quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

História da Criminalidade em Manaus: Caso Rebeca (1981)

Carmem Rebeca Miguel Lobo Carvalho. FONTE: Jornal do Comércio, 03/05/1981.

 “Requintes de barbarismo
Foi que a desgraça pintou
Crimes dos mais horrendos
Manaus aqui registrou
Carlos Lobo o desalmado
Sua filha trucidou”.

(SOARES, Claudio. Rebeca, a estudante mártir vítima do próprio pai. Manaus, 05/05/1981)

No dia 30/04/1981, uma quinta-feira, o tradicional bairro Praça 14 de Janeiro ficou tumultuado por conta de um crime que por várias décadas ecoaria na memória de seus moradores: A jovem Carmem Rebeca Miguel Lobo Carvalho, mais conhecida como Rebeca, de 13 anos, foi encontrada morta em sua residência, na rua Emílio Moreira, n° 1248, com várias perfurações de faca pelo corpo. Fazia pouco mais de 5 anos que a cidade tentava se recuperar das lembranças sombrias do ‘Monstro da Colina’, de São Raimundo. Mais uma vez um jovem era trucidado, constatando como esse tipo de crime, desde a década de 1960, estava se tornando mais frequente.

Carmem Rebeca Miguel Lobo Carvalho tinha 13 anos e era aluna do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, na rua Silva Ramos. Nessa instituição gostava de praticar vários esportes, com destaque para o basquete. Apesar de ser jovem, se sobressaía sobre os demais estudantes por sua altura, 1,78 metros. Seus pais eram Carlos Lobo Carvalho, ex-secretário de Comunicação no Acre e comerciante proprietário de um escritório de representações comerciais, e Carmem Miguel Lobo, funcionária pública da SEMIC (Serviço de Medicina, Indústria e Comércio). A família Lobo Carvalho era conhecida no bairro Praça 14 de Janeiro, onde ficava o escritório de Carlos, por sua dedicação ao trabalho e cuidados dispensados aos filhos. Ninguém imaginava que um membro da própria família trucidaria Rebeca…

Carlos Lobo Carvalho. FONTE: Jornal do Comércio, 05/05/1981.

Carlos Lobo Carvalho, o comerciante que era visto como um pai e trabalhador exemplar, matara a filha com cerca de 40 facadas (15 em algumas versões). De acordo com os depoimentos prestados por seu motorista e seu cunhado, todas as ações foram premeditadas. Pela manhã, horas antes de cometer o crime, Carlos encheu uma mala, duas bolsas e uma pasta com roupas e documentos, avisando a esposa que poderia “viajar a qualquer momento”. Feitas as malas, foi ao banco, onde sacou a quantia de 250 mil cruzeiros, deixando apenas 100 cruzeiros para trás. De tarde, por volta das 15:00 horas, quando seu cunhado e o motorista saíram de casa em direção ao Centro da cidade, trancou-se em seu quarto com Rebeca, onde a jovem foi encontrada morta. O depoimento de Carlos Lobo, prestado em uma segunda-feira, 04/05/1981, de pouco mais de uma página, é mais rico em informações, permitindo uma reconstituição precisa das horas que antecederam o assassinato de Rebeca; e confuso em algumas partes.

A mãe de Rebeca segurando a arma do crime, uma faca de caça. FONTE: Jornal do Comércio, 03/05/1981.

Carlos passou toda a manhã do dia 30/04/1981 trabalhando em seu escritório, que ficava ao lado de sua casa. 12:00 horas se reuniu com a família para almoçar. Terminada a refeição, levou a filha Raquel Miguel Lobo Carvalho para o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora e a esposa para a SEMIC e, posteriormente, retornou ao escritório. Às 15 horas foi para casa fazer um lanche. Encontrou sua filha, Rebeca, assistindo televisão na sala. Disse algumas palavras e foi para a cozinha. Encontrando a empregada no local, deu dinheiro para que ela comprasse pão, café e leite. Depois de comer, foi até o quarto onde pegou uma pasta com documentos que utilizaria para comprar uma passagem para Macapá, seu destino no sábado. Enquanto arrumava os documentos, Rebeca entrou no quarto e sentou-se na cama. Perguntou se o pai viajaria mesmo e, com ele afirmando positivamente, pediu que trouxesse de Macapá um macacão. A partir deste ponto seu depoimento fica um tanto confuso: “Depois fui possuído pelo demônio”, disse ao delegado. “Sabia que empunhava uma faca e atingia alguém. Só parei quando me vi refletido no espelho como uma figura monstruosa. Então me recolhi no chão, com a cabeça entre as pernas e fiquei ali, não sei por quanto tempo, até que ouvi a empregada batendo na porta da frente”. Carlos não lembrava se tentou esconder o corpo, mas antes de abrir a porta para a empregada, trocou a roupa, que estava toda ensanguentada. Ao abrir a porta, pediu que a empregada não abrisse a porta do quarto pois “Rebeca estava dormindo e não poderia ser incomodada”. Quando o motorista Carlos Henrique e seu cunhado Andenor Saraiva de Oliveira voltaram do Centro, Carlos Lobo pediu que o primeiro colocasse a bagagem arrumada pela manhã no carro e o levasse até a casa de seu irmão, Cleber, no bairro Japiim. Enquanto rodavam pelo bairro em busca da casa de Cleber, o motorista notou que Carlos estava estranho, inquieto e falando sozinho que “estava desgraçado”. E continuou: “Não tenho para onde ir. O único lugar seguro seria a casa do meu irmão e não sei mais onde é. Para o sítio eu não vou”. Encontrando a casa do irmão, saiu do carro chorando e foi ao encontro deste, com quem ficou conversando e pediu ajuda. Cleber pediu o carro do motorista, que ficou ao lado de Carlos sem entender aquela situação. O irmão de Carlos voltou acompanhado de uma filha e pediu que o motorista fosse embora. Ele, no entanto, disse que ficaria ao lado de seu patrão que, no entanto, disse que não seria preciso e o liberou dos afazeres naquele dia. Dispensado o motorista, Cleber e Carlos foram para um varadouro na AM-010, onde passaram a noite de quinta-feira e a manhã de sexta-feira. Voltando para Manaus, pararam em um bar à beira da estrada e viram um grupo de jovens jogando bola em um terreno. Perguntando de quem era a propriedade, descobriram que era do advogado Armando Freitas. Carlos decidiu procurá-lo e disse que sabia apenas que tinha matado a filha Rebeca. De alguma forma a polícia foi avisada de que ele procurou um advogado, e esta, prontamente, fechou todas as saídas da cidade.

Carmem Miguel Lobo. FONTE: Jornal do Comércio, 05/05/1981.

No dia em que prestava o depoimento, cerca de 1000 pessoas se dirigiram para o distrito de polícia em que ele estava, aos gritos de “lincha o monstro que matou a filha”. Pedras foram arremessadas na janela do distrito, sendo necessária a transferência de Carlos para outro local. Um policial, para dispersar as pessoas, fez disparos para o alto, sendo necessário reforços da Companhia de Choque da Polícia Militar para controlar a situação.

