terça-feira, 22 de setembro de 2020

Manaus: amor e memória, de Thiago de Mello (1984)


Me acompanhou na última semana o livro ‘Manaus: amor e memória’, do poeta Thiago de Mello. Nele o escritor nos leva para a Manaus de sua juventude, entre as décadas de 1930 e 1940 (vez ou outra regredindo à década de 1920 e avançando até a de 1950), a cidade que vivia tempos amargos mas que continuava risonha, à espera de dias melhores. É um trabalho memorialístico, mas não da forma tradicional que conhecemos, em que se tenta afirmar um passado idílico, como o autor deixa claro: “Advirto que aqui não entra nem sombra de sentimento saudosista. Quem me conhece, de conversa e de leitura, sabe que a minha preocupação maior, e também a minha esperança mais pelejada, está no futuro” (p. 22). Nos são apresentadas as alegrias e as dificuldades daquele jovem nascido em Barreirinha, de infância humilde e apaixonado pela terra.

Thiago de Mello idealizou o livro em 1973, durante seu exílio no Chile. Prometeu redigi-lo quando retornasse ao Brasil. O escreveu entre outubro de 1981 e outubro de 1982, quando já era um jovem senhor de 55, 56 anos, com muito para contar sobre sua infância em Manaus.

Por ser tratar de um livro de memórias, ele começa a falar sobre o tempo, tempo esse que dava e sobrava. Não era ainda a nossa unidade de medida que nos deixa todos os dias aflitos. Conversava-se sem se preocupar com atrasos. “Uma das esplêndidas instituições culturais de Manaus daquele tempo era a conversa de calçada. Aberta a boca da noite, em tudo quanto era rua, as conversas começavam, bem defronte do portão. Uma das tarefas caseiras, logo depois da janta, era colocar na calçada as cadeiras da conversa. De preferência, cadeiras de embalo. Melhor ainda se fossem de palhinha. Crescemos no meio dessas práticas diárias, ouvindo fascinados grandes conversadores, excepcionais contadores de casos e estórias do rio e da floresta, de onças e de serpentes, de febres e naufrágios, de assombrações e magias” (p. 33). Tempo de visitas, de passar o dia na casa dos amigos e vizinhos. Tempo da sesta depois do almoço, do respeito pelo sono alheio. Tempo de tomar benção aos pais. Costumes que muitos de nós ainda preservamos.

Ainda sobre a memória, é bom pontuar que Thiago de Mello não recorreu apenas às suas. Para a feitura do livro ouviu várias pessoas de sua geração e mais velhas, como sua mãe, dona Maria, Ulysses Bittencourt, Mário Ypiranga Monteiro, Luiz Bacellar, Emídio Vaz de Oliveira, Eldah Bitton, José Franco de Sá, Moura Tapajoz, Ruy Lins, Samuel Benchimol, Aderson Dutra e tantos outros amigos de infância, vizinhos e colegas de trabalho.

Como dito anteriormente, eram tempos difíceis. Ajudava a enfrentar os dissabores da vida a cordialidade entre as pessoas, umas ajudando as outras como podiam, fosse com um cumprimento, um pouco de açúcar, uma tigela de mingau de tapioca. “Isso não quer dizer”, registra Thiago, “que a vizinhança estivesse formada por pessoas excepcionais. Não. Eram pessoas comuns, mas com as triviais virtudes e imperfeições humanas, que é como deve ser. Só que sabiam valorizar a convivência” (p. 35). Foi dentro desse universo, formado pelas ruas Dr. Almínio, Isabel, José Paranaguá, Lima Bacury e Quintino Bocaiuva, que ele viveu intensamente, também se aventurando por outros lugares da cidade.

