Hoje em ruínas, o Hotel Cassina foi no passado o principal ponto de encontro da boemia manauara.
Mais uma vez, o professor e historiador Aguinaldo Nascimento Figueiredo é o autor convidado da semana, dessa vez com o texto Hotel Cassina (1° parte), um recorte de seu livro A Boemia de Manaus, ainda não publicado.
Por Aguinaldo Nascimento Figueiredo
O lugar boêmio mais famoso da cidade na era da borracha (1890/1910) foi o Hotel Cassina, localizado na atual rua Bernardo Ramos, no Centro Antigo de Manaus. O prédio do hotel, de estilo eclético, foi construído em 1899, e pertencia ao comerciante italiano Andrea Cassina. Erguido em dois pavimentos, possuía duas dezenas de aposentos e um restaurante na parte superior, que servia também de salão de festas, este, decorado com papéis de parede com motivos orientais, cortinas de seda verdes, mesas redondas e cadeiras leves importadas da Europa, forradas com toalhas de linho inglês. Ao lado da escada de acesso ficava o palco das apresentações artísticas, com sua famosa ribalta vermelha, candelabros providos de lâmpadas elétricas, com soalho revestido com tábuas de madeiras de lei.
Os quartos eram decorados com cortinas sóbrias e móveis italianos, camas americanas providas de colchão de mola, cobertas com colchas da Inglaterra, guarnecidas de travesseiros de penas de ganso e coxins de cetim da Índia.
Serviço de Táxi
No cardápio estavam presentes o que de mais requintado existia em matéria de gastronomia internacional. Os funcionários, principalmente os garçons, uniformizados em estilo europeu, serviam do caviar russo ao champanhe francês, além de peixes desidratados como salmão, esturjão e bacalhau norueguês entre outros mimos exigidos por uma clientela abastada que, muitas das vezes, sequer sabia o que estava degustando.
O Hotel Cassina foi um dos primeiros no Brasil a oferecer o serviço de táxi para seus clientes a partir de automóveis, com choferes também uniformizados, educados, cujos veículos estacionavam na frente do estabelecimento, oferecendo serviços de tournée pelos pontos de referência da cidade. Os serviços eram concorridíssimos, pois uma estadia em seus aposentos dependia de reservas antecipadas em até seis meses.
Seus momentos de glória ocorreram no período áureo da borracha, quando os barões do látex, gastavam suas libras esterlinas em diversões mundanas. O lugar ficou tão famoso que chegou a hospedar figures ilustres do mundo político e artístico a exemplo de um governador que residiu nele por vários anos, e recebeu o poeta Coelho Neto, quando de sua estadia na capital da borracha.
Leilões de virgens
O hotel oferecia outros tipos de comodidades para o deleite de sua seleta clientela, como um cassino, combinando com outras atividades tipo shows de dançarinas de can-can e a prática aberta do lenocínio.
Nas noites de funções, o hotel oferecia a companhia de mulheres bonitas e perfumadas, vindas da Europa, principalmente francesas, polacas, italianas e russas, que atendiam aos clientes endinheirados no seu famoso salão, servindo bebidas caras. Nos confortáveis aposentos os magnatas da borracha ou ilustres visitantes promoviam verdadeiras orgias baconianas que incluíam inclusive leilões de virgens caboclas.
Sabe-se, porém, que as mulheres 'importadas' não eram lá tão 'sangue puro' como se dizia na época e, tratavam-se, na maioria dos casos, de mulheres judias migradas de regiões da Rússia e Ucrânia, muitas delas, já 'sambadas' para o exercício do mister sexual, mas que se valiam da experiência na arte da sedução, principalmente por falarem outros idiomas, mais ainda, do complexo de inferioridade de colonizado do patrão da borracha, que achava que as 'coisas' de fora eram melhores do que as de casa, como até hoje.
Aguinaldo Nascimento Figueiredo é professor, escritor e historiador, autor dos livros História Geral do Amazonas (7 edições); Santa Luzia: História e Memória do povo do Emboca (2008); e Os Samurais das Selvas: A presença japonesa no Amazonas (2012).
CRÉDITO DA IMAGEM:
Manaus de Antigamente
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