Mas o que levou Carlos Lobo a assassinar a própria filha, utilizando como arma uma faca de caça? O que teria ocorrido para que um homem de sua posição social, benquisto pela vizinhança e sem antecedentes criminais, cometesse um dos crimes mais conhecidos da cidade? Deve-se interrogar as fontes, os depoimentos, para tentar penetrar no psicológico de Carlos Lobo.

Quando Carmem Miguel Lobo, a mãe de Rebeca, encontrou o corpo da jovem enrolado em um lençol na noite de 30/04/1981, ela, de acordo com as informações colhidas nos depoimentos e nas matérias de jornal, afirmava não ter dúvidas de que o assassino era seu marido. Mas por que Carmen tinha tanta certeza, mesmo antes das primeiras investigações que confirmariam tal assertiva? Carmen, por várias vezes, afirmou que Carlos sempre foi um marido e pai exemplar, não fumava e não bebia, sendo desconhecidos quaisquer vícios. Era bastante protetor em relação aos filhos, mas com Rebeca era diferente. Com a jovem ele era protetor ao extremo, beirando a possessão. Os outros filhos sentiam ciúmes dessa atenção especial dispensada a Rebeca, pois todas as vezes que saia, Carlos a levava junto. Um ano antes do crime, em 1980, Rebeca começou a namorar um jovem chamado Valber José Santana Feitosa, morador da rua Nhamundá, no mesmo bairro. Carlos descobriu o namoro e ficou extremamente irritado, chegando mesmo a procurar o padrasto de Valber para proibir o namoro. Em depoimento, o padrasto de Valber, Francisco Augusto da Cruz, sub-tenente reformado da Polícia Militar, confirmou que foi procurado por Carlos, que pediu que ele tomasse providências pois Rebeca era muito jovem para se relacionar amorosamente. Meses depois, Carlos foi novamente a residência de Francisco Augusto, ameaçando “aplicar um corretivo em Valber” caso os dois não rompessem relações, quando lhe foi mostrada uma carta de Rebeca insistindo no namoro.

Acreditava-se que, além das facadas, Carlos tinha deflorado a filha. Correram boatos pela cidade e pela imprensa. Carmem Lobo também acreditava que isso tinha ocorrido. No entanto, o legista do Instituto Médico Legal não encontrou nenhum indício de violência sexual contra Rebeca no exame de necrópsia. Em seu próprio depoimento Carlos afirmava que em nenhum momento passou por sua cabeça o desejo de violá-la e, mais de uma vez, que estava possuído por um Demônio ou entidade semelhante. Questionado mais de uma vez por repórteres se Rebeca era sua filha legítima, sempre afirmou que sim. Sem antecedentes criminais, sem ato sexual durante o crime… O que aconteceu com Carlos Lobo naquele dia? Será que premeditara o crime algumas horas antes do dia 30/04/1981 ou já o tinha em mente desde 1980, quando Rebeca conheceu Valber? De alguma forma, utilizando aqui um pouco de Psicologia, o filicida Carlos Lobo ao matar a filha, tentava atingir a esposa Carmem? Se sim, por quais motivos? São muitas perguntas cujas respostas ficam no campo das suposições.

Após o tumulto no distrito policial, Carlos foi levado a um cartório para concluir seu depoimento. Sua esposa, a pedido do delegado, disse que queria vê-lo. Ficando frente a frente com o assassino de Rebeca, com quem constituiu família, enfureceu-se. Aos gritos, perguntava: “Carlos, o que é que você fez seu desgraçado? Porque mataste tua filha, rasgando-lhe o ventre? Não pensastes nos planos que fizemos juntos pensando no futuro dela? Minha vontade é matar-te pouco a pouco e engolir todo o teu sangue”. Carmem foi levada do cartório e Carlos Lobo enviado à Penitenciária Central do Estado, sendo condenado em 04/05/1981 a 25 anos de prisão.

A residência da família Miguel Lobo de Carvalho foi transformada na casa de drinks Anacondas, inaugurada seis meses depois do crime. De acordo com frequentadores, o ambiente desse bar era bastante pesado.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SOARES, Claudio. Rebeca, a estudante mártir vítima do próprio pai. Manaus, 05/05/1981 (Cordel).

ZYLBERKAN, Mariana. Mortes em família: quando o assassino está dentro de casa. Revista VEJA, 21/09/2013.


FONTES:

JORNAL DO COMÉRCIO, 03/05/81, 05/05/81, 06/05/1981, 07/05/1981, 17/10/81.






quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Ruas de Manaus: Tabelião Lessa


Travessa Tabelião Lessa, 1985. FONTE: Manaus Sorriso/Acervo da PMM.

Localizada entre as ruas dos Barés e Barão de São Domingos, do lado do Mercado Municipal Adolpho Lisboa, na zona portuária do Centro da cidade, a Travessa Tabelião Lessa passa quase que despercebida pelos milhares de transeuntes que todos os dias frequentam aquela área. Não fosse uma placa com letras brancas e fundo azul, já teriam esquecido por completo que aquela pequena via possui nome.

Sua história começa em 1918. Em 19 de março daquele ano, em sessão no Conselho Municipal, o Intendente Dr. Fulgêncio Martins Vidal apresentou um projeto de lei que dava o nome de “[…] Tabelião Lessa á rua que fica ao lado leste do Mercado Público, até hoje sem nome” (IMPARCIAL, 19/03/1918). Até aquele momento, o pequeno trecho ao lado do Mercado Público não possuía nome, sendo um mero caminho de acesso à praia que se formava com a vazante do rio. O projeto foi aprovado e transformado em “Lei N° 923 de 20 de março de 1918” (IMPARCIAL, 20/03/1918).

Um mês antes, em fevereiro de 1918, falecera o homenageado, Coronel Manoel Antonio Lessa, popularmente conhecido como Tabelião Lessa. Maiores informações nos são apresentadas em seu necrológio (elogio fúnebre): Manoel Antonio Lessa nasceu em 16 de fevereiro de 1845 na Província do Ceará, sendo seus pais José Antonio Lessa e Lauredana Corrêa Lessa. Veio jovem para a região amazônica, indo primeiramente para a cidade de Óbidos, no Grão-Pará, matriculando-se no Colégio S. Luiz de Gonzaga. Desempenhou, em 1863, então com 18 anos, os cargos de porteiro do Inspetor da Tesouraria da Fazenda e de escrivão da Coletoria de Rendas Federais. Um ano depois foi nomeado auxiliar de expediente do Selo. De 1867 a 1868, atuou naquela cidade como escrivão interino da Mesa de Rendas. Em 1868, mais uma vez através de nomeação, atuou como escriturário. Em 1869 foi nomeado praticante de Tesouraria da Fazenda e auxiliar do 2° escriturário Euphrasio Paes de Azevedo, na Flotilha do Amazonas. Serviu no Correio Geral e, em 7 de julho de 1870, foi nomeado Tabelião de Notas de Manaus, cargo no qual construiu sua carreira. Faleceu em 16 de fevereiro de 1918 aos 73 anos, “[…] na mesma data de seu nascimento, com a diferença de 1 hora e 20 minutos” (A CAPITAL, 17/02/1918).

