sábado, 24 de novembro de 2018

Ruas de Manaus: Lauro Cavalcante

Casario antigo da rua Lauro Cavalcante. FOTO: Jayme Arthur Souto Loureiro, 2018.

Com início na Avenida Getúlio Vargas, passando pela Avenida Joaquim Nabuco e terminando na rua Igarapé de Manaus, a rua Lauro Cavalcante é uma pequena e tradicional via pública do Centro Histórico de Manaus. O presente texto será o primeiro de uma série de postagens sobre a história das ruas da cidade.

Sua história tem início em 1917. Até esse ano ela era a continuação da rua Henrique Martins. Com o falecimento do médico Lauro E. Cavalcante nesse mesmo ano, o Superintendente Municipal Sérgio Rodrigues Pessoa, em sessão de 24 de outubro de 1917, em reconhecimento aos feitos desse profissional, decidiu o seguinte:

A Intendencia Municipal de Manáos resolve dar a denominação de rua Dr. Lauro Cavalcante ao trecho da rua Henrique Martins, comprehendido entre a Avenida 13 de Maio e Igarapé de Manáos visto não ser o referido trecho um prolongamento da dita rua.
Art. 1° - Fica o trecho da rua Henrique Martins entre a Avenida 13 de Maio e o Igarapé de Manáos denominado rua Dr. Lauro Cavalcante.
Art. 2° - Revogam se as disposições em contrário.
S. S. do Conselho Municipal de Manáos, de 24 de outubro de 1917
(a) Sergio R. Pessoa” (Terceira reunião ordinaria, triennio de 1917 a 1919, Sessão em 24 de outubro de 1917 In: A CAPITAL, 25/10/1917).

O projeto, transformado em Lei Municipal N° 915, foi aprovado em 26 de outubro daquele ano. Em registros fotográficos da década de 1920, como o que vem a seguir, de 1929, é possível ver esse antigo trecho da rua Henrique Martins, transformado em rua Lauro Cavalcante, sem nenhum tipo de calçamento. Ela só viria a receber esse serviço em 1938 na administração municipal de Antônio Botelho Maia, conforme pode ser visto nos “Topicos da Mensagem que o Prefeito de Manáos, agronomo Antonio Botelho Maia dirigiu ao dr. Alvaro Botelho Maia, Interventor Federal” (JORNAL DO COMÉRCIO, 28/08/1938).

Início da rua Lauro Cavalcante, 1929. FONTE: Manaus de Antigamente.

A rua após o serviço de calçamento realizado em 1938. FONTE: Jornal do Comércio, 28/08/1938.

Na recém-inaugurada Lauro Cavalcante passou a funcionar o Colégio Santa Clara, destinado ao ensino primário e dirigido “pelas professoras normalistas Anna e Francisca Rebouças” (JORNAL DO COMÉRCIO, 01/01/1919); o Escritório de Advocacia de “Bernardino Paiva e Castro Monte” (JORNAL DO COMÉRCIO, 04/10/1921); o consultório do médico Avelino Pereira, especialista em “doenças dos olhos, ouvidos, nariz e garganta”, no final da década de 1930 (JORNAL DO COMÉRCIO, 07/09/1939); e a Fábrica de Móveis Teixeira & Couteiro, na década de 1950. 

Vila Georgete (Jorgete). FOTO: Roberto Mendonça, 2015.

Outros estabelecimentos eram de longa data, desde o início do século XX, quando aquela parte ainda era conhecida pelo nome Henrique Martins, como a Mercearia Castelo de Ouro, posteriormente Bar e Restaurante Castelo de Ouro, na esquina com a Avenida 13 de Maio (futura Getúlio Vargas); e a histórica Vila Georgete (Jorgete), existente até os dias de hoje. Além da Georgete, existiram as vilas Teixeira e Valente. No casarão existente na esquina com a Avenida Joaquim Nabuco, foi instalada em 1968, no governo de Danilo Duarte de Mattos Areosa, a Secretaria de Assistência e Saúde do Estado. Devem ser citadas, ainda, as sedes do INOCOOP (Instituto de Orientação das Cooperativas Habitacionais), da SEMEC (Secretaria Municipal de Educação e Cultura), posteriormente SEMED (Secretaria Municipal de Educação), a Central de Voluntários, instalada no governo de José Lindoso, 

Lauro E. Cavalcante, 1916. FONTE: Correio Sportivo, 15/04/1916.

