domingo, 28 de janeiro de 2024

A ocupação da Amazônia

Artefatos expostos no Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Foto: Bruno Kelly.

Os cronistas europeus que passaram pela Amazônia entre os séculos XVI e XVII deixaram interessantes e importantes relatos sobre as populações indígenas, auxiliando na reconstituição da demografia amazônica antes e durante a conquista. Frei Gaspar de Carvajal viu na província de Machifaro, ou Machiparo, na margem direita do Solimões, "[...] muitas e grandíssimas povoações que reúnem cincoenta mil homens, entre os trinta e setenta anos". A abundância de comida -  tartaruga, carne, peixe e biscoito - era tanta que "[...] daria para sustentar um batalhão de mil homens durante um ano".

Esses relatos demonstram que a Amazônia foi uma região densamente povoada, sofrendo um catastrófico decréscimo populacional nos dois primeiros séculos da colonização, causado pela violência da escravidão e pela letalidade das doenças. Quando começou a ocupação do território?

Segundo o arqueólogo Eduardo Góes Neves, a região começou a ser ocupada há cerca de 11 mil anos, mas essa presença pode ser ainda mais antiga. Na caverna de Pedra Pintada, localizada em Monte Alegre, no Pará, foram encontrados indícios datados de 9.200 a. C. Na gruta Lapa do Sol, na bacia do Guaporé, no Mato Grosso, foram encontrados resquícios de 12 mil a. C. O pesquisador explica que "De qualquer modo, diferentes partes da Amazônia já eram ocupadas em torno de 7000 a. C. As evidências vêm de locais tão diversos como a serra dos Carajás, no Pará; a bacia do rio Jamari, em Rondônia; a região do rio Caquetá (Japurá), na Colômbia; o baixo Rio Negro, próximo a Manaus, e o alto Orinoco, na Venezuela".

Apesar de os grupos nativos terem diferentes culturas e formas de sociabilidade, eles compartilhavam entre si a exploração sustentável da fauna e da flora, pescando, coletando, cultivando o solo e caçando animais de pequeno porte. De suas atividades restaram artefatos de pedra polida, fragmentos de pontas de lança, potes e vasilhames.

A arqueóloga estadunidense Betty Meggers defendia a tese de que o ambiente amazônico, pobre em nutrientes e sem animais de grande porte, teria impedido a formação de grandes contingentes populacionais, contribuindo para a "degeneração" de seus habitantes. Em contrapartida, a também arqueóloga estadunidense Anna Roosevelt defende que as terras baixas da região (várzeas), ricas em nutrientes e com grande fartura, foram o polo irradiador da povoação da Amazônia, abrigando cacicados complexos e sofisticados:

"Desta forma, enquanto habitat da ocupação humana pré-histórica, a Amazônia surge como mais rica, complexa e variada do que pensávamos. Mais significativo para a compreensão dos padrões da adaptação nativa e desenvolvimento cultural é, provavelmente, o fato de que existiram determinadas áreas nas quais a abundância de recursos sustentava populações caçadoras-coletoras, horticultoras e agricultoras durante longos períodos, e que nestas áreas se desenvolveram grandes populações indígenas".

Diferente da tradicional periodização da Pré-História europeia, dividida em Paleolítico, Mesolítico e Neolítico, a Pré-História da Amazônia é dividida em três fases distintas das propostas por Thomsem, Lubbock e Mortillet: fase Paleoindígena, fase Arcaica e fase da Pré-História Tardia. Isso se dá pelo fato de a Pré-História da região ainda não ter sido plenamente estudada e possuir suas próprias particularidades.

A fase Paleoindígena vai de 11.000 a 7.500 a. C. Os primeiros habitantes da Amazônia eram nômades, e sobreviviam da coleta de frutos, moluscos, da agricultura rudimentar e da caça de animais de pequeno porte. Nas regiões do norte do Rio Orenoco, no escudo e na costa da Guiana e no Rio Galera, no Mato Grosso, foram encontradas ferramentas de pedra como machados, pontas de lanças e raspadores. Apesar de as pontas de lanças terem sido encontradas, a caça de grande porte era rara. As gravuras rupestres desse período, segundo Anna Rosevelt, "[...] abrangem círculos rajados, faces humanas estilizadas ou máscaras, triângulos púbicos femininos, motivos baseados nos pés humanos, quadrúpedes, motivos geométricos sombreados e cavidades para trituramento e raspagem".

