quarta-feira, 15 de maio de 2019

As representações imagéticas da Amazônia segundo os naturalistas dos séculos XVIII e XIX


Caça de Jacaré. Gravura de 1874 do viajante, desenhista e engenheiro alemão Franz Keller-Leuzinger.
Por Roosewelt Sena
A ideia do fascínio natural que há na Amazônia, desde sempre despertou o olhar de cientistas, geógrafos, cronistas e outros estudiosos que para cá vieram. Desde a chegada dos espanhóis tem-se empreendido em terras amazônicas tentativas de explicar o oculto e sublime que há nessa porção de terra continental.
Nos séculos XVI e XVII os espanhóis que aqui chagaram trataram de utilizar a mão de obra indígena para extrair as riquezas aqui existentes. Não demorou muito para que a fama a respeito de uma grande quantidade de riquezas naturais provenientes da floreta chegasse aos ouvidos do restante da Europa. O historiador Hideraldo Costa nos informa, em sua obra ‘Cultura, trabalho e luta social na Amazônia (2013)’, que expedições de diversas nacionalidades desembarcaram nas terras amazônicas que legaram, como resultado, a Amazônia revelada ao mundo e imortalizada no cenário internacional por meio das descrições que os europeus fizeram da região e incluíram em seus relatos de viagem (Costa, 2013, p. 27). Essas narrativas descortinavam a Amazônia para o mundo, claro muitas vezes de maneira supersticiosa e até mesmo degradante, o que confirmava as certezas que já se alimentavam sobre a região.
O mundo moderno aplicou uma aura de racionalidade às narrativas de viajantes que antes eram dominadas por conjecturas fantásticas e místicas, haja vista que Isso se deve ao fato do Iluminismo que influenciou a forma de ver o mundo, deixando de lado as ideias subjacentes ao imaginário que muito estava em voga até então. Deixou-se de crer em ilusões criadas pelos sentidos e deu-se lugar à racionalização da realidade.
Devido às relações coloniais ainda presentes no século XVIII os expedicionários que aqui vieram deveriam atender a pelo menos dois requisitos. O primeiro diz respeito à autorização concedida por Portugal e Espanha para que essas expedições ocorressem, sendo necessário que houvesse um consentimento para a divulgação dos resultados dessas expedições. Como precursor das expedições científicas modernas à Amazônia, La Condamine, foi enviado para a América do Sul, juntamente a outros estudiosos, com uma missão: buscar possíveis soluções para uma questão que permeava os debates científicos do século XVIII: a forma da Terra (Safier, 2009, p. 3). O percurso empreendido por esse expedicionário iniciava ao lado oriental da cordilheira dos Andes e seguia rumo à foz do rio Amazonas.
Apesar de La Condamine ter tido uma grande reputação na comunidade científica europeia, buscou adequar dados contidos em relatos de outros viajantes aos seus próprios objetivos. O Prof. Dr. Neil Safier do Departamento de História da (University) British Columbia, aponta em seu artigo intitulado ‘Como era ardiloso o meu francês: Charles-Marie de La Condamine e a Amazônia das Luzes (2009)’ que La Condamine apoiou-se nas observações do marquês Dom Josep Pardo de Figueroa y Acunã, o marquês de Velleumbroso, sobrinho-neto de Cristóbal De Acuña, autor da crônica de viagem que Pedro Teixeira realizou na Amazônia em meados dos anos de 1637 e 1639.
Um ponto que Safier também descreve sobre as contribuições do marquês de Velleumbroson para La Condamine é a quantidade de argumentos expressivos na descrição da realidade local, como por exemplo, dados geográficos. Ora, entende-se que as conclusões de La Condamine referentes sobre as localizações do espaço geográfico não estavam apenas relacionadas com suas observações feitas quando descia o rio Amazonas, mas estreitamente associadas às leituras de cartas de um morador de Cuzco que passou boa parte de sua vida tentando descobrir o caminho traçado por seu bisavô no século anterior (Safier, 2009, p 97).
Como dito anteriormente, La Condamine baseou suas ideias em outros relatos e não a partir de suas próprias observações. Safier (2009) nos indica que La Cadamine literalmente copiou outros textos sem seus relatos, absorvendo muito do que sabia sobre a cultura amazônica do que havia lido (Safier, 2009, p 98). Do mesmo modo, pode-se perceber que as conclusões sobre os nativos da região de Maynas foram copiadas do relato de Jean Magnin que tratava sobre as missões nessa região. O texto tinha como título “Descrição da província e das Missões de Maynas no reino de Quito” e apresentava características “bizarras” da vida cultural ameríndia, como por exemplo, o hábito de deformar o rosto das crianças, um costume dos Omáguas. Sobre essa prática Magnin comenta que os Omáguas estavam “convencidos de que é belo ter uma face lisa como a lua” (Magnin, 1993, p. 95 In: Safier, 2009, p 98).
