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domingo, 20 de agosto de 2017

Patrimônios Históricos: Ensino, pesquisa, teorias e metodologias

O presente texto foi produzido pelo autor convidado Marcos Vinicius Alvarenga¹, acadêmico de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Em Patrimônios Históricos: Ensino, pesquisa, teorias e metodologias, Marcos procura problematizar, através de uma ampla discussão, a noção de patrimônio histórico, discussão essa relacionada aos sujeitos históricos, aos lugares de fala e aos discursos que foram e continuam sendo fabricados.

Marcos Vinicius Alvarenga

Cotidiano da Comunidade Quilombola do Alto da Serra, no Distrito de Lídice, no município de Rio Claro, região do Médio Paraíba do Rio de Janeiro. Foto de 2015.

Há um questionamento importante a ser feito: “Por que conhecemos o inventor da lâmpada, mas não conhecemos o inventor da canoa? ” Estamos diante de uma ferramenta extremamente sofisticada, capaz de manter um pescador e o fruto de seu labor ao longo do curso de rios caudalosos em demasia como os da bacia do Amazonas sem que o primeiro, seu condutor, se afogue!
Vamos levar a discussão um pouco mais adiante com outro exemplo: “Por que consideramos tão facilmente as casas brancas presentes nas elevações das ilhas gregas do Mediterrâneo como ‘patrimônio’, mas não o fazemos para com os cortiços ou as casas da comunidade do Vidigal, no Rio de Janeiro?” Ora, se pintarmos as da última localização e tirarmos uma foto poderia até ser confundido um espaço com o outro! E, para encerrar a sessão de perguntas, faço uma terceira “Por que as vestes de um monarca europeu são cuidadosamente preservadas, ao passo em que as de um escravo de origem africana do século XIX não?”
O objetivo deste artigo é problematizar em cima destas indagações, evocando uma discussão mais ampla acerca do que são patrimônios históricos, com base em exemplos fornecidos por outros escritos, como o magnífico trabalho do professor Gerson Rodrigues de Albuquerque, os “Trabalhadores do Muro, o rio das cigarras”, que estabeleceu um perfeito diálogo com suas fontes; mais do que fontes, Gerson deu voz a sujeitos! Sujeitos em meio a suas vivências, agentes ativos de sua própria história e não marionetes de um teatro estruturalista em que são submissos aos seus dominantes.
Gerson não fez uso de um monólogo do historiador 100% objetivo, o cientista que conta as coisas “Tal como aconteceu”, e o “narrador”, mas estabeleceu um verdadeiro diálogo mútuo. Marcos Silva, ao tratar-se do primeiro caso, afirma: “Narrações orais e outros itens de patrimônio histórico, quando assim tratados, são metamorfoseados em cadáveres dissecados pelo analista, sem se estabelecer um diálogo entre as partes, que poderia ser esclarecedor para ambas. “ (SILVA, p 42)
Cabe a nós, com nossos trabalhos de PIBIC, nossas monografias e futuramente, nossos trabalhos de mestrado e doutorado, dar voz aos mais diversos sujeitos (que também constituem um patrimônio!). Por que não fazer uma história das crianças que moram na rua? Ou uma história das empregadas domésticas? É preciso rememorar os esquecidos do passado, tal como apontou Walter Benjamin em suas “Teses sobre o conceito de História”. Mesmo que muitos do curso de História possuam como objetivo somente a sala de aula (ensino fundamental e médio) isso também se faz necessário, diria que ainda mais necessário! Os alunos e alunas precisam ter a consciência de que a História é muito mais que um marechal que “proclama” uma república, e que ele e seus pais, que são trabalhadores, também são sujeitos históricos.
