Geraldo de Macedo Pinheiro (1920-1996).
O texto a seguir foi escrito pelo Procurador de Justiça, Secretário de Estado do Interior e Justiça e antropólogo Dr. Geraldo de Macedo Pinheiro (1920-1996), por ocasião da passagem do centenário da elevação de Manaus à categoria de cidade, e publicado originalmente no Jornal do Comércio em 26/02/1949 com o título "Manáus e seus historiadores". Nesse texto, Geraldo Pinheiro traça um breve panorama dos historiadores da cidade, indo do final do século XIX e início do século XX com Bento Aranha e Bertino Miranda, até a década de 1940 com a história social e cultural de Mário Ypiranga Monteiro, além das crônicas de Anísio Jobim e Júlio Uchôa.
Manáus e seus historiadores
Por Geraldo Pinheiro, especial para o Jornal do Comércio
A passagem do centenário de Manaus constituiu motivo para o aparecimento de novos trabalhos que vieram a completar a parca bibliografia histórica da cidade. A antiga tapera, a que alude Euclides da Cunha, transformada numa moderníssima cidade, com todo o conforto da civilização, teve rápido desenvolvimento. Apagaram-se da "urbs" as velhas moradias e desapareceram as antigas sobrevivências dos costumes indígenas. Transmudou-se, em poucos anos, num centro de civilização com agitada vida política e literária. Cedo atraiu vultos eminentes das mais diversas localidades do país. Seus recantos foram visitados por sábios da maior representação mental da velha Europa e dos Estados Unidos, os quais aqui se desenfastiaram da monotonia de longas viagens. Nos seus salões floresceram, durante décadas, os sagrados cultos da oratória e da poesia. Os seus jornais estamparam as mais belas páginas de uma geração irrequieta e barulhenta. Grandes nomes da literatura nacional aqui conviveram e foram alvo das mais retumbantes manifestações. A crônica social da cidade é, assim, das mais curiosas e está exigindo ainda novas revelações. Mercê de tanta vida febricitante, de tanta produção literária, conta-se a dedos os seus genuínos historiadores, os seus dedicados filhos, que tiveram de lançar suas beneditinas vistas para o passado da cidade.
Tudo estava por fazer. As referências à sua história dormiam na poeira dos arquivos, nas velhas obras de cronistas, nos livros de viagem dos naturalistas.
O seu primeiro historiador foi inegavelmente Bento Aranha, o velho Bento, a quem o Amazonas e suas instituições políticas e culturais tanto devem. Político e historiador, organizando bibliotecas, relatórios, mensagens, colecionando as produções poéticas do seu pai, não se esqueceu ele de voltar as suas vistas para a terra baré e dedicar-lhe um dos mais curiosos trabalhos.
"Um olhar pelo passado", folheto de poucas páginas, é sem favor algum a primeira contribuição à história topográfica da cidade, das suas ruas e nomenclaturas, tão bem explicada com amor e dedicação aí por volta de 1897.
Uma década após ao seu aparecimento, outro cultor da nossa história, o simples B. M., Bertino de Miranda, publicou um volume mais sólido e mais bem documentado: "A Cidade de Manaus - história de seus motins políticos".
B. M. anexou ao seu livro as mais interessantes atas de sessão da Câmara Municipal. Todo o seu esforço foi baseado quase nessa documentação e se tal não fizesse até hoje talvez não disporíamos de melhores fontes.
Todas as contribuições de uma plêiade brilhante de amazonenses e intelectuais aqui radicados, como Bento Aranha, Aprígio de Menezes, J. B. Faria e Sousa, Gaspar Guimarães e Alfredo da Mata e outros mais, não bastaram para infundir, no ânimo dos nossos conterrâneos, o amor pelo nosso passado. Anos e anos decorrem com pouca produção no domínio da história. As belas iniciativas de Bento Aranha e Bernardo Ramos, através do "Arquivo do Amazonas" e da "Revista do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas" como que se eclipsaram.
Um sopro renovador consegue, felizmente, levantar o interesse de uma nova geração de estudiosos, fazendo reacender o entusiasmo dos próprios velhos. Eis que reaparece novamente a "Revista do Instituto", quase morta com o seu primeiro número e a "Revista Amazonense". Desse grupo, destaca-se Arthur Reis, o mais completo historiador do Amazonas, a quem todos nós devemos uma nova orientação e o descobrimento e a revelação de importantes documentos. E ainda sob essa influência salutar que ele lança "Manaus e outras vilas". Trabalho bem documentado, vários aspectos da vida da cidade foram focalizados sob prismas novos e detalhes mais ricos.
O chamado glebarismo literário degenerou-se, porém, no mais frio desamor pela terra. Guindados às posições chaves, alguns representantes desse movimento preferiram a boa comodidade e nada fizeram pela cultura do povo. Abriu-se assim novo período de inércia.
Chegamos agora à nova meta. Sopram melhores ventos. O esforço pessoal indica novos rumos. Anísio Jobim e Júlio Uchôa são os animadores desse movimento e deles provêm a iniciativa da publicação de crônicas históricas as mais diversas, focalizando ângulos da nossa formação e da evolução social do Amazonas, estampando ambos e outros estudiosos excelentes produções históricas. A Júlio Uchôa prende-se a primeira tentativa séria de divulgação sistemática à frente, como se achava, do seu modelar Departamento Estadual de Estatística. É esta repartição que divulga, em nossos tempos, as preciosas crônicas de Mário Ypiranga, versando costumes de Manaus antiga, a nomenclatura de suas ruas e os seus tipos populares.
Este jovem historiador amazonense conseguiu transformar-se na mais douta autoridade da história da cidade com o seu livro "Fundação de Manaus", valiosa publicação que é bem obra de seu esforço pessoal, salvando documentos que apodrecem nos velhos e desaparelhados arquivos da cidade.
As bases da história de Manaus estão, definitivamente, assentadas com o lançamento desse livro. Todo manauense deveria lê-lo para melhor conhecer e divulgar a história da cidade, sabido que são raros aqueles que ousam levantar a cortina que nos separa do passado.
FONTE:
Jornal do Comércio, 26/02/1949
CRÉDITO DA IMAGEM:
www.taquiprati.com.br
Belo texto. Registro importante da história da cidade.
ResponderExcluirMuito obrigado, professor. Recuperei o texto e fiquei impressionado como, na década de 40, o Dr. Geraldo Pinheiro teve a sensibilidade de identificar as nuances de abordagens entre os historiadores da cidade.
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