sábado, 25 de setembro de 2021

Cemitério de São João Batista: Jazigo da Família Salem José

Jazigo da família Salem José, no Cemitério de São João Batista, em Manaus. FOTOS: Fábio Augusto de C. Pedrosa, 2019.

O jazigo da família Salem José está localizado na quadra 08 do Cemitério de São João Batista, em Manaus. Ele possui a escultura de um cachorro que chama bastante atenção dos frequentadores. Essa peça possui uma interessante História como veremos a seguir...

Em 1953 o jovem Waldemar Salem José, conhecido como Vavá, morre após sofrer um acidente de carro na rua Recife, no bairro Parque 10 de Novembro. Seu animal de estimação, o cachorro Douglas, passou a viver no jazigo da família desde que seu dono foi sepultado. Familiares contam que os dois possuíam uma ligação muito forte:

"Eles eram apaixonados e companheiros. Tio Vavá era um playboy da época, mas com um coração enorme, contava a minha mãe. Ele era o caçula e o segundo filho homem entre várias irmãs. Ele pegou o Douglas para criar bem pequeno e foi uma amizade que só quem tem um companheiro assim sabe".

A administração do cemitério o retirou do local algumas vezes, mas ele sempre voltava. De acordo com sobrinhos de Waldemar, ele se recusava a comer e beber, e acabou falecendo no local. Em sua homenagem, Odete Salem, irmã de Waldemar, mandou fazer, entre 1954 e 1955, uma escultura em bronze e em tamanho natural do fiel amigo de seu irmão.


Convite para a missa de 1° aniversário de falecimento de Waldemar Salem José. FONTE: Jornal do Commercio, 18/09/1954.



sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Projeto ACA

Os membros do LABUHTA (Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho), laboratório do curso de História da Universidade Federal do Amazonas, estão desenvolvendo um importante projeto de digitalização dos documentos da ACA (Associação Comercial do Amazonas), uma das mais antigas instituições do Amazonas, criada em 1871. Essa iniciativa é digna de todo reconhecimento da sociedade, pois visa a preservação de um valioso acervo para a reconstituição da História do nosso Estado. Os pesquisadores, para angariar fundos para a compra de equipamentos, estão realizando uma rifa que tem como prêmio 12 livros de História. Ela custa 3,00 reais.

A rifa pode ser comprada pelo Pix 012.972.592-70 e entrando em contato através dos números 98241-5531 e 98439-6859.






domingo, 12 de setembro de 2021

Caram Abrahim & Cia, em Manaus

Prédio da firma Caram Abrahim & Cia. FOTO: Fábio Augusto, 2021.

Caram, Abrahim & Cia é um dos estabelecimentos comerciais mais tradicionais da cidade de Manaus, localizado na rua Barão de São Domingos, n° 60, no Centro. Propriedade da família Caram Abrahim, de origem sírio-libanesa, foi fundada pelo empresário Caram Abrahim, antigo sócio da firma Abrahim, Irmão & Cia. Caram saiu dessa empresa em 03 de março de 1939, conforme registrado em anúncio publicado no Jornal do Commercio:

"Communico ao commercio e ás repartições publicas, que tendo me retirado da firma commercial Abrahim, Irmão & Cia, da qual era sócio, estabeleci-me na rua Barão de São Domingos, n. 60, com o commercio de estivas, sob a firma de Caram Abrahim & Cia, da qual faz parte como socia solidaria a sra. d. Helena Abrahim, conforme contracto archivado na Junta Commercial. Manáos, 3 de março de 1939. Caram Abrahim" (Jornal do Commercio, 04/03/1939, p. 02).

A sócia, Helena Abrahim, era esposa de Caram Abrahim. Especializada, atualmente, em ferramentas e utilidades, iniciou suas atividades em 1939 como armazém de estivas, ferramentas e miudezas, também comprando e exportando produtos como borracha, cacau e castanha.

Anúncio de Caram Abrahim & Cia. FONTE: Jornal do Commercio, 02/01/1945.


quinta-feira, 9 de setembro de 2021

Kikão, um sanduíche que tem História

Kikão, o sanduíche mais famoso de Manaus. FONTE: viptable.com.br

No dia 09 de setembro é comemorado o dia internacional do cachorro-quente. Nós amazonenses temos nossa própria variação desse lanche: o kikão, que possui uma interessante História, como veremos a seguir...

