se a eleição de uma junta governativa, que compoz-se dos cidadãos Bonifacio José de Azevedo, Luiz Ferreira da Cunha, Raymundo Barroso de Bastos, Placido Moreira de Carvalho e João da Silva e Cunha.

Assumindo esta attitude, dir-se-hia que o Alto Amazonas tomaria parte na comunhão politica do Imperio no caracter de Provincia.

Isto não aconteceu, por quanto neste mesmo anno foi rebaixada á cathegoria de comarca, ficando desde então dissolvida a junta governativa.

Tal rebaixamento cada vez mais precipitou o Alto Amazonas no plano inclinado da decadencia: e foi no intuito de obstal-a que, em 1825, o presidente do Pará nomeou o capitão Hilario Pedro Gurjão commandante militar da comarca, encarregando-o de transferir a camara da villa de Barcellos para o Logar da Barra.

Não era, porém, esta uma medida salvadora na situação que atravessava a comarca, principalmente se attender-se aos repetidos conflitos que se geraram entre o ouvidor e a camara e que motivaram ser esta transferida para sua antiga séde, incumbencia que foi commettida ao Coronel Joaquim Felippe dos Reis, por este tempo nomeado commandante militar da Comarca.

Tal nomeação, e transferencia se annullaram as luctas que existiam entre a camara e o ouvidor, não preveniram as que se levantaram entre este e o próprio commandante militar; e ellas subiram a tal ponto que a 2 de Abril de 1832 o Coronel Joaquim Felippe dos Reis era assassinado dentro do quartel no furor de um motim de que fez-se cabeça um soldado de nome Joaquim Pedro, a quem não se póde attribuir a iniciativa de tal revolta.

A este deploravel acontecimento seguio-se a 22 de Junho a acclamação da Provincia do Rio Negro, da qual foram acclamados, - presidente o Ouvidor Manuel Bernardino de Souza Figueiredo e commandante das Armas o Tenente Boaventura Bentes. Mas logo que a noticia de taes successos chegou ao Pará foi d’ahi mandada uma expedição sob o commando do Tenente Coronel Domingos Simões da Cunha Bahiana que suffocou a revolução e dissolveu a acclamada Provincia do Rio Negro, o que realisou-se em 1° de Agosto de 1832, a despeito da resistencia opposta por uma fortaleza que fora improvisada nas Lages, na confluencia do Rio Negro, e cuja direcção foi confiada ao religioso carmelita Fr. Joaquim de Santa Luzia.

Não faremos a crítica destes successos; registramol-os apenas; elles mostram a marcha irregular dos negocios publicos na comarca, para o que a promulgação do codigo do processo em 1833, em virtude do qual foi dividida a Comarca em quatro termos (4) e a creação da Guarda Nacional, então, sem duvida muito concorreram.

E se desanimadora era a situação da comarca, não menos o era a da Capital, onde sob a influencia de reprovadissimos actos praticados pelas autoridades rebentou a revolução de 7 de Janeiro de 1835, sendo assassinados – o Presidente da Provincia, o commandante das Armas e o da força naval.

Foi esta revolução a iniciadora da Cabanagem.

No anno anterior havia assumido o commando militar da Comarca o Major Manuel Machado da Silva Santiago, que tendo noticia das occurrencias havidas na capital, onde fora assassinado um seu irmão (o commandante das Armas) abandonou o seu posto retirando-se para o Pará.

Ateada a revolução ali, não tardou que ella se manifestasse no Alto Amazonas, desde que repelidos de Belem, os rebeldes se haviam dirigido pelo Amazonas acima e estabeleceram o centro de suas operações em Icuipiranga, acima da foz do rio Tapajós.

Por este tempo o juiz de direito interino, Cordeiro, por autonomasia o Caramujo, assumira a administração da comarca e mandara preso para o Pará, por desrespeitos á sua autoridade, o preto Francisco Bernardo, degradado pernambucano.

Obstada a passagem da diligencia em Icuipiranga pelos rebeldes, estes chamaram a si o referido preto, de quem naturalmente tomaram informações sobre a resistencia que lhes opporia a Villa da Barra e fizeram regressar a diligencia. Esta annunciou a approximação dos rebeldes; mas providencia alguma tomou-se no sentido de obstar-lhes a invazão, que effectuou-se a 7 de Março de 1836 e deveu-se a imprevidencia do referido juiz Cordeiro.

Foi a 31 de Agosto que os rebeldes foram expulsos da Villa da Barra por Gregorio Naziazeno da Costa, assumindo em seguida o commando militar o Capitão João Ignacio Rodrigues do Carmo que parte muito activa e saliente tomou na restauração da Villa.

D’ahi repellidos os cabanos; mas de posse de um bom trem de guerra de que se apoderaram, invadiram differentes logares da Commarca. Não dispunham, porém, de força sufficiente para se sustentarem n’elles e por isto era successivamente forçados a deixal-os.

N’este empenho muito se distinguiram por seu amor á ordem e por sua bravura, não só os dous citados Gregorio Naziazeno e Capitão João Ignacio, como tambem o Capitão Miguel Nunes Bemfica, Manuel Antonio Freire Taqueirinha e principalmente o degradado Ambrosio Ayres Bararoá, que não só na expulsão dos cabanos de Icuipiranga, como em excursões pelo rio Maués, para onde elles se refugiaram, prestou relevantissimos serviços á causa da legalidade, dirigindo a companhia que organisou, e de que se fez chefe em Bararoá (Thomar).

