sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Vão demolir a velha sede do Naça

Registro de 1968 do casarão que no passado foi sede do Nacional Futebol Clube.

O texto a seguir foi originalmente publicado no extinto jornal A Notícia em 29 de abril de 1972, tendo sido recuperado pelo pesquisador Ed Lincon. Empresto o título da matéria original para realizar essa postagem. O antigo casarão que por décadas foi sede do Nacional foi dos prédios mais icônicos do centro da cidade, tanto por seu uso, como sede do principal clube de futebol da época, quanto por sua arquitetura. Assim como outras construções, entre as décadas de 1970 e 1980, foi demolido (1972), existindo no lugar atualmente o depósito de um supermercado.

Vão demolir a velha sede do Naça

Os moradores da rua Saldanha Marinho, próximos à sede velha do Nacional Futebol Clube deixarão de ouvir uma coisa tradicional. A charanga do clube em dias de carnaval, de vitórias e outros dias passará a fazer seu barulho alegre e ritmado muito longe, na sede nova do clube. Tudo porque o Nacional vai se mudar, depois de ocupar o velho casarão, entre a Av. Eduardo Ribeiro e rua Barroso, desde 1915.

A sede nova, com construção iniciada em 1956 obedecendo ao projeto do engenheiro José Francisco Portela, foi já inaugurada no dia 31 de dezembro de 1971. Mas, por não estar pronta, a administração e as promoções sociais do clube permanecem até agora na mansão pintada em azul fortíssimo e desbotado, da Saldanha Marinho.

Ali, os bailes carnavalescos foram tantos e tanto se pulou que a mansão não oferece mais segurança. Seus alicerces erguidos nos tempos áureos da borracha, na passagem do século, podem desabar e as dependências já são pequenas para os associados. Quem explica isso é Pedro Gomes, tesoureiro do clube, nacionalino desde o primeiro dia de idade e funcionário do Banco do Brasil.

Pedro, também antigo lateral esquerdo do Nacional, explicava ontem a tarde, em sua mesa de trabalho no banco, que dentro de 45 dias será inaugurada a pista de dança da sede nova. Em seguida ficará pronto o restaurante, que será aberto ao público em geral. Exatamente no dia 24 de junho próximo, quando o mestre Pereira mostrará suas habilidades culinárias na churrascaria.


SEDE NOVA

Segundo Pedro Gomes, na sede nova, localizada na Rua Fortaleza, já funciona o vestiário dos profissionais. Terá salão de dança, boate e bar, além de salão nobre, secretaria, tesouraria, administração, piscina e ginásio de esportes. Até agora o clube já dispendeu três milhões de cruzeiros novos, dinheiro conseguido – segundo Pedro Gomes – com as vendas de quatro séries de títulos de sócio-proprietário. Vendendo três séries para adultos e uma mirim, o clube não conseguiu ainda esgotar duas séries. Agora o Nacional recolherá o que não foi vendido e aumentará o preço para 1200 cruzeiros para adultos e 1000 cruzeiros para títulos mirins.

Nesta mudança não foi esquecida a concentração dos jogadores. O “Naça” adquiriu por 60 mil cruzeiros um prédio que pertencia à senhora Francisca Naide Pinheiro, na Ferreira Pena, 451. O alojamento contém dez aposentos. Serve até de residência para os jogadores, pois a maioria deles é de solteiros. Levam lembranças da concentração toda azul e antiga da Joaquim Nabuco.


ÚLTIMO DESEJO

Sob a supervisão do arquiteto Aldo Moreira Lima, Fernando dos Santos, o “Baiano”, leva adiante os trabalhos na sede nova. Bastante prático, enquanto preparava o chão do salão de danças ante ontem, com cargas de água, “Baiano” observava: “A sede só não fica pronta pra junho se por acaso faltar dinheiro. Do contrário...”.