O Kikão é talvez o sanduíche mais famoso de Manaus, possuindo diferentes variações na cidade, atendendo a todos os gostos e bolsos. Pode ser o kikão de festa, com salsichas cortadas para render; o kikão com o pão chapado, vendido a 4 unidades por 10 reais; ou o kikão mais refinado, dito gourmet, com salsichas artesanais.

O tradicional possui receita simples. Não tem mistério. Molho de tomate, creme de leite, verduras (cebola, milho, ervilha e repolho), ketchup, maionese, queijo ralado e batata palha. O pão é o massa fina, mas não tem problema se usar o massa grossa, pois fica bom do mesmo jeito. Qual a origem dessa iguaria? O Kikão é uma iguaria de quase 50 anos de idade. Em julho de 1974 o casal de gaúchos Alceu Thomaz Pereira e Cândida Dorneles inauguraram, na Praça da Polícia, em frente ao Colégio Amazonense Dom Pedro II, o "carro-bar Kikão", onde vendiam o lanche que trouxeram do Sul do país. O colunista social Nogar, do Jornal do Commercio, assim descreveu a inauguração do empreendimento:

"Meu amigo Alceu Thomaz Pereira inaugurou em frente ao Colégio Estadual do Amazonas o luxuoso carro-bar Kikão, que serve refrigerantes super-gelados, sanduíches, empadas e o delicioso Ki-kão, além de outras guloseimas, primando pela higiene e limpeza. Tratamento fidalgo!" (NOGAR, Convivência Social. Jornal do Commercio, 06/07/1974, p. 10).

E o nome Kikão? Qual sua origem? A filha do Sr. Alceu, Dr. Marcia Gabrielle Pereira, explica que quando ele abriu o primeiro lanche, na Praça da Polícia, tinha em mente dar um nome que representasse a expressão "que cão", em referência à salsicha do lanche (semelhante em comprimento ao cachorro da raça dachshund, o popular cachorro salsicha). A expressão Que Cão não seria chamativa. Dessa forma, decidiu escrever Kikão, com dois 'k', propositalmente.

Kikão do Largo de São Sebastião. Foto de 1975-76 de Ricardo Conte.

Posteriormente o Sr. Alceu, em companhia de sua nova esposa, dona Maria Júlia Lucena, mudou-se para o Largo de São Sebastião, na esquina da rua José Clemente com a Costa Azevedo, em frente à escola de inglês Yazigi, aí ficando até o início da década de 1990. Não demorou para que, em pouco tempo, começassem a surgir, em diferentes pontos da cidade, carrinhos e trailers especializados na venda desse lanche, utilizando o nome criado pelo casal de empresários gaúchos.

Deve-se destacar que o "cachorro-quente" já era vendido em Manaus pelo menos desde a década de 1960, mas diferente do norte-americano, era preparado com pão massa grossa e carne moída temperada. A novidade trazida pelo casal gaúcho, além do nome Kikão, foi a salsicha no lugar da carne moída e os outros acompanhamentos, que até hoje se fazem presentes.

Alceu Thomaz Pereira faleceu em 04 de fevereiro de 2021, aos 71 anos. Deixou uma legião de fãs apaixonados por sua deliciosa e marcante criação.

Alceu Thomaz Pereira (1949-2021). Foto da família.



terça-feira, 7 de setembro de 2021

Play Center, em Manaus

Play Center. FONTE: A Notícia, 26/08/1981 - Instituto Durango Duarte.

Antes do surgimento do primeiro shopping da cidade, o Cecomiz (Centro Comercial da Indústria da Zona Franca), Manaus teve, entre 1981 e 1986, um moderno espaço de lazer: o Play Center. Ele foi uma casa de diversões que ficava localizada entre as ruas Ramos Ferreira e Tapajós, no Centro. Primeira do gênero na região Norte, foi inaugurada em 26 de agosto de 1981 pelo casal de empresários Francisco e Lola Boscá. 

Pista de patinação do Play Center. FOTO: Paulo José Romário.