Antiga mercearia 'Porta Larga'. FOTO: Robson Franco, 2014.

Alguns anos depois da nomeação daquela pequena via, já aparecem estabelecimentos comerciais endereçados com o nome de rua, posteriormente travessa, Tabelião Lessa: “Hotel Popular”, do espanhol José Rodriguez González (EL HISPANO AMAZONENSE, 29/07/1922), “Mercearia Sempre Viva (JORNAL DO COMÉRCIO, 03/02/1923), eTabacaria Nova Estrela”, de M. Pinto (JORNAL DO COMÉRCIO, 07/09/1944). O mais conhecido, sem dúvida, é o prédio da antiga mercearia Porta Larga, que chama a atenção por sua arquitetura. O prédio, pouco largo, possui uma entrada consideravelmente grande se comparada com o resto da obra.

A Travessa Tabelião Lessa recebeu, em 1956, o serviço de “pavimentação com alvenaria poliédrica e revestimento de asfalto” (MENSAGEM À ASSEMBLEIA LEGISLATIVA APRESENTADA PELO GOVERNADOR DO ESTADO DO AMAZONAS POR OCASIÃO DA ABERTURA DA SESSÃO LEGISLATIVA DE 1956). Mais recentemente, em 2014, a Prefeitura instalou um portão de ferro na travessa para impedir a comercialização irregular de pescados e o trânsito de moradores de ruas e usuários de entorpecentes.


FONTES:

Imparcial, 19/03/1918.
Imparcial, 20/03/1918.
A Capital, 17/02/1918.
Mensagem à Assembleia Legislativa apresentada pelo Governador do Estado do Amazonas, Plínio Ramos Coelho, por ocasião da abertura da Sessão Legislativa de 1956.


CRÉDITO DA IMAGEM:

Manaus Sorriso/Acervo da PMM.
Robinson Franco.

sábado, 24 de novembro de 2018

Ruas de Manaus: Lauro Cavalcante

Casario antigo da rua Lauro Cavalcante. FOTO: Jayme Arthur Souto Loureiro, 2018.

Com início na Avenida Getúlio Vargas, passando pela Avenida Joaquim Nabuco e terminando na rua Igarapé de Manaus, a rua Lauro Cavalcante é uma pequena e tradicional via pública do Centro Histórico de Manaus. O presente texto será o primeiro de uma série de postagens sobre a história das ruas da cidade.

Sua história tem início em 1917. Até esse ano ela era a continuação da rua Henrique Martins. Com o falecimento do médico Lauro E. Cavalcante nesse mesmo ano, o Superintendente Municipal Sérgio Rodrigues Pessoa, em sessão de 24 de outubro de 1917, em reconhecimento aos feitos desse profissional, decidiu o seguinte:

A Intendencia Municipal de Manáos resolve dar a denominação de rua Dr. Lauro Cavalcante ao trecho da rua Henrique Martins, comprehendido entre a Avenida 13 de Maio e Igarapé de Manáos visto não ser o referido trecho um prolongamento da dita rua.
Art. 1° - Fica o trecho da rua Henrique Martins entre a Avenida 13 de Maio e o Igarapé de Manáos denominado rua Dr. Lauro Cavalcante.
Art. 2° - Revogam se as disposições em contrário.
S. S. do Conselho Municipal de Manáos, de 24 de outubro de 1917
(a) Sergio R. Pessoa” (Terceira reunião ordinaria, triennio de 1917 a 1919, Sessão em 24 de outubro de 1917 In: A CAPITAL, 25/10/1917).

O projeto, transformado em Lei Municipal N° 915, foi aprovado em 26 de outubro daquele ano. Em registros fotográficos da década de 1920, como o que vem a seguir, de 1929, é possível ver esse antigo trecho da rua Henrique Martins, transformado em rua Lauro Cavalcante, sem nenhum tipo de calçamento. Ela só viria a receber esse serviço em 1938 na administração municipal de Antônio Botelho Maia, conforme pode ser visto nos “Topicos da Mensagem que o Prefeito de Manáos, agronomo Antonio Botelho Maia dirigiu ao dr. Alvaro Botelho Maia, Interventor Federal” (JORNAL DO COMÉRCIO, 28/08/1938).

Início da rua Lauro Cavalcante, 1929. FONTE: Manaus de Antigamente.

A rua após o serviço de calçamento realizado em 1938. FONTE: Jornal do Comércio, 28/08/1938.

Na recém-inaugurada Lauro Cavalcante passou a funcionar o Colégio Santa Clara, destinado ao ensino primário e dirigido “pelas professoras normalistas Anna e Francisca Rebouças” (JORNAL DO COMÉRCIO, 01/01/1919); o Escritório de Advocacia de “Bernardino Paiva e Castro Monte” (JORNAL DO COMÉRCIO, 04/10/1921); o consultório do médico Avelino Pereira, especialista em “doenças dos olhos, ouvidos, nariz e garganta”, no final da década de 1930 (JORNAL DO COMÉRCIO, 07/09/1939); e a Fábrica de Móveis Teixeira & Couteiro, na década de 1950. 

Vila Georgete (Jorgete). FOTO: Roberto Mendonça, 2015.

Outros estabelecimentos eram de longa data, desde o início do século XX, quando aquela parte ainda era conhecida pelo nome Henrique Martins, como a Mercearia Castelo de Ouro, posteriormente Bar e Restaurante Castelo de Ouro, na esquina com a Avenida 13 de Maio (futura Getúlio Vargas); e a histórica Vila Georgete (Jorgete), existente até os dias de hoje. Além da Georgete, existiram as vilas Teixeira e Valente. No casarão existente na esquina com a Avenida Joaquim Nabuco, foi instalada em 1968, no governo de Danilo Duarte de Mattos Areosa, a Secretaria de Assistência e Saúde do Estado. Devem ser citadas, ainda, as sedes do INOCOOP (Instituto de Orientação das Cooperativas Habitacionais), da SEMEC (Secretaria Municipal de Educação e Cultura), posteriormente SEMED (Secretaria Municipal de Educação), a Central de Voluntários, instalada no governo de José Lindoso, 

Lauro E. Cavalcante, 1916. FONTE: Correio Sportivo, 15/04/1916.

