segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A Revolta de 14 de Janeiro de 1892

Igreja de Nossa Senhora de Fátima em 1969, ainda em obras. Foto de Jankiel cedida pelo pesquisador Ed Lincon.

O bairro Praça 14 de Janeiro, localizado na zona Sul de Manaus, fronteiriço aos bairros Centro, Cachoeirinha e Adrianópolis, tem suas origens ligadas aos conflitos políticos característicos da Primeira República no final do século XIX, e também às ondas migratórias vindas do Nordeste nesse mesmo período. Dividirei o texto em duas partes, a primeira sobre a revolta de 14 de Janeiro de 1892, data referência para o bairro; e a segunda sobre sua evolução ao longo do tempo.

O alvorecer da República em Manaus foi marcado por disputas políticas entre os partidos Democrático e Nacional. Após a passagem de Augusto Ximeno de Villeroy pelo recém instalado Governo do Estado do Amazonas (04/01/1890 - 02/11/1890), assumiu o governo Eduardo Gonçalves Ribeiro, até então Oficial de Gabinete e Diretor de Obras Públicas. Em pouco tempo, Eduardo Ribeiro, entre outras coisas, aumentou as rendas do município, decretou uma constituição provisória e diminuiu pela metade a dívida pública.

O governo central destituiu Eduardo Ribeiro, do Partido Democrático, de seu cargo, nomeando para o governo o coronel Gregório Thaumaturgo de Azevedo, antigo governador do Piauí entre 26/12/1889 e 04/06/1890 (1), que naquele momento encontrava-se em Recife. A notícia da destituição de Eduardo Ribeiro não agradou a população:

"O povo, convocado em boletim, reuniu-se à tarde, em frente ao palácio, não consentindo que Eduardo Ribeiro deixasse a governança. Aclamou-o entusiasticamente. Os oradores sucederam-se em vários pontos da cidade, protestando contra o ato dos altos poderes da República, lavrando-se uma ata (1884-1891), que foi assinada por centenas de pessoas de todas as classes sociais" (2).

Thaumaturgo de Azevedo continuou em Recife. No entanto, o capitão de fragata José Inácio Borges Machado, a serviço do governo central, intimou Eduardo Ribeiro a deixar o governo nas mãos do Coronel Guilherme José Moreira, 1° vice-governador, e este assim o fez em 05/05/1891. Guilherme Moreira foi substituído pelo interventor federal Coronel Antônio Gomes Pimentel em 25/05/1891, imbuído da missão de executar as ordens do governo central para o Estado (3). 

A maioria do Congresso Constituinte do Amazonas era formada por membros do Partido Democrático. Influenciado pelo interventor Antônio Gomes Pimentel, elegeu como governador Gregório Thaumaturgo de Azevedo e, como vice, Guilherme José Moreira. Como Gregório ainda não estava em Manaus, Guilherme José Moreira ficou à frente do governo, tomando algumas medidas que favoreciam os membros de seu partido. Vindo do Rio de Janeiro, Gregório Thaumaturgo foi empossado governador em 01/09/1891. Vendo as medidas tomadas por Guilherme Moreira, desentendeu-se com os Democráticos.

O novo governador tinha um plano ambicioso para estruturar a capital e o interior, o que demandava grandes somas. Solicitou, em 15/09/1891, o empréstimo de 14.000.000$000. Apresentando suas medidas, mal recebidas pelos Democráticos (o empréstimo foi negado), e desfazendo algumas tomadas anteriormente por seu vice, rompeu com o partido (4). Tinha início, assim, a ferrenha oposição dos Democráticos ao governador Thaumaturgo de Azevedo, apoiado pelo Partido Nacional. De acordo com Arthur Cezar Ferreira Reis, as acusações contra o governador eram as seguintes:

"[...] de ter lesado o Estado em 24:000$000 que deixara de pagar ao transferir os seus direitos à Companhia Vila Brandão, como contratante de uma empresa predial, e de ter realizado essa transferência já no governo, o que taxavam de ilegal e pouco liso" (5).

A situação de Gregório Thaumaturgo de Azevedo piorou quando o Presidente Marechal Deodoro da Fonseca renunciou ao cargo em 23/11/1891, entregando o país ao vice Floriano Peixoto. O democráticos contavam com o apoio de Floriano Peixoto, condição que perfeitamente delineou os rumos de uma revolta para depor o governador do Amazonas. No dia 14 de janeiro de 1892, data referência para o bairro Praça 14 de Janeiro, teve lugar a Revolta de 14 de Janeiro, como passou a ser referenciada nos jornais:

