domingo, 6 de maio de 2018

Resenha: Um Olhar pelo Passado, de Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1897)


Em 1990 a Prefeitura de Manaus reeditou o livro Um Olhar pelo Passado, publicado originalmente em 1897, pequeno trabalho de pouco mais de 20 páginas elaborado pelo jornalista Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1840-1919) e oferecido ao governador Fileto Pires Ferreira. A tiragem se esgotou rapidamente e o livro não voltou a ser reeditado, o que é uma pena. Apresento aos leitores uma breve resenha dessa obra:

O autor, filho de João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), primeiro Presidente da Província do Amazonas, não tinha a pretensão de realizar um trabalho histórico, afirmando não "ter competência para fazer o histórico do desenvolvimento material da cidade de Manaus". No entanto, parte de seu trabalho é baseado no que viu durante a vida e do que foi encontrado "nos archivos públicos desta capital, Barcellos, Itacoatiara e Teffé" (ARANHA, 1897, p. 9).

O ponto de partida de seu livro é o ano de 1791, com a transferência, por iniciativa do governador Lobo D' Almada, da capital da Capitania de São José do Rio Negro de Barcelos para o Lugar da Barra, "por offerecer mais vantagens ao commercio e à administração dos negócios políticos e civis da Capitania" (ARANHA, 1897, p. 9). Bento Aranha lista os governadores da Capitania desde sua fundação em 1757: Joaquim de Mello e Póvoas, Gabriel de Souza Filgueiras (interino), Nuno da Cunha Athayde Vianna (interino), Valerio Corrêa Botelho d' Andrade (interino), Joaquim Tinoco Valente, posteriormente uma junta governativa formada por oito membros, Manoel da Gama Lobo d' Almada, José Antônio Salgado, José Joaquim Vitório da Costa e Manoel Joaquim do Passo.

Bento Aranha, agora, se dedica à fundação da cidade de Manaus, citando a criação, por Pedro da Costa Favela, auxiliado por um missionário e índios aruaquis, da primitiva aldeia onde hoje está localizada a capital do Amazonas. Posteriormente, padres carmelitas criaram uma Missão, cabendo a Manoel da Mota de Siqueira a construção da fortaleza. O autor cita a construção de outros fortes a partir da segunda metade do século XVIII: Os fortes de S. Gabriel da Cachoeira do Corucovi e de S. José de Marabitanas, construídos em 1763; o de S. Francisco Xavier de Tabatinga, em 1765; e o de S. Joaquim do Rio Branco, em 1775.


É dado destaque ao governo de Manuel da Gama Lobo D' Almada, que impulsionou a vida do Lugar da Barra, criando 


"1 padaria de pão de arroz moido em atafoma movida por bestas; 1 fabrica de panno de algodão (em rolos) tendo 18 teares e 10 rodas de fiar com 24 fusos cada uma; 1 cordoaria de cordas e amarras de piassaba e calabres; 1 fabrica de fecula de anil; 1 nora para distribuir agua para a fábrica de anil e para uma hora; 1 horta; 1 olaria com excellentes amassieiras, estendedouros, fornos calcinatorios e de torrefação de telha e ladrilho;1 fabrica de velas de cera; 1 açougue; 1 ribeira para a construcção de canoas; 1 fabrica de redes de fio d' algodão; 1 fabrica de redes de fibras de tucum, curauhá e murity; e muitos engenhos de moer canna e fabricar cachaça e mel"(ARANHA, 1897, p. 11-12).


Os anos finais do período colonial da Capitania de São José do Rio Negro foram administrados por uma junta provisória formada por Antonio da Silva Craveiro, Bonifacio João de Azevedo, Manoel Joaquim da Silva Pinheiro e João Lucas da Cruz. Em 9 de novembro de 1823 a Capitania de S. José do Rio Negro jura fidelidade à D. Pedro I. Uma junta governativa administraria a região até 1825, quando esta foi incorporada ao Grão-Pará na condição de Comarca.