Quem foi Lauro Cavalcante? Lauro E. Cavalcante foi médico legista da Polícia do Estado do Amazonas, cirurgião, professor normalista, presidente da Liga Amazonense de Esportes Atléticos e do Atlético Rio Negro Clube (1915-1916). Idealizou o Instituto de Proteção e Assistência à Criança do Amazonas, que não foi plenamente instituído dada a sua morte prematura. Lauro Cavalcante foi interno da Casa de Saúde Dr. Eiras e da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, especializando-se, nesses estabelecimentos, no tratamento da sífilis. Em Paris realizou um curso de tratamento de crianças no ‘Hospital des Enfants Malades’ e especializou-se no trato de moléstias do fígado, baço e pulmões. Em Manaus, assim como os médicos de outras cidades do país, realizava consultas em farmácias. Atendia na Verne, localizada na Praça Tamandaré, das 7 às 9 horas; e na Barreira, na Avenida Eduardo Ribeiro, das 15 às 17 horas. Os que desejassem comodidade também poderiam ser atendidos em sua residência na Avenida Joaquim Nabuco. Costumava não cobrar as consultas e qualquer auxílio prestado a pessoas de baixa renda.


FONTES:

Correio Sportivo, 15/04/1916.
A Capital, 25/10/1917.
Jornal do Comércio, 01/01/1919.
Jornal do Comércio, 04/10/1921
Jornal do Comércio, 28/08/1938.
Jornal do Comércio, 07/09/1939.

CRÉDITO DAS IMAGENS:

Jayme Arthur Souto Loureiro
Manaus de Antigamente
Jornal do Comércio
Roberto Mendonça
Correio Sportivo

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

'Homens, Cousas e Fatos' – Etelvina D’ Alencar (1956)

Mausoléu de Etelvina D' Alencar (1884-1901). FOTO: Fábio Augusto de C. Pedrosa, 2018.

A História da jovem Etelvina D’ Alencar (1884-1901), popularmente conhecida como Santa Etelvina, até hoje, passados 117 anos de seu assassinato, desperta a curiosidade de leigos e pesquisadores. Seu mausoléu no Cemitério São João Batista, para onde concorre grande número de católicos em busca de graças ou agradecimentos ao que já foi alcançado, seja a aprovação em um concurso ou a cura de uma enfermidade, é o mais visitado daquela necrópole. Reproduzo, abaixo, o texto referência sobre o caso, escrito pelo jornalista Julio Uchôa em 1956 e publicado no Jornal do Comércio.


HOMENS, COUSAS E FATOS

Julio UCHÔA
(Da Asoc. Amaz. de Imprensa)


Escrevemos, em 1947, algumas notas sôbre Etelvina de Alencar, jovem nordestina, de 17 anos de idade, sacrificada às mãos de um conterrâneo seu, o qual se deixou dominar por estranha e mórbida paixão. Isso em princípios de 1901. Descreveu o doloroso acontecimento, de extraordinária repercussão em todo o país, um inspirado bardo popular que enfeixou, em um folheto, sua magnífica produção. Muitos anos volvidos, após sua divulgação, caiu sob nossas vistas um exemplar dêsse livrinho1. E, foi, assim, que ao historiador forneceu o poeta os elementos indispensáveis à elaboração do citado trabalho, conservando aquêle, desta feita, como da vez anterior, o mesmo sentido trágico e humano, dado por êste à sua impressionante narrativa.

Filha de Cosme José de Alencar e de dona Antônia Rosalina de Alencar, Etelvina nasceu em Boa Vista do Icó (Ceará), em 1884, vindo para Manaus em companhia de sua genitora, já, então, viúva, e de três irmãs, sendo uma destas casada. Desta capital se transportou a família à Colônia “Campos Sales”, inaugurada dois anos antes, onde se ia dedicar aos labores agrícolas.

Na Colônia, Etelvina veio a conhecer o colono de nome José, que logo a primeira vista por ela se apaixonou, seguindo-se o ajuste de casamento. Cedo, porém, a desilusão: a jovem fez saber a José não mais desejava casar-se com êle, desfazendo-se, dêste modo, os compromissos assumidos anteriormente.

Grande abalo produziu no espírito de José o rompimento do noivado. Meio pequeno, constituído como que de uma família, a notícia provocou sensação. Houve mesmo quem afirmasse que Etelvina possuía três namorados: Antônio, Estevam e Henrique. Tudo isso ouvira José, e dando crédito às intrigas que lhe contavam, jurou vingar-se, não só da ex-namorada, mas, igualmente, dos três rapazes que imaginava causadores de sua infelicidade. E tudo planejou, fria demoradamente.

Veio à cidade, onde adquiriu um rifle e farta munição. Mataria a todos, dissera ele a amigos. Estávamos em março de 1901.

E, assim, aconteceu. Mal entrava na área da Colônia, alvejava a tiro a Estevam, que descuidado não esperava a agressão; ao primeiro disparo êle corre, procurando desvencilhar-se do assassino; um segundo tiro, porém, prostrou-o sem vida. Mais adiante estava Henrique, com quem José trava violenta luta corporal; subjugado o adversário, abateu-o a tiro. Um pobre caboclo que dormia à sombra de uma árvore próximo à casa da Administração, é a terceira vítima da fúria sanguinária do celerado…

Cometidos os três crimes, José se dirige à residência de Etelvina, e, valendo-se do coice do rifle, pôs abaixo a porta da casa. Nessa ocasião aparece-lhe Versoli, administrador da Colônia, que procura interceptar a entrada do criminoso, sendo morto, por êste. Suspeitando das intenções do bandido, a moça tenta fugir, no que é obstada por êle que conseguiu alcançá-la e “quase nua, pés descalços em camisão” (diz o poeta), a desventurada Etelvina é arrastada para a densa floresta que se estendia às proximidades da casa.

Infrutíferas foram as buscas nos primeiros dias. E, somente a 8 de março é encontrado o local, em que se consumara o derradeiro ato do imenso drama, misto de amor e ódio. Os urubús, em grupos simétricos, voejavam alto, sinal evidente de que lauto fôra o repasto. E, ali, o quadro punjente, que a todos estarreceu: duas caveiras se defrontavam, numa evocação sinistra dos últimos instantes, de pavor e de alucinação, que viveram aquelas duas criaturas. O rifle, entre os dois esqueletos, explicava a cena final: José matara a infeliz Etelvina, suicidando-se, a seguir.

Repousam os restos mortais de Etelvina de Alencar, ou “Santa Etelvina”, como é por todos reverenciada, no cemitério de São João, em sepultura perpetuada por lei municipal n° 233, de 30 de agôsto de 1901, à sombra do jazigo que o Povo Amazonense ergueu à sua memória. E, desde então as visitas ao seu túmulo se sucedem, ininterruptamente, durante o dia: são os devotos da meiga “Santinha”, que ali vão levar suas oblatas, ou acender um círio votivo pelo atendimento às suas súplicas e orações…


FONTE:


JORNAL DO COMÉRCIO, Ano 52, N° 13.971, 15/01/1956.


