No presente texto apresento alguns registros do cotidiano de Manaus desde a segunda metade do século XIX até a década de 1960 do século XX. Foram utilizadas, para o século XIX, gravuras, algumas fotos de estúdios e fotografias produzidas por viajantes que aqui estiveram em expedições científicas. Para o século XX foram utilizadas fotografias produzidas por estúdios, por particulares e instituições diversas. Pretende-se, dessa forma, apresentar por meio de imagens, a partir de uma que análise que se tentou pormenorizada, o cotidiano de homens, mulheres e crianças, trabalhadores e trabalhadoras; paisagens e aspectos da vida dos manauaras no espaço de um século.
1860:
A sala de jantar de uma residência de Manaus foi retratada em 1862 em uma gravura do francês Riou Biard para o livro Dois Anos no Brasil. Nela podemos identificar alguns aspectos da vida material da época. A cozinha, assim como a casa, está assentada no chão de terra batida. Poucas eram as casas assoalhadas. Entre as pessoas e os alimentos, vivem animais, domésticos e selvagens, como os macacos. A separação entre o mundo urbano e o rural, ou selvagem, ainda não tinha ocorrido. No local, apenas uma mesa de madeira e um pequeno armário. Cadeiras eram raras. Sentava-se no chão, em bancos (se existissem), em baús, onde ficavam os mantimentos, ou em esteiras, estas últimas apropriadas dos indígenas. Na ausência de pratos e talheres, as mãos e as folhas da bananeira e do arumã auxiliavam. Na área externa, uma divisória separa o alpendre, onde se colocava a rede, do local das refeições.
Uma família de índios tapuia foi fotografada em 1867 em frente a sua residência, de madeira e taipa, pelo fotógrafo bávaro Albert Frisch (1840-1905). Esse trabalho recebeu uma Menção Honrosa na Exposição Universal de Paris e uma medalha de prata na Exposição do Rio de Janeiro. Na frente da residência, diferentes gerações de uma mesma família. O pai segura a criança mais nova, enquanto as outras estão ao lado do que supostamente pode ser a avó, à esquerda, e a mãe, atrás do pai. Na rua, ou melhor dizendo, o caminho de terra batida, uma senhora de idade, sobre uma esteira, ao lado de um punhado de palha, aparentando trabalhar o material. No canto esquerdo, sentada sobre um banco de madeira, uma mulher mais jovem apoiada sobre um tear. Dentro da casa, alguns habitantes tímidos olham para o fotógrafo, enquanto um jovem, do lado de fora, faz uma pose. Ao fundo, outro morador olha para o fotógrafo.
1870:
Essa litogravura foi publicada em 1879 na revista 'O Ocidente - Revista Ilustrada de Portugal e do Estrangeiro' (2° ano, volume 2, n°42). A maior parte das construções vistas eram de origem colonial, da segunda metade do século XVIII, construídas em estilo português rústico, algumas já assobradadas, divididas umas das outras por grandes cercas de madeira, sem tratamento no alinhamento, que segue a naturalidade do terreno. No entanto, ao fundo, no canto superior direito, uma construção se destaca na paisagem. É o prédio do Palácio do Governo, o Paço da Liberdade, construção de alto porte em estilo neoclássico recentemente inaugurada. O contraste arquitetônico é o mais interessante desse registro: Uma construção neoclássica em meio às inúmeras construções coloniais. Ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, foi um dos principais marcos arquitetônicos do período provincial. Durante as décadas que se seguiram a essa litogravura, muitas dessas simples construções remanescentes do período colonial foram remodeladas para ganhar novas funções ou foram demolidas para dar lugar a novas residências e empreendimentos.
1880:
Esse registro, da Praça Dom Pedro II, no antigo bairro de São Vicente, foi feito entre 1882 e 1884 pelo Conde Ermanno Stradelli (1852-1926). Na época, o coreto acabara de chegar de Liverpool, na Inglaterra, mas suas obras de instalação só seriam concluídas em 1888. Na rua Bernardo Ramos podem ser vistos alguns trabalhadores realizando serviços de melhoramento da via e do entorno da praça. Notem, também, à direita, o lampião que funcionava com gás carbônico; e, à esquerda, no logradouro, algumas árvores peladas, possivelmente pela presença das saúvas que o professor Agnello Bittencourt cita em seu livro Fundação de Manaus: Pródromos e Sequências. As transformações do espaço urbano começar a se intensificar no final do período provincial, se prolongando posteriormente pelos governos republicanos.