Bararoá, depois de recommendaveis feitos d’armas que praticou, foi nomeado commandante militar da Comarca.

Como elles, porém, não foi recommendavel seu commando militar, no exercicio do qual Bararoá não soube modificar ou reprimir o seu rigorismo e severidade de Caudilho.

Foi oppressor e improbo. Os cabanos o assassinaram a 6 de Agosto de 1838.

Não obstante sua dedicação pela cauza que tinha abraçado, não se explica a razão que o levou a reunir nos lagos dos Autás todo o pessoal valido para a guerra que poude retirar da Barra e para ella voltava acompanhado de uma força de sua confiança, quando em viagem foi assassinado.

A Bararoá succedeu no commando militar o Capitão da Guarda Nacional José Antonio de Oliveira Horta, que foi por sua vez, substituido pelo 1° Tenente d’Armada Lourenço da Silva Araujo e Amazonas (1840).

Sendo por Decreto de 4 de Novembro de 1839 amnistiados os rebeldes, a 28 de Janeiro de 1840 segundo uns, ou a 28 de Março, do mesmo anno segundo outros, realisou-se seu rendimento na foz inferior do Ramos, cabendo a gloria deste acontecimento ao Capitão João Valente do Couto, que para ali partira apenas acompanhado por seis pessôas.

<< Com este acontecimento, diz o Conego Bernardino, e com igual que dias depois se deu na Villa de Maués restabeleceu-se o imperio da lei, ficando extincta na Comarca do Rio Negro, hoje provincia do Amazonas, essa revolução que tanto sangue e tanto dinheiro custou as duas provincias – Pará e Amazonas, então unidas em um só corpo >>.

Pacificada a Comarca, a sua situação não melhorou, como seria possível e desejavel, se por ventura uma nova organisação administrativa viesse tirar o mando supremo das mãos dos commandantes militares, os quaes até então, no geral, tinham sido arbitrarios e opressores, provindo do defeito no regimen de governo as luctas que em seguida se levantaram, por conflictos de attribuições, entre os ditos commandantes e os juizes de paz, e que com alternativas mais ou menos pronunciadas se manifestavam até que lhes pôz termo a lei de 5 de Setembro de 1850, que elevou a Comarca a cathegoria de Provincia.

Entretanto, antes d’isto succederam-se alguns factos dignos de nota, quer na comarca, quer com relação a ella, taes como: em 1842 a invasão do Pirárára por um coronel inglez, que commandava 70 negros, a subida ao rio Branco do Commandante das Armas do Pará, Francisco Sergio de Oliveira, e em 1848, a elevação da Villa de Manáos a cathegoria de Cidade, a visita do Bispo diocesano, D. José Affonso de Moraes Torres a Comarca, a fundação do seminario episcopal de Manáos, realisada a 14 de Maio, instituição, á qual está vinculado pelos laços do maior reconhecimento do povo o nome d’aquelle illustre e venerando prelado.

Tal se nos apresenta a Comarca do Alto Amazonas, quando a 1° de Janeiro de 1852 foi inaugurada a provincia do Amazonas pelo seu primeiro presidente João Baptista de Figueiredo Tenreiro Aranha, paraense distincto e que nesta occasião ccupava uma cadeira na representação nacional por mandato de sua provincia natal.

Comprehende-se facilmente que por mais lisongeiros que fosse o estado da provincia ao ser inaugurada, quer em relação ao pessoal de que dispunha para o prehenchimento dos cargos publicos que eram exigidos pela cathegoria a que tinha sido elevada, quer a respeito de suas finanças, de suas industrias, e etc; e por mais dedicados que fossem a causa publica os seus primeiros administradores, a elles não podia caber então outra tarefa que não a difficil, mas certamente gloriosa de preparar as bazes do futuro de uma região, que pelos successivos rebaixamentos que soffreu em sua autonomia politica e administrativa, pelas luctas que ha mais de 50 annos a faziam retrogradar, tinha carencia dos principaes elementos que se faziam mister para promptamente organisar-se e constituir-se uma sociedade com a virilidade intellectual e moral necessaria ao desenvolvimento de seus grandes recursos, de sua immensa riqueza.

E posto que, logo após a emancipação politica do Alto Amazonas, viesse no mesmo anno a fundação da Companhia de navegação e commercio a vapor, medida sem duvida alguma, de auspicioso alcance para o engrandecimento de toda a Amazonia, contudo os primeiros administradores da nova provincia não podiam, nem deviam considerar outra questão mais momentosa do que aquella de que com interesse se occuparam e virtualmente se prendia á organisação dos differentes ramos de serviço publico, sem o que tornar-se-hia difficl, senão impossivel, o regular funccionamento do governo.

Por isso não se devia esperar que nos primeiros annos a provincia muito se adiantasse na senda do progresso, embora se succedessem na sua administração cidadãos com a precisa idoneidade para os cargos que lhes confiara o governo, como foram o já citado Tenreiro Aranha, conselheiro Herculano Ferreira Penna, João Pedro Dias Vieira e Angelo Thomaz do Amaral.