Quem foi Lauro Cavalcante? Lauro E. Cavalcante foi médico legista da Polícia do Estado do Amazonas, cirurgião, professor normalista, presidente da Liga Amazonense de Esportes Atléticos e do Atlético Rio Negro Clube (1915-1916). Idealizou o Instituto de Proteção e Assistência à Criança do Amazonas, que não foi plenamente instituído dada a sua morte prematura. Lauro Cavalcante foi interno da Casa de Saúde Dr. Eiras e da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, especializando-se, nesses estabelecimentos, no tratamento da sífilis. Em Paris realizou um curso de tratamento de crianças no ‘Hospital des Enfants Malades’ e especializou-se no trato de moléstias do fígado, baço e pulmões. Em Manaus, assim como os médicos de outras cidades do país, realizava consultas em farmácias. Atendia na Verne, localizada na Praça Tamandaré, das 7 às 9 horas; e na Barreira, na Avenida Eduardo Ribeiro, das 15 às 17 horas. Os que desejassem comodidade também poderiam ser atendidos em sua residência na Avenida Joaquim Nabuco. Costumava não cobrar as consultas e qualquer auxílio prestado a pessoas de baixa renda.


FONTES:

Correio Sportivo, 15/04/1916.
A Capital, 25/10/1917.
Jornal do Comércio, 01/01/1919.
Jornal do Comércio, 04/10/1921
Jornal do Comércio, 28/08/1938.
Jornal do Comércio, 07/09/1939.

CRÉDITO DAS IMAGENS:

Jayme Arthur Souto Loureiro
Manaus de Antigamente
Jornal do Comércio
Roberto Mendonça
Correio Sportivo

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

'Homens, Cousas e Fatos' – Etelvina D’ Alencar (1956)

Mausoléu de Etelvina D' Alencar (1884-1901). FOTO: Fábio Augusto de C. Pedrosa, 2018.

A História da jovem Etelvina D’ Alencar (1884-1901), popularmente conhecida como Santa Etelvina, até hoje, passados 117 anos de seu assassinato, desperta a curiosidade de leigos e pesquisadores. Seu mausoléu no Cemitério São João Batista, para onde concorre grande número de católicos em busca de graças ou agradecimentos ao que já foi alcançado, seja a aprovação em um concurso ou a cura de uma enfermidade, é o mais visitado daquela necrópole. Reproduzo, abaixo, o texto referência sobre o caso, escrito pelo jornalista Julio Uchôa em 1956 e publicado no Jornal do Comércio.


HOMENS, COUSAS E FATOS

Julio UCHÔA
(Da Asoc. Amaz. de Imprensa)


Escrevemos, em 1947, algumas notas sôbre Etelvina de Alencar, jovem nordestina, de 17 anos de idade, sacrificada às mãos de um conterrâneo seu, o qual se deixou dominar por estranha e mórbida paixão. Isso em princípios de 1901. Descreveu o doloroso acontecimento, de extraordinária repercussão em todo o país, um inspirado bardo popular que enfeixou, em um folheto, sua magnífica produção. Muitos anos volvidos, após sua divulgação, caiu sob nossas vistas um exemplar dêsse livrinho1. E, foi, assim, que ao historiador forneceu o poeta os elementos indispensáveis à elaboração do citado trabalho, conservando aquêle, desta feita, como da vez anterior, o mesmo sentido trágico e humano, dado por êste à sua impressionante narrativa.

Filha de Cosme José de Alencar e de dona Antônia Rosalina de Alencar, Etelvina nasceu em Boa Vista do Icó (Ceará), em 1884, vindo para Manaus em companhia de sua genitora, já, então, viúva, e de três irmãs, sendo uma destas casada. Desta capital se transportou a família à Colônia “Campos Sales”, inaugurada dois anos antes, onde se ia dedicar aos labores agrícolas.

Na Colônia, Etelvina veio a conhecer o colono de nome José, que logo a primeira vista por ela se apaixonou, seguindo-se o ajuste de casamento. Cedo, porém, a desilusão: a jovem fez saber a José não mais desejava casar-se com êle, desfazendo-se, dêste modo, os compromissos assumidos anteriormente.

Grande abalo produziu no espírito de José o rompimento do noivado. Meio pequeno, constituído como que de uma família, a notícia provocou sensação. Houve mesmo quem afirmasse que Etelvina possuía três namorados: Antônio, Estevam e Henrique. Tudo isso ouvira José, e dando crédito às intrigas que lhe contavam, jurou vingar-se, não só da ex-namorada, mas, igualmente, dos três rapazes que imaginava causadores de sua infelicidade. E tudo planejou, fria demoradamente.