1890:
Essa fotografia de George Huebner é bastante expressiva, pois retrata parte das transformações da administração de Eduardo Gonçalves Ribeiro. Ele mostra a Avenida Eduardo Ribeiro, antiga Avenida do Palácio e rua Comendador Clementino, em 1897. Essa via do centro comercial recebeu o nome de Avenida do Palácio em referência ao palácio que estava sendo construído, desde 1893, para ser a nova sede do Governo do Amazonas. No entanto, com as obras paralisadas em 1894, foi implodido ainda inacabado em 1899. É possível vê-lo ao fundo, no final da avenida. Em seu lugar, na década de 1940, foi construído o prédio do Instituto de Educação do Amazonas, durante a administração de Álvaro Botelho Maia. O processo de urbanização é evidente, com construções em novos padrões e técnicas arquitetônicas, casas comerciais exportadoras, mudas recém plantadas, trilhos para os bondes elétricos, processo de calçamento ainda por terminar. Esses elementos eram fruto dos anseios das elites políticas e econômicas em dotar a capital das melhores estruturas para os negócios da produção gomífera. Permanece, curiosamente, à direita, um lampião a gás remanescente da Província.
1900:
IGARAPÉ, PAISAGEM EXPLORADA EM CARTÕES POSTAIS
Registro do Igarapé de São Raimundo em cartão postal do início do século XX. Essa foto foi tomada de uma pequena elevação envolta de farta vegetação com açaizeiros e buritizeiros, podendo ser vistos alguns homens atracando suas canoas na margem, possivelmente vindos da região central ou adjacências. Observem que o que já está em terra firme espera o outro chegar ao local. As toras de madeira, à direita, podem indicar que esse registro foi feito nas proximidades de uma das serrarias da região do Plano Inclinado, no bairro dos Tócos (Aparecida). Do outro lado do igarapé, algumas construções e um barco a vapor. As paisagens naturais da cidade foram bastante exploradas em cartões postais, o que reforçava o potencial turístico da capital na época.
1900:
IGARAPÉ, PAISAGEM EXPLORADA EM CARTÕES POSTAIS
Registro do Igarapé de São Raimundo em cartão postal do início do século XX. Essa foto foi tomada de uma pequena elevação envolta de farta vegetação com açaizeiros e buritizeiros, podendo ser vistos alguns homens atracando suas canoas na margem, possivelmente vindos da região central ou adjacências. Observem que o que já está em terra firme espera o outro chegar ao local. As toras de madeira, à direita, podem indicar que esse registro foi feito nas proximidades de uma das serrarias da região do Plano Inclinado, no bairro dos Tócos (Aparecida). Do outro lado do igarapé, algumas construções e um barco a vapor. As paisagens naturais da cidade foram bastante exploradas em cartões postais, o que reforçava o potencial turístico da capital na época.
1910:
BEBIDAS E DIVERTIMENTOS
Interior do Bar Americano, antigamente localizado na esquina da Avenida Eduardo Ribeiro com a Avenida Sete de Setembro, onde hoje fica um edifício que abriga a C&A. Nessa foto de 1913 vemos uma grande quantidade de pessoas, em sua maioria homens, o que sugere alguma comemoração, talvez pela vitória de algum time que naquele ano disputou partida no Bosque Municipal, ou pelo Carnaval que estava sendo realizado naquela área. Luz elétrica, salões amplos, espaço majoritariamente masculino, com homens em vestes formais, de paletó, chapéu e gravata, em sua maioria mestiços, com alguns brancos, aparentemente de outras nacionalidades, alegres, em pose ou surpreendidos pela fotografia. Momento regado a chá, cerveja, chocolate quente e conservas finas. O Bar Americano era um dos pontos de encontro da boemia dos anos 1900, ao lado Moinho de Ouro, Café da Paz, Café dos Terríveis, Bar Avenida, Leão de Ouro, Pensão Maranhense, Casa Bilhares, Boate Odeon e outros bares e casas de diversão.