Mesmo assim, no periodo do tempo que vae de 1° de Janeiro de 1852 a 10 de Novembro de 1857, dentro do qual exerceram o governo aquelles cidadãos, deu-se rasoavel organisação á instrucção publica, creando-se mais 12 escolas do ensino primario para ambos os sexos em differentes localidades, e na capital as cadeiras de musica vocal e instrumental, de arithmetica, geometria e algebra e a de philosophia nacional e moral; além d’isto foram elevadas a cathegoria de Villas, com a denominação de Villa Bella da Imperatriz e freguezia de Villa Nova da Rainha (Resolução de 15 de Outubro de 1852) e com a de Silves a freguezia do mesmo nome (Resolução de 21 de Outubro de 1852).

Foi tambem creada a comarca do Solimões (Lei de 7 de Dezembro de 1853); a villa de Ega foi elevada a cidade com a denominação de Teffé (Resolução de 15 de Junho de 1855); a povoação de Tauapessassú passou a ser freguezia (Resolução de 22 de Junho de 1855), e a cidade da Barra do Rio Negro recebeu o nome de cidade de Manáos (Lei de 4 de Setembro de 1856).

Em 10 de Novembro de 1857 prestou juramento e tomou posse da administração da Provincia o Dr. Francisco José Furtado.

As freguezias de Serpa e Borba são elevadas a cathegoria de Villas (Leis de 10 de Dezembro de 1857).

A 25 de Março o presidente da provincia inaugura o utilissimo Estabelecimento de Educandos, creado pela lei n° 60 de 21 de Agosto de 1856, e a 23 de Julho assiste á collocação da primeira pedra do edificio da nova matriz de Nossa Senhora da Conceição de Manáos.

A lei n° 82 de 24 de Setembro do mesmo anno crêa a comarca de Parintins e a Resolução de 4 de Julho de 1859 eleva a Freguezia o Logar do Crato no Rio Madeira.

Ao presidente Furtado succedeu o Dr. Manuel Clementino Carneiro da Cunha (1860).

Em 1861 visita o Amazonas o poeta Antonio Gonçalves Dias, a quem a presidencia incumbe de visitar as escolas publicas dos rios Madeira, Amazonas e Negro.

Tambem neste anno a provincia é representada na exposição que o governo imperial realisou na côrte a 2 de Dezembro pelos productos de sua industria. A commissão encarregada pelo presidente de reunir os objectos de producção da provincia que ali figuraram compôz-se dos cidadãos Dr. Antonio Gonçalves Dias, presidente, Dr. Caetano Estellita Cavalcante Pessoa, Conego Joaquim Gonçalves de Azevedo, João Martins da Silva Coitinho, Dr. Antonio José Moreira, Coronel Leonardo Ferreira Marques, Dr. Antonio José de Freitas Junior, Engenheiro Sebastião José Basilio Pyrrho, Henrique Antony, João José de Freitas Guimarães e Rufino Luiz Tavares.

Por este tempo o Rio Madeira foi explorado pelo Dr. João Martins da Silva Coitinho, e o Purús pelo cidadão Manuel Urbano da Encarnação.

Estas explorações e as que depois fizera a estes rios o explorador inglez Chandelle abriram uma phase de prosperidade á provincia.

Em 1862, tendo sem a competente autorisação subido o rio Amazonas o vapor peruano Morona, levantou-se um conflicto internacional entre o Brazil e o Perú.

Uma commissão de demarcação de limites entre o Brazil e o Perú foi nomeada n’este mesmo anno, sendo o seu primeiro commissario o capitão tenente José da Costa Azevedo.

Sobre os trabalhos d’esta commissão o Presidente Adolpho de Barros Cavalcante de Albuquerque Lacerda assim se expressou em 1864:

<< Ainda não poderam ser incetados os trabalhos da demarcação da nossa fronteira com aquelle Estado (o Perú).

<< Tendo o ministro da republica no Rio de Janeiro communicado ultimamente que o Sr. almirante Manategue, commissario do Perú, fôra obrigado a retirar-se para Londres por motivo de saude, accrescentando que se tinha dirigido ao seu governo para que se lhe désse successor; dispensou o governo imperial parte da commissão aqui existente (Manáos), recommendando ao mesmo tempo ao respectivo chefe, capitão tenente José da Costa Azevedo, se conservasse na provincia até finalisar e coordernar os trabalhos preparatorios de que se achava incumbido.

<< O Sr. Costa Azevedo, julgando opportuno entender-se pessoalmente com o governo ácerca d’esses trabalhos, conforme trouxe ao meu conhecimento, partiu com os seux auxiliares para a côrte.

<< Acha-se, pois, novamente dilatada a epocha em que terão começo os trabalhos d’esta tão protahida demarcação >>.

Rompendo a guerra do Paraguay e sendo expedido o Decreto n° 3371 de 7 de Janeiro de 1865, creando os corpos de Voluntarios da Patria, a provincia não se fez esperar e prestou á satisfação de tão conveniente e opportuna medida do governo o concurso possível.

Na peleja em que a honra nacional se tinha empenhado, um dos voluntarios amazonenses, o Capitão Luiz Antony, distinguiu-se com denodo de bravo. Deu a vida em holocausto á patria, mas deixou um nome querido da provincia que o viu nascer.

<< Para esta cruzada patriotica, diz ainda o Presidente Adolpho de Barros, o Amazonas ha concorrido, senão na medida do santo amor da patria que anima os seus briosos filhos, ao menos em proporção superior ás forças de sua população diminuta>>.