A cidade de dimensões geográficas bem definidas, dividida em pouquíssimos bairros naquele período, tinha sons e cheiros inconfundíveis. Aqui Thiago de Mello atua como um perspicaz antropólogo: Os sons dos apitos das fábricas anunciando o início das atividades, acordando seus funcionários, marcando o horário do almoço e do retorno, dos navios chegando e partindo, o badalar dos sinos das igrejas nos dias santificados, as músicas dos vendedores de comidas e miúdos, dos hidroaviões da PanAir, das casas onde se cantava e tocava piano e violino, dos alto-falantes dos cinemas e dos que informavam o desenrolar da Segunda Guerra Mundial. Eram sons dos mais variados. (p. 43-72). Os cheiros, assim como os sons, eram diversos. De borracha e madeiras sendo cortadas, dos óleos e essências, do sangue e das vísceras do Matadouro, dos cheiros do Porto, da fumaça dos navios, da graxa e das mercadorias transportadas, dos produtos nobres das casas comerciais refinadas, do guaraná, dos peixes, frutas, verduras, mingaus e das tartarugas do Mercado Municipal, das flores, dos remédios vermífugos e fortificantes, dos cabelos das jovens caboclas (p. 75-81).

A última parte do livro é o ABC da cidade, ou como denominou o poeta, “ABCedário íntimo para uso público – um ABC que já perdeu a voz mas nos ensina a soletrar o tempo (p. 85-251). Em cada letra são abordadas memórias sobre praças, ruas, escolas, clubes, livrarias, cinemas, personagens e brincadeiras. É o A dos árabes, que chegaram sem um tostão no bolso mas que conseguiram prosperar, dos alfaiates e alfaiatarias com suas sedas e linhos; B de borracha, cortada ao meio nas casas exportadoras, dos bondes diários, onde se conversava, se via e namorava, das brincadeiras de roda embaladas por cantigas; C de Clube da Madrugada, já na década de 1950, ali na Praça do Ginásio (como ele chama a Praça da Polícia), das catraias que levavam e traziam trabalhadores do Educandos e São Raimundo, da Carmem Doida, muitas vezes incompreendida, a dançar nas ruas do Centro. É um abecedário que revela, instiga, emociona e diverte.

Além de ser um livro de leitura agradável, ‘Manaus: amor e memória’ é uma fonte rica de informações sobre a cidade entre os anos de 1930 e 1940, período pouco estudo em detrimento de outros recortes históricos (1890-1920 e 1960-1970) mas que nos últimos anos vêm despertando o interesse de pesquisadores das mais variadas temáticas, em cujos trabalhos, nas referências, entre os memorialistas, aparece o nome do presente trabalho resenhado.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

MELLO, Thiago de. Manaus: amor e memória. Rio de Janeiro: Philobiblion, 1984 (Coleção Ofício de viver, 1).



quinta-feira, 10 de setembro de 2020

A La Ville de Paris, em Manaus

Prédio da antiga joalheria A La Ville de Paris. FOTO: Christoph Berquet, 2020.

A joalheria A La Ville de Paris, cujo imponente prédio, entre a Avenida Sete de Setembro e a rua Lobo d' Almada, ainda existe, foi uma das mais refinadas e tradicionais de Manaus, tendo funcionado por quase um século, de 1878 a 1963.

Quando da sua inauguração, a Avenida Sete de Setembro era conhecida como Rua Brasileira, e a rua Lobo d' Almada como Travessa da Matriz. O empreendimento foi idealizado pelos comerciantes e irmãos Maurice Aron, Henri e Lucien Levy, judeus naturais da Alsácia, na França (BLAY, 2017, p. 96). A sociedade passou a ser conhecida como Levy Fréres (Irmãos Levy).

Nesse primeiro momento, em que a joalheria tinha apenas o primeiro andar, os relógios já eram o carro chefe das vendas. Por um breve momento, em 1888, a casa abrigou um relojoeiro e ourives suíço especialista em relógios (A PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1888, p. 04).

A La Ville de Paris em 1913. FONTE: Revista Cá & Lá, anno 1, n° 6, maio de 1914, p. 10.

Em 1900, no auge de seus negócios, os irmãos Levy decidem reformar o prédio da joalheria, lhe sendo acrescido um segundo andar. A data, até pouco tempo atrás, podia ser vista abaixo da janela principal do segundo andar. Nas últimas reformas ela desapareceu.