Contava com uma pista de patinação, sorveteria, lanchonete, fliperama, restaurante e adega. Fez bastante sucesso, atraindo jovens e adultos, contando sempre com a presença dos alunos do Instituto Benjamin Constant, do Instituto de Educação do Amazonas (IEA) e da Escola Estadual Antenor Sarmento. Encerrou suas atividades em 1986 após ser destruído por um incêndio em 18 de novembro daquele ano.



segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Bar Avenida, em Manaus

Bar Avenida, 1938. FONTE: Revista Rionegrino, nov. 1938, p. 05.

O Bar Avenida estava localizado na Avenida Eduardo Ribeiro, esquina com a rua Saldanha Marinho, no Centro de Manaus. Foi um dos principais points da boemia manauara do século XX. Nele se reuniam estudantes, intelectuais, jornalistas e políticos em busca de bebidas, refeições e diversão. Sua inauguração ocorreu em 01 de outubro de 1938, sendo seus proprietários Fonseca & Cia e o gerente Waldemiro Lustosa. Ele foi instalado no prédio em que funcionou, no início do século XX, o Hotel Restaurant Français. A Revista Rionegrino, por ocasião de sua inauguração, o descreveu como um "estabelecimento de primeira ordem, obedecendo os requisitos de hygiene e conforto, num local bem situado, o novo Bar está apto a satisfazer as exigências do publico manauense, com os seus serviços os mais aperfeiçoados no genero" (REVISTA RIONEGRINO, NOV., 1938, p. 05). No dia 04 de fevereiro de 1939 foi colocado no salão principal um quadro de Getúlio Vargas. Na ocasião discursaram autoridades civis e militares. Em 08 de abril de 1939 foi inaugurado um moderno refrigerador elétrico automático da marca Norge. 

Os anúncios da década de 1940 o descreviam como um estabelecimento especialista em leite, sorvete, chocolate, nescau, doces finos, sanduíches, canjas, frangos assados, frios, bebidas finas, artigos de mercearia e confeitaria. Possuía, ainda, uma cozinha americana à minuta (JORNAL DO COMMERCIO, 14/12/1944, p. 03). Nele eram realizados grandiosos almoços e jantares de aniversário, recepções de visitantes ilustres e políticos. Assim como outros bares da cidade, era palco de brigas com direito a "cadeiradas e garrafadas no ar" (JORNAL DO COMMERCIO, 31/10/1947, p. 04). O historiador Aguinaldo Nascimento Figueiredo descreve o funcionamento do Bar Avenida da seguinte forma: 

"A rotina do Avenida se iniciava no final da tarde, quando grupos de políticos, de intelectuais e de gente importante da cidade se reunia nas mesinhas de tampo de mármore e cadeiras de madeira para bater papo e degustar seus quitutes como a isca do legítimo "queijo bola" português, bolinhos de bacalhau, cerveja "casco escuro" e um tira gosto muito especial feito de chouriço que era esquentado numa pequena trempe com álcool no balcão mesmo, na frente do freguês" (FIGUEIREDO, 2021, p. 44).

Fonseca & Cia foram seus proprietários até 1944, quando ele foi adquirido por Júlio Rodrigues Fernandes. De acordo com o historiador Aguinaldo Nascimento Figueiredo, Júlio Rodrigues dividiu o espaço do bar em duas partes, instalando em uma delas a Confeitaria Avenida, "especialista em doces finos e os deliciosos bolos, se destacando entre eles o Inglês, o Mármore e o Amanteigado, mas o carro chefe da casa era o não menos famoso Bolo Rei" (FIGUEIREDO, 2021, p. 48).