NOTAS:

1 Julio Uchôa refere-se ao livreto ‘Os Horrores de Manaus’, do poeta popular potiguar Antônio Mulatinho. Com primeira edição possivelmente publicada em 1905, foi produzido em homenagem a Etelvina D’ Alencar. O dinheiro arrecadado com a venda desse trabalho foi utilizado em melhoramentos no seu túmulo. Além do assassinato da jovem, que leva o título ‘A infeliz Etelvina em março de 1901’, Antônio aborda mais três crimes, todos narrados em forma de prosa: 'Tiroteio de 26 e 27 de fevereiro, em 1893'; 'A morte de 4 creanças no bairro do Mocó, em setembro de 1895'; e 'O crime do Barba Azul, em junho de 1901'. A trova final, ‘Saudades do meu sertão’, é um poema saudosista em lembrança ao Nordeste, região de onde o autor veio.



terça-feira, 13 de novembro de 2018

Resenha: Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências, de Agnello Bittencourt (1969)


Em 1969, ano que ficou consagrado pelos festejos do tricentenário de Manaus, o renomado geógrafo, historiador e professor amazonense Agnello Bittencourt (1876-1975) publicou o trabalho ‘Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências’, uma síntese da história da cidade de seus primeiros anos até a década de 1960.

Agnello Bittencourt inicia seu texto abordando os empreendimentos espanhóis e portugueses na América entre fins do século XIV e início do século XV, ou como ele diz, “o estado de espírito dos conquistadores lusos e espanhóis” (BITTENCOURT, 1969, p. 23). Por estado de espírito ele não se refere apenas à conquista territorial e material, mas, principalmente, à influência dos mitos e lendas na mentalidade daqueles homens recém-saídos do período medieval. Para o historiador a penetração do território que viria a ser conhecido como Amazonas é fruto da “cobiça europeia embalada nos mitos que se divulgaram” (BITTENCOURT, 1969, p. 24). A Expedição de Pedro Teixeira, realizada em 1637, durante o domínio da Coroa Espanhola sobre Portugal, foi de extrema importância para uma ocupação mais efetiva dos lusitanos na Amazônia.

Como um dos historiadores de Manaus da geração mais tradicional, Agnello Bittencourt não pôde deixar de citar o célebre episódio da construção, em 1669, pelo Capitão Francisco da Mota Falcão, da Fortaleza de São José do Rio Negro, vinda à luz para pôr fim às pretensões conquistadoras de ingleses, franceses e holandeses na região, bem como para estimular o povoamento daquela parte da Amazônia. Ao redor da construção fixaram-se indígenas das tribos Manaus, Barés, Banibas e Passés. Como vestígio da Fortaleza, o autor cita o Cemitério Indígena encontrado durante as obras realizadas na Praça Dom Pedro II, afirmando que “a atual geração que hoje habita Manaus ignora o fato, mal podendo avaliar que ali foram sepultados muitos antepassados nossos, de raça e mesmo de sangue” (BITTENCOURT, 1969, p. 34).

Seguiu-se à criação da Capitania de São José do Rio Negro, em 1755, a mudança de sua sede, até então em Mariuá (Barcelos), para o Lugar da Barra, ocorrida em 1791 durante a administração do Brigadeiro e engenheiro militar Manuel da Gama Lobo D’ Almada. A mudança foi gestada pela melhor localização, na confluência dos rios Negro e Amazonas, daquele tímido burgo. A medida não agradou D. Francisco de Souza Coutinho, Capitão-General do Grão-Pará, temeroso do prestígio que tal mudança garantiu a Lobo D’ Almada, pois este, em seu governo, dinamizou o Lugar da Barra, introduzindo nele várias melhorias como fábricas, olarias, padarias etc. Com a ajuda de seu irmão, Rodrigo de Souza Coutinho, Ministro em Portugal, iniciou “[…] sua campanha contra a nova sede da Capitania e, como consequência, em 1799 retorna esta para Barcelos, nos têrmos da Carta Régia de 22 de agôsto de 1798” (BITTENCOURT, 1969, p. 35-36). O Lugar volta a ser sede da Capitania de São José do Rio Negro em 1808, passando a categoria de Vila em 1832, com o nome de Manaus, sendo elevada à Cidade da Barra do Rio Negro em 1848 e, em 1856, “recebeu a designação definitiva de Cidade de Manaus, já então com 4.000 habitantes” (BITTENCOURT, 1969, p. 37).

Reconhecendo que as mudanças de status (Lugar, Vila e Cidade) não alteram profundamente, de forma imediata, os aspectos de Manaus, e que essas transformações dependem de fatores econômicos e sociais que se processam lentamente ou em surtos, Agnello Bittencourt propõe três etapas em que se pode observar, do ponto de vista dos aspectos físicos, a cidade de Manaus: “a primeira, que vai da fundação do Forte até meados do último quartel do século passado; a segunda, indo dessa época até quase da Segunda Guerra Mundial; e a terceira, a Manaus de hoje” (BITTENCOURT, 1969, p. 38-39).

Da primeira fase, entre fins do século XVIII até a segunda metade do século XIX, o historiador recupera os relatos dos viajantes que, durante suas expedições, passaram por Manaus, e os relatórios dos primeiros Presidentes da Província do Amazonas: Alexandre Rodrigues Ferreira (1787), Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius (1819), Alfred Russel Wallace (1849), Richard Spruce (1850-51), Lourenço da Silva Araújo e Amazonas (1852), João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1852), Herculano Ferreira Pena (1853), A. Belmar (1860), Louis e Elizabeth Agassiz (1865) e Franz Keller-Leuzinger (1867). É do casal Agassiz a famosa impressão de que “insignificante hoje (1865), Manaus se tornará, sem dúvida, um grande centro de comércio e navegação(AGASSIZ, 2000, p. 196). Esses diversos relatos e impressões dão notícia de uma cidade com população diminuta, sem maior expressão econômica e com seus limites urbanos definidos pelo terreno tortuoso, pelas matas e igarapés. A partir do final do século XIX, a narrativa se torna mais pessoal, baseada no que o autor viu ao longo de 92 anos de vida, “setenta dos quais passados em Manaus” (BITTENCOURT, 1969, p. 55). São frequentes os termos ‘vi’, ‘andei’, ‘conheci’: “Esta Manaus que conheci era limitada ao norte pela rua Monsenhor Coutinho, ao Sul pelo Rio Negro, a leste pela rua Joaquim Nabuco e a oeste pelo igarapé de São Vicente. Além daí era os bairros de Educandos, Cachoeirinha, Campinas e São Raimundo” (BITTENCOURT, 1969, p. 63-64).