No início do século XX, conforme anúncios publicados no Jornal do Commercio e na revista Cá & Lá, faziam sucesso os relógios das marcas Omega, Elgin, Waltham e Roskopf. A casa comercializava jóias de ouro e platina, pedras preciosas, prataria, despertadores, instrumentos musicais de sopro e corda, gramofones da famosa marca Victor, discos, binóculos, bússolas e termômetros (JORNAL DO COMMERCIO, 29/08/1913, p. 40 e REVISTA CÁ & LÁ, maio de 1914, p. 10). A La Ville de Paris possuía casa compradora em Paris, localizada na Rua D' Hauteville, n° 89, no 10° distrito da capital francesa, na margem direita do Rio Sena.

Interior da A La Ville de Paris. FONTE: BLAY, 2017, p. 126.

A La Ville de Paris foi administrada pelos irmãos Levy até o início da década de 1920, quando foi adquirida pela firma Crehange & Cia, do diplomata francês Louis Crehange. Em 18 de abril de 1925 Louis Crehange e Maurice Aron Levy constituem a sociedade Crehange & Levy, em substituição à Crehange & Cia. Os dois empresários administram a joalheria, de acordo com o Almanak Laemmert, até 1931 (ALMANAK LAEMMERT, 1931, vol. 3, p. 163).

Em 1935 a joalheria enviou para o Jornal do Commercio alguns presentes de Natal. Na nota publicada no periódico é registrado como único proprietário Maurice Aron Levy, o que indica que Louis Crehange havia saído da sociedade (JORNAL DO COMMERCIO, 24/12/1935, p. 01). Em levantamento das empresas de judeus amazonenses e descendentes nas décadas de 1940 e 1950, o sociólogo Samuel Benchimol registra que Maurice Aron Levy ainda era seu proprietário em 1940 (BENCHIMOL, 1999, p. 326).

Anúncio de 1946 da La Ville de Paris, já com o nome traduzido para A Cidade de Paris. FONTE: Jornal do Commercio, 01/05/1946, p. 08.

Anúncio dos anos finais, de 1960. FONTE: Jornal do Commercio, 01/01/1960, p. 08.

Em algum momento da década de 1940 o negócio foi comprado pelo empresário Antônio José Pires, da A. Pires & Comp. Um dos acontecimentos mais marcantes que ocorreu na joalheria foi o grande furto que sofreu em 24 de maio de 1947, causando um prejuízo de mais de 300 mil cruzeiros. Os autores do crime, Cristóvão Bolívar e Felipe Rubiano, foram capturados em 01 de junho de 1947 e as jóias recuperadas (JORNAL DO COMMERCIO, 03/06/1947, p. 06).

Antônio José Pires foi seu último proprietário, administrando a casa até 1963. Em 23 de junho de 1964 o antigo prédio da A La Ville de Paris foi vendido para a Lojas Combrasil, que nele instalou uma unidade de suas lojas de eletrodomésticos.

De 1974 a 1995 funcionou como Drogaria São Paulo II. O prédio, para nosso deleite, segue sendo preservado pela atual proprietária, a Drogaria FarmaBem.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


BENCHIMOL, Samuel. Amazônia - Formação Social e Cultural. Manaus: Editora Valer/Editora da Universidade do Amazonas, 1999.

BLAY, Eva Alterman. O Brasil como destino: raízes da imigração judaica contemporânea para São Paulo. São Paulo: Editora Unesp Digital, 2017.