"[...] a 14 de janeiro, à tarde, teve lugar na Praça General Osório, fronteira ao quartel do exército, um meeting, promovido pelos democráticos. Os oradores inflamaram-se, aclamando o capitão de fragata José Ignácio Borges Machado, comandante da flotilha, capitão Porfírio Francisco da Rosa, comandante interino do 36 de infantaria, e desembargador Luiz Duarte para formarem a junta que deveria governar o Estado até a chegada de Eduardo Ribeiro, proclamado governador na reunião. A seguir, uma comissão, composta dos srs. Lima Bacuri, dr. Almino Alvares Afonso e major Leonardo Antônio Malcher, dirigiu-se ao palácio, no propósito de intimar o dr. Thaumaturgo a deixar o poder. Recebida, antes de terminar a missão de que estava encarregada foi expulsa, maltratada, espancada, jogada pelas escadarias de palácio abaixo. Houve tiros e mortos. O coronel Lima Bacuri e o dr. Almino Afonso saíram feridos a bala, enquanto o major Malcher sofria escoriações assás graves pelo corpo. O meeting dissolveu-se, pois os que dele participavam não dispunham de armas para reagir e o pânico era grande" (6).

Houve uma única morte, a do soldado do Batalhão Militar de Polícia João Fernandes Pimenta, que deixou mulher e seis filhos menores (7). Gregório Thaumaturgo acusou o coronel Lima Bacuri de ter sido o responsável pelo disparo que vitimou o soldado. No entanto, como este também fora ferido durante a confusão, e os depoimentos serem bastante divergentes, nada foi comprovado (8). O Intendente Municipal Sérgio Pessoa, de forma a homenagear o falecido, sugeriu que a então Praça da Conciliação passasse a ser denominada Praça Fernandes Pimenta, e que lhe fosse concedido um jazigo perpétuo no Cemitério São João Batista (9). Essa nomenclatura parece não ter vingado por muito tempo, pois no final desse mesmo ano o local já aparece referenciado como Praça 14 de Janeiro (10).

Voltando ao motim, Gregório Thaumaturgo abandonou o palácio, mas não entregou seu cargo. Decretou, por 30 dias, estado de sítio na capital. Em outro decreto, de 22/01/1892, desterrou os principais líderes Democráticos para São Paulo de Olivença e Tabatinga:

"Art 1° - São desterrados para S. Paulo de Olivença, o Barão do Juruá, o Dr. João Franklin de Alencar Araripe e o Dr. Arminio Adolpho Pontes e Souza; para Tabatinga, o Tenente-Coronel Emílio José Moreira, Dr. Luiz Duarte da Silva, Dr. José Tavares da Cunha Mello e Dr. Antonio Henrique de Almeida Junior" (11).

Arthur Reis incrementa essas informações, tendo sido também desterrados "Raymundo Antonio Fernandes, para Airão, Francisco Joaquim Ferreira de Carvalho, para Moura; e Desembargador José Antonio Floresta Bastos e capitão Leonardo Antonio Malcher para Carvoeiro" (12). O governo federal ficou ciente da situação, ordenando que Thaumaturgo de Azevedo entregasse o governo ao capitão de fragata José Inácio Borges Machado. O governador negou e, por ordem do Presidente Floriano Peixoto, tenentes do exército e da marinha do RJ desembarcaram em Manaus, reunindo-se com os Democráticos. Ambos preferiram agir não pela força das armas, mas a partir de uma intimação. Cercado por todos os lados, Gregório Thaumaturgo entregou o governo a Borges Machado, que governou de 27/02/1892 até 11/03/1892, entregando o cargo a Eduardo Gonçalves Ribeiro, que dissolveu o Congresso, sendo eleito governador, assumindo em 23 de julho de 1892.


NOTAS:


(1) LOPES, Raimundo Helio. Gregório Thaumaturgo de Azevedo. Verbete, CPDOC, s.d.
(2) REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. 2° Ed. Belo Horizonte: Itatiaia; Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas, 1989,  p. 249.
(3) PONTES FILHO, Raimundo Pereira. Estudos de História do Amazonas. Manaus: Editora Valer, 2000, p. 148.
(4) REIS, Arthur, op cit, p. 251-252. Arthur Cezar Ferreira Reis cita que, uma das medidas tomadas por Thaumaturgo de Azevedo que desagradou os Democráticos foi o pedido de rescisão do contrato de esgotos feito por Guilherme Moreira, por considerá-lo oneroso e prejudicial à higiene pública. A Assembleia negou o pedido.
(5) REIS, Arthur, op cit, p. 252.
(6) Ibidem, p. 253.
(7) João Fernandes Pimenta. Diário de Manáos: Propriedade de uma Associação. 17/01/1892.
(8) Amazonas: Órgão do Partido Republicano Democrata, 10/11/1892. Uma das testemunhas afirmava que o coronel Lima Bacuri havia entrado no palácio portando um revólver, quando foi comprovado que o tiro que vitimou João Fernandes Pimenta era de um fuzil da polícia.
(9) Diário de Manáos: Propriedade de uma Associação, 07/02/1892.
(10) Amazonas: Órgão do Partido Republicano Democrata, 28/12/1892.
(11) Diário de Manáos: Propriedade de uma Associação, 22/01/1892.
(12) REIS, Arthur, op cit, p. 253.

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