1920:
OS ANTIGOS "CAMELÔS"
Até pouco tempo não existiam, além de desenhos, registros fotográficos de vendedores ambulantes antigos. Este aqui reproduzido é de 1920, de autoria do fotógrafo inglês J. Dearden Holmes. Nele vemos um vendedor ambulante posando para a foto com seu tabuleiro de vendas na Avenida Sete de Setembro, do lado do Paço da Liberdade, na Praça Dom Pedro II. As vendas de rua, na cidade, foram, entre o final do século XIX e parte do século XX, praticadas por portugueses, árabes, galegos e libaneses. Esse trabalho passava pela fiscalização da municipalidade, que criava leis para a sua realização. A Lei N° 430, de 14 de dezembro de 1905, a nível de exemplo, estabeleceu que os ambulantes deveriam trazer sempre consigo as licenças e chapas de numeração, postas em lugares bem visíveis. O ambulante da foto tem gravado em seu tabuleiro seu local de atuação: Estrada Epaminondas, n° 114. Aparentemente, pelos embrulhos dentro do tabuleiro, pode ser um vendedor de doces, daqueles retratados em desenhos de Moacir Andrade nas décadas de 1950 e 1960.
1930:
SUBÚRBIOS
Os subúrbios abrigavam as massas trabalhadoras das indústrias do Centro e também as locais. Isso ocorre até hoje, mudando apenas os locais de atuação. O bairro de Constantinópolis, o Educandos, era um desses redutos, separado da área central pelo Igarapé de Educandos, mas conectado pelas catraias que serviam seus moradores. Nesse registro de 1935, de autoria do norte americano Robert Swanton Platt, temos a rua Manoel Urbano, uma das mais antigas do bairro, até 1908 denominada rua Oeste n° 02 (Intendência Municipal, 1908). Do lado direito da via vemos casas construídas com materiais diversos, desde a madeira até a alvenaria. Ao fundo são visíveis alguns casarões da rua dos Andradas, já no Centro, além das torres da Igreja de N. S. da Conceição, da Igreja de São Sebastião e da cúpula do Teatro Amazonas.
1940:
ESFORÇOS DE GUERRA
Entre 1943 e 1945, foram recrutados cerca de 60.000 mil trabalhadores de diferentes estados da região Nordeste para a extração de látex na Amazônia, destinado à produção de borracha para os Aliados. Estes ficaram conhecidos como Soldados da Borracha. Os governos Norte-Americano e Brasileiro esperavam elevar a produção ao número de 70.000 mil toneladas anuais até onde a Guerra durasse. Medo, sofrimento, expressões de um dos milhares de trabalhadores que pereceram na região ou que até hoje, em meio a inúmeros entraves burocrático judiciais, buscam uma indenização que jamais será capaz de cobrir os danos físicos e morais que sofreram. Esse Soldado da Borracha carregando uma péla do material na cabeça foi registrado em 1943 em Manaus pelo fotógrafo norte-americano Thomas D. Mcavoy, funcionário da Revista Time Life que fez inúmeros registros para divulgar as realizações dos governos do Brasil e dos Estados Unidos.
LAVADEIRAS NO IGARAPÉ DO 40
Carregando trouxas de roupas na cabeça, com algumas bacias, eram trabalhadoras das mais antigas da cidade, com referências desde o século XIX e até mesmo antes, aparecendo em relatos, gravuras e fotografias. As lavadeiras foram por séculos personagens populares em Manaus, atuando em seus próprios bairros ou em áreas mais distantes, recolhendo roupas de famílias mais ou menos abastadas para serem lavadas nos inúmeros igarapés que cortavam a área urbana. Mesmo com as transformações do espaço urbano no final do século XIX e início do século XX, com os governantes tomando medidas modernizadoras, elas resistiram aos Códigos de Posturas que proibiam suas atividades nos igarapés, sob a justificativa de que elas poderiam prejudicar aquele ambiente. Nesse registro temos duas lavadeiras no Igarapé do 40, na região do Cajual, em 1943, nos arredores do Morro da Liberdade, na zona Sul, trabalhando sobre um tronco de madeira. Esse ofício foi praticado até o momento em que os igarapés de Manaus começaram a ser degradados, em um processo contínuo verificado desde os anos 80 do século passado.