domingo, 6 de setembro de 2020

Entrevista: José Geraldo Xavier dos Anjos


José Geraldo Xavier dos Anjos nasceu na cidade de Manaus, Estado do Amazonas. Tem Graduação em Biblioteconomia e Documentação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Especialização em Sistema de Informações Voltados para o Usuário pela mesma instituição, Especialização em Livros Raros e Documentação Antiga pela Biblioteca Nacional e Especialização em História da Saúde na Amazônia pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Foi Membro do Conselho Estadual de Cultura do Amazonas (1993-1994), do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Alfredo da Matta (2000), do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge, Chefe de Gabinete da Fundação Hospital Adriano Jorge (2007-2010) e Chefe do Departamento de Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge até março de 2019. Atualmente é Diretor em exercício de Ensino e Pesquisa da Fundação Hospital Adriano Jorge. Coordenou, no Amazonas, o projeto de microfilmagem dos relatórios dos Presidentes da Província e da coleção de jornais do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), além de ter participado do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, que microfilmou a documentação histórica sobre o Brasil nos arquivos de Portugal e da Espanha. É membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia Amazonense de Letras (AAL) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Possui artigos publicados em jornais e revistas, bem como livros sobre a História da cidade de Manaus e História da Medicina.


— Primeiramente, obrigado por conceder a entrevista. Para iniciarmos, conte um pouco de sua origem e sua família.

- Sou filho de Geraldo Rocha dos Anjos, descendente de família nordestina, e Joana Vasconcelos Xavier dos Anjos, descendente de família portuguesa. Estudei o Primário no Grupo Escolar Getúlio Vargas, Ginasial e Pedagógico no Instituto de Educação do Amazonas e o Científico no Colégio Dom Pedro II. Cursei Biblioteconomia na UFAM. Meu pai era funcionário público municipal e minha mãe era do lar. Com minha mãe aprendi a ler e essa é uma paixão que perdura até hoje. Aos 12 anos comecei por sua influência a ler os grandes clássicos da literatura assim como a conhecer as obras dos grandes filósofos.


— Foi esse incentivo materno pela leitura que lhe motivou, posteriormente, a enveredar pela pesquisa histórica?

- Sim. Tanto no Primário até o término do Segundo Grau eu só tirava 10 em História e Geografia. Na Faculdade, as matérias que tinham História eram nota 10. Na Graduação em Biblioteconomia o que levou à ampliação do conhecimento em História foi a matéria História do Livro e das Bibliotecas, que me deu uma grande base de conhecimento.


— Devo supor que também foi essa influência materna que motivou a escolha pela Graduação em Biblioteconomia, correto? Ou também existiram outros fatores?

- Não. Meus pais queriam que eu estudasse Direito ou Medicina, pois a maior parte da minha família é da área do Direito. Tem juízes, desembargadores e por aí vai. Já a Medicina era desejo do meu padrinho que era o médico e político Menandro Tapajós, que presidiu a Assembleia e foi Governador do Estado. A opção pela Biblioteconomia veio porque gostava muito de ler e achava que em uma biblioteca teria muitos livros para ler, principalmente de História e Geografia.


— Após a Graduação, como foram os primeiros anos de atuação na área? Era um campo pouco explorado na época ou já estava consolidado?

- Logo no segundo ano do curso fui trabalhar na Biblioteca Pública do Estado como Auxiliar de Bibliotecário. Na época ainda não existia a internet então a Biblioteca era bem frequentada por alunos para fazer seus trabalhos. Recebíamos cerca de 300 a 400 deles. A profissão era consolidada, pois já tínhamos as bibliotecas da UFAM, CODEAMA, EMATER e ICOTI, todas com profissionais bibliotecários. Alguns destes órgãos que citei já foram extintos.


— Em que ano você se tornou membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA)? Como seu deu o contato com essa instituição e o seu ingresso?