Em 17 de Junho de 1865 foi assaltada a villa de Serpa por alguns criminosos, ficando em sobresalto toda sua população. E sem que se tenha podido precisar a causa d’este acontecimento, recahiram todavia vehementes suspeitas de tel-o promovido no delegado e subdelegado de districto, os quaes depois de exonerados, sendo presos e processados foram absolvidos.

Ao Capitão Antonio José Serudo Martins (então Alferes da Guarda Nacional) deveu-se a retirada dos assaltantes e o restabelecimento da tranquillidade e ordem publicas da villa.

Em fins do mesmo anno visitou a provincia em explorações scientificas o celebre professor Agassis, a quem o Presidente Antonio Epaminondas de Mello prestou todas as facilidades e serviços, conforme lhe havia recommendado o governo imperial.

Ainda a 29 de Junho o Vice-Presidente Dr. Gustavo Adolpho Ramos Ferreira inaugurou em Manáos a exposição de productos agricolas e industriaes e de obras de arte, ordenada pelo governo e cuja direcção fôra confiada a uma commissão composto do dito Vice-Presidente, dos engenheiros Joaquim Leovigildo de Sousa Coelho, Luiz Martins da Silva Coitinho, do director geral dos indios Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães e do medico Dr. Francisco de Paula Soares.

Em principio de 1866 chegou a Manáos e seguiu para Tabatinga o commissario brazileiro da demarcação dos limites entre o Brazil e o Perú, e a 28 do mesmo anno assignaram os commissarios das duas nações o Auto de posse da fronteira do littoral do Amazonas entre o Império do Brazil e a República do Perú, segundo o Tratado de 23 de Outubro de 1851 celebrado entre os governos dos dous Estados.

Por este tempo notavel desenvolvimento já se percebia no commercio da provincia.

Os grandes seringaes descobertos nos rios Purús e Madeira, a emigração de exploradores de productos naturaes que se dirigia para estes rios, os numerosos estabelecimentos que alli se fundavam com incriveis difficuldades de transporte, tornaram urgente n’aquella paragens a navegação a vapor.

Manifestada a necessidade, a idéa de satisfazel-a levantou-se imperiosa, tomou vulto e o commendador Alexandre Paulo de Brito Amorim, homem intelligente e emprehendedor, pondo-se á frente do movimento, encontrou na Assembléa acolhimento decidido, e a lei n° 158 de 7 de Outubro de 1866 que é subscripta pelo Dr. Gustavo A. Ramos Ferreira, que então se achava na administração da Provincia, como seu 1° Vice-Presidente, autorisava a Presidencia a contractar com Alexandre Paulo de Brito Amorim, ou com qualquer a encorporação de uma companhia de navegação a vapor nos rios Madeira, Purús e Negro.

Então já existiam creadas 25 cadeiras para o ensino primario de ambos os sexos, frequentadas por 527 alumnos, e o ensino secundario tinha experimentado reformas.

N’este mesmo anno foi expedido o Decreto n°. 3749 de 7 de Dezembro que abriu o Amazonas e seus affluentes á navegação dos navios mercantes de todas as nações, e começou a ter execução a 7 de Setembro de 1867, dia em que na provincia, para commemorar-se a grande medida decretada, inaugurou-se a esforços do medico humanitario e patriota, Dr. Antonio David Vasconcellos de Canavarro, a columna commemorativa erecta na Praça de S. Sebastião em Manáos.

Exercia o governo em 1868 um illustre cidadão, o Dr. Jacintho Pereira do Rego, quando a 16 de Julho foi chamado aos conselhos da corôa o partido conservador, na pessôa de um dos seus mais eminentes chefes, o visconde de Itaborahy.

Inaugurou-se em 1869 a Sociedade <<Atheneu das Artes>>, utilisima instituição que tinha por fim instruir por meio das lettras as classes menos favorecidas da fortuna, a dos artistas e sobretudo os seus sócios e soccorrel-os quando impossibilitados de adquirirem pelo trabalho os meios de subsistencia. Foi esta Sociedade quem fundou a primeira escola nocturna em Manáos.

A 6 de Março de 1870 inaugura-se nesta cidade a Sociedade emancipadora da escravatura, primeira n’este genero que teve a provincia e uma das primeiras fundadas no Imperio.

Na inauguração d’esta Sociedade causou reparo o desgosto á população de Manáos, que geralmente a applaudio, o não comparecimento do presidente da provincia, João Wilkens de Mattos, a quem a directoria da Sociedade em pessôa fizera um convite delicado e especial, desejosa como mostrou-se de ver n’aquelle acto a primeira auctoridade da provincia.

Tambem em 1870 foi convertida em lei (n°. 205 de 17 de maio) uma proposta do membro da Assembléa Dr. Aprigio Martins de Menezes, creando em Manáos uma sala de leitura que serviria de nucleo á futura bibliotheca da provincia.

Inaugurou-se a Companhia Fluvial do Alto-Amazonas, da qual foi empresario o commendador Alexandre Paulo de Brito Amorim. Com a creação d’esta empresa a provincia do Amazonas satisfazia a uma de suas mais legitimas aspirações; tinha realizado um melhoramento de incalculavel futuro para o interesse particular de seu commercio e de seus habitantes.