Ao fim do período provincial surgem prédios de arquitetura mais refinada, destacando-se o Paço Municipal, a Catedral de Nossa da Conceição, a Santa Casa de Misericórdia, o Gymnasio Dom Pedro II, o Asilo Elisa Souto, o Mercado Público, o Quartel de Artilharia, a Cadeia Pública, a Assembleia Legislativa e a Delegacia Fiscal. “Era assim a cidade que, a 3 de junho de 1889, recebeu a visita de S. A. I. o Conde d’Eu, a cujo desembarque tive a oportunidade de assistir” (BITTENCOURT, 1969, p. 64). Findada a Monarquia e instalada a República, tem início a segunda etapa de Manaus, que será marcada pelo frenesi da economia gomífera.

Agnello Bittencourt foi testemunha dessas mudanças, vendo de perto as administrações de Eduardo Gonçalves Ribeiro, Fileto Pires Ferreira, José Cardoso Ramalho Júnior, Silvério Nery, Constantino Nery e Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt, apenas para ficarmos no período que vai de 1890 a 1912, do apogeu ao início da desestruturação do sistema gomífero. De forma saudosista, lembra que a cidade atingiu “[…] o apogeu da (também muito sua) “belle époque” - lindos prédios, ruas bem pavimentadas com seus batentes e calçadas em mármore de Lioz, iluminação feérica, luxo e até esbanjamento” (BITTENCOURT, 1969, p. 69). Tais afirmações reforçaram a ideia de uma cidade plenamente próspera, também presente em outros autores da mesma geração, quando já se sabe, por estudos feitos desde a década de 1980, que paralelamente a esse enriquecimento houve um forte processo de exclusão das camadas populares. Como membro de uma família tradicional da elite local, tendo ele próprio estado a frente da Prefeitura de Manaus entre 1909 e 1910, não é estranho que faça afirmações como a de que, em Manaus, “a população vivia à europeia, viajando para o Velho Mundo, especialmente Paris” (BITTENCOURT, 1969, p. 69).

A partir de 1913 até a Segunda Guerra Mundial, com exceção da expansão ao Norte pela criação do bairro da Vila Municipal (Adrianópolis), em 1912, a cidade pouco cresceu materialmente. Agnello Bittencourt cita a compra, pelo Estado, do Palacete Scholz, transformado em Palácio Rio Negro (1918) e a construção do Relógio da Avenida Eduardo Ribeiro durante a administração municipal de Araújo Lima (1926-1930). Termina assim a segunda etapa.

A cidade começa a ganhar novo fôlego a partir da terceira etapa. Entre o final da década de 1930 e início da década de 1940 surgem o Parque 10 de Novembro (1938-1943), vários grupos escolares, o Departamento de Saúde Pública e o Instituto de Educação do Amazonas. Nos governos de Leopoldo Amorim da Silva Neves, Plínio Ramos Coelho e Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo, “novas estradas e avenidas rasgaram a cidade, muitas ruas foram asfaltadas e solucionou-se o problema crucial que havia anos afligia a população: voltou a haver iluminação elétrica” (BITTENCOURT, 1969, p. 81). Vale lembrar que, apesar dessa aparente recuperação, o município, ao longo de toda a década de 1950, enfrentaria sérios problemas de déficit orçamentário.

A terceira etapa, a Manaus de hoje (1960), é coroada com a criação e instalação da Zona Franca. Esse novo modelo econômico possibilitou a entrada da cidade em uma nova era de crescimento, expansão e integração. Agnello Bittencourt finaliza seu texto desejando um bom futuro para a cidade e para seus administradores naquele momento do tricentenário, o Governador Danilo Duarte de Mattos Areosa e o Prefeito Paulo Pinto Nery.

Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências’, é um singelo trabalho de síntese histórica comemorativa ao aniversário da cidade, produzido, em grande parte, através de reminiscências da Manaus que o autor viu crescer aos poucos, atravessando surtos econômicos e crises. O livro se tornou um clássico que não deve ser olvidado por aqueles que desejam conhecer melhor a cidade e analisar criticamente sua historiografia tradicional, da qual este faz parte.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGASSIZ, Louis; AGASSIZ, Elizabeth. Viagem ao Brasil: 1865-1866. Brasília, DF: Senado Federal, 2000, p. 196. (Coleção o Brasil visto por estrangeiros). [original: 1868].

BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus – Pródromos e Sequências. Manaus: Editora Sérgio Cardoso, 1969.



CRÉDITO DA IMAGEM:

estilousado.com.br



quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Palácios, Palacetes, Castelos e Castelinhos de Manaus

Palácios, palacetes e castelos são construções que fascinam pela imponência, monumentalidade e estética dos estilos arquitetônicos nelas utilizados. Réplicas ou tentativas de réplicas de palácios e castelos existentes na Europa foram construídas em várias partes do mundo. Em Manaus não foi diferente. Seus pequenos palácios, castelos e palacetes, erguidos um pouco antes e durante o auge da economia gomífera, ainda figuram de pé entre nosso patrimônio histórico, embora muitos tenham sido criminosamente demolidos, como foi o caso do Palacete Miranda Corrêa (1969). No presente texto, comemorativo ao mês de aniversário da cidade, apresento essas construções manauaras, suas histórias e estilos arquitetônicos.

Palacete da Família Nery. Foto: César Pinheiro

Fincado entre a Avenida Joaquim Nabuco e a rua dos Andradas, no Centro, está o antigo Palacete da Família Nery, construído em 1899 a mando de Silvério José Nery (1858-1934), então Deputado Federal e futuro Governador do Estado do Amazonas no período de 1900 a 1904. Sobre seu estilo arquitetônico, escreveu o memorialista Luiz de Miranda Corrêa que o prédio “nos parece suave e imponente em seu neoclássico tranquilo, com frontão triangular decorado um tanto à maneira shereaton”, e quesem dúvida, é a mansão manauense mais castiçamente neoclássica, com janelas e portas francesas, seu pátio com varandas, seus gradis forjados ao gosto de Paris da época” (CORRÊA, 1969, p. 41). Foi projetado pelo arquiteto e engenheiro italiano Filinto Santoro (1878-1927), com experiência em construções no Rio de Janeiro e no Espírito Santo. Nele foi hospedado, em 1906, o Presidente Afonso Pena, que veio a Manaus para o lançamento da pedra fundamental da Alfândega.

Depois de mais de quatro décadas servindo de residência da família Nery, o palacete abrigou, posteriormente, diferentes repartições públicas: “Fomento Agrícola Federal, a Delegacia do Ministério da Agricultura e, provisoriamente, a Câmara Municipal de Manaus” (INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DO AMAZONAS, 1985, p. 53). Entre as décadas de 1980 e 2000 abrigou o Hotel Bela-Vista, sendo essa a última utilização plena do espaço, entregue ao abandono até 2015 como estacionamento. O palacete começou a ser restaurado em 2015, abrigando atualmente um salão de festas.

Palacete Mello Rezende. Foto: Terra Nova/Manaus Sorriso.