Veio à cidade, onde adquiriu um rifle e farta munição. Mataria a todos, dissera ele a amigos. Estávamos em março de 1901.

E, assim, aconteceu. Mal entrava na área da Colônia, alvejava a tiro a Estevam, que descuidado não esperava a agressão; ao primeiro disparo êle corre, procurando desvencilhar-se do assassino; um segundo tiro, porém, prostrou-o sem vida. Mais adiante estava Henrique, com quem José trava violenta luta corporal; subjugado o adversário, abateu-o a tiro. Um pobre caboclo que dormia à sombra de uma árvore próximo à casa da Administração, é a terceira vítima da fúria sanguinária do celerado…

Cometidos os três crimes, José se dirige à residência de Etelvina, e, valendo-se do coice do rifle, pôs abaixo a porta da casa. Nessa ocasião aparece-lhe Versoli, administrador da Colônia, que procura interceptar a entrada do criminoso, sendo morto, por êste. Suspeitando das intenções do bandido, a moça tenta fugir, no que é obstada por êle que conseguiu alcançá-la e “quase nua, pés descalços em camisão” (diz o poeta), a desventurada Etelvina é arrastada para a densa floresta que se estendia às proximidades da casa.

Infrutíferas foram as buscas nos primeiros dias. E, somente a 8 de março é encontrado o local, em que se consumara o derradeiro ato do imenso drama, misto de amor e ódio. Os urubús, em grupos simétricos, voejavam alto, sinal evidente de que lauto fôra o repasto. E, ali, o quadro punjente, que a todos estarreceu: duas caveiras se defrontavam, numa evocação sinistra dos últimos instantes, de pavor e de alucinação, que viveram aquelas duas criaturas. O rifle, entre os dois esqueletos, explicava a cena final: José matara a infeliz Etelvina, suicidando-se, a seguir.

Repousam os restos mortais de Etelvina de Alencar, ou “Santa Etelvina”, como é por todos reverenciada, no cemitério de São João, em sepultura perpetuada por lei municipal n° 233, de 30 de agôsto de 1901, à sombra do jazigo que o Povo Amazonense ergueu à sua memória. E, desde então as visitas ao seu túmulo se sucedem, ininterruptamente, durante o dia: são os devotos da meiga “Santinha”, que ali vão levar suas oblatas, ou acender um círio votivo pelo atendimento às suas súplicas e orações…


FONTE:


JORNAL DO COMÉRCIO, Ano 52, N° 13.971, 15/01/1956.


NOTAS:

1 Julio Uchôa refere-se ao livreto ‘Os Horrores de Manaus’, do poeta popular potiguar Antônio Mulatinho. Com primeira edição possivelmente publicada em 1905, foi produzido em homenagem a Etelvina D’ Alencar. O dinheiro arrecadado com a venda desse trabalho foi utilizado em melhoramentos no seu túmulo. Além do assassinato da jovem, que leva o título ‘A infeliz Etelvina em março de 1901’, Antônio aborda mais três crimes, todos narrados em forma de prosa: 'Tiroteio de 26 e 27 de fevereiro, em 1893'; 'A morte de 4 creanças no bairro do Mocó, em setembro de 1895'; e 'O crime do Barba Azul, em junho de 1901'. A trova final, ‘Saudades do meu sertão’, é um poema saudosista em lembrança ao Nordeste, região de onde o autor veio.



terça-feira, 13 de novembro de 2018

Resenha: Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências, de Agnello Bittencourt (1969)


Em 1969, ano que ficou consagrado pelos festejos do tricentenário de Manaus, o renomado geógrafo, historiador e professor amazonense Agnello Bittencourt (1876-1975) publicou o trabalho ‘Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências’, uma síntese da história da cidade de seus primeiros anos até a década de 1960.

Agnello Bittencourt inicia seu texto abordando os empreendimentos espanhóis e portugueses na América entre fins do século XIV e início do século XV, ou como ele diz, “o estado de espírito dos conquistadores lusos e espanhóis” (BITTENCOURT, 1969, p. 23). Por estado de espírito ele não se refere apenas à conquista territorial e material, mas, principalmente, à influência dos mitos e lendas na mentalidade daqueles homens recém-saídos do período medieval. Para o historiador a penetração do território que viria a ser conhecido como Amazonas é fruto da “cobiça europeia embalada nos mitos que se divulgaram” (BITTENCOURT, 1969, p. 24). A Expedição de Pedro Teixeira, realizada em 1637, durante o domínio da Coroa Espanhola sobre Portugal, foi de extrema importância para uma ocupação mais efetiva dos lusitanos na Amazônia.

