Registro de 1968 do casarão que no passado foi sede do Nacional Futebol Clube.
O texto a seguir foi originalmente publicado no extinto jornal A Notícia em 29 de abril de 1972, tendo sido recuperado pelo pesquisador Ed Lincon. Empresto o título da matéria original para realizar essa postagem. O antigo casarão que por décadas foi sede do Nacional foi dos prédios mais icônicos do centro da cidade, tanto por seu uso, como sede do principal clube de futebol da época, quanto por sua arquitetura. Assim como outras construções, entre as décadas de 1970 e 1980, foi demolido (1972), existindo no lugar atualmente o depósito de um supermercado.
Vão
demolir a velha sede do Naça
Os
moradores da rua Saldanha Marinho, próximos à sede velha do
Nacional Futebol Clube deixarão de ouvir uma coisa tradicional. A
charanga do clube em dias de carnaval, de vitórias e outros dias
passará a fazer seu barulho alegre e ritmado muito longe, na sede
nova do clube. Tudo porque o Nacional vai se mudar, depois de ocupar
o velho casarão, entre a Av. Eduardo Ribeiro e rua Barroso, desde
1915.
A
sede nova, com construção iniciada em 1956 obedecendo ao projeto do
engenheiro José Francisco Portela, foi já inaugurada no dia 31 de
dezembro de 1971. Mas, por
não estar pronta, a administração e as promoções sociais do
clube permanecem até agora na mansão pintada em azul fortíssimo e
desbotado, da Saldanha Marinho.
Ali,
os bailes carnavalescos foram tantos e tanto se pulou que a mansão
não oferece mais segurança. Seus alicerces erguidos nos tempos
áureos da borracha, na passagem do século, podem desabar e as
dependências já são pequenas para os associados. Quem explica isso
é Pedro Gomes, tesoureiro do clube, nacionalino desde o primeiro dia
de idade e funcionário do Banco do Brasil.
Pedro,
também antigo lateral esquerdo do Nacional, explicava ontem a tarde,
em sua mesa de trabalho no banco, que dentro de 45 dias será
inaugurada a pista de dança da sede nova. Em seguida ficará pronto
o restaurante, que será aberto ao público em geral. Exatamente no
dia 24 de junho próximo, quando o mestre Pereira mostrará suas
habilidades culinárias na churrascaria.
SEDE
NOVA
Segundo
Pedro Gomes, na sede nova, localizada na Rua Fortaleza, já funciona
o vestiário dos profissionais. Terá salão de dança, boate e bar,
além de salão nobre, secretaria, tesouraria, administração,
piscina e ginásio de esportes. Até agora o clube já dispendeu três
milhões de cruzeiros novos, dinheiro conseguido – segundo Pedro
Gomes – com as vendas de quatro séries de títulos de
sócio-proprietário. Vendendo três séries para adultos e uma
mirim, o clube não conseguiu ainda esgotar duas séries. Agora o
Nacional recolherá o que não foi vendido e aumentará o preço para
1200 cruzeiros para adultos e 1000 cruzeiros para títulos mirins.
Nesta
mudança não foi esquecida a concentração dos jogadores. O “Naça”
adquiriu por 60 mil cruzeiros um
prédio que pertencia à senhora Francisca Naide Pinheiro, na
Ferreira Pena, 451. O alojamento contém dez aposentos. Serve até de
residência para os jogadores, pois a maioria deles é de solteiros.
Levam lembranças da concentração toda azul e antiga da Joaquim
Nabuco.
ÚLTIMO
DESEJO
Sob
a supervisão do arquiteto Aldo Moreira Lima, Fernando dos Santos, o
“Baiano”, leva adiante os trabalhos na sede nova. Bastante
prático, enquanto preparava o chão do salão de danças ante ontem,
com cargas de água, “Baiano” observava: “A sede só não fica
pronta pra junho se por acaso faltar dinheiro. Do contrário...”.