E a torcida? Segundo Pedro Gomes ela é diretamente responsável pela contribuição em 50 mil cruzeiros, tornando-se sócia, indo aos jogos e fazendo doações espontâneas. “Tem papel decisivo”. E papel decisivo para as finanças do clube é a existência de sede própria. Para se ter uma ideia Pedro Gomes mostra que o clube faz agora uma economia de seis mil cruzeiros mensais com a concentração nova, onde há lugar até para o médico do clube e os craques são servidos “por uma excelente cozinha”. A economia existe, mesmo, considerando que o aluguel era ninharia de 55,80 cruzeiros mensais (com reajuste recente).

Não há mais a preocupação em se procurar melhor alojamento em hotéis da cidade, bastante caros.

Agora, depois de ser campeão amazonense 22 vezes e ostentar mais de 50 títulos amadores, o velho Nacional, de 60 anos de idade, deixa a mansão, da família J. G. Araújo (Joaquim Gonçalves Araújo). O velho Joaquim num último suspiro, antes de sua morte, pediu para que “não mexessem no Naça”, isto é, que seus familiares deixassem o Nacional em sua propriedade. Havia sido presidente do clube por uma vez e foi condecorado com o título de sócio benemérito. Fez o extremo pedido ao sobrinho Jaime Bittencourt sócio-proprietário e visado para ser benemérito também. E não é para menos pois está em pauta uma doação da família J. G. Araújo ao Nacional no montante de cem mil cruzeiros.

Segundo Pedro Gomes, o clube considera-se em razoável situação financeira agora, depois de ter passado por maus momentos há dias quando os jogadores mal podiam receber seus salários.

As dívidas eram de 300 mil. Agora baixaram para 50 mil cruzeiros. Nem por isso a charanga alegre do Nacional emudeceu nos dias de vitória, relembrando os bailes memoráveis no casarão azul organizado pela famosa renque nacionalina. No lugar do que é hoje um amontoado de cadeiras quebradas, vidraças partidas e empoeiradas na velha sede semiabandonada, formavam-se filas enormes para pular o carnaval.


VÃO DEMOLIR

“Rapazes e moças faziam filas e brincavam o carnaval ao modo nacionalino” - recorda Pedro Gomes, acrescentando - “E era típico por ser mais moderno. O pessoal rodava pelo salão”. Foi ali que um dia Newton Santos (ex-craque da seleção brasileira e do Botafogo) entrou em 1962, para receber o título de sócio-proprietário. Na ocasião o craque brasileiro pediu para receber a homenagem lá nos fundos, na quadra de esporte. Paulino Gomes lhe deu o título sob as vistas de Pepeta, Marialvo, Edson Piola e outros então craques do Nacional. Comemorava-se o Bicampeonato Mundial.

Os velhos alicerces do casarão ainda suportavam o “Maior baile de carnaval da terça-feira” - segundo Pedro. Ele lembra um baile de gala, num domingo em 1963, foi tão concorrido que outros clubes da cidade fecharam seus salões. Construído em estilo colonial, em dois pavimentos, área fronteiriça com toldo do portão à entrada do salão pequeno, o prédio chama a atenção por ser extremamente desbotado. Lá no alto, o símbolo amarelo do clube, sobre as altas janelas de beiradas brancas. Pedro não sabe quando, mas qualquer dia desses alguns nacionalinos mais curiosos assistirão, olhando pelas frestas do muro de ferro, a demolição do antigo palco das alegrias nacionalinas.

A derrubada do prédio estará a cargo do Banco do Estado do Amazonas. O BEA adquiriu o local para construir ali um edifício. O “Naça” entra em uma nova época usufruindo do dinheiro que também recebe do aluguel de um terreno para a Shell e do dinheiro recebido pela venda da área onde, por enquanto, ainda permanece de pé o casarão azul e branco.


A Notícia, 29/04/1972


CRÉDITO DA IMAGEM:

Manaus Sorriso



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