Major Joaquim Rocha dos Santos (1851-1905), Vicente Torres da Silva Reis (1870-1947), Guilherme Aluízio de Oliveira Silva (1937-2019), a antiga sede do Jornal do Commercio na Avenida Eduardo Ribeiro, o local após as modificações ocorridas na década de 1940 e a atual sede na Avenida Tefé, no bairro Japiim. FONTES: Commercio do Amazonas; Acervo de Evaldo Ferreira; Acervo de Ed Lincon; Blog do Coronel Roberto; e Google Maps.
São poucas as empresas que
chegam aos 100 anos. Mais raras ainda são as que ultrapassam essa
marca. Deve-se refletir sobre a importância dessas instituições,
que por gerações contribuem para o desenvolvimento socioeconômico
das sociedades que lhes deram origem e das quais fazem parte. Uma
delas é o Jornal do
Commercio de Manaus.
Fundado em 02 de janeiro de 1904, é o periódico mais antigo da
região Norte e um dos antigos do Brasil.
Surgiu pelas mãos do Major
Joaquim Rocha dos Santos (1851-1905), português radicado no Brasil
desde 1862 (BITTENCOURT, Agnello. Dicionário
Amazonense de Biografias: vultos do passado.
Rio de Janeiro: Conquista, 1973).
Não havia período melhor que aquele para a sua criação. O
Amazonas, através das atividades ligadas direta e indiretamente à
extração do látex, despontava como uma das principais economias do
país. A capital estava passando por rápidas transformações,
ganhando nova infraestrutura e atraindo a cada dia novos
investimentos. Percebendo essas mudanças, Rocha dos Santos, que
também era comerciante, funcionário público e anteriormente fora
proprietário do jornal Commercio
do Amazonas, sentiu a
necessidade de uma nova folha especializada na atividade comercial.
Reunindo o capital necessário para tal empreitada, apresentou à
sociedade amazonense, no dia 02 de janeiro de 1904, o Jornal
do Commercio, com sede
na Avenida Eduardo Ribeiro, que em sua primeira edição foi
anunciado da seguinte forma:
"Fazendo-se
orgão do principal elemento de ordem e de progresso, que é o
commercio, este jornal vem, innegavelmente, satisfaser a uma das mais
palpitantes necessidades de nosso meio social e supprir uma lacuna
que, já ha muito, se recente a vida manauense - um diario que
preferentemente advogue e defenda os interesses comerciaes d' esta
vasta e rica região do Brasil" (Jornal do Commercio,
02/01/1904, p. 01).
Como
o nome e o editorial sugeriam, predominavam os assuntos ligados às
atividades comerciais. Nele eram publicadas as cotações da borracha
nos mercados nacionais e estrangeiros, os anúncios de casas
comerciais e os serviços de profissionais liberais, os resumos das
atividades políticas municipais, estaduais e nacionais, as
movimentações no Porto, as matérias sobre as obras que eram
realizadas em Manaus e no interior, as notas sobre a abertura de
novas empresas, os informes sobre espetáculos no teatro e nos
cinemas, as denúncias sobre crimes e práticas que deveriam ser
combatidas para manter a ordem urbana. Em outras palavras, o Jornal
do Commercio apresentava-se como um agente da modernidade na capital
amazonense.
O
aparecimento de um novo jornal no Amazonas foi comentado por veículos
de imprensa de outros Estados. O Jornal
do Commercio do
Rio de Janeiro registrou que o congênere manauara “contém copioso
noticiário, serviço telegraphico e excellentes informações sobre
vários assumptos de interesse”, desejando “longa vida ao novo
collega da imprensa amazonense” (Jornal do Commercio, RJ, 1904, p.
02). O jornal A
Cidade,
do Ceará, o descreveu como um “brilhante diario que acaba de
apparecer em Manáos sob a habil direcção do illustre cidadão J.
Rocha dos Santos. E’ um jornal artistico e magnificamente
elaborado” (A Cidade, CE, 08/03/1904, p. 02).