Após citar a resolução de 1833 da Província do Grão-Pará que estabeleceu a divisão das comarcas e alterou os antigos nomes de suas vilas; e levantar alguns dados sobre o Lugar da Barra entre 1832 e 1852, Bento Aranha entra na segunda parte de sua obra, composta de reminiscências históricas, de  descrições de paisagens, ruas e caminhos de Manaus que viu entre 1852 e 1889:

"Era cortada a cidade da Barra, como a conheci em 1852, ao Norte pelo igarapé da Castelhana, que desagua no da Cachoeira Grande e pelo dos Remédios (Aterro), no logar denominado Mocó, cujas aguas lançam-se no Rio Negro. Este ultimo igarapé dividia o bairro da Republica do dos Remédios. Ao Occidente o igarapé da Cachoeira Grande limitava a cidade, e entre elle e o do Espirito Santo corriam os igarapés de S. Vicente, cuja fonte estava situada na extrema Occidental da rua da Palma, hoje denominada Saldanha Marinho; e o da Bica, seu affluente, que nasce na rua 10 de julho, ainda não existente nessa epocha, e cujo leito estende-se ao longo do largo da Polvora, formando com o igarapé da Cachoeira Grande o arrabalde denominado Cornetas e Sacco do Alferes. Abaixo do igarapé de S. Vicente desaguava no Rio Negro um outro que denominava-se do Seminário, cuja nascente era na rua Brazileira, tendo sido transformado depois na praça da Imperatriz. Estes dous igarapés formavam o bairro de S. Vicente, assim como o do Seminario e o do Espirito Santo o bairro que tomava o do deste nomes"(ARANHA, 1897, p. 15-16).

Rua da Palma, S. Vicente, Largo da Pólvora, Saco do Alferes, rua Brasileira, rua Feliz Lembrança, rua do Sol, rua da Lua, travessa do Cantagalo, rua das Flores e outros tantos nomes pitorescos de lugares há muito modificados ou desaparecidos. Casas cobertas de palha, protegidas por cercas de madeira, sobrados em construção e outros arruinados. Bento Aranha nos apresenta a geografia da cidade nos tempos provinciais, uma geo-história, sempre recorrendo à sua memória, como na passagem a seguir:

"Em 1865 existiam no igarapé de Manaus alguns sitios, sendo destes os mais longinquos o da Curiboca Mãe, de D. Maxima Alvarenga, da velha cabocla Patricia, do velho João Cuyabá, do velho Cidade, e da velha Clementina" (ARANHA, 1897, p. 16).

Das modestas transformações do período, cita a construção do Cemitério de S. José, a "[...] abertura das estradas Ramos Ferreira [...] e 7 de Dezembro" (ARANHA, 1897, p. 19) e de outras vias públicas. À essa descrição de logradouros públicos segue-se uma relação de construções existentes em Manaus antes de 1852, das quais destacavam-se o Palácio dos Governadores, o Quartel, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, o Forte de S. José da Barra do Rio Negro (em ruínas), o Hospital Militar, a Olaria e a Cordoaria. O livro termina com uma abordagem sobre os rios até então conhecidos e mais explorados, como o Madeira, Içana, Japurá e Purus, todos visados por comerciantes amazonenses, paraenses, portugueses, maranhenses e mato-grossenses.

Qual o lugar do autor e a importância de sua obra? Em um interessante texto publicado no Jornal do Comércio em 1949, o antropólogo Geraldo Pinheiro, traçando um breve panorama dos historiadores manauaras, afirma que inegavelmente o primeiro historiador da cidade foi Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, que se dedicava à pesquisa em arquivos, à organização de bibliotecas, ao uso da memória, e que escrevia textos de história em periódicos locais. Sobre um 'Um Olhar pelo Passado', diz o antropólogo que "[...] é sem favor algum a primeira contribuição à história topográfica da cidade, das suas ruas e nomenclaturas, tão bem explicada com amor e dedicação aí por volta de 1897" (PINHEIRO, 1949).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Um Olhar pelo Passado. Manaus: Prefeitura Municipal/GRAFIMA, 1990. [original de 1897].

PINHEIRO, Geraldo de Macedo. Manaus e seus historiadores. Jornal do Comércio, 26/02/1949.

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