A fase arcaica compreende o período de 7.500 a. C. a 1.000 a. C., sendo caracterizada pela existência de complexos pré-cerâmicos, evidenciando a transição dos grupos coletores para grupos mais complexos que praticavam a agricultura de subsistência. Os sambaquis, depósitos artificiais de conchas, são as principais fontes dessa época. No sambaqui de Taperinha, em Santarém-PA, foram encontrados instrumentos de pedra lascada (machados, moedores e quebradores de grãos), de ossos e alguns exemplares de cerâmica avermelhada com desenhos geométricos. O tamanho dos sambaquis indica o aumento demográfico e o surgimento de grupos humanos que passaram a se fixar em um único local. "Nesse sentido", explica Roosevelt, "este estágio parece representar uma fase de intensificação da subsistência e do crescimento populacional similar àquela do Mesolítico no Velho Mundo".

A Pré-História Tardia vai de 1000 a. C. a 1000. d. C. Se desenvolvem, à margem dos principais rios da Amazônia, sociedades indígenas bastante complexas em aspectos demográficos, econômicos e políticos. Ela são conhecidas como cacicados complexos. Por volta do ano 1000 a. C. surgiram as culturas dos construtores de tesos, aterros artificiais inundáveis onde eram erguidas as aldeias. Elas foram sucedidas por sociedades mais desenvolvidas, divididas hierarquicamente, apresentando uma cerâmica altamente refinada, cujos melhores exemplares são encontrados na Ilha do Marajó e na região de Santarém-PA.

Quantos eram os indígenas antes da conquista? O professor William M. Denevan, do Departamento de Geografia da Universidade de Wisconsin-Madison, estimou para a Grande Amazônia (bacia Amazônica, leste e sul dos Andes e Amazônia Legal) uma população de 6 milhões e 800 mil, dos quais 5 milhões habitavam a bacia Amazônica. O historiador John Hemming, no final da década de 1970, estimou a população da bacia Amazônica no período pré-colonial em 3 milhões 625 mil indivíduos.

O antropólogo Antônio Porro registra que os grupos linguísticos que compunham a Amazônia antes da chegada dos europeus eram oito: Aruak, Karib, Tupi, Jê, Katukina, Pano, Tukana e Xiriana. Os povos que formam esses grupos, cerca de 90, encontram-se distribuídos pela bacia hidrográfica da região.

Os povos da língua Aruak estão localizados nos afluentes do rio Solimões. No rio Jutaí encontramos os Wairaku; no Juruá os Marawá e Kulína; no Purus os Purupurú, Paumari, Yamamadí, Ipurinân e Kanamari; no Içá os Pasé e Wainumá; no Japurá os Kayuixâna e Yumana; nos rios Negro e Içana os Manáo, Baré, Warekúna e Baníwa. Entre a Serra de Parima e a de Acaraí encontram-se os Guinaú, Wapitxana, Atoraí e Maopituan. Na Ilha de Marajó e na região litorânea do Amapá estão os Palikur, Arawak e Aruân.

Encontram-se no maciço das Guianas e arredores, nos afluentes ao norte do rio Amazonas e a leste do rio Negro os povos do grupo Karib. Nos maciços temos os Purukotó, Makiritare, Makuxí e Taulipang; no rio Branco, os Pauxiânia e Parauiana; no rio Jauaperi, os Yauaperí e Waimiri-Atruahí; no rio Jatapu, os Bonarí; no rio Nhamundá, os Xauianá e Piranya; no rio Trombetas, os Kaxuiana, Pauxi e Pianakotó; no rio Paru, os Apalaí, Wayana e Tirió; e no sul do Amazonas, os Arara, entre o Xingu e o Tocantins.