Estava, porém, votada á não auferir-lhe as vantagens por muito tempo, e para isto directamente concorreu o tremendo naufragio do vapor Purús um dos dous com que inaugurou-se a Companhia, successo que consternou profundamente as duas provincias – do Pará e Amazonas.

Ainda em 1870 assumio a administração o presidente General José de Miranda da Silva Reis, caracter sério e administrador zeloso.

A este illustre cidadão coube sanccionar a lei pela qual a Assembléa Provincial dotou o Amazonas com a navegação a vapor directa entre Manáos e a Europa.

Foi tambem o commendador Amorim quem primeiro organizou uma empreza que iniciou esta navegação.

Em 1872 toma posse da presidencia o Dr. Domingos Monteiro Peixoto (depois Barão de S. Domingos). Durante seu governo promoveram-se muitas subscripções, fizeram-se bons donativos em favor da instituição da Santa Casa da Misericordia, cujo edificio começou-se a construir por este tempo e somente poude funccionar passados annos.

Em 1873, o termo de Barcellos foi elevado a comarca com a denominação de Comarca do Rio Negro (Lei de 30 de Abril de 1873). São creadas duas freguezias no Rio Purús e a de Nossa Senhora da Conceição de Manáos foi dividida em duas (Leis de 15 de Maio).

A lei de 25 de Maio de 1874 elevou a Villa de Serpa a cathegoria de Cidade com a denominação de Itacoatiara. As freguezias de Codajás e Alvellos passam a villas com as de Codajás e Coary (Lei de 1° de Maio).

O desequilibrio que a perda do vapor Purús cauzou nas finanças da Companhia Fluvial motivou ser ella transferida á <<Amazon Steam Navigation Company, Limited>>, no que com desagrado do commercio conveio o governo da provincia.

Em 1876 crêa-se a comarca de Itacoatiara (Lei n. 341 de 26 de Abril).

E se no anno seguinte as freguezias de Borba e Manicoré vêem-se elevadas a cathegoria de villas (Resolução de 4 de Junho), n’este mesmo anno a Assembléa Provincial vibra golpe violento no futuro da mocidade desfavorecida da fortuna com a lei de 7 de Junho, que extinguio o Estabelecimento dos Educandos.

Esta lei mereceu a sancção do Presidente Agesiláo Pereira da Silva.

A provincia por este tempo atravessava uma crise realmente desanimadora. A baixa que ha alguns annos experimentava na cotação de seu principal producto de exportação – a borracha - , junto a má applicação e falta de fiscalisação dos dinheiros publicos veio deprimir immensamente os créditos da provincia, que em 1877 ouvia com magua a um seu presidente dizer o seguinte:

<< Quando aqui cheguei (Manáos) para o desempenho do cargo com que me honrara o governo imperial, reconheci quanto era espinhosa pelas criticas circunstancias em que vim encontrar a provincia, a missão que eu aceitara.

<< De um lado achei admittido o principio do assalto aos cofres publicos, o abuso dos recursos da provincia, o malbarato de suas forças, o pouco cazo do serviço publico; do outro, vi erguido a desconfiança em relação aos negocios com a provincia, em relação a somma de encargos tomados e da impossibilidade ou pelo menos grande difficuldade de satisfazel-os, e d’ahi a uzura nas poucas transações que ainda se conseguiam, uzura que aliás muito contribuira para tal situação, porque foram os lucros fabulosos, com que se procurava esgotar á fazenda provincial, uma das cauzas poderosas do atraso da provincia; e a outro em 1878 assim exprimir-se:

<< Receio que me faltem palavras para descrever fielmente o estado do Thezouro, quando assumi a administração a 26 de Maio do anno passado.

Estava na ordem do dia a insolvabilidade da provincia, que era um ponto de fé para todo o mundo. Falava-se da banca rota como de um facto consumado, contra o qual todos os esforços seriam impotentes e todos os remedios inefficazes.

Os que avaliavam em menos o passivo do thezouro queriam que fosse, no minimo de réis 300:000$000 outros o elevavam a 350:000$000 e muitos asseguravam que attingia senão excedesse, a considerabillissima somma de 400:000$000 réis.

Os credores, cujo numero era difficil contar, apinhavam-se quotidianamente á porta do thesouro reclamando pagamentos que não podiam ser satisfeitos, porque no cofre não existia um real.

<< Quando uma quantia qualquer era recolhida ao cofre, estas scenas deploraveis tornavam-se indescriptiveis. Os credores a quem chegava a noticia corriam immediatamente ao thesouro, e ahi, a um tempo e voz em grita, reclamavam para sia a somma recolhida >>.
Assim se exprimiam os dous ultimos presidentes da situação conservadora inaugurada a 16 de Julho de 1869.

Era esta a situação da Provincia quando a 5 de Janeiro de 1878 subio ao poder o partido liberal e foi nomeado presidente da Provincia o General Barão de Maracajú (hoje visconde).

Na administração d’este honrado cidadão, a qual estendeu-se de 7 de Março de 1878 a 26 de Agosto de 1879, quando entregou-a ao 1° Vice-Presidente Dr. Romualdo de Souza Paes de Andrade, foi que com maior intensidade se dirigiu para o Amazonas a emigração cearense. O augmento de população que se foi fazendo nos differentes rios da provincia e d’ahi o aumento de producção, a alta do preço da borracha, juntos a bôa direcção dos recursos da provincia annunciaram a ella um periodo feliz de desenvolvimento.