Não muito distante do Palacete Nery, o Palacete Mello Rezende, na rua Coronel Sérgio Pessoa, na Praça dos Remédios, é um raro exemplo de construção da qual existe registro de seu embrião estrutural. Uma fotografia de 1893 da Praça dos Remédios mostra a construção com apenas um piso, com as janelas ogivais, características das arquiteturas Gótica e Árabe. O segundo andar possivelmente foi construído depois de 1900, tendo sido acrescidos gradis de ferro em estilo Art Nouveau. Seu interior é ricamente decorado com pinturas alegóricas à mitologia greco-romana feitas no forro. Como o próprio nome indica, foi residência da família do advogado Simplício Coelho de Mello Rezende (1873-1932).

A segunda casa depois da árvore, em direção ao Rio Negro. 1893. FOTO: George Huebner/Brasiliana Fotográfica/Instituto Moreira Salles.

Ele foi uma das várias construções atingidas durante o famoso Bombardeio de Manaus, ocorrido em 08 de outubro de 1910. Nele foram hospedados, em 1927, Dom Pedro de Orleans e Bragança (1875-1940), a Pricensa Elisabeth Dobrzensky de Dobrzenicz (1875-1951) e a Princesa Isabel de Orleans e Bragança (1911-2003), durante visita realizada em Manaus, último destino da rota de excursões da Família Imperial Brasileira pelo Norte do país.

Palacete Mourisco. FOTO: Hyago Sena.

O Palacete Mourisco, entre as ruas Simon Bolívar e Ferreira Pena, na Praça da Saudade, é um raro exemplar de arquitetura com influência árabe em Manaus, influência essa vista em suas janelas e acrotérios ogivais. Datado de 1908, foi residência de Carlos de Figueiredo, Presidente e sócio majoritário do Banco Amazonense, popularmente conhecido como Banco do Tostão. Nele também residiu o dramaturgo paraense Benjamin Lima (1885-1948).Em suas dependências foi instalado, em 1944, no governo de Álvaro Botelho Maia (1893-1969), o Departamento de Educação e Cultura. Antes, na década de 1930, foi o Juizado Federal. Décadas mais tarde também abrigou a Reitoria da Universidade do Amazonas. O historiador e artista plástico Otoni Moreira Mesquita informa que nele também funcionou a “Secretaria de Segurança Pública” (MESQUITA, 2006, p. 269).

Há mais de 20 anos foi cedido ao Tribunal de Justiça do Amazonas, que nele instalou a ESMAM (Escola Superior de Magistratura do Amazonas), construindo, nos anos 2000, um anexo no mesmo estilo da construção original, para melhor abrigar os alunos da escola de Magistratura. O TJAM devolveu o prédio à Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas (SEC-AM) em 2015. Passados 3 anos, sem funcionalidade desde então, já começa a dar fortes sinais de desgaste.

Palacete Afonso de Carvalho. FOTO: José Martins Rocha.

No mesmo logradouro, Praça da Saudade, entre as ruas Ramos Ferreira e Ferreira Pena, fica o Palacete Afonso de Carvalho, construído entre 1907 e 1908 para ser residência do Coronel da Guarda Nacional Raimundo Afonso de Carvalho, que assumiu o Governo do Estado quando da renúncia de Constantino Nery em 1907. Nele foi instalado, em 1922, a Casa Doutor Fajardo, hospital infantil. O nome é uma homenagem ao médico fluminense Francisco de Paula Fajardo Júnior (1864-1906). Posteriormente funcionou como Faculdade de Engenharia da antiga Universidade do Amazonas, Junta de Alistamento Militar e escritório.

Palacete Guabiraba. FOTO: Google Maps.

Escondido e esquecido na rua Leonardo Malcher, poucos notam o Palacete Guabiraba, antiga propriedade de Pedro Guabiraba, Promotor Público e Chefe de Polícia. Foi por muitas décadas sede da Imprensa Oficial. Seu estilo arquitetônico é o neogótico, evidenciado pelas pontas de lança na crista do telhado.

Palacete Provincial. FOTO: Gisele Rocha/Viajei Bonito.

Na Praça Heliodoro Balbi, popularmente conhecida como da Polícia, o Palacete Provincial domina a paisagem. Originalmente Palacete Garcia, propriedade do Capitão da Guarda Nacional Custódio Pires Garcia, foi adquirido pela Província por volta de 1867-68 para abrigar repartições públicas, tendo sido concluído em 1874. Abrigou, de acordo com o historiador Roberto Mendonça, “o Liceu, a Biblioteca Pública, a Assembleia Provincial e a Repartição de Obras Públicas. A mais destacada, pelo longo tempo de ocupação, capaz de cunhar-lhe novo epíteto, foi a Polícia Militar” (MENDONÇA, 2000, n. p.). O prédio passou por reformas em 1880, 1884 e em 1898-1900, esta última lhe dando as características atuais.

Palacete Garcia. Gravura de 1870. FONTE: Acervo de Roberto Mendonça.

O palacete, então Quartel da Polícia Militar do Amazonas, recebeu reparos na primeira administração estadual de Gilberto Mestrinho (1959-1963) e, décadas mais tarde, em 1972, no governo de João Walter de Andrade (1971-1975). No governo de Henoch da Silva Reis (1975-1979), diz Roberto Mendonça, quando do desabamento de parte do reboco frontal do prédio, tentou-se demoli-lo. No entanto, “a divulgação do edito governamental […] incitou manifestações da comunidade, tanto dos organismos técnicos, quanto dos próprios manauenses habituados com o quartel da Praça da Polícia” (MENDONÇA, 2000, n. p.). O prédio passou a ser protegido no governo de José Bernardino Lindoso (1979-1982), quando foi integrado parte do Conjunto Arquitetônico Ambiental da Praça Heliodoro Balbi pela Comissão Permanente de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico, decisão homologada pelo Decreto N° 4.817 de 06/12/1980. Novas reformas foram feitas entre 1985 e 1993. Nos anos 2000 o Quartel da Polícia Militar estava em péssimas condições, com janelas e portas quebradas, infiltrações e o risco constante de desabamento. Em 2007 foi fechado para restauro, sendo entregue em 2009, junto a Praça da Polícia, como Centro Cultural Palacete Provincial, abrigando 5 museus.

Palacete Bretislau de Castro. FOTO: SEC/O El Dorado é aqui.