Júlio Rodrigues esteve à frente do negócio até 1952, ano em que vendeu o bar para Giovanni Meneghini, seu último proprietário. Além de bar, também funcionava como hotel. Em 1955 passou por reformas internas para melhor acomodar seus hóspedes. O político e escritor Jefferson Péres recuperou uma interessante história ocorrida no bar na administração desse proprietário. Ele não gostava da presença de engraxates em seu estabelecimento, os expulsando com violência e humilhação verbal. Um dos frequentadores, Alfredo Aguiar, Inspetor da Alfândega e "valentão" conhecido na cidade, não gostando do tratamento dado a esses trabalhadores, em sua maioria menores de idade, vingou-se encomendado um grande jantar para 30 ou 40 pessoas. Meneghini, acreditando tratar-se de um evento para pessoas ilustres, organizou o bar e preparou um enorme banquete. No dia do jantar, para a sua surpresa, os convidados de Alfredo Aguiar eram os engraxates, que logo tomaram seus lugares à mesa, deliciando-se com a refeição. O dono cobrou o dobro do valor, pago com satisfação por Alfredo (PÉRES, 2002, p. 131). Em matéria de 1957 o articulista do Jornal do Commercio registrou que existia na entrada do bar um aviso proibindo a entrada dos engraxates (JORNAL DO COMMERCIO, 30/10/1957, p. 10). A partir da década de 1960 o bar passou a trabalhar não só com a cozinha americana, mas também com a italiana e a regional.

O Bar Avenida fechou suas portas em 10 de novembro de 1968, após 30 anos de funcionamento, dando lugar a uma agência do Banco Mineiro do Oeste, posteriormente banco Bradesco (O JORNAL, 12/11/1968).

Salão principal do Bar Avenida, 1938. FONTE: Revista Rionegrino, nov. 1938, p. 05.

FONTES:

Revista Rionegrino, nov. 1938.

Jornal do Commercio, 05/02/1939.

Jornal do Commercio, 14/12/1944.

Jornal do Commercio, 31/10/1947.

Jornal do Commercio, 30/10/1957.

O Jornal, 12/11/1968. (Instituto Durango Duarte).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. Nos caminhos da alegria: roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus. Manaus: edição do autor, 2021.

PÉRES, Jefferson. Evocação de Manaus: como eu a vi ou sonhei. 2° ed. revista e ampliada. Manaus: Editora Valer, 2002.



sábado, 4 de setembro de 2021

A antiga Casa da Câmara Municipal e a Instalação da Província do Amazonas

Casa da Câmara Municipal, local onde foi Instalada a Província do Amazonas. Desenho do pesquisador Ed Lincon Barros Silva.

A Elevação do Amazonas à Categoria de Província é a data maior da História do Estado do Amazonas. Apesar desse destaque, a capital, Manaus, possui poucos elementos que remetem a esse fato. Um deles poderia ter chegado até os dias de hoje se tivesse sido preservado no passado: a Casa da Câmara Municipal, prédio onde a Província foi Instalada em 01 de Janeiro de 1852.

A Comarca do Alto Amazonas, como se sabe, foi elevada à categoria de Província em 05 de Setembro de 1850 por força da Lei N° 582 de 05 de Setembro daquele ano, desmembrando-se da Província do Grão-Pará. A Instalação ocorreu somente em 01 de Janeiro de 1852. Ela teve lugar em um sobrado localizado entre a ruas Oriental (posteriormente Rua da Instalação), Frei José dos Inocentes e Henrique Antony - na então cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro (Manaus) - que funcionava como a Casa da Câmara Municipal. Estiveram presentes autoridades civis, militares e eclesiásticas, bem como grande número de populares. A população da cidade era estimada em pouco mais de 4.000 habitantes.

O prédio pertencia ao Vereador e comerciante Alexandrino Magno Taveira Pau-Brazil (1797-1862), proprietário de alguns dos melhores estabelecimentos da cidade. As poucas fotos antigas que existem nos permitem visualizar uma construção de estilo simples, com dois andares, poucas janelas e portas. O historiador Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004), descendente de Alexandrino Magno Taveira Pau-Brazil, afirma que ele era de "[..] de taipa socada em pilão arcado" (MONTEIRO, 1998, p. 351). 

Com o passar dos anos, a antiga Casa da Câmara, cujas paredes estavam revestidas de glórias de um passado de lutas por emancipação, ganhou outros usos. Instalou-se no local, em 1902, o Café Suisso, de Chaves & Cia, café e botequim de primeira classe onde eram servidas bebidas e refeições. O Café Suisso foi um empreendimento longevo, chegando até meados da década de 1940-50. À essa altura o prédio já estava em ruínas, necessitando de reparos urgentes. Posteriormente funcionaram uma tabacaria e uma barbearia. O último estabelecimento a funcionar no recinto foi o escritório de representações J. A. Castro, entre 1947 e 1960 (PERET, 1982). 