1950:
NATUREZA INDOMÁVEL
As cheias são uma constante na vida das cidades fundadas às margens de rios. As cheias, em Manaus, são famosas por mudar a paisagem dos bairros banhados pelo Rio Negro. No Centro, o trânsito só se torna possível através de marombas, pontes feitas com tábuas. Nesse fotografia colorizada, de autoria de Corrêa Lima, temos o trecho inicial da Avenida Eduardo Ribeiro, nas proximidades da Praça da Matriz, tomado pelas águas do Rio Negro durante a Grande Cheia de 1953, quando o nível do rio atingiu a histórica marca de 29 metros e 69 centímetros, inundando casas, estabelecimentos comerciais e destruindo safras no interior. Ocorreu um aumento significativo de pessoas vindas do interior para a capital nesse período, buscando moradia e outras oportunidades, já que nos municípios do interior os efeitos são sempre mais devastadores.
1960:
TACACAZEIRA NA AVENIDA CONSTANTINO NERY
As tacacazeiras se instalavam em locais estratégicos da cidade, como em frente aos já desaparecidos cinemas Odeon e Guarany; ou nas praças da Matriz e da Polícia. Sobre elas, escreveu André Vidal de Araújo em sua Introdução à sociologia da Amazônia: "Sentada sobre um comum, diante de uma mesa velha e tosca, forrada com uma toalhinha branca, tendo ao lado, num caixote, um fogareiro a carvão e sobre o fogareiro, a panela com tucupi e camarão, e, sobre a mesa, a panela de goma e a cuia de pimenta-murupi, e, dois ou três montinhos de cuias negras, para servir à freguesia, vive a mulher do tacacá, desde as 15 horas até, em regra, às seis e meia da tarde, e às vezes até a tarde da noite distribuindo cuias e cuias de tacacá aos seus fregueses infalíveis" (ARAÚJO, 2003, p. 393). A tacacazeira desse registro ficava na Avenida Constantino Nery, uma via entre o tradicional e o moderno, com duas casas de madeira no barranco, à esquerda, e uma casa de alvenaria, moderna, à direita. O ônibus de madeira 'Olinda' trafega talvez em direção ao bairro de São Geraldo ou ao Boulevard Álvaro Maia (Avenida Álvaro Botelho Maia).
A CIDADE FLUTUANTE
Uma cidade dentro da cidade. A Cidade Flutuante de Manaus foi um dos exemplos mais claros do que o sociólogo Márcio Souza chamou de 'favelização da Amazônia', processo de ocupação desordenada marcado pela marginalização humana, verificado a partir do colapso do sistema de produção gomífera. Um grande contingente de trabalhadores ficou abandonado nos seringais, boa parte falidos, e nas cidades do interior, que tiveram seu comércio reduzido. Buscando oportunidades e melhores condições de vida, essas pessoas passaram a migrar para a capital. A partir da década de 1920, como se compreende consensualmente, começou a se formar, na Orla do Rio Negro, mais precisamente no Porto de Manaus, depois se expandindo pelos igarapés de Educandos e São Raimundo, um grande aglomerado de casas de madeira e palha, que ficou conhecido como Cidade Flutuante, uma grande favela fluvial que, até sua destruição, durante a administração de Arthur Cézar Ferreira Reis (1964-1967), chegou a abrir 12.000 pessoas. Nessa foto do francês Marcel Gautherot, feita no início de 1960, vemos duas mulheres e uma criança caminhando uma típica "rua" de tábuas.
CRÉDITO DAS IMAGENS:
Acervo da Biblioteca Nacional - RJ
Acervo do IBGE
Time Life Photos
Manaus de Antigamente
Manaus Sorriso
Instituto Moreira Salles
Società Geografica Italiana
Instituto Durango Duarte
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DOCUMENTOS
ARAÚJO, André Vidal. Introdução à sociologia da Amazônia. 2° Ed revista, Manaus: Editora Valer/Governo do Estado do Amazonas/Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2003. (Coleção Poranduba)
BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus: Pródromos e Sequências. Manaus: S. Cardoso, 1969.
SOUZA, Márcio. Breve História da Amazônia. Manaus: Editora Valer, 2009.
Lei N° 430, de 14 de dezembro de 1905. Intendência Municipal de Manáos.
