Pedro Camilo da Silva. Especialidade: Ventanista. FONTE: Jornal do Comércio, 15/06/1948.
Os
crimes estão entre as principais preocupações das populações
urbanas e, há um bom tempo, das que vivem em zonas rurais. Não
existiu um tempo em que não ocorressem crimes e também não existem
fronteiras para as ações dos criminosos. Interessante notar como
seus modus operandi vão se modificando ao longo das décadas. Se no
período imperial a preocupação de alguns Presidentes da Província
do Amazonas eram os ataques de “índios bravios”1,
hoje existem massacres que em segundos ganham repercussão mundial2.
O
tipo de criminoso abordado nesse texto remete ao passado, tanto por
seu modus operandi quanto pelo termo arcaico que o designa. O
ventanista era o arrombador de outros tempos, o criminoso que vez ou
outra surgia nas páginas policiais por entrar em uma residência
pela janela (ventana, em
espanhol) e furtar os objetos que estivessem ao seu alcance. A
falta só era dada no dia seguinte, quando se percebia a janela
forçada ou mesmo quebrada. Na hierarquia do mundo do crime, estava
ao lado dos que eram considerados de menor grau, como os batedores de
carteira, os ladrões de galinha e os falsificadores.
Na
ausência de processos criminais, os jornais são as melhores fontes
para trabalhar sua atuação e ocorrências na cidade de Manaus.
Algumas notas policiais são ricas em informações, estampando até
mesmo fotos do criminoso, como é o caso da que foi produzida após a
captura de Pedro Camilo da Silva. Pedro Camilo da Silva nasceu em 25
de junho de 1923, na Paraíba do Norte (antiga denominação do atual
Estado da Paraíba). Era filho de Joaquim Camilo da Silva e Maria
Joana do Espírito Santo. Era agricultor, solteiro, tendo residido
por um tempo na rua Miranda Leão. Era pardo, com cabelos e olhos
castanhos, sempre de barba e bigode raspados. Foi autor de diversos
furtos a residências de Manaus e Belém. Vestia-se a rigor, podendo
se passar facilmente por um homem da sociedade entre as pessoas. Ao
ser preso, foi com os policiais até sua nova residência, uma
barraca na rua General Glicério, no bairro da Cachoeirinha. Apesar
do local, os policiais encontraram uma casa bem arrumada com cama,
rádio, ventilador e lavatório. Os agentes revistaram duas malas,
encontrando grande quantidade de pijamas, camisas e ternos de linho e
de marca. O autor da nota deixa claro que as pessoas deveriam
continuar em alerta, pois ele poderia ser solto a qualquer momento3.
Os
guardas-noturnos, com seus apitos, conseguiam impedir, em alguns
casos, suas ações. Quando não, somente no outro dia, quando se
dava falta pelos objetos, que a polícia era acionada, começando
assim uma verdadeira caçada pela cidade. Interessante como os
guardas, com seus apitos, lembram, em alguns aspectos, os
“seguranças” informais, pagos pelos moradores, que se revezam de
noite pelas ruas de alguns bairros da cidade, utilizando apitos e
pedaços de pau.
Pedro
Camilo atuava sozinho, mas existiam ventanistas que eram membros de
gangues cujos membros davam cobertura mútua para a prática de
furtos pela cidade. No Beco do Comércio, no antigo bairro dos
Bilhares (atual São Geraldo), na Avenida João Coelho (atual
Constantino Nery), em 1959, foram presos, após a confissão do
membro João Soares Monteiro, cinco criminosos: Pedro Fernandes
Freitas (ventanista e assaltante); Elias Meira Ferreira (gatuno,
ventanista e assaltante); Gerson Pereira de Araújo, vulgo
‘Pernambuco’ (arrombador e assaltante); Pedro Barros Silva, vulgo
‘Russo’ e ‘Mascarado’ (arrombador, ventanista e assaltante)4.
Era uma gangue formada quase que exclusivamente por ventanistas.
João Maurício dos Santos, ventanista e batedor de carteira. FONTE: Jornal do Comércio, 13/04/1966.
Em
batidas policiais da DRF (Delegacia de Roubos e Furtos) sempre
figurava entre os presos um ventanista. Esse foi o caso de João
Maurício dos Santos, que além de ventanista era um experiente
batedor de carteira, capturado com mais 23 criminosos5.
Ventanista e batedor de carteira. Ao longo das décadas, nas notas
policiais, percebe-se que os ventanistas foram se “especializando”
em outras áreas, tornando-se mais agressivos e perigosos. Não era
difícil encontrá-los envolvidos em assassinatos6
ou sendo mortos pelos moradores das casas que invadiam7.
A prática ventanista, que antes era considerada um crime de menor
potencial, passou a ser considerada a porta de entrada para crimes
mais graves, para o vício e para o tráfico de drogas que já
grassava pela cidade. Os ventanistas mais jovem eram facilmente
incorporados pelos traficantes como olheiros e entregadores de seus
produtos.
O
ventanista clássico, se assim o posso chamar, o que apenas se
preocupava em entrar pela janela da casa e furtar os objetos,
desapareceu, assim como o termo, há muito em desuso. O escritor e
jornalista Carlos Heitor Cony, em texto publicado na Folha de São
Paulo, escreveu que o
[...]
“ventanista
tinha de ter uma habilidade manual específica, hoje substituída por
um 38 ou por arma de uso exclusivo das forças armadas”8.
Os
arrombadores continuam existindo, estão mais violentos, sem nada a
perder, entrando nas casas para matar ou morrer. Essas são mutações
históricas nos modos de agir dos criminosos, mutações essas que
serão abordadas em texto futuro.
NOTAS:
1 Estrella
do Amazonas, 02/08/1856
2 O
massacre ocorrido no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj),
em 01/01/2017, no qual 56 presos foram mortos, foi noticiado nos
principais jornais da Espanha, da Inglaterra, dos Estados Unidos e
das nações sul-americanas vizinhas.
3 Jornal
do Comércio, 15/06/1948
4 Jornal
do Comércio, 28/02/1959
5 Jornal
do Comércio, 13/04/1966
6 Pedro
Diaz, batedor de carteira e ventanista, foi preso após confessar
ter assassinado o também batedor de carteira Vitor Martinez, em um
caso passional que envolvia a disputa por uma mulher de nome Dolores
Oliveira, moradora do bairro Morro da Liberdade. Jornal do Comércio,
16/04/1970.
7 Em
1968, “João das Frangas” foi metralhado ao entrar no quintal de
uma casa no Morro da Liberdade. Jornal do Comércio, 24/09/1971.
8 Carlos
Heitor Cony. Os ventanistas.
Folha de São Paulo, quinta-feira, 20/02/2003.
FONTES:
Estrella do Amazonas, 02/08/1856
Jornal do Comércio, 15/06/1948
Jornal do Comércio, 28/02/1959
Jornal do Comércio, 13/04/1966
Jornal do Comércio, 16/04/1970
Jornal do Comércio, 24/09/1971
Folha de São Paulo, 20/02/2003
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