Durante sua administração o presidente Barão de Maracajú abrio a Assembléa Provincial duas vezes, em 25 de Agosto de 1878 e em 29 de Março de 1879.

N’aquelle anno a Assembléa votou e elle sanccionou entre differentes leis de interesse publico, a 14 de Outubro, creando uma comarca no rio Madeira, a de 16 do mesmo mez elevando a villa a freguezia de Moura e as que deram predicamento de freguezias as povoações de Carvoeiro no Rio Negro e a de Alvarães no Solimões (Leis de 16 e 21 de Outubro). No de 1879 tambem foi sanccionada uma lei concedendo previlegio por 15 annos á companhia que se organisasse em Manáos ou fóra d’ella e levasse a effeito o melhoramento do abastecimento de agua potavel.

Foi n’este anno que chegou a Manáos, a fim de dar começo aos trabalhos de demarcação de limites entre o Brazil e a Republica da Venezuella, a Comissão Brazileira, de que fôra chefe o tenente coronel Dr. Francisco Xavier Lopes de Araujo.

Em 1880 foi autorisada a installação de uma irmandade de Misericordia em Manáos (Lei de 14 de Abril), e crêa-se em cada um dos termos de Teffé e Villa Bella um tabellião do judicial e notas. Além d’isto a lei de 21 de Maio autorisou um credito para auxiliar a Camara Municipal na execução da idéa de que teve de erigir uma estatua ao legendario Marquez de Herval, e a de 29 do mesmo mez creou cinco escolas no Rio Purús.

Em 22 de Junho de 1880 assumio o governo da provincia o illustrado Dr. Satyro de Oliveira Dias, cuja administração estendeu-se até 16 de Maio do anno seguinte, e foi uma das mais proficuas que tem passado no Amazonas.

Durante ella iniciaram-se muitos melhoramentos notaveis. Então a provincia fundou uma companhia de navegação exclusiva de seus rios – a de Navegação de Manáos, a qual a lei de 25 de Abril concedeu uma subvenção.

A lei de 30 do mesmo mez autorisou a presidencia a contractar a navegação entre Manáos e New-York, de que actualmente a provincia aufere incontestaveis vantagens.

As freguezias de Labrea e do Andirá são elevadas a villas (Leis de 16 de Março e 9 de Junho).

Começa-se a aterrar a Praça de Paysandú, construe-se a ponte de ferro sobre o igarapé dos Remedios, e assenta-se a primeira pedra do edificio destinado para lyceu provincial.

Por este tempo a borracha tem attingido a elevadissimo preço e o thesouro provincial livre de qualquer atraso guarda em suas arcas avultadissimo saldo.

Em 28 de Janeiro de 1882 começa a governar a provincia o Dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá, que n’este momento ainda lhe dirige os destinos.

O illustre administrador tem dedicado toda sua actividade de moço, intelligencia e tino administrativo de que é dotado em promover grandes melhoramentos de que carece o Amazonas.

E’ assim que durante sua distincta administração inaugurou-se o mercado de ferro á rua aod Barés, em Manáos, organisou-se uma empresa predial, restabeleceu-se o estabelecimento dos Educandos, contractou-se com a Companhia Brazileira de paquetes a vapor para estender suas viagens até Manáos, elevou-se a 2:000$000 réis a averbação de escravos que entrassem na provincia, creou-se o monte-pio para as famílias dos funccionarios provinciaes e municipaes, elevou-se á cathegoria de villa a freguezia de S. Paulo de Olivença, creou-se a comarca do Purús, e iniciaram-se muitos outros melhoramentos de utilidade geral.

A Provincia, pois, tem o seu credito restabelecido e firme. Preparada como está para atirar-se a grandes commettimentos, ella procura realisal-os desassombradamente. O commercio cresce e opulenta-se.

A instrucção publicá tem soffrido profunda e util reforma.

Tudo floresce.

Bem haja pois o governo que sabe prover as necessidades do povo que lhe está confiado.


RELAÇÃO
Dos Presidentes e Vice-Presidentes que teem exercido o governo desde 1852 a 1883, com as datas dos decretos de suas nomeações, dos seus juramentos e posses, etc

Inaugurou a Provincia do Amazonas no dia 1° de Janeiro de 1852 o seu primeiro prisidente João Baptista de Figueredo Tenreiro Aranha, nomeado por Carta Imperial de 7 de Junho de 1851 e que a administrou até 27 de Junho d’aquelle anno por ter neste tempo de retirar-se para Côrte afim de tomar assento na Assembléa Geral da qual era membro eleito pela Provincia do Pará. Exerceu o seu emprego 5 mezes e 27 dias.

Assumio a administração o 1° Vice-Presidente Bacharel Manoel Gomes Correia de Miranda, a quem coube installar a primeira sessão da Assembléa Provincial em 5 de Setembro de 1852.

Governou de 27 de Junho deste anno a 22 de Abril de 1853 (9 mezes e 25 dias), quando foi empossado da presidencia o Conselheiro Herculano Ferreira Penna, presidente nomeado por Carta Imperial de 16 de Dezembro de 1852.

O Relatorio offerecido ao presidente Conselheiro Penna pelo Vice-Presidente Correia de Miranda tem a data de 9 de Maio de 1853.

O Conselheiro Penna administrou a Provincia 10 mezes e 18 dias, de 22 de Abril deste anno a 11 de Março de 1855.