BEBIDAS E DIVERTIMENTOS
Interior do Bar Americano, antigamente localizado na esquina da Avenida Eduardo Ribeiro com a Avenida Sete de Setembro, onde hoje fica um edifício que abriga a C&A. Nessa foto de 1913 vemos uma grande quantidade de pessoas, em sua maioria homens, o que sugere alguma comemoração, talvez pela vitória de algum time que naquele ano disputou partida no Bosque Municipal, ou pelo Carnaval que estava sendo realizado naquela área. Luz elétrica, salões amplos, espaço majoritariamente masculino, com homens em vestes formais, de paletó, chapéu e gravata, em sua maioria mestiços, com alguns brancos, aparentemente de outras nacionalidades, alegres, em pose ou surpreendidos pela fotografia. Momento regado a chá, cerveja, chocolate quente e conservas finas. O Bar Americano era um dos pontos de encontro da boemia dos anos 1900, ao lado Moinho de Ouro, Café da Paz, Café dos Terríveis, Bar Avenida, Leão de Ouro, Pensão Maranhense, Casa Bilhares, Boate Odeon e outros bares e casas de diversão.
1920:
OS ANTIGOS "CAMELÔS"
Até pouco tempo não existiam, além de desenhos, registros fotográficos de vendedores ambulantes antigos. Este aqui reproduzido é de 1920, de autoria do fotógrafo inglês J. Dearden Holmes. Nele vemos um vendedor ambulante posando para a foto com seu tabuleiro de vendas na Avenida Sete de Setembro, do lado do Paço da Liberdade, na Praça Dom Pedro II. As vendas de rua, na cidade, foram, entre o final do século XIX e parte do século XX, praticadas por portugueses, árabes, galegos e libaneses. Esse trabalho passava pela fiscalização da municipalidade, que criava leis para a sua realização. A Lei N° 430, de 14 de dezembro de 1905, a nível de exemplo, estabeleceu que os ambulantes deveriam trazer sempre consigo as licenças e chapas de numeração, postas em lugares bem visíveis. O ambulante da foto tem gravado em seu tabuleiro seu local de atuação: Estrada Epaminondas, n° 114. Aparentemente, pelos embrulhos dentro do tabuleiro, pode ser um vendedor de doces, daqueles retratados em desenhos de Moacir Andrade nas décadas de 1950 e 1960.
1930:
SUBÚRBIOS
Os subúrbios abrigavam as massas trabalhadoras das indústrias do Centro e também as locais. Isso ocorre até hoje, mudando apenas os locais de atuação. O bairro de Constantinópolis, o Educandos, era um desses redutos, separado da área central pelo Igarapé de Educandos, mas conectado pelas catraias que serviam seus moradores. Nesse registro de 1935, de autoria do norte americano Robert Swanton Platt, temos a rua Manoel Urbano, uma das mais antigas do bairro, até 1908 denominada rua Oeste n° 02 (Intendência Municipal, 1908). Do lado direito da via vemos casas construídas com materiais diversos, desde a madeira até a alvenaria. Ao fundo são visíveis alguns casarões da rua dos Andradas, já no Centro, além das torres da Igreja de N. S. da Conceição, da Igreja de São Sebastião e da cúpula do Teatro Amazonas.
1940:
ESFORÇOS DE GUERRA
Entre 1943 e 1945, foram recrutados cerca de 60.000 mil trabalhadores de diferentes estados da região Nordeste para a extração de látex na Amazônia, destinado à produção de borracha para os Aliados. Estes ficaram conhecidos como Soldados da Borracha. Os governos Norte-Americano e Brasileiro esperavam elevar a produção ao número de 70.000 mil toneladas anuais até onde a Guerra durasse. Medo, sofrimento, expressões de um dos milhares de trabalhadores que pereceram na região ou que até hoje, em meio a inúmeros entraves burocrático judiciais, buscam uma indenização que jamais será capaz de cobrir os danos físicos e morais que sofreram. Esse Soldado da Borracha carregando uma péla do material na cabeça foi registrado em 1943 em Manaus pelo fotógrafo norte-americano Thomas D. Mcavoy, funcionário da Revista Time Life que fez inúmeros registros para divulgar as realizações dos governos do Brasil e dos Estados Unidos.