Infelizmente
Rocha dos Santos não viu toda a grandiosidade de seu jornal. Faleceu
no dia 09 de dezembro de 1905, aos 54 anos, vítima de um infarto
fulminante. Após sua morte o jornal não circulou por alguns meses,
reaparecendo apenas em abril de 1906, quando seus herdeiros o
venderam para o Superintendente Adolpho Guilherme de Miranda Lisboa.
Entre 1906 e 1907 teve como diretores Alcides Bahia, Henrique Rubim,
Francisco Tavares da Cunha Mello e Vicente Torres da Silva Reis
(Jornal do Commercio, 02/01/1913, p. 01).
Em
abril de 1907 Vicente Torres da Silva Reis (1870-1947) compra o
jornal. Natural do Rio de Janeiro, foi advogado, teatrólogo e
jornalista. Com larga experiência na arena jornalística, com
atuação em jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo, Vicente Reis
inaugurou uma nova fase do Jornal do Commercio, dotando-o de moderna
infraestrutura. Em 1912 importou dos Estados Unidos três máquinas
de linotipo, duas n° 10 e uma n° 05, fabricadas pela empresa
Mergenthaler Linotype Company, de Nova York. Foram montadas pelo
engenheiro norte-americano Mariano Alfredo Walderrama. O linotipo era
uma máquina de composição em chumbo. O texto era produzido
primeiro sobre placas desse metal, que em seguida eram organizadas e
levadas para a impressão sobre o papel. Foi uma revolução no meio
jornalístico, pois substituiu a produção manual.
Vicente
Reis foi proprietário do Jornal do Commercio por mais de três
décadas, de 1907 a 1943. Nesse período, de 1907 a 1943,
foram de grande repercussão nas páginas do JC
a valorização da borracha amazônica, sua desvalorização com a
entrada da borracha asiática no mercado internacional, as
beligerâncias entre os países europeus, culminando na Primeira
Guerra Mundial (1914-1918), a chegada da Gripe Espanhola na cidade,
em 1918, a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929, e a Revolução de
1930 articulada por Getúlio Dornelles Vargas. O jornal sempre esteve
atento aos eventos internacionais, pois estes poderiam influenciar as
relações comerciais regionais e nacionais. Entre 1930 e 1939, foram
noticiados o surgimento e ascensão do Nazismo na Alemanha e do
Fascismo na Itália, bem como o retorno dos embates entre as nações
europeias, dando origem a um novo conflito de proporções mundiais
(1939-1945). Todas essas informações chegavam através de
correspondentes em Portugal e no interior do Estado (FREIRE, José
Ribamar Bessa (Org.). Cem
anos de imprensa no Amazonas (1851-1950).
Manaus: Umberto Calderaro Ltda, 1990, p.
120).
Com
bem vividos 73 anos e buscando descansar após décadas de trabalho,
Vicente Reis vende o Jornal em 1943 para os Diários Associados, na
época o maior conglomerado de mídia da América Latina, propriedade
do jornalista, escritor e empresário Assis Chateaubriand
(1892-1968). Chateaubriand também adquiriu a Rádio Baré, criada em
1938, administrando de forma conjunta as duas empresas. Na edição
de 09 de fevereiro de 1943 foi publicado o aviso de que
"Não
houve nenhuma majoração no preço do JORNAL DO COMÉRCIO com a sua
incorporação aos "Diarios Associados", continuando cada
exemplar a custar Cr $0,40, exceto aos domingos, quando é vendido a
Cr $0,50. Fazemos este aviso para evitar explorações de qualquer
natureza, contando com o concurso do publico para coibir abusos que
por ventura se verifiquem na venda deste matutino" (Jornal do
Commercio, 09/02/1943, p. 01).
Nesse
momento, marcado pela Segunda Guerra Mundial, ganhavam as páginas do
Jornal do Comércio, agora dos Diários Associados, as vitórias e
derrotas dos Aliados, o retorno da exportação de borracha em grande
escala, através dos Acordos de Washington, as notícias sobre a
chegada de migrantes nordestinos, os Soldados
da Borracha,
para trabalhar nos seringais, os decretos federais e estaduais
restringindo as atividades de súditos do Eixo no país, as campanhas
da FEB (Força Expedicionária Brasileira) e a participação de
amazonenses nos campos de batalha. O palacete da sede na Avenida
Eduardo Ribeiro foi modificado e reinaugurado no mesmo ano da
aquisição pelos Diários Associados. Era um edifício de linhas
modernas que sofreu um incêndio em 1977, sendo demolido em 1982.