Em 1950, durante o primeiro centenário da Elevação do Amazonas à Categoria de Província, a antiga Casa da Câmara foi parcialmente recuperada e recebeu uma placa comemorativa de mármore com os seguintes dizeres: "1850-1950. Nesta casa, a 1° de Janeiro de 1852 foi instalada a Província do Amazonas (Lei 582 de 5-9-1850), sendo seu primeiro Presidente João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha. Governador atual - Júlio F. de Carvalho Filho. Em 5 - IX - 950" (DINIZ, 1960).

A recuperação parcial feita em 1950 não foi o bastante. As marcas do tempo estavam bastante visíveis. Parte da estrutura, feita com pau a pique, estava à mostra. O restante estava ruindo. A sociedade e a imprensa, vendo o estado em que o prédio se encontrava, correndo risco de desabar a qualquer momento, protestou e apelou ao poder público para que este intervisse, recuperando e dando ao prédio uma finalidade digna da sua importância histórica. De acordo com o jornalista Almir Diniz de Carvalho (1929-2021), autor da premiada reportagem Relíquias sem teto, publicada em 02 de maio de 1960 no Diário da Tarde, 

"De nada adiantaram nossos gritos de alerta. Pedimos, imploramos que o Govêrno adquirisse o imóvel e o remodelasse, guardando com zêlo e carinho suas linhas gerais, para servir de sede ao nosso Museu Histórico, sendo êle próprio a peça mais preciosa, rara e querida do projetado templo de relíquias. Tudo em vão. Ninguém quis atender nossos apêlos, e todos fecharam os ouvidos ao nosso pedido forrado de altruística justificação" (DINIZ, 1960).

Os apelos, os protestos, como registrou Diniz, não surtiram efeito. O novo Governo que se anunciava dinâmico, renovador, o de Gilberto Mestrinho, não deu atenção a esse templo da memória amazonense. Com a justificativa de que o prédio oferecia perigo aos transeuntes, dado o seu estado, a Prefeitura realizou a sua demolição ainda em maio de 1960. No terreno vazio passou a funcionar uma movimentada feira de frutas. Encerrada a feira, em 1982, na administração municipal de João Mendonça Furtado, foi construída uma réplica da fachada da antiga Casa da Câmara Municipal. A réplica, infelizmente, tornou-se um estacionamento mal organizado, também sofrendo com o desgaste causado pelo uso do local como banheiro público e o crescimento da vegetação.

Assim ficou, mais uma vez, o Amazonas, destituído de seus monumentos. Nesse caso, destituído do seu principal, símbolo de sua independência política, dos anseios políticos e populares por novos tempos. Continuamos esperando por novos tempos, tempos em que o que é nosso, nosso patrimônio, seja cada vez mais valorizado e protegido.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DINIZ, Almir. Relíquias sem teto. Diário da Tarde, 02/05/1960.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. 2 vol. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1998.

PERET, J. Américo. Crime contra a História do Amazonas. A Crítica, 04/07/1982.


sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Jornalismo Literário: Recordando Beruri

Guilherme Aluízio de Oliveira Silva (1937-2019).

A 23 horas de Manaus, 10 horas acima de Manacapuru, 3 horas subindo o rio Purus. Em lancha em marcha regular. Esse é o percurso para se atingir um lugarejo de altas barrancas, duas dezenas de casas e quatro ruas.

Às vezes, em alguns mapas geográficos se encontra marcado, na margem direita do abundante rio Purus, cujo entrelaçamento e comunicação se faz com afluentes como o Rio Iaco e o Rio Acre ao desaguar no Brasil, na margem direita do Purus, na cidade de Boca do Acre. Cerca de mil habitantes moram na cidade, vivendo do plantio e colheita da castanha, da pesca artesanal e da indústria manual. O delegado e a professora são os símbolos do saber acadêmico naquela região.

O comércio de venda e revenda dos produtos alimentícios é um dos mais promissores. Alguns comerciantes prosperaram naquele local. Na década de 30 havia uma serraria de beneficiamento de madeiras e uma usina de extração de óleo de pau rosa fundada por Álvaro Fachina da Silva, Dalila Batalha sua esposa e Izaura Batalha sua sogra.

