segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Janelas para o crime: Os ventanistas

Pedro Camilo da Silva. Especialidade: Ventanista. FONTE: Jornal do Comércio, 15/06/1948.

Os crimes estão entre as principais preocupações das populações urbanas e, há um bom tempo, das que vivem em zonas rurais. Não existiu um tempo em que não ocorressem crimes e também não existem fronteiras para as ações dos criminosos. Interessante notar como seus modus operandi vão se modificando ao longo das décadas. Se no período imperial a preocupação de alguns Presidentes da Província do Amazonas eram os ataques de “índios bravios”1, hoje existem massacres que em segundos ganham repercussão mundial2.

O tipo de criminoso abordado nesse texto remete ao passado, tanto por seu modus operandi quanto pelo termo arcaico que o designa. O ventanista era o arrombador de outros tempos, o criminoso que vez ou outra surgia nas páginas policiais por entrar em uma residência pela janela (ventana, em espanhol) e furtar os objetos que estivessem ao seu alcance. A falta só era dada no dia seguinte, quando se percebia a janela forçada ou mesmo quebrada. Na hierarquia do mundo do crime, estava ao lado dos que eram considerados de menor grau, como os batedores de carteira, os ladrões de galinha e os falsificadores.

Na ausência de processos criminais, os jornais são as melhores fontes para trabalhar sua atuação e ocorrências na cidade de Manaus. Algumas notas policiais são ricas em informações, estampando até mesmo fotos do criminoso, como é o caso da que foi produzida após a captura de Pedro Camilo da Silva. Pedro Camilo da Silva nasceu em 25 de junho de 1923, na Paraíba do Norte (antiga denominação do atual Estado da Paraíba). Era filho de Joaquim Camilo da Silva e Maria Joana do Espírito Santo. Era agricultor, solteiro, tendo residido por um tempo na rua Miranda Leão. Era pardo, com cabelos e olhos castanhos, sempre de barba e bigode raspados. Foi autor de diversos furtos a residências de Manaus e Belém. Vestia-se a rigor, podendo se passar facilmente por um homem da sociedade entre as pessoas. Ao ser preso, foi com os policiais até sua nova residência, uma barraca na rua General Glicério, no bairro da Cachoeirinha. Apesar do local, os policiais encontraram uma casa bem arrumada com cama, rádio, ventilador e lavatório. Os agentes revistaram duas malas, encontrando grande quantidade de pijamas, camisas e ternos de linho e de marca. O autor da nota deixa claro que as pessoas deveriam continuar em alerta, pois ele poderia ser solto a qualquer momento3.

Os guardas-noturnos, com seus apitos, conseguiam impedir, em alguns casos, suas ações. Quando não, somente no outro dia, quando se dava falta pelos objetos, que a polícia era acionada, começando assim uma verdadeira caçada pela cidade. Interessante como os guardas, com seus apitos, lembram, em alguns aspectos, os “seguranças” informais, pagos pelos moradores, que se revezam de noite pelas ruas de alguns bairros da cidade, utilizando apitos e pedaços de pau.

Pedro Camilo atuava sozinho, mas existiam ventanistas que eram membros de gangues cujos membros davam cobertura mútua para a prática de furtos pela cidade. No Beco do Comércio, no antigo bairro dos Bilhares (atual São Geraldo), na Avenida João Coelho (atual Constantino Nery), em 1959, foram presos, após a confissão do membro João Soares Monteiro, cinco criminosos: Pedro Fernandes Freitas (ventanista e assaltante); Elias Meira Ferreira (gatuno, ventanista e assaltante); Gerson Pereira de Araújo, vulgo ‘Pernambuco’ (arrombador e assaltante); Pedro Barros Silva, vulgo ‘Russo’ e ‘Mascarado’ (arrombador, ventanista e assaltante)4. Era uma gangue formada quase que exclusivamente por ventanistas.

João Maurício dos Santos, ventanista e batedor de carteira. FONTE: Jornal do Comércio, 13/04/1966.

Em batidas policiais da DRF (Delegacia de Roubos e Furtos) sempre figurava entre os presos um ventanista. Esse foi o caso de João Maurício dos Santos, que além de ventanista era um experiente batedor de carteira, capturado com mais 23 criminosos5. Ventanista e batedor de carteira. Ao longo das décadas, nas notas policiais, percebe-se que os ventanistas foram se “especializando” em outras áreas, tornando-se mais agressivos e perigosos. Não era difícil encontrá-los envolvidos em assassinatos6 ou sendo mortos pelos moradores das casas que invadiam7. A prática ventanista, que antes era considerada um crime de menor potencial, passou a ser considerada a porta de entrada para crimes mais graves, para o vício e para o tráfico de drogas que já grassava pela cidade. Os ventanistas mais jovem eram facilmente incorporados pelos traficantes como olheiros e entregadores de seus produtos.

O ventanista clássico, se assim o posso chamar, o que apenas se preocupava em entrar pela janela da casa e furtar os objetos, desapareceu, assim como o termo, há muito em desuso. O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony, em texto publicado na Folha de São Paulo, escreveu que o [...] “ventanista tinha de ter uma habilidade manual específica, hoje substituída por um 38 ou por arma de uso exclusivo das forças armadas”8. Os arrombadores continuam existindo, estão mais violentos, sem nada a perder, entrando nas casas para matar ou morrer. Essas são mutações históricas nos modos de agir dos criminosos, mutações essas que serão abordadas em texto futuro.


NOTAS:

1 Estrella do Amazonas, 02/08/1856

2 O massacre ocorrido no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em 01/01/2017, no qual 56 presos foram mortos, foi noticiado nos principais jornais da Espanha, da Inglaterra, dos Estados Unidos e das nações sul-americanas vizinhas.

3 Jornal do Comércio, 15/06/1948

4 Jornal do Comércio, 28/02/1959

5 Jornal do Comércio, 13/04/1966

6 Pedro Diaz, batedor de carteira e ventanista, foi preso após confessar ter assassinado o também batedor de carteira Vitor Martinez, em um caso passional que envolvia a disputa por uma mulher de nome Dolores Oliveira, moradora do bairro Morro da Liberdade. Jornal do Comércio, 16/04/1970.

7 Em 1968, “João das Frangas” foi metralhado ao entrar no quintal de uma casa no Morro da Liberdade. Jornal do Comércio, 24/09/1971.

8 Carlos Heitor Cony. Os ventanistas. Folha de São Paulo, quinta-feira, 20/02/2003.

FONTES:

Estrella do Amazonas, 02/08/1856
Jornal do Comércio, 15/06/1948
Jornal do Comércio, 28/02/1959
Jornal do Comércio, 13/04/1966
Jornal do Comércio, 16/04/1970
Jornal do Comércio, 24/09/1971
Folha de São Paulo, 20/02/2003

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