LAVADEIRAS NO IGARAPÉ DO 40
Carregando trouxas de roupas na cabeça, com algumas bacias, eram trabalhadoras das mais antigas da cidade, com referências desde o século XIX e até mesmo antes, aparecendo em relatos, gravuras e fotografias. As lavadeiras foram por séculos personagens populares em Manaus, atuando em seus próprios bairros ou em áreas mais distantes, recolhendo roupas de famílias mais ou menos abastadas para serem lavadas nos inúmeros igarapés que cortavam a área urbana. Mesmo com as transformações do espaço urbano no final do século XIX e início do século XX, com os governantes tomando medidas modernizadoras, elas resistiram aos Códigos de Posturas que proibiam suas atividades nos igarapés, sob a justificativa de que elas poderiam prejudicar aquele ambiente. Nesse registro temos duas lavadeiras no Igarapé do 40, na região do Cajual, em 1943, nos arredores do Morro da Liberdade, na zona Sul, trabalhando sobre um tronco de madeira. Esse ofício foi praticado até o momento em que os igarapés de Manaus começaram a ser degradados, em um processo contínuo verificado desde os anos 80 do século passado.
1950:
NATUREZA INDOMÁVEL
1960:
TACACAZEIRA NA AVENIDA CONSTANTINO NERY
As tacacazeiras se instalavam em locais estratégicos da cidade, como em frente aos já desaparecidos cinemas Odeon e Guarany; ou nas praças da Matriz e da Polícia. Sobre elas, escreveu André Vidal de Araújo em sua Introdução à sociologia da Amazônia: "Sentada sobre um comum, diante de uma mesa velha e tosca, forrada com uma toalhinha branca, tendo ao lado, num caixote, um fogareiro a carvão e sobre o fogareiro, a panela com tucupi e camarão, e, sobre a mesa, a panela de goma e a cuia de pimenta-murupi, e, dois ou três montinhos de cuias negras, para servir à freguesia, vive a mulher do tacacá, desde as 15 horas até, em regra, às seis e meia da tarde, e às vezes até a tarde da noite distribuindo cuias e cuias de tacacá aos seus fregueses infalíveis" (ARAÚJO, 2003, p. 393). A tacacazeira desse registro ficava na Avenida Constantino Nery, uma via entre o tradicional e o moderno, com duas casas de madeira no barranco, à esquerda, e uma casa de alvenaria, moderna, à direita. O ônibus de madeira 'Olinda' trafega talvez em direção ao bairro de São Geraldo ou ao Boulevard Álvaro Maia (Avenida Álvaro Botelho Maia).
A CIDADE FLUTUANTE
Uma cidade dentro da cidade. A Cidade Flutuante de Manaus foi um dos exemplos mais claros do que o sociólogo Márcio Souza chamou de 'favelização da Amazônia', processo de ocupação desordenada marcado pela marginalização humana, verificado a partir do colapso do sistema de produção gomífera. Um grande contingente de trabalhadores ficou abandonado nos seringais, boa parte falidos, e nas cidades do interior, que tiveram seu comércio reduzido. Buscando oportunidades e melhores condições de vida, essas pessoas passaram a migrar para a capital. A partir da década de 1920, como se compreende consensualmente, começou a se formar, na Orla do Rio Negro, mais precisamente no Porto de Manaus, depois se expandindo pelos igarapés de Educandos e São Raimundo, um grande aglomerado de casas de madeira e palha, que ficou conhecido como Cidade Flutuante, uma grande favela fluvial que, até sua destruição, durante a administração de Arthur Cézar Ferreira Reis (1964-1967), chegou a abrir 12.000 pessoas. Nessa foto do francês Marcel Gautherot, feita no início de 1960, vemos duas mulheres e uma criança caminhando uma típica "rua" de tábuas.
CRÉDITO DAS IMAGENS:
Acervo da Biblioteca Nacional - RJ
Acervo do IBGE
Time Life Photos
Manaus de Antigamente
Manaus Sorriso
Instituto Moreira Salles
Società Geografica Italiana
Instituto Durango Duarte
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DOCUMENTOS
ARAÚJO, André Vidal. Introdução à sociologia da Amazônia. 2° Ed revista, Manaus: Editora Valer/Governo do Estado do Amazonas/Editora da Universidade Federal do Amazonas, 2003. (Coleção Poranduba)
BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus: Pródromos e Sequências. Manaus: S. Cardoso, 1969.
SOUZA, Márcio. Breve História da Amazônia. Manaus: Editora Valer, 2009.
Lei N° 430, de 14 de dezembro de 1905. Intendência Municipal de Manáos.
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