Existe uma possibilidade que seja encontrado petróleo no seu solo. Uma equipe da Petrobras está trabalhando. O povo tem esperanças de que se encontre o ouro negro, movido das mesmas esperanças do povo de Nova Olinda, houve grandes expectativas noticiadas nos jornais da capital, porém, o ouro negro desapareceu misteriosamente. Beruri talvez tenha maior sorte. Talvez jorre petróleo do seu solo, talvez seja manchete nos jornais. Talvez os mandatários da nação criem coragem e resolvam de uma vez por todas as calamidades de Beruri, de Manaus, do Amazonas, do Brasil.

A terra onde nasci, onde dei os primeiros passos, onde estive nos primeiros nove anos de vida. Local de natureza exuberante e agradável. Existem os problemas como em qualquer outra pequena cidade do mundo, mas, as pestes das plantações, os ladrões do colarinho branco, os estelionatários, a juventude transviada – inspirada no filme lançado em 1955, “Rebel without a cause”, com James Dean – com moto (ou lambreta), casaco de couro, comportamento rebelde, prisão etc., os costumes norte-americanos e nem tampouco se assiste filmes de faroeste. Beruri é livre de tudo isso.

Pequenino lugar encravado no barro vermelho do Purus. Beruri está longe do barulho da cidade grande, das noites intermináveis, da very kar society. Livre dos jipes atropeladores, esses monstros de rodas que matam, que atrofiam os pedestres. Livre da vaidade, da descompostura e do fingimento. É esquecida pelos forasteiros, mas sempre é lembrada pelos seus filhos.

Lugar abençoado, como é abençoado tudo aquilo que é sincero. Não parece diferente de muitos outros lugares espalhados por este imenso Amazonas, perdidos também em muitas barrancas vermelhas. Beruri lembra a cidade do dramaturgo grego Aristófanes, nascido em Atenas, considerado o maior representante da comédia antiga “escravo marcado com ferro em brasa”. Os seus filhos nunca te esqueceram, recordam os momentos vividos em seu chão. O campo de futebol, as peladas de todas as tardes. A igreja com o enorme cruzeiro na frente. A velha Mãe Joana que ainda pega os meninos da redondeza. Os amigos Mário Andrade, Chico Miranda e outros. Beruri tem fama no coração dos seus filhos que a amam.

A Princesinha do Purus jamais sofreu com o desabastecimento de água, nem tampouco de energia elétrica. O imenso Rio Purus, caudaloso, manso nos dias calmos, terrível e furioso ao sopro do menor vento, qual manancial diluviano, mata a sede dos seus filhos e lava o corpo dos seus descendentes. O pequenino conjugado elétrico, impotente para qualquer outra função, ilumina suas ruas nas noites escuras, assegurando o caminhar seguro daqueles que percorrem suas ruas. Os berurienses jamais foram às boates com seus salões banhados a meia luz, desconhecem as rodas literárias e as crônicas sociais.

Os berurienses talvez não entendam o britanismo e o americanismo da chamada High Society. Talvez a própria High Society nunca entendeu tudo isso, apenas repete os termos da língua inglesa pela moda, pela vaidade, pelo alardeio de grandeza, pela ostentação fantasiosa, pelo atrofiamento dos sentimentos, pela pequenez do espírito.


Tu estás livre de tudo isso

Minha querida Beruri,

Estás livre, limpa, sem mancha alguma,

Em reconhecimento a ti, digo assim:


Ó minha mimosa terra

Eu te tenho muito amor

Eu vivi feliz

Sem sentir amarga dor.


Amo teu povo hospitaleiro,

Lá destas terras benditas,

Amo o prado, o chão e o céu

De tuas belezas infinitas.


Ó minha mimosa terra

Eu te tenho muito amor,

Eu aí vivi feliz

Sem sentir nenhuma dor.


(Guilherme Aluízio de Oliveira Silva. Jornalista filiado à Fenaj com registro profissional no 136. Recordando Beruri. Publicado originalmente no jornal A Gazeta, Manaus, 1955).

(Edição de texto por Elcias Moreira, 2 de setembro de 2021).