Durante este periodo de tempo installou-se por duas vezes os trabalhos da Assembléa Legislativa provincial, - em 1° de Outubro de 1853 e em 1° de Agosto de 1854.

No dia indicado (11 de Março de 1855) passou a administração ao 1° Vice-Presidente Correia de Miranda com uma Exposição da mesma data.

Tomando de novo as redeas do Governo o 1° Vice-Presidente abrio em 3 de Maio a Assembléa Provincial (4° sessão ordinaria) e passou a administração, a 28 de Janeiro de 1856 ao presidente Dr. João Pedro Dias Vieira, nomeado por Carta Imperial de 9 de Outubro de 1855 e que a exerceu até 26 de Fevereiro de 1857, tendo installado os trabalhos da Assembléa Provincial em 26 de Julho do anno antecedente.

Ao presidente João P. Dias Vieira substituio o 1° Vice-Presidente Correia de Miranda que esteve na presidencia até 12 de Março de 1857, dia em que assumio a administração o presidente Angelo Thomaz do Amaral, nomeado por Carta Imperial de 24 de Janeiro de 1857.

E tendo obtido licença para tratar de sua saude, passou a 11 de Maio do mesmo anno a administração ao dito 1° Vice-Presidente, que a exerceu até 28 de Agosto, quando entregou-a ao 2° Vice-Presidente, Conego Joaquim Gonçalves de Azevedo, que foi depois Bispo de Goyaz e Arcebispo da Bahia.

O Conego Gonçalves de Azevedo esteve na presidencia até 8 de Setembro. Nesta data reassumio-a o presidente Angelo Thomaz do Amaral que servio até 10 de Novembro.

Neste dia prestou juramento e entrou em exercicio o Dr. Francisco José Furtado, nomeado por Carta Imperial de 28 de Agosto de 1857.

A 7 de Setembro abriu a Assembléa Provincial.

A 27 de Outubro de 1858, por annojado passou a administração ao Vice-Presidente Gonçalves de Azevedo e reassumio-a a 4 de Novembro do mesmo anno.

Tendo obtido tres mezes de licença do Governo Imperial por Avizo de 30 de Março de 1859, para tratar de sua saude na provincia do Maranhão, abrio a Assembléa Provincial a 3 de Maio de 1859 e entregou a administração a 30 deste mez e anno ao 1° Vice-Presidente Correia de Miranda, que abriu a Assembléa a 3 de Novembro, e esteve na Presidencia até 24 de Novembro tudo de 1860, quando entregou-a ao presidente Dr. Manoel Clementino Carneiro da Cunha, nomeado por Carta Imperial de 13 de Agosto de 1860.

Este presidente abriu a Assembléa a 3 de Maio de 1861 e a 3 de Maio de 1862 e administrou a provincia até 7 de Janeiro de 1863.

Neste dia assumio a administração o 1° Vice-Presidente Correia de Miranda que a 7 de Fevereiro do mesmo anno entregou-a ao presidente nomeado por Carta Imperial de 22 de Novembro de 1862, Dr. Sinval Odorico de Moura.

Este abrio a Assembléa Provincial a 24 de Maio de 1863 e governou até 7 de Abril de 1864, quando succedeu-lhe o Dr. Adolpho de Barros Cavalcante de Albuquerque Lacerda, presidente nomeado por Carta Imperial de 23 de Janeiro de 1864.

Abrio a Assembléa Provincial a 1° de Outubro de 1864 e deixou o governo a 8 de Maio de 1865, passando-o ao Vice-Presidente Coronel Innocencio Eustaquio Ferreira de Araujo, que servio até 20 do mesmo mez e anno, quando passou as redeas do governo ao 1° Vice-Presidente Correia de Miranda.

Deste recebeu a administração em 24 de Agosto de 1865 o Dr. Antonio Epaminondas de Mello, nomeado por Carta Imperial de 8 de Julho de 1865.

Foi ao Dr. Gustavo Adolpho Ramos Ferreira, então 1° Vice-Presidente a quem o presidente Epaminondas de Mello passou a administração no dia 24 de Junho de 1866, quando seguio para a Corte, afim de tomar assento na Camara dos Deputados.

A 7 de Novembro do mesmo anno o Dr. Epaminondas reassumio a administração e pôr ter de seguir de novo para a Côrte, entregou-a a 30 de Abril do anno seguinte ao então 1° Vice-Presidente Tenente Coronel Sebastião Bazilio Pyrrho, nomeado por Carta Imperial de 26 de Março de 1867.

Este abrio a Assembléa Provincial a 15 de Maio do mesmo anno apresentando-lhe a Exposição com que o presidente Epaminondas entregou-lhe a administração. O 1° Vice-Presidente Pyrrho passou a Presidencia ao 5° Vice-Presidente João Ignacio Rodrigues do Carmo a 9 de Setembro de 1867.

Em 24 deste mesmo mez e anno o 2° Vice-Presidente Tenente Coronel José Bernardo Michilles recebeu a d’aquelle e a 25 de Novembro entregou-a ao presidente José Coelho da Gama e Abreu, nomeado por Carta Imperial de 29 de Setembro do mesmo anno.

O Presidente Gama e Abreu em 9 de Fevereiro de 1868 passa a presidencia ao Dr. Jacintho Pereira do Rego, presidente nomeado por Carta Imperial de 30 de Dezembro de 1867.