Os tupi têm localização semelhante à dos Karib, entre o sul do médio e baixo Amazonas. No rio Madeira encontram-se os Kawahíb, Arikên, Tuparí e Tupinambarâna; na bacia do rio Tapajós, os Mundurukú, Mawé, Apiaká, Kawahíb, Parintintim e Kayabí; no rio Xingu os Jurúna, Oyanpík, Asuriní e Xipáya; no rio Tocantins os Pakayá, Parakanân e Amanayé; no extremo leste do Pará, até o Maranhão, os Tupinambá, Tembé, Guajajára e Tobajára; no rio Paru os Apama; no rio Nhamundá os Apoto; e na área de várzea do Solimões os Kokâma, Omágua e Yurimágua.

Os povos da língua Jê são encontrados nas bacias do médio Xingu, Araguaia e Tocantins. São eles os Kayapó, Gorotíre, Gaviões, Apinayé e Timbíra. Nos rios Tapajós e Madeira os Nambikuára, Torá e Pakaánovas.

Segundo Edilene Coffaci de Lima, "Desde a primeira metade do século passado, os registros históricos produzidos por missionários, viajantes e agentes governamentais sobre as populações indígenas do rio Juruá fazem referência a grupos indígenas conhecidos pelo nome de Katukina". Os povos do grupo Katukina estão localizados entre os rios Purus e Juruá. São eles os Katukína, Katawixí e os que levam o sufixo Diapá.

Os povos do grupo Pano encontram-se entre os rios Juruá, Javari, Içá e Japurá. Entre os rios Juruá e Javari estão os Kaxinawá e Mayorúna. Entre os rios Içá e Japurá, os Tukúna, Yurí, Mirânia e Koerúna. Esses povos, no final do século XIX, foram obrigados a se refugiar em locais distantes na floresta por conta da invasão de suas terras durante a extração do látex das seringueiras. Muitos morreram em conflitos e outros foram escravizados.

No rio Uaupés estão localizados os grupos dos Tukána, que são os Takána, Desàna e Wanâna. Os antropólogos Stephen Hugh-Jones e Aloisio Cabalzar explicam que "Os Tukano compartilham uma área geográfica contínua e um mesmo modo de vida básico, que inclui a caça e a coleta, mas no qual predomina a pesca e a agricultura de coivara, sendo a "mandioca brava" o principal produto".

Em Roraima são encontrados os representantes do grupo Xiriâna, que são os Xiriâna e Waiká. De acordo com Otto Zerries, trata-se de um subgrupo Yanomami. Waiká significa "pessoa braba" e Xiriana "pessoa mansa". Essas nomenclaturas, vistas pelos indígenas como apelidos, não são aceitas pelos Yanomami.

Como podemos ver, Amazônia, até 1500-1600, abrigava grandes populações indígenas organizadas em grupos linguísticos com culturas distintas que habitavam a igualmente rica bacia hidrográfica da região. Aqui exploraram as matas e os rios, cultivaram o solo e produziram uma refinada cerâmica que impactou cronistas e arqueólogos por sua qualidade e riqueza de detalhes. O primeiro tiro de espingarda deu início à ruína dessas sociedades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CARVAJAL, Frei Gaspar de. Descobrimento do Rio das Amazonas. Traduzidos e anotados por C. de Melo-Leitão. São Paulo; Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1941.

FREIRE, José Ribamar Bessa (org.); PINHEIRO, Geraldo P. Sá Peixoto; TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa; SANTOS, Francisco Jorge dos; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo; COSTA, Hideraldo Lima da. A Amazônia Colonial (1616-1798). 4° ed. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1991.

HUGH-JONES, Stephen; CABALZAR, Aloisio. Tukano (verbete). Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tukano.

LIMA, Edilene Coffaci de. Katukina Pano (verbete). Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Katukina_Pano.

NEVES, Eduardo Góes. Arqueologia da Amazônia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006.

PORRO, Antônio. O povo das águas: ensaios de etno-história amazônica. Rio de Janeiro: Vozes, 1995.

ROOSEVELT, Anna Curtenius. Arqueologia Amazônica. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP, 1992.

ZERRIES, Otto. Los Waika (Yanoama), indígenas del Alto Orinoco 1954-1974. Indiana 3: 147-150, 1975.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

A ocupação da América

Esquema de ocupação da América. Fonte: Letícia Fuentes.