Antes de tratarmos de patrimônio de forma mais ampla é necessária uma discussão acerca do que chamamos de “fontes”. De acordo com a abordagem inicial do livro “A Pesquisa em História”, uma parceria de Maria do Pillar, Maria do Rosário e Yara Maria, durante o século XIX, quando a História ganha um status de “ciência” pelos positivistas, a palavra “documento” passa a ser usada como sinônimo de prova científica. Como documento, no sentido positivista da palavra, entendemos o que é escrito, e não é qualquer escrita, mas sim aquela emitida pelos governos, em síntese, nestes é que reside a “verdade”.
Isso configura algo demasiadamente problemático pois, supõe que a História é feita somente por grandes heróis, onde estão as mulheres, os trabalhadores e as crianças nessas narrativas? Outro grande problema nisso é a negação de história a povos que relatam suas trajetórias não por uma via da escrita, mas por uma rica oralidade. É dizer, por fim, que os griots, mestres da tradição oral no continente africano, não possuem história. Estariam eles eternamente condenados pela afirmação de Friedrich Hegel de que o continente africano não possui história?
Com contribuições como a da Escola dos Annales, a História passará a abarcar aspectos sociais, para além desses “grandes homens”, como estudos sérios acerca dos campos, como foi o caso de Marc Bloch, este que em seu livro “Apologia da História ou o Ofício do historiador” defende que a história é a ciência dos homens, mas que diferente da Sociologia ou da Antropologia, tratam deste homem no tempo.
Neste bojo, a escrita da História passa a estar lastreada em qualquer vestígio humano, desde a literatura de um dado período, como também a música, o cinema, e a própria história oral. Além de todo este advento, supera-se a ideia de que o “documento fala por si mesmo”, é preciso fazer perguntas a ele. Entender, por exemplo, que não se vai retirar um mero reflexo de uma dada sociedade em uma obra literária, mas sim uma expressão das representações acerca desta.
Um relato de viajante, outro tipo de fonte, não nos mostra a “verdade absoluta”, mas sim a forma como aquele viajante representou aquele dado local ao qual esteve ciente, com seus preconceitos e valores. Ninguém é isento! Nem mesmo o historiador que escreve um dado texto, a forma como este visualiza a realidade se reflete muito na sua escrita.
Considerei de suma importância para a discussão acerca de patrimônio a abordagem realizada no livro “A Pesquisa em História” sobre a condução de uma pesquisa. Ela se encaixa perfeitamente ao Gerson Rodrigues e da forma como este o conduziu, de modo a abarcar com mais vida o seu objeto. Como ressaltei no início, mais do que uma “fonte friamente analisada”, o professor da Universidade Federal do Acre reconstituiu vivências de pessoas que “tem nome e tem rosto”, como o sr Francisco e do sr Maurício em suas vivências naquela mata em torno do rio Muru, este que, é de fato um patrimônio histórico, conforme abordarei mais adiante com profundidade maior.
Retomando à obra metodológica e teórica, sua abordagem sobre a condução de uma pesquisa, nos é feito um importante alerta acerca do diálogo com as fontes. Muitos trabalhos fazem uso de um “método prévio” tal como uma “receita de bolo”, para que assim se possa analisar suas fontes, percorrendo um caminho com início, meio e fim, herança, segundo as autoras, cientificista do século XIX: “ Esta forma de se conceber a pesquisa histórica supõe uma submissão do historiador, tanto aos procedimentos do método como aos recursos da técnica, pois a ênfase recai nos procedimentos do pesquisador em detrimento de sua relação com o objeto”. (p 40)
Mais adiante, evoca os argumentos do historiador Ciro Flamarion Cardoso, afirmando que as perguntas que devemos fazer as fontes devem ser feitas não nas fontes em si, mas antes baseadas em arcabouços teóricos e metodológicos prévios. As autoras fazem um contraponto a isso, defendendo um diálogo ainda maior com as fontes a fim de dar sequência com um bom trabalho.