Este abriu a Assembléa em 1° de Junho de 1868, e passou a administração ao 1° Vice-Presidente Coronel Leonardo Ferreira Marques no dia 24 de Agosto de 1868.

No dia 24 de Novembro o presidente João Wilkens de Mattos, que fora nomeado por Carta Imperial de 21 de Outubro, recebeu o governo do dito 1° Vice-Presidente Ferreira Marques.

O presidente Wilkens abriu a Assembléa a 4 de Abril de 1869 e 25 de Março de 1870.

Passou a presidencia a 8 de Abril deste anno ao 3° Vice-Presidente Tenente Coronel Clementino José Pereira Guimarães, que a 8 de Junho do mesmo anno entregou-a ao Coronel José de Miranda da Silva Reis, presidente nomeado por Carta Imperial de 27 de Abril de 1870.

O Coronel Miranda Reis abrio a Assembléa Provincial a 25 de Março de 1871 e a 25 de Março de 1872, e passou o Governo com uma Exposição, a 8 de Julho de 1872, ao Presidente Dr. Domingos Monteiro Peixoto, nomeado por Carta Imperial de 31 de Maio do mesmo anno.

O Dr. Monteiro Peixoto abrio a Assembléa em 25 de março de 1873 e em 25 de Março de 1874. A 16 de Março de 1875 entregou a presidencia ao Capitão de Mar e Guerra Nuno Alves Pereira de Mello Cardozo, 1° Vice-Presidente que a 29 de Março de 1875 abrio a Assembléa Provincial e apresentou-lhe o Relatorio com que o Dr. Monteiro Peixoto lhe passara a administração.

O Presidente Dr. Antonio dos Passos Miranda, a 7 de Julho de 1875 prestou juramento e tomou posse do cargo para que fora nomeado por Carta Imperial de 10 de Abril do mesmo anno. Abrio a Assembléa Provincial em 25 de Março de 1876 e deixou a Presidencia da qual havia sido exonerado por Decreto de 12 de Abril ao 2° Vice-Presidente Major Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães por achar-se enfermo o 1° Vice-Presidente Capitão de Mar e Guerra Nuno A. P. de Mello Cardozo, que a 13 de Junho assumio a Presidencia e a 26 de Julho passou-a ao Dr. Domingos Jacy Monteiro, Presidente nomeado por Carta Imperial de 3 de Junho de 1876.

O Dr. Jacy Monteiro a 26 de Maio de 1877 é substituido pelo seu sucessor o Dr. Agesilao Pereira da Silva, nomeado por Carta Imperial de 13 de Março deste anno.

O Presidente Agesilao installou os trabalhos da Assembléa Provincial a 4 de Junho e deixou o governo a 14 de Fevereiro de 1878, ao 2° Vice-Presidente Major Gabriel Antonio Ribeiro Guimarães, que foi substituido a 27 de Fevereiro pelo 2° Vice-Presidente então nomeado Capitão Guilherme José Moreira.

Do Vice-Presidente Moreira Recebeu a administração a 7 de Março do dito anno o General Barão de Maracajú nomeado presidente por Carta Imperial de 19 de Janeiro de 1878.

O Presidente Barão de Maracajú abrio a Assembléa a 25 de Agosto do dito anno e a 29 de Março de 1879.

Tendo obtido por avizo de 30 de Julho de 1879 permissão do governo Imperial para ir a Côrte, entregou a administração ao Dr. Romualdo de Souza Paes de Andrade, 1° Vice-Presidente, a 26 de Agosto do mesmo anno.

Em 15 de Novembro presta juramento e toma posse do governo o Tenente Coronel José Clarindo de Queiroz, presidente nomeado por Carta Imperial de 9 de Outubro.

O Presidente Clarindo de Queiroz abrio a Assembléa a 14 de Janeiro (sessão extraordinaria) e a 31 de Março de 1880, e a 26 de Junho foi substituido pelo Dr. Satyro de Oliveira Dias, presidente nomeado por Carta Imperial de 14 de Maio.

O Presidente Satyro Dias abrio a Assembléa Provincial em 1° de Outubro em 1880 (sessão extraordinaria) e em 4 de Abril de 1881, e a 16 de Maio passou a administração ao Dr. Alarico José Furtado, presidente nomeado por Carta Imperial de 24 de Maio, o qual abrio a Assebléa (sessão extraordinaria) em 27 de Agosto (1881).

Nomeado presidente por Carta Imperial de 28 de Janeiro de 1882, o Dr. José Lustoza da Cunha Paranaguá assumio a administração a 17 de Março e installou os trabalhos legislativos da Provincia a 25 de Março do dito anno e a 25 de Março de 1883.

**

NOTAS:

(1) Dicc. Topographico. Araujo Amazonas.
(2) Obra citada.
(3) A primeira e segunda Partidas eram as dos Astronomos e Geographos mandados para igual diligencia no Meio dia.
(4) Manáos, Mariuá (Barcellos) Teffé e Luzea (Maués).

MENEZES, Aprígio Martins de. História da Província do Amazonas. In: Almanach Administrativo, Histórico, Estatístico e Mercantil da Província do Amazonas para o anno de 1884. Manáos: Imp. na Typ. Do Amazonas de José Carneiro dos Santos, 1884, p. 87-115.