Quando os europeus chegaram ao continente que seria denominado América, se depararam com milhares de habitantes, com formas de organização, línguas e culturas diferentes das suas. O impacto, de ambos os lados, foi imenso. Os invasores começaram a se questionar quais as origens daquelas pessoas. Teriam nascido ali? Vieram de outro lugar?

O linguista Benito Arias Montano (1527-1598), autor da Bíblia Poliglota, registrou, em uma perspectiva religiosa, que a América foi povoada por personagens bíblicos: Ophis colonizou a região nordeste do continente, enquanto Jobal colonizou o Brasil.

Desde a segunda metade do século XIX, pesquisadores das mais variadas áreas, como História, Antropologia e Arqueologia, elaboraram hipóteses e criaram teorias sobre a ocupação do continente americano: teoria asiática, teoria malaio-polinésia e teoria africana.

Teoria Asiática

Essa teoria afirma que grupos de homens e mulheres caçadores e coletores chegaram à América através do Estreito de Bering, região que separa o extremo leste da Ásia do extremo oeste da América do Norte, há cerca de 18-20 mil a.C., período em que ocorreram profundas mudanças climáticas.

Esses povos saíram de suas regiões de origem em busca de melhores condições de vida, atravessando essa passagem entre a Ásia e a América, em diferentes ondas migratórias, durante a última Era do Gelo, momento em que as camadas de gelo se elevaram e, consequentemente, os níveis dos oceanos diminuíram, formando uma ponte terrestre entre os dois continentes.

Através da análise de milhares de amostras de DNA, geneticistas mostraram que povos como os incas, astecas e iroqueses, entre as Américas do Sul e do Norte, eram geneticamente semelhantes aos dos povos da Sibéria, uma extensa região do norte da Ásia que compreende o Cazaquistão, a Mongólia e a China.

O historiador Fausto Evaldo Strassburger afirma que "O pressuposto de que o homem teria vindo unicamente a pé, atravessando a Beríngia, atrás dos rebanhos de animais que migravam, não faz justiça à capacidade intelectual humana, reduzindo o homem americano a um descendente de um animal não mais capaz que os camelos, mastodontes e bisões que migravam para a América".

Teoria Malaio-Polinésia

Essa teoria defende que grupos de caçadores e pescadores, hábeis na arte da navegação, teriam vindo da Polinésia, da Melanésia e da Austrália (regiões da Oceania), entre 10 e 4 mil anos a.C. para a América através do Oceano Pacífico, utilizando embarcações rústicas de pequeno porte, tendo aproveitado as correntes marinhas em direção à costa do continente americano.

Da costa da América do Sul eles se espalharam pelo restante do território. Em sítios arqueológicos peruanos foram encontrados vestígios de aves marinhas, mariscos, peixes, moluscos, ferramentas e habitações, com forte indício de terem pertencido a pescadores, dado o tipo de dieta e materiais encontrados.

O etnólogo francês Paul Rivet (1876-1958), criador dessa teoria, não descarta as migrações pelo Estreito de Bering, afirmando que os humanos podem ter chegado à América através de mais de uma rota em diferentes momentos. Análises genéticas constataram que o DNA de grupos nativos da América do Sul possui semelhanças com povos da Oceania.

Teoria Africana

Uma outra teoria, defendida principalmente por pesquisadores brasileiros, afirma que os povos americanos descendem de africanos que teriam migrado para a América através do Estreito de Bering, em data ainda incerta. Essa teoria tem como base o estudo dos crânios de indígenas brasileiros e de outras partes do continente, que após análise mostraram ter semelhança com os de povos da África.

Arqueólogos brasileiros, europeus e estadunidenses, ao fazerem a análise craniométrica, demonstraram que eles não possuíam traços asiáticos, mas sim africanos. Para o arqueólogo Walter Neves, a América foi ocupada primeiramente por povos africanos e não-mongolóides (não asiáticos).

O exemplar mais antigo foi encontrado no Brasil em 1974. Trata-se do fóssil de uma mulher, batizada como Luzia, datado com 11.500 anos de idade. Seu crânio possui fortes traços africanos, o que pode indicar que a chegada desse grupo foi anterior à dos asiáticos. Os cientistas acreditam que os grupos asiáticos, por conta da disputa por alimentos e território, exterminaram os africanos.