Como um dos historiadores de Manaus da geração mais tradicional, Agnello Bittencourt não pôde deixar de citar o célebre episódio da construção, em 1669, pelo Capitão Francisco da Mota Falcão, da Fortaleza de São José do Rio Negro, vinda à luz para pôr fim às pretensões conquistadoras de ingleses, franceses e holandeses na região, bem como para estimular o povoamento daquela parte da Amazônia. Ao redor da construção fixaram-se indígenas das tribos Manaus, Barés, Banibas e Passés. Como vestígio da Fortaleza, o autor cita o Cemitério Indígena encontrado durante as obras realizadas na Praça Dom Pedro II, afirmando que “a atual geração que hoje habita Manaus ignora o fato, mal podendo avaliar que ali foram sepultados muitos antepassados nossos, de raça e mesmo de sangue” (BITTENCOURT, 1969, p. 34).

Seguiu-se à criação da Capitania de São José do Rio Negro, em 1755, a mudança de sua sede, até então em Mariuá (Barcelos), para o Lugar da Barra, ocorrida em 1791 durante a administração do Brigadeiro e engenheiro militar Manuel da Gama Lobo D’ Almada. A mudança foi gestada pela melhor localização, na confluência dos rios Negro e Amazonas, daquele tímido burgo. A medida não agradou D. Francisco de Souza Coutinho, Capitão-General do Grão-Pará, temeroso do prestígio que tal mudança garantiu a Lobo D’ Almada, pois este, em seu governo, dinamizou o Lugar da Barra, introduzindo nele várias melhorias como fábricas, olarias, padarias etc. Com a ajuda de seu irmão, Rodrigo de Souza Coutinho, Ministro em Portugal, iniciou “[…] sua campanha contra a nova sede da Capitania e, como consequência, em 1799 retorna esta para Barcelos, nos têrmos da Carta Régia de 22 de agôsto de 1798” (BITTENCOURT, 1969, p. 35-36). O Lugar volta a ser sede da Capitania de São José do Rio Negro em 1808, passando a categoria de Vila em 1832, com o nome de Manaus, sendo elevada à Cidade da Barra do Rio Negro em 1848 e, em 1856, “recebeu a designação definitiva de Cidade de Manaus, já então com 4.000 habitantes” (BITTENCOURT, 1969, p. 37).

Reconhecendo que as mudanças de status (Lugar, Vila e Cidade) não alteram profundamente, de forma imediata, os aspectos de Manaus, e que essas transformações dependem de fatores econômicos e sociais que se processam lentamente ou em surtos, Agnello Bittencourt propõe três etapas em que se pode observar, do ponto de vista dos aspectos físicos, a cidade de Manaus: “a primeira, que vai da fundação do Forte até meados do último quartel do século passado; a segunda, indo dessa época até quase da Segunda Guerra Mundial; e a terceira, a Manaus de hoje” (BITTENCOURT, 1969, p. 38-39).

Da primeira fase, entre fins do século XVIII até a segunda metade do século XIX, o historiador recupera os relatos dos viajantes que, durante suas expedições, passaram por Manaus, e os relatórios dos primeiros Presidentes da Província do Amazonas: Alexandre Rodrigues Ferreira (1787), Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius (1819), Alfred Russel Wallace (1849), Richard Spruce (1850-51), Lourenço da Silva Araújo e Amazonas (1852), João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1852), Herculano Ferreira Pena (1853), A. Belmar (1860), Louis e Elizabeth Agassiz (1865) e Franz Keller-Leuzinger (1867). É do casal Agassiz a famosa impressão de que “insignificante hoje (1865), Manaus se tornará, sem dúvida, um grande centro de comércio e navegação(AGASSIZ, 2000, p. 196). Esses diversos relatos e impressões dão notícia de uma cidade com população diminuta, sem maior expressão econômica e com seus limites urbanos definidos pelo terreno tortuoso, pelas matas e igarapés. A partir do final do século XIX, a narrativa se torna mais pessoal, baseada no que o autor viu ao longo de 92 anos de vida, “setenta dos quais passados em Manaus” (BITTENCOURT, 1969, p. 55). São frequentes os termos ‘vi’, ‘andei’, ‘conheci’: “Esta Manaus que conheci era limitada ao norte pela rua Monsenhor Coutinho, ao Sul pelo Rio Negro, a leste pela rua Joaquim Nabuco e a oeste pelo igarapé de São Vicente. Além daí era os bairros de Educandos, Cachoeirinha, Campinas e São Raimundo” (BITTENCOURT, 1969, p. 63-64).