- Com a criação do Ministério da Cultura no Governo Sarney e sendo indicado como Ministro o grande Celso Furtado, as instituições de cultura tomaram um grande fôlego para organizar, planejar e restaurar o patrimônio cultural do país que estava abandonado há anos. Em 1983 a Biblioteca Nacional cria o primeiro curso de Especialização em Obras Raras e Documentos Antigos. Me inscrevi e com a autorização da minha chefia fui para o Rio de Janeiro cursar a Especialização na Biblioteca Nacional, onde tive a oportunidade de conhecer todos os tipos de acervos que compõe a memória nacional. Na volta comecei a organizar a seção de obras raras da Biblioteca Pública. Sabendo deste meu conhecimento, o Presidente do IGHA, na época Robério Braga, me convidou para fazer um diagnóstico do acervo documental e quando me deparei com o rico acervo meu diagnóstico em relatório foi que todo o acervo era raro e único. Fui convidado a fazer parte da equipe de bibliotecários, museólogos, arqueólogos e jornalistas que naquele momento também faziam a transformação e organização do IGHA para servir a sociedade. Duas semanas depois de estar no IGHA fui convidado para assumir o cargo de Diretor Administrativo, o que com muito medo aceitei. Continuamos o trabalho administrativo, organizando os acervos de manuscritos e criando um catálogo. Neste mesmo tempo é criado o Plano Nacional de Microfilmagem de Jornais. Fui convidado pela Coordenadora Nacional, Dra. Esther Bertoletti, para coordenar o projeto no Amazonas. Como resultado de anos neste projeto, o Amazonas microfilmou 80 mil páginas de jornais que hoje alunos e pesquisadores do mundo inteiro usam em suas pesquisas. Também no IGHA participamos do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, que microfilmou toda a documentação da época da Colônia que se encontra em Portugal e na Espanha. Com todo este trabalho no IGHA em 1992 fui consultado pelo Presidente da época, Comendador Junot Carlos Frederico, se não queria fazer parte da sociedade do IGHA, mas que teria que passar pelo processo de seleção. Fui aprovado pela comissão de sindicância e tomei posse no dia 25 de março de 1993 e estou até hoje numa busca incansável pela preservação desta casa de memória do Estado. Tive o prazer de ser o Secretário Geral em muitas diretorias e cheguei ao ápice de presidir o IGHA.


— Nesse período em que você se tornou membro do IGHA, ainda estavam em plena atividade pesquisadores e membros como Mário Ypiranga Monteiro, Padre Raimundo Nonato Pinheiro e outros. De que forma você percebia o panorama intelectual daquele momento?

- Nesta época de convivência no IGHA me tornei amigo de Mário Ypiranga Monteiro, que corrigiu meus primeiros escritos sobre a cidade de Manaus e me levou para a Associação Brasileira de Folclore, seção Amazonas, para fazermos pesquisas o que provocou uma ciumeira danada por ele ter me convidado. Tive e tenho até hoje uma grande amizade com o grande Antonio Loureiro, que também tem lido o que escrevo e me dá suas opiniões. Outro que entrou depois de mim e que fizemos boas parcerias de pesquisa foi o Coronel Roberto Mendonça, com Edinea Mascarenhas Dias.


— Mais recentemente você se tornou membro do IHGB, instituição mór dos institutos históricos e geográficos do Brasil, fundada por Dom Pedro II em 1838. Como se deu o ingresso nessa prestigiada casa de cultura?

- Em novembro de 2018 recebi um telefonema do Presidente do IHGB, Prof. Dr. Arno Wehling, perguntando se gostaria de fazer parte da instituição como membro correspondente e de pronto aceitei a honraria, pois nunca passou na minha cabeça ser membro de uma instituição fundada por Dom Pedro II e de muitas tradições e que já tinha abrigado as inteligências de Arthur Reis e Mário Ypiranga Monteiro. Fui o quarto amazonense a fazer parte desta plêiade de intelectuais que pensam o Brasil. Tive o prazer de tomar posse no ano passado na Presidência de meu amigo particular, Vicente Chermont de Miranda, de tradicional família paraense.


— Além do IGHA você também é Imortal da Academia Amazonense de Letras. São duas das mais antigas instituições culturais do Estado, fundadas em 1917 e 1918 respectivamente. De que forma você enxerga a relação delas com a comunidade?

