Caça de Jacaré. Gravura de 1874 do viajante, desenhista e engenheiro alemão Franz Keller-Leuzinger.
Por Roosewelt Sena
A
ideia do fascínio natural que há na Amazônia, desde sempre
despertou o olhar de cientistas, geógrafos, cronistas e outros
estudiosos que para cá vieram. Desde a chegada dos espanhóis tem-se
empreendido em terras amazônicas tentativas de explicar o oculto e
sublime que há nessa porção de terra continental.
Nos
séculos XVI e XVII os espanhóis que aqui chagaram trataram de
utilizar a mão de obra indígena para extrair as riquezas aqui
existentes. Não demorou muito para que a fama a respeito de uma
grande quantidade de riquezas naturais provenientes da floreta
chegasse aos ouvidos do restante da Europa. O historiador Hideraldo
Costa nos informa, em sua obra ‘Cultura, trabalho e luta social na
Amazônia (2013)’, que expedições de diversas nacionalidades
desembarcaram nas terras amazônicas que legaram, como resultado, a
Amazônia revelada ao mundo e imortalizada no cenário internacional
por meio das descrições que os europeus fizeram da região e
incluíram em seus relatos de viagem (Costa, 2013, p. 27). Essas
narrativas descortinavam a Amazônia para o mundo, claro muitas vezes
de maneira supersticiosa e até mesmo degradante, o que confirmava as
certezas que já se alimentavam sobre a região.
O
mundo moderno aplicou uma aura de racionalidade às narrativas de
viajantes que antes eram dominadas por conjecturas fantásticas e
místicas, haja vista que Isso se deve ao fato do Iluminismo que
influenciou a forma de ver o mundo, deixando de lado as ideias
subjacentes ao imaginário que muito estava em voga até então.
Deixou-se de crer em ilusões criadas pelos sentidos e deu-se lugar à
racionalização da realidade.
Devido
às relações coloniais ainda presentes no século XVIII os
expedicionários que aqui vieram deveriam atender a pelo menos dois
requisitos. O primeiro diz respeito à autorização concedida por
Portugal e Espanha para que essas expedições ocorressem, sendo
necessário que houvesse um consentimento para a divulgação dos
resultados dessas expedições. Como precursor das expedições
científicas modernas à Amazônia, La Condamine, foi enviado para a
América do Sul, juntamente a outros estudiosos, com uma missão:
buscar possíveis soluções para uma questão que permeava os
debates científicos do século XVIII: a forma da Terra (Safier,
2009, p. 3). O percurso empreendido por esse expedicionário iniciava
ao lado oriental da cordilheira dos Andes e seguia rumo à foz do rio
Amazonas.
Apesar
de La Condamine ter tido uma grande reputação na comunidade
científica europeia, buscou adequar dados contidos em relatos de
outros viajantes aos seus próprios objetivos. O Prof. Dr. Neil
Safier do Departamento de História da (University) British Columbia,
aponta em seu artigo intitulado ‘Como era ardiloso o meu francês:
Charles-Marie de La Condamine e a Amazônia das Luzes (2009)’ que
La Condamine apoiou-se nas observações do marquês Dom Josep Pardo
de Figueroa y Acunã, o marquês de Velleumbroso, sobrinho-neto de
Cristóbal De Acuña, autor da crônica de viagem que Pedro Teixeira
realizou na Amazônia em meados dos anos de 1637 e 1639.
Um
ponto que Safier também descreve sobre as contribuições do marquês
de Velleumbroson para La Condamine é a quantidade de argumentos
expressivos na descrição da realidade local, como por exemplo,
dados geográficos. Ora, entende-se que as conclusões de La
Condamine referentes sobre as localizações do espaço geográfico
não estavam apenas relacionadas com suas observações feitas quando
descia o rio Amazonas, mas estreitamente associadas às leituras de
cartas de um morador de Cuzco que passou boa parte de sua vida
tentando descobrir o caminho traçado por seu bisavô no século
anterior (Safier, 2009, p 97).
Como
dito anteriormente, La Condamine baseou suas ideias em outros relatos
e não a partir de suas próprias observações. Safier (2009) nos
indica que La Cadamine literalmente copiou outros textos sem seus
relatos, absorvendo muito do que sabia sobre a cultura amazônica do
que havia lido (Safier, 2009, p 98). Do mesmo modo, pode-se perceber
que as conclusões sobre os nativos da região de Maynas foram
copiadas do relato de Jean Magnin que tratava sobre as missões nessa
região. O texto tinha como título “Descrição da província e
das Missões de Maynas no reino de Quito” e apresentava
características “bizarras” da vida cultural ameríndia, como por
exemplo, o hábito de deformar o rosto das crianças, um costume dos
Omáguas. Sobre essa prática Magnin comenta que os Omáguas estavam
“convencidos de que é belo ter uma face lisa como a lua”
(Magnin, 1993, p. 95 In: Safier, 2009, p 98).
Além
de La Condamine, outros naturalistas vieram para a América do Sul,
em especial a região Amazônica movida pelo pensamento científico.