Não cabe, vale lembrar, se desvencilhar de quaisquer métodos ou “base teórica”, Gerson Rodrigues, por exemplo, dialoga com Thompson em sua valorização da experiência dos trabalhadores do rio Muru, mas sim não serem esses os nortes pelos quais uma pesquisa seguirá; acrescentaria que é preciso que esses arcabouços não ofusquem esses “esquecidos” que, como ressaltados, são sujeitos de sua própria história!
Certa vez, um professor da graduação (o nome e a disciplina ministrada serão resguardados por questões éticas), contou de um caso em que foi chamado para uma banca de mestrado, cujo trabalho se propunha a abarcar as vivências dos seringueiros. Ao ler o trabalho da mestranda, tudo o que pode ver nele eram “teorizações mirabolantes” sobre as ideias de Bourdieu e Foucault. “Mas menina, onde estão suas fontes? Que que o Bourdieu entende se seringueiros?!”
Na anedota acima, muitos graduandos interpretaram o docente como se estivesse censurando o uso de teóricos, ou, mais especificamente, desses dois teóricos. Isso é cair em um grande engano: sua crítica se relacionava com a feita pelos demais autores aqui mencionados: a censura a trabalhos onde você parte muito da teoria para a prática, ou à aqueles em que você só fica na teoria e não aborda os patrimônios históricos no que eles são, em um contato que remete até mesmo a afetividade.
Podemos fazer um paralelo entre a noção tradicional de documento como algo escrito, e escrito por pessoas “relevantes”, e que prova com a noção de patrimônio histórico como estritamente arquitetônico.
Quando falamos em patrimônio histórico muito provavelmente o que vem na mente de uma pessoa é o Teatro Amazonas, o Teatro Municipal de São Paulo (o próprio Marcos Silva o explora como exemplo em seu texto), ou o famoso Cristo Redentor. Dificilmente as pessoas reconheceram como patrimônio um sotaque, uma determinada festividade, ou (retomando para o exemplo inicial) uma canoa. No entanto, Marcos Silva nos adverte que essa diversificação não deve ser confundida com a diversidade de temas abordados pelos historiadores: “(...) está-se diante de fazeres sociais. Para cada material interpretado, há um contato com lutas, acordos, potencialidades, limites. ”
Ele faz este alerta sobretudo para os relatos orais, como já mencionado e citado anteriormente para se referir ao trabalho de Gerson. E mais do que isso, a canoa usada por esses sujeitos, sua fala, suas histórias da mata, a forma como executam o trabalho, todos são patrimônios que contém trajetórias de vida imbuídas.
Marcos Silva aponta para a não separação de patrimônio histórico de ensino de história, mostrando como ambos estão inteiramente ligados. São, segundo ele, partes de um mesmo processo, onde se procura
(...) evidenciar múltiplas virtualidades e opções contidas no ensino de história como experiência que abrange o domínio ampliado sobre um campo erudito e o diálogo com os universos de vivências sociais dos grupos humanos estudados e daqueles que o estudam. “ (SILVA, p 40).
Eis a importância inclusive de se estabelecer um diálogo em sala de aula sobre a própria noção de patrimônio a fim de destruir este “lugar comum” que o define como um elemento arquitetônico, na grande maioria algo que de fato é pertencente à elite, em que muitas vezes o aluno de uma família proletária não o identifica com suas vivências e tradições; ao ampliar o leque deste debate, se evidencia que elementos banalizados, como sua fala, também se trata de um patrimônio histórico.
Marcos Silva trata disso no exemplo do Teatro Municipal de São Paulo, local criado especificamente para a elite no século XX e que, ainda hoje, mesmo com atrações gratuitas, muitas pessoas humildes possuem uma certa vergonha de assistirem a um espetáculo; é possível fazer um paralelo deste exemplo com o Teatro Amazonas, onde de fato há muitas atrações gratuitas nos dias atuais, mas que muitos manauaras possuem receio de assistirem às atrações.


REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Gerson Rodrigues de. Trabalhadores do Muru, o rio das cigarras. Rio Branco/AC, EDUFAC, 2005.
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Rio de Janeiro/RJ, Jorge Zahar, 2001.
BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro/RJ, Jorge Zahar, 2008.
HERNANDEZ, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à história contemporânea. São Paulo/SP, Selo Negro, 2005.
SILVA, Marcos. História: o prazer em ensino e pesquisa. São Paulo/SP, Brasiliense, 1995.
VIEIRA, Maria do Pilar; PEIXOTO; Maria do Rosário; e KHOURY, Yara Aun. A Pesquisa em História. São Paulo/SP, Ática, 1989

SOBRE O AUTOR

¹ Marcos Alvarenga é graduando em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Seus interesses de pesquisa remetem ao estudo da nacionalidade através da literatura em África, a negritude e a presença negra na Amazônia.









CRÉDITO DA IMAGEM:

www.ceert.org.br

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Historiadores Muçulmanos (séculos IX-XV)

Intelectuais do mundo muçulmano no legaram grandes conhecimentos, seja em Linguística, Botânica, Geografia, Medicina, Comércio etc. No campo historiográfico também foram produzidos trabalhos de excepcional qualidade. Os primeiros historiadores muçulmanos foram pioneiros na busca do tempo histórico.

Inicialmente, a historiografia muçulmana era formada por genealogias, poesias e relatos de batalhas, registrados por escrito ou oralmente. Esses historiadores começaram a busca histórica a partir do momento em se fez necessária a compilação das palavras e feitos de Maomé, principal profeta do Islamismo. Essas informações eram utilizadas para incrementar os hadiths, leis, histórias e ensinamentos desse profeta. As informações dos hadiths eram analisadas de forma crítica através do isnad, isto é, a credibilidade da sucessão de autoridades que os escreveram. Neste texto, apoiado sobre o livro A História dos Homens (2004), do historiador espanhol Josep Fontana, veremos três grandes historiadores muçulmanos: al-Tabari, al-Masudi e Ibn Jaldun.


al-Tabari (839-923).

al-Tabari, exegeta do Alcorão (Tafsir), é considerado o primeiro grande historiador muçulmano. Além de seus estudos sobre os hadiths e Comentário, sobre o Alcorão, escreveu História de profetas e de reis, que cobre o período da fundação do mundo muçulmano até o ano de 915 da nossa era. Bem estruturada cronologicamente, essa obra traz, sem alterações ou pontos de vista do autor, os testemunhos das autoridades muçulmanas. al-Tabari utilizou fontes escritas e também informações transmitidas oralmente. As narrativas contidas em História de profetas e de reis eram bem detalhadas, com ilustrações sobre os acontecimentos memoráveis e histórias agradáveis e instrutivas. Dessas narrativas também eram retirados ensinamentos morais e religiosos.

al-Masudi (896-956).

A historiografia do xiita al-Masudi era mais elaborada. Considerado o Heródoto Árabe, por seu interesse em outras áreas do conhecimento, como botânica, geografia e etnologia, teve uma educação de qualidade e viajou por várias partes do mundo conhecido na época. Escreveu Anales históricos, obra não mais existente e, sua Magnum Opus, Los prados de oro, uma enciclopédia sobre História Universal, carregada de descrições geográficas e culturais dos povos por ele conhecidos durante suas viagens. Quando recebe informações de terceiros, afirma aqueles que conheceram e viram os locais pessoalmente, possuem mais autoridade do que aqueles que permaneciam em seus locais de origem. Reproduz em sua obra textos antigos de escritores locais e informações recolhidas pessoalmente durante suas viagens.

Ibn Jaldun (1332-1406).

Ibn Jaldun foi um historiador completo, nos lembrando, em alguns aspectos, dos historiadores do antigo mundo grego. Tinha suas origens em uma família de classe baixa, oriunda de Andaluzia. Ascendeu servindo em cortes do mundo muçulmano, como no reino de Granada, e exercendo a função de juiz, no Egito. No Egito escreveu sua principal obra, Livro dos acontecimentos que servem de exemplo, cujo primeiro volume era o Discurso sobre a história universal. Jaldun planejava escrever uma história do mundo islâmico da África do Norte, mas, assim como muitos historiadores do mundo Ocidental, como Eusébio ou Beda, dedicou uma parte à história universal. Jaldun inova ao analisar a história universal de diferentes pontos de vista: A organização a partir dos aspectos sociológicos, políticos, religiosos, geográficos e econômicos.



FONTES:

FONTANA, Josep. A História dos Homens. Bauru, SP, EDUSC. Tradução de Heloísa Jochims Reichel e Marcelo Fernando da Costa, 2004.


ZAIDAN, Assaad. Letras & História: mil palavras árabes na Língua Portuguesa. Belém, PA, SECULT, 2005.


CRÉDITO DAS IMAGENS:


www.wikiwand.com
arabsinamerica.unc.edu
centroibnjaldun.com