Vencida
a Guerra pelos Aliados, as décadas seguintes seriam de incertezas no
cenário econômico regional. Entre 1950 e 1960 o Estado
encontrava-se com a economia combalida. O déficit orçamentário
municipal e estadual era crescente, e os pagamentos do funcionalismo
público há muito estavam atrasados. Em 1957, o Deputado Federal
Francisco Pereira da Silva idealiza a Zona Franca de Manaus, à época
um Porto Livre, através da Lei N° 3.173 de 06 de junho de 1957.
Nesse mesmo ano, estampou a primeira página da edição do dia 31 de
julho a matéria "Zona
Franca em Manaus na ordem do dia", que discorria sobre as
expectativas que a medida gerava nos empresariados local, nacional e
internacional, interessado nas importações e exportações”
(Jornal do Commercio, 31/07/1957, p. 01). 10 anos depois, em 1967, a
Zona Franca de Manaus é oficialmente criada através do Decreto Lei
N° 288, de 28 de fevereiro. No dia 01 de março daquele ano era
publicada na primeira página do Jornal do Commercio a matéria "Nova
fase para o Amazonas. Manaus dentro da Zona Franca", em que o
autor afirmava que "A transformação da cidade de Manaus em
Zona Franca provocou justificado entusiasmo nos circulos
administrativos, industriais, comerciais e, enfim, em todos os
setores das mais diversas atividades, sendo saudada com a maior
euforia"
(Jornal do Commercio, 01/03/1967, p. 01).
Ao
longo de sua História o Jornal do Commercio teve inúmeros
colaboradores, nomes célebres que iniciaram suas atividades
intelectuais na imprensa e mais tarde ingressaram nas cadeiras do
Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia
Amazonense de Letras (AAL) e de outras instituições culturais:
Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1841-1919), Bertino de Miranda
Lima, Agnello Bittencourt (1876-1975), Arthur Cezar Ferreira Reis
(1906-1993), Genesino Braga (1906-1988), Ildefonso Pinheiro, Padre
Raimundo Nonato Pinheiro (1922-1994), Mário Ypiranga Monteiro
(1909-2004), Mario Jorge Couto Lopes, João Chrysóstomo de Oliveira,
Phelippe Daou (1928-2016), Moacir Andrade (1927-2016), Geraldo de
Macedo Pinheiro (1920-1996) e tantos outros pesquisadores e
escritores.
Entre
1906 e 1984 teve como diretores, além dos já citados Alcides Bahia,
Henrique Rubim, Francisco Tavares da Cunha Mello e Vicente Torres da
Silva Reis, Josué Cláudio de Souza, João Calmon (1943-1946),
Frederico Barata (1947-1961), João Calmon novamente (1962-1966) e
Epaminondas Barahuna (1959-1984) (DUARTE, Durango Martins. A
Imprensa Amazonense: chantagem, politicagem e lama.
Manaus: DDC Comunicações LTDA-EPP, 2015, p. 17).
Em
04 de dezembro de 1984, depois de mais de 40 anos como propriedade
dos Diários Associados, é comprado pelo empresário amazonense
Guilherme Aluízio de Oliveira Silva (1937-2019), que também
adquiriu a Rádio Baré. Foi com Guilherme Aluízio que o jornal
ficou restrito ao tripé economia, política e entretenimento,
afastando-se de aspectos comuns em outros periódicos, como as
páginas policiais, circulando principalmente através de assinaturas
mensais e anuais. Após sua morte, em 2019, passou a ser
administrado, com muita competência, por seu filho, Sócrates Bonfim
Neto. Nos últimos anos o Jornal do Commercio vêm se modernizando,
buscando novas formas de abordagem, no caso as mídias digitais, com
a produção de conteúdos dinâmicos e a interação nas redes
sociais, mas sem perder as referências do passado através do jornal
impresso, dando oportunidades a novos autores, que buscam em suas
páginas fazer parte dessa brilhante e inigualável trajetória.