E
a torcida? Segundo Pedro Gomes ela é diretamente responsável pela
contribuição em 50 mil cruzeiros, tornando-se sócia, indo aos
jogos e fazendo doações espontâneas. “Tem papel decisivo”. E
papel decisivo para as finanças do clube é a existência de sede
própria. Para se ter uma ideia Pedro Gomes mostra que o clube faz
agora uma economia de seis mil cruzeiros mensais com a concentração
nova, onde há lugar até para o médico do clube e os craques são
servidos “por uma excelente cozinha”. A economia existe, mesmo,
considerando que o aluguel era ninharia de 55,80 cruzeiros mensais
(com reajuste recente).
Não
há mais a preocupação em se procurar melhor alojamento em hotéis
da cidade, bastante caros.
Agora,
depois de ser campeão amazonense 22 vezes e ostentar mais de 50
títulos amadores, o velho Nacional, de 60 anos de idade, deixa a
mansão, da família J. G. Araújo (Joaquim Gonçalves Araújo). O
velho Joaquim num último suspiro, antes de sua morte, pediu para que
“não mexessem no Naça”, isto é, que seus familiares deixassem
o Nacional em sua propriedade. Havia sido presidente do clube por uma
vez e foi condecorado com o título de sócio benemérito. Fez o
extremo pedido ao sobrinho Jaime Bittencourt sócio-proprietário e
visado para ser benemérito também. E não é para menos pois está
em pauta uma doação da família J. G. Araújo ao Nacional no
montante de cem mil cruzeiros.
Segundo
Pedro Gomes, o clube considera-se em razoável situação financeira
agora, depois de ter passado por maus momentos há dias quando os
jogadores mal podiam receber seus salários.
As
dívidas eram de 300 mil. Agora baixaram para 50 mil cruzeiros. Nem
por isso a charanga alegre do Nacional emudeceu nos dias de vitória,
relembrando os bailes memoráveis no casarão azul organizado pela
famosa renque nacionalina. No lugar do que é hoje um amontoado de
cadeiras quebradas, vidraças partidas e empoeiradas na velha sede
semiabandonada, formavam-se filas enormes para pular o carnaval.
VÃO
DEMOLIR
“Rapazes
e moças faziam filas e brincavam o carnaval ao modo nacionalino” -
recorda Pedro Gomes, acrescentando - “E era típico por ser mais
moderno. O pessoal rodava pelo salão”. Foi ali que um dia Newton
Santos (ex-craque da seleção brasileira e do Botafogo) entrou em
1962, para receber o título de sócio-proprietário. Na ocasião o
craque brasileiro pediu para receber a homenagem lá nos fundos, na
quadra de esporte. Paulino Gomes lhe deu o título sob as vistas de
Pepeta, Marialvo, Edson Piola e outros então craques do Nacional.
Comemorava-se o Bicampeonato Mundial.
Os
velhos alicerces do casarão ainda suportavam o “Maior baile de
carnaval da terça-feira” - segundo Pedro. Ele lembra um baile de
gala, num domingo em 1963, foi tão concorrido que outros clubes da
cidade fecharam seus salões. Construído em estilo colonial, em dois
pavimentos, área fronteiriça com toldo do portão à entrada do
salão pequeno, o prédio chama a atenção por ser extremamente
desbotado. Lá no alto, o símbolo amarelo do clube, sobre as altas
janelas de beiradas brancas. Pedro não sabe quando, mas qualquer dia
desses alguns nacionalinos mais curiosos assistirão, olhando pelas
frestas do muro de ferro, a demolição do antigo palco das alegrias
nacionalinas.
A
derrubada do prédio estará a cargo do Banco do Estado do Amazonas.
O BEA adquiriu o local para construir ali um edifício. O “Naça”
entra em uma nova época usufruindo do dinheiro que também recebe do
aluguel de um terreno para a Shell e do dinheiro recebido pela venda
da área onde, por enquanto, ainda permanece de pé o casarão azul e
branco.
A Notícia, 29/04/1972
CRÉDITO DA IMAGEM:
Manaus Sorriso
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