Concordado com o historiador Fausto Strassburger que "[...] pessoalmente acredita-se que possam ter sido várias ondas migratórias de diferentes lugares do mundo e que formaram esta diversidade de tipos genealógicos observados nos ameríndios, já que em algumas populações indígenas atuais da América observam-se traços característicos da etnia mongólica, noutras de aborígines australianos, noutras de polinésios, noutras de africanos, enfim, compondo uma variedade morfológica que dificilmente teria sido formada pelo concurso de apenas uma etnia".

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. História do Amazonas. Manaus: Editora Valer, 2011.

STRASSBURGER, Fausto Evaldo. Ocupação humana no continente americano. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal da Fronteira Sul, Curso de Licenciatura em História, Erechim, RS, 2020.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

A Amazônia Pombalina

Retrato do Marquês de Pombal. Pintura de Louis-Michel van Loo e Claude Joseph Vernet, 1766.

A Amazônia começou a passar por transformações profundas na segunda metade do século XVIII. Em Portugal, subiu ao trono em 1750 o Rei D. José I, conhecido como O Reformador, que botou em prática um projeto de transformação política e econômica no reino e nas colônias, nomeando o Marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo), para empreender essa tarefa.

Portugal era uma nação pobre e dependente da Inglaterra. Para superar essa condição, o Marquês de Pombal elaborou um ambicioso projeto de modernização das instituições. A Amazônia, que até então era uma região, no cenário colonial, subalterna, passou a fazer parte dos quadros de desenvolvimento mercantilista.

Numa tentativa de reordenação e aperfeiçoamento da manutenção das fronteiras, é criado em 1751 o Estado do Grão-Pará e Maranhão, formado pelas capitanias do Pará, Maranhão, Piauí e Rio Negro, com capital em Belém.

As aldeias tiveram suas nomenclaturas alteradas, recebendo nomes portugueses. Exemplos: Mariuá – Barcelos; Taracuatíua – Fonte Boa; Saracá – Silves; Abacaxis – Itacoatiara; Trocano – Borba; Caiçara – Alvarães; São Paulo dos Cambebas – Vila de São Paulo de Olivença.

Em 03 de março de 1755 é criada a Capitania de São José do Rio Negro, desmembrada do Estado do Grão-Pará e Maranhão. A criação dessa nova unidade política colonial tinha três objetivos. O primeiro, facilitar a administração portuguesa na Amazônia, pois as dimensões geográficas da região faziam com que as decisões tomadas em São Luís, no Maranhão, e Belém, no Pará, chegassem de forma tardia nas localidades mais interioranas, extremamente distantes dos centros das decisões políticas. O segundo, facilitar a catequização dos indígenas. O terceiro, garantir a soberania portuguesa frente as ameaças de espanhóis, ingleses, holandeses e franceses.

O rei de Portugal, Dom José I, autorizou, no Alvará de 04 de abril de 1755, o casamento entre portugueses e indígenas, com amplos benefícios para os casais constituídos e seus descendentes, súditos a partir de agora com forte ligação com a metrópole portuguesa. Essa política de união entre brancos e indígenas começou a surtir efeito cedo, como fica claro em uma carta de Mendonça Furtado para o rei, onde ele transmite que conseguiu que “naquele pouco espaço se contrahissem não menos de 78 matrimonios no Ryo Negro”.

Os jesuítas foram expulsos da Amazônia em 1759. Essa ação fazia parte da obra modernizadora iluminista de Pombal, que previa a atuação ampliada do Estado sobre todos os setores da sociedade. Afirmava-se que os jesuítas estavam criando um "Estado dentro do Estado", oferecendo riscos à soberania portuguesa.

Com o fim da União Ibérica (1580-1640), período de domínio da Espanha sobre Portugal, foi necessário estabelecer novos tratados de limites. Três foram assinados durante o período Pombalino: Tratado de Madri (1750), Tratado de El Pardo (1761) e Tratado de Santo Ildefonso (1777).