- Antigamente estas duas casas de cultura eram tidas como lugares vetustos onde só penetravam seus associados e convidados. Quando assumi a administração do IGHA em 1984, comecei a conversar com a Diretoria a abertura do acervo para pesquisadores. No primeiro momento a ideia não foi bem aceita mas fui insistindo e começamos a receber pesquisadores da UFAM que precisavam de material para fazer suas monografias e teses. Me lembro que o primeiro trabalho de defesa de Mestrado foi o da historiadora Eloína Monteiro e isso foi muito bom pois os sócios viram resultados e citações do nome do IGHA no trabalho. Depois veio Selda Vale, Narciso Lobo, Neide Gondim e Edinea Mascarenhas, todos jovens professores da Universidade Federal do Amazonas. Daí em diante não paramos mais de receber pesquisadores. Já a Academia começa a ter uma relação maior com a comunidade na Presidência de José Braga, que criou o projeto Academia de Portas Abertas, no qual recebemos alunos pesquisadores para uma visita e para conversar com os membros da Academia.


— Além da formação voltada para a pesquisa documental, você também possui uma Especialização em História da Saúde na Amazônia. Quando surgiu o interesse por essa área específica da História?

- Surgiu quando trabalhava na assessoria da SUSAM. Em conversa com o Dr. Marcos Barros ele me perguntou porquê eu não me preocupava em estudar a História da saúde no Amazonas, já que tinha muita gente pesquisando a História da cidade. Fiquei pensando na ideia, aí fui organizar a biblioteca da Fundação Alfredo da Matta. Chegando lá comecei a perguntar se os funcionários conheciam o patrono da instituição e ninguém conhecia. Comecei a pesquisar quem tinha sido esta grande figura da saúde. Neste tempo foi criada a FAPEAM e apresentei um projeto e ganhei uma bolsa para pesquisar a obra de Alfredo da Matta. Daí em diante não parei mais de pesquisar sobre História da saúde. Quando em 2010 a FIOCRUZ-Manaus ofereceu o primeiro curso de Especialização em História da Saúde na Amazônia, me inscrevi, fiz a prova e logrei êxito e hoje sou um Especialista nesta área. Participo de grupos de pesquisas, seminários e congressos com esta temática, sempre apresentando pesquisas novas nesses eventos.


— Ainda sobre a História da Saúde na Amazônia, que pesquisas você vem desenvolvendo sobre essa temática?

- Temos trabalhos publicados sobre as doenças na Amazônia Colonial, Alfredo da Matta e a saúde no Amazonas, as epidemias no Amazonas (1855-1930 e 1930-2000), Djalma Batista e a tuberculose no Amazonas, Saúde no Amazonas (1890-1920 e 1930-2000), História da Hanseníase no Amazonas, Os leprosários em Manaus e agora estou desenvolvendo um projeto sobre o sanitarismo no Amazonas. Todos estes trabalhos estão publicados em anais de congressos, jornais e revistas da área.


— Durante sua trajetória acadêmica, quais autores foram marcantes?

- Jean-Jacques Rousseau, Walter Benjamin, Jacques Le Goff, Eduardo Galvão, Gore Vidal e tantos outros que no momento não me recordo.


— Em algum momento você cogitou seguir a docência?

- Quando terminei a Especialização em Livros Raros e Documentação Antiga fui convidado pelos professores do curso de Biblioteconomia para fazer parte do quadro de professores, mas recusei pois já estava desenvolvendo o projeto de organização da Seção de Obras Raras da Biblioteca Pública do Estado do Amazonas, e também já estava administrando o IGHA e não me via dentro de uma sala dando aula.


— Sobre qual tema versou seu trabalho de conclusão de curso na Especialização em História da Saúde na Amazônia?

- Alfredo da Matta e a Saúde no Amazonas.


— Poderia dar mais detalhes sobre?

- O trabalho consiste na pesquisa sobre a atuação do médico Alfredo da Matta no Estado do Amazonas como gestor público, sua produção científica, participações em congressos nacionais e internacionais e a criação da Revista Amazonas Médico.


— Para concluir, que mensagem você deixa para os futuros acadêmicos em História?

- Que os futuros pesquisadores tenham consciência de seu papel perante a comunidade científica e com a sociedade, trazendo novas luzes para a conhecimento da História de nosso Estado e tenham você, jovem apaixonado pelos meandros da História, como inspiração.