No século XIX houve uma crescente adesão na confiança no
progresso, muito influenciada pelo pensamento Iluminista voltado para
a razão. Esses cientistas possuíam um capital intelectual muito
semelhante, assim como também possuíam similaridade nas ideologias
pelas quais baseavam a sua interpretação da realidade, além da
perspectiva teórica metodológica que orientava a formação do
discurso que compunha os seus relatos. Assim, atendiam às propostas
profissionais dos seus ofícios, aplicando sua metodologia na
observação, classificação dos elementos que encontravam pelo
caminho. Portanto, o nativo da região Amazônica era visto mais como
objeto de análise, e a floresta seria o mundo que serviria como uma
espécie de “observatório”, do que como seres humanos agentes de
sua própria história (Costa, 2013, p 41-42). Ainda que os
naturalistas voltassem para a análise dos problemas da natureza do
homem amazônico, eles estavam imbuídos de uma visão científica.
Esse processo caracteriza o que o professor chamou de “perversão
da memória” (Costa, 2013, p. 47).
Alfred
Russel Wallace, através de investimentos particulares, viajou para
as terras amazônicas com o objetivo de estudar a origem das
espécies. Ele passou três anos (1848 – 1850) estudando as
peculiaridades da região, em uma viagem na qual subira o rio Negro.
Antes de retornar para a Inglaterra, o navio em que estava
tragicamente naufraga, causando o prejuízo de grande perda de
material coletado. Dessa viagem resulta o seu primeiro livro,
‘Narrativa de viagens pelo Amazonas e o Rio Negro (1853)’
atingindo enorme sucesso editorial. A
segunda edição dessa obra (1889) foi publicada
sem o apêndice do vocabulário das línguas indígenas. O que
demonstra uma crescente preocupação por parte dos naturalistas
viajantes com os leitores de sua obra. (Lima, 2008, p. 37).
A
obra “Viagens pelo Amazonas e Rio Negro” não é apenas exemplo
de um gênero literário de divulgação científica, pois apresenta
os pormenores das paisagens e os costumes das populações das
regiões por onde Wallace excursionou, não se preocupando
exclusivamente em descrever aspectos geológicos, zoológicos ou
botânicos do Brasil.
Wallace
fez pesquisas sobre o clima e a geografia da região. O nativo era
visto como um ser atrasado, incivilizado. Porém, a partir de sua
convivência com eles, Wallace criticaria os viajantes que
compartilhavam da ideia de que os modos de vida dos nativos eram os
mesmos entre todos, uma generalização dos elementos da cultura
indígena.
No
relato citado anteriormente no qual descrevia sua estadia em meio à
floresta diante de um anoitecer com ameaças de chuva, Wallace tão
orientado pelos seus sentidos de repente vê-se em situação
difícil: o medo de encontrar com animais peçonhentos e feras
selvagens. Logo, neste cenário uma inversão de papéis tornava-se
incomoda: Wallace que, antes, apoderado de sua espingarda em plena a
luz do dia, podia ver e permanecer vivo, agora diante da escuridão
temia ser visto e morto. Uma vez que diante dessa penumbra que se
espalhava por todos os lados na floresta e tudo tornava em breu
tornava um breu, Wallace afirmava que seguia fitando
a escuridão,
esperando a cada momento a aparição dos cintilantes olhos de uma
onça, temendo escutar o seu rosnado vindo da mata. (Wallace,1979,p.
158. In: Fritzen, 2007,p.192)
É
notável a partir do relato de Wallace o quanto o homem tenta a
dominar seus sentidos para certa racionalização do espaço no qual
está imerso. No caso, Wallace se vê diante de uma situação na
qual tentar “racionalizar” seu medo, pondo em um foco de razão
toda e qualquer superstição ou fantasia que o possa amedrontar.
Neste
sentido, diante dos autores e temas elencados podemos coligir que no
decorrer dos séculos XVIII e XIX, em virtude das transformações
científicas que permearam a visão europeia do restante do mundo,
levando-se aqui em consideração os relatos etnográficos,
geográficos e com víeis culturais realizados por inúmeros
estudiosos, foram fundamentais para a constituição da Amazônia
diante do mundo. O mundo que se dizia moderno à época que por isso
trouxe como bagagem preconceitos culturais, formulações não
coerentes com o “Novo Mundo” que surgia diante de seus olhos.
Ademais,
os inúmeros registros referentes à cultura que foram realizados na
região tiveram como incentivo principal a ideia de progresso.
Mostrando ou a visão deturpada de uma vasta região considerada um
“vazio demográfico”, ou ainda de maneira positiva, a abrir
oportunidades para uma amplitude de estudos que traçariam,
classificariam, esquematizariam as riquezas e realidades originadas
da Amazônia
Referências
bibliográficas
COSTA,
Hideraldo. Amazônia
Paraíso dos Naturalistas In: Cultura, Trabalho e Luta Social na
Amazônia: Discursos dos Viajantes – Século 19,
Manaus: Editora Valer e Fapeam, 2013, p. 26-68.
FRITZEN,
Celdon. A
ilustração viajante e as suas sombras.
In: Revista Brasileira de Literatura Comparada, nº 11, 2007, p.
191-225.
SAFIER,
Neil. Como
era ardiloso o meu francês: Charles-Marie de la Condamine e a
Amazônia das Luzes.
In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 57, 2009,
p. 91-114.
Roosewelt Sena, 25, é graduando em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
CRÉDITO DA IMAGEM:
Manaus Sorriso
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