Além de La Condamine, outros naturalistas vieram para a América do Sul, em especial a região Amazônica movida pelo pensamento científico. No século XIX houve uma crescente adesão na confiança no progresso, muito influenciada pelo pensamento Iluminista voltado para a razão. Esses cientistas possuíam um capital intelectual muito semelhante, assim como também possuíam similaridade nas ideologias pelas quais baseavam a sua interpretação da realidade, além da perspectiva teórica metodológica que orientava a formação do discurso que compunha os seus relatos. Assim, atendiam às propostas profissionais dos seus ofícios, aplicando sua metodologia na observação, classificação dos elementos que encontravam pelo caminho. Portanto, o nativo da região Amazônica era visto mais como objeto de análise, e a floresta seria o mundo que serviria como uma espécie de “observatório”, do que como seres humanos agentes de sua própria história (Costa, 2013, p 41-42). Ainda que os naturalistas voltassem para a análise dos problemas da natureza do homem amazônico, eles estavam imbuídos de uma visão científica. Esse processo caracteriza o que o professor chamou de “perversão da memória” (Costa, 2013, p. 47).
Alfred Russel Wallace, através de investimentos particulares, viajou para as terras amazônicas com o objetivo de estudar a origem das espécies. Ele passou três anos (1848 – 1850) estudando as peculiaridades da região, em uma viagem na qual subira o rio Negro. Antes de retornar para a Inglaterra, o navio em que estava tragicamente naufraga, causando o prejuízo de grande perda de material coletado. Dessa viagem resulta o seu primeiro livro, ‘Narrativa de viagens pelo Amazonas e o Rio Negro (1853)’ atingindo enorme sucesso editorial. A segunda edição dessa obra (1889) foi publicada sem o apêndice do vocabulário das línguas indígenas. O que demonstra uma crescente preocupação por parte dos naturalistas viajantes com os leitores de sua obra. (Lima, 2008, p. 37).
A obra “Viagens pelo Amazonas e Rio Negro” não é apenas exemplo de um gênero literário de divulgação científica, pois apresenta os pormenores das paisagens e os costumes das populações das regiões por onde Wallace excursionou, não se preocupando exclusivamente em descrever aspectos geológicos, zoológicos ou botânicos do Brasil.
Wallace fez pesquisas sobre o clima e a geografia da região. O nativo era visto como um ser atrasado, incivilizado. Porém, a partir de sua convivência com eles, Wallace criticaria os viajantes que compartilhavam da ideia de que os modos de vida dos nativos eram os mesmos entre todos, uma generalização dos elementos da cultura indígena.
No relato citado anteriormente no qual descrevia sua estadia em meio à floresta diante de um anoitecer com ameaças de chuva, Wallace tão orientado pelos seus sentidos de repente vê-se em situação difícil: o medo de encontrar com animais peçonhentos e feras selvagens. Logo, neste cenário uma inversão de papéis tornava-se incomoda: Wallace que, antes, apoderado de sua espingarda em plena a luz do dia, podia ver e permanecer vivo, agora diante da escuridão temia ser visto e morto. Uma vez que diante dessa penumbra que se espalhava por todos os lados na floresta e tudo tornava em breu tornava um breu, Wallace afirmava que seguia fitando a escuridão, esperando a cada momento a aparição dos cintilantes olhos de uma onça, temendo escutar o seu rosnado vindo da mata. (Wallace,1979,p. 158. In: Fritzen, 2007,p.192)
É notável a partir do relato de Wallace o quanto o homem tenta a dominar seus sentidos para certa racionalização do espaço no qual está imerso. No caso, Wallace se vê diante de uma situação na qual tentar “racionalizar” seu medo, pondo em um foco de razão toda e qualquer superstição ou fantasia que o possa amedrontar.
Neste sentido, diante dos autores e temas elencados podemos coligir que no decorrer dos séculos XVIII e XIX, em virtude das transformações científicas que permearam a visão europeia do restante do mundo, levando-se aqui em consideração os relatos etnográficos, geográficos e com víeis culturais realizados por inúmeros estudiosos, foram fundamentais para a constituição da Amazônia diante do mundo. O mundo que se dizia moderno à época que por isso trouxe como bagagem preconceitos culturais, formulações não coerentes com o “Novo Mundo” que surgia diante de seus olhos.
Ademais, os inúmeros registros referentes à cultura que foram realizados na região tiveram como incentivo principal a ideia de progresso. Mostrando ou a visão deturpada de uma vasta região considerada um “vazio demográfico”, ou ainda de maneira positiva, a abrir oportunidades para uma amplitude de estudos que traçariam, classificariam, esquematizariam as riquezas e realidades originadas da Amazônia

Referências bibliográficas
COSTA, Hideraldo. Amazônia Paraíso dos Naturalistas In: Cultura, Trabalho e Luta Social na Amazônia: Discursos dos Viajantes – Século 19, Manaus: Editora Valer e Fapeam, 2013, p. 26-68.
FRITZEN, Celdon. A ilustração viajante e as suas sombras. In: Revista Brasileira de Literatura Comparada, nº 11, 2007, p. 191-225.
SAFIER, Neil. Como era ardiloso o meu francês: Charles-Marie de la Condamine e a Amazônia das Luzes. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 57, 2009, p. 91-114.

Roosewelt Sena, 25, é graduando em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).








CRÉDITO DA IMAGEM:
Manaus Sorriso

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