No Tratado de Madri ficou acertado que Portugal reconhecia a soberania da Espanha sobre a Colônia de Sacramento, fundada pelos portugueses em 1680, e o território do Rio da Prata, enquanto a Espanha entregava a Portugal os Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul, e os territórios da Amazônia e Mato Grosso. Para ficar com essas terras, Portugal invocou a tese do Uti Possidetis, segundo a qual a terra pertence a quem a ocupa e desenvolve.

Esse tratado foi anulado em 1761 pelo Tratado de El Pardo por conta das Guerras Guaraníticas, encabeçadas pelos indígenas e jesuítas espanhóis que se recusaram a deixar as terras dos Sete Povos das Missões e pela falta de demarcação dos limites na Amazônia.

Em 1777 é assinado o Tratado de Santo Idelfonso, que determinou, de forma definitiva, que Portugal ficava com a região Amazônica, e a Espanha ficava com a Colônia de Sacramento e os Sete Povos das Missões, no Sul. O Tratado de Badajós, de 1801, autenticou essas decisões. A Amazônia, ocupada e desbravada pelos portugueses, agora lhes pertencia de fato.

Visando a dinamização da produção e comércio das drogas do sertão, o desenvolvimento da agricultura e a introdução de escravizados africanos, foi criada em 1755 a Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, com sede em Lisboa.

Portugal buscou utilizar a mão de obra indígena, integrando os nativos à cultura europeia, os transformando, pela força, em braços úteis ao progresso econômico. Em 06 de junho de 1755 a escravidão indígena foi abolida, sendo os nativos igualados aos portugueses. Dois anos depois o trabalho forçado foi regulamentado através do Diretório dos Índios (1757).

O Diretório determinou que os indígenas ficariam sob domínio dos Diretores, que deveriam zelar pela administração das comunidades. Os indígenas foram proibidos de falar suas línguas e o nheengatu, língua geral criada pelos jesuítas, devendo falar apenas a língua portuguesa e utilizar sobrenomes em português. Suas casas deveriam ser construídas como a dos brancos, com divisões para quarto, cozinha etc.

Os indígenas deveriam se dedicar à agricultura de exportação, mas também eram obrigados a cultivar mandioca, feijão, milho e arroz para consumo próprio e para abastecer os moradores das cidades. A atividade comercial sofreu interferência, com a padronização de pesos e medidas. Os povoados próximos aos mares e rios deveriam se dedicar à salga de peixe para a exportação.

Nos povoados e arredores onde existissem drogas do sertão, os indígenas que tivessem finalizado o cultivo de suas roças seriam arregimentados pelo Diretor para sua exploração, com fiscalização do Cabo das Canoas, que evitaria que o diretor se beneficiasse do trabalho dos nativos.

Os indígenas eram obrigados a pagar o dízimo, que era a décima parte do que produzissem e adquirissem, ficando o diretor responsável pela cobrança. Este último tinha como salário a sexta parte do cultivo e produtos adquiridos pelos indígenas, estes últimos não devendo ser produtos comestíveis.

Nesse novo contexto de trabalho compulsório os indígenas eram distribuídos pelos diretores entre os habitantes dos povoados e vilas, os ajudando na extração das drogas do sertão e nas lavouras. Uma parte deles ficava retida em suas próprias povoações para a defesa do território e os serviços prestados à coroa. O diretório foi abolido em 1798.

Uma nova divisão territorial foi feita em 1772. O Estado do Grão-Pará e Maranhão foi dividido em dois estados independentes: a Capitania do Grão-Pará e Rio Negro, com capital em Belém, e o Estado do Maranhão e Piauí, com capital em São Luís.

A Era Pombalina chegou ao fim em 1777, quando o Rei D. José I faleceu e sua filha, Maria I, demitiu o Marquês de Pombal do cargo de ministro.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

FREIRE, José Ribamar Bessa (coord.); PINHEIRO, Geraldo P. Sá Peixoto; TADROS, Vânia Maria Tereza Novoa; SANTOS, Francisco Jorge dos; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo; COSTA, Hideraldo Lima. A Amazônia Colonial (1616-1798). Manaus: Editora Metro Cúbico, 1991.

SANTOS, Francisco Jorge dos. História do Amazonas. 1° ed. Rio de Janeiro: MEMVAVMEM, 2010.