Ao fim do período provincial surgem prédios de arquitetura mais refinada, destacando-se o Paço Municipal, a Catedral de Nossa da Conceição, a Santa Casa de Misericórdia, o Gymnasio Dom Pedro II, o Asilo Elisa Souto, o Mercado Público, o Quartel de Artilharia, a Cadeia Pública, a Assembleia Legislativa e a Delegacia Fiscal. “Era assim a cidade que, a 3 de junho de 1889, recebeu a visita de S. A. I. o Conde d’Eu, a cujo desembarque tive a oportunidade de assistir” (BITTENCOURT, 1969, p. 64). Findada a Monarquia e instalada a República, tem início a segunda etapa de Manaus, que será marcada pelo frenesi da economia gomífera.

Agnello Bittencourt foi testemunha dessas mudanças, vendo de perto as administrações de Eduardo Gonçalves Ribeiro, Fileto Pires Ferreira, José Cardoso Ramalho Júnior, Silvério Nery, Constantino Nery e Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, apenas para ficarmos no período que vai de 1890 a 1912, do apogeu ao início da desestruturação do sistema gomífero. De forma saudosista, lembra que a cidade atingiu “[…] o apogeu da (também muito sua) “belle époque” - lindos prédios, ruas bem pavimentadas com seus batentes e calçadas em mármore de Lioz, iluminação feérica, luxo e até esbanjamento” (BITTENCOURT, 1969, p. 69). Tais afirmações reforçaram a ideia de uma cidade plenamente próspera, também presente em outros autores da mesma geração, quando já se sabe, por estudos feitos desde a década de 1980, que paralelamente a esse enriquecimento houve um forte processo de exclusão das camadas populares. Como membro de uma família tradicional da elite local, tendo ele próprio estado a frente da Prefeitura de Manaus entre 1909 e 1910, não é estranho que faça afirmações como a de que, em Manaus, “a população vivia à europeia, viajando para o Velho Mundo, especialmente Paris” (BITTENCOURT, 1969, p. 69).

A partir de 1913 até a Segunda Guerra Mundial, com exceção da expansão ao Norte pela criação do bairro da Vila Municipal (Adrianópolis), em 1912, a cidade pouco cresceu materialmente. Agnello Bittencourt cita a compra, pelo Estado, do Palacete Scholz, transformado em Palácio Rio Negro (1918) e a construção do Relógio da Avenida Eduardo Ribeiro durante a administração municipal de Araújo Lima (1926-1930). Termina assim a segunda etapa.

A cidade começa a ganhar novo fôlego a partir da terceira etapa. Entre o final da década de 1930 e início da década de 1940 surgem o Parque 10 de Novembro (1938-1943), vários grupos escolares, o Departamento de Saúde Pública e o Instituto de Educação do Amazonas. Nos governos de Leopoldo Amorim da Silva Neves, Plínio Ramos Coelho e Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo, “novas estradas e avenidas rasgaram a cidade, muitas ruas foram asfaltadas e solucionou-se o problema crucial que havia anos afligia a população: voltou a haver iluminação elétrica” (BITTENCOURT, 1969, p. 81). Vale lembrar que, apesar dessa aparente recuperação, o município, ao longo de toda a década de 1950, enfrentaria sérios problemas de déficit orçamentário.

A terceira etapa, a Manaus de hoje (1960), é coroada com a criação e instalação da Zona Franca. Esse novo modelo econômico possibilitou a entrada da cidade em uma nova era de crescimento, expansão e integração. Agnello Bittencourt finaliza seu texto desejando um bom futuro para a cidade e para seus administradores naquele momento do tricentenário, o Governador Danilo Duarte de Mattos Areosa e o Prefeito Paulo Pinto Nery.

Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências’, é um singelo trabalho de síntese histórica comemorativa ao aniversário da cidade, produzido, em grande parte, através de reminiscências da Manaus que o autor viu crescer aos poucos, atravessando surtos econômicos e crises. O livro se tornou um clássico que não deve ser olvidado por aqueles que desejam conhecer melhor a cidade e analisar criticamente sua historiografia tradicional, da qual este faz parte.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGASSIZ, Louis; AGASSIZ, Elizabeth. Viagem ao Brasil: 1865-1866. Brasília, DF: Senado Federal, 2000, p. 196. (Coleção o Brasil visto por estrangeiros). [original: 1868].

BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências. Manaus: Editora Sérgio Cardoso, 1969.



CRÉDITO DA IMAGEM:

estilousado.com.br