O Palacete Bretislau de Castro está localizado na rua José Clemente, nas proximidades do Palácio da Justiça e atrás da Santa Casa de Misericórdia. Construído em meados de 1900, foi residência da família do engenheiro baiano Bretislau Manoel de Castro Júnior (1872-1941) que, de acordo com o historiador, geógrafo e professor Agnello Bittencourt, ocupou os seguintes cargos na capital: “Diretor dos Serviços Federais […]; Fiscal do Governo junto à Empresa Manaus Tramways & Cia; Provedor da Santa Casa de Misericórdia […]; e Deputado Estadual, no Congresso Legislativo” (BITTENCOURT, 1973, p. 147). A família Bretislau de Castro residiu no imóvel até 1961, quando este foi desapropriado pela União, que nele instalou a Delegacia Federal de Saúde do Amazonas, onde também passou a funcionar o Conselho Regional de Medicina. Na década de 1970 tornou-se sede da SUCAM, Superintendência de Campanhas da Saúde Pública. Transferida a SUCAM para o bairro da Glória, no início da década de 1980, o prédio ficou abandonado até 2002, quando o Governo Federal o cedeu ao Governo do Estado do Amazonas, este último instalando no antigo palacete a Academia Amazonense de Medicina. Após 8 longos anos de restauro, foi entregue ao público como Museu Casa Eduardo Ribeiro, Palacete Bretislau de Castro, Academia Amazonense de Medicina e Museu Virtual da Memória da Medicina. Luiz de Miranda Corrêa o descreveu como um “casarão português com certos maneirismos franceses, escadarias de mármore italiano, grades e beirais enfeitados com flôres de lis” (CORRÊA, 1969, p. 41).

Palácio da Justiça. FOTO: Manaus Ágil.

Por mais de um século o Judiciário Amazonense esteve sediado no Palácio da Justiça, na Avenida Eduardo Ribeiro, atrás do Teatro Amazonas. O prédio foi construído entre 1894 e 1900, nos governos de Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900), Fileto Pires Ferreira (1866-1917) e José Cardoso Ramalho Júnior (1866-1952), sendo ao lado do referido teatro um dos marcos do embelezamento daquela área da cidade. Para a sua construção foi firmado contrato com a empresa inglesa Moers & Moreton. O contrato foi rescindido em 1897, cabendo o prosseguimento das obras, a partir de 1898, ao empreiteiro José Gomes da Rocha. De acordo com a historiadora Etelvina Norma Garcia, “o projeto arquitetônico da fachada foi executado com pequenas alterações que não interferiram na composição do edifício em cinco blocos – três em avanço e dois em recuo, com janelas e portas em arco pleno no andar térreo e janelas com verga reta no piso superior” (GARCIA, 2002, p. 67). Seu interior é ricamente decorado, o mais decorado de todos os palácios e palacetes da cidade, uma composição barroca em contraste com uma fachada sóbria. Para Otoni Mesquita, “o Palácio da Justiça é, talvez, o prédio mais imponente e elegante da arquitetura eclética de Manaus e nem mesmo sua desvantajosa localização em relação ao Teatro Amazonas é capaz de ofuscar sua beleza e elegância” (MESQUITA, 2006, p. 235).

Assim como os demais prédios históricos de destaque da capital, foi Tombado pelo Estado do Amazonas, conforme ficou estabelecido pelo Decreto Estadual N° 5.218 de 03/10/1980. Entre 2001 e 2002 o Palácio da Justiça passou por um processo de restauração, sendo entregue em março de 2002. Quatro anos mais tarde, em 2006, foi transformado em Centro Cultural Palácio da Justiça, espaço destinado à visitação guiada, exposições de arte etc. Mais recentemente passou a abrigar o Museu do Crime de Manaus.

Palácio Rio Negro. FONTE: Manaus Day Night.

O Palácio Rio Negro, na Avenida Sete de Setembro, foi construído em lugar privilegiado, à margem do Igarapé de Manaus. Antes de ser conhecido como Palácio Rio Negro, foi residência de Karl Waldemar Scholz, comerciante alemão proprietário da Scholz & Cia, de importação e exportação de gêneros variados, com sede em Manaus e filial em Belém, no Pará, além de ter sido Cônsul da Áustria, Presidente da Associação Comercial do Amazonas (ACA) e membro da diretoria da mesma. O prédio foi construído entre 1903 e 1911. Por volta de 1911-12, quando o cenário do sistema de produção gomífera da Amazônia já apresentava sinais de enfraquecimento, Waldemar Scholz toma um empréstimo de 400 contos réis do seringalista Luiz Gomes da Silva, dando sua residência como garantia. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial e a suspensão da navegação entre Hamburgo, na Alemanha, e Manaus, o comerciante não consegue saldar suas dívidas, e o palacete vai à venda. Luiz Gomes da Silva, credor de Scholz, adquire a construção, alugando-a ao Governador Pedro de Alcântara Bacellar (1835-1927), que decide comprá-la para nela instalar a Residência dos Governadores do Estado do Amazonas. Sobre suas características arquitetônicas, escreveu Otoni Mesquita

A planta baixa do edifício seria simétrica se não houvesse o corpo da extrema direita, que parece ter sido um acréscimo e que, até 1945, mantinha-se com apenas um pavimento. O equilíbrio da fachada é suavemente perturbado pela existência de um torreão na lateral esquerda do prédio, que deveria compor com o pavimento da extrema direita antes de sua ampliação, quando se quebrou um pouco com a harmonia da fachada. O prédio tem dois andares e três corpos, sendo a fachada tratada com uma variação de elementos decorativos que produz um rico movimento entre os cheios e vazios. As paredes do primeiro pavimento são tratadas com bossagem ou rusticação interrompida, enquanto que as do segundo pavimento, com bossagem contínua. O acesso ao primeiro pavimento é feito através de uma escada – com duas entradas e guarda-corpo com balaustrada que apoiam duas esculturas em ferro fundido sobre pedestais da ordem dórica – que leva a um pequeno pórtico com quatro colunas dóricas sobre pedestais. A porta principal é recortada em arco pleno e apresenta uma bandeira decorada com círculos. Os corpos laterais apresentam janela de púlpito em arco pleno e com balaustrada. Cada corpo lateral do pavimento térreo é reforçado por quatro cunhais em forma de pilastras dóricas. No segundo pavimento, os três corpos são unidos por um terraço cercado com balaustradas, interrompidas por pedestais que sustentam colunas com fustes acanelados e capitéis compósitos. As três portas que se abrem para o terraço possuem vergas retas, coroadas com ornamentados frontões curvos. O entablamento do prédio ostenta alguns elementos ornamentais, frequentes nas construções ecléticas; no entanto, o seu uso é comedido. Sobre a cimalha do corpo central, ergue-se a platibanda com balaustrada intercalada por uma cartela contendo a tradicional estrela republicana. Sem dúvida, trata-se de uma fachada eclética, porém, deve-se ressaltar o seu caráter comedido, bem de acordo com o gosto que parece ter sido predominante na cidade. Apesar da variação de elementos decorativos o conjunto apresenta um aspecto que remete aos padrões clássicos” (MESQUITA, 2006, p. 248-249).

O Palácio Rio Negro foi sede do Poder Executivo de 1918 a 1996. Desde 1997 funciona como Centro Cultural Palácio Rio Negro, onde são realizadas exposições de arte, cinema e música. Também está exposto o antigo mobiliário do palácio (mesas, cadeiras e armários feitos com madeira de lei, e estatuetas importadas da França). O Palácio Rio Negro foi Tombado pelo Estado do Amazonas em 03/10/1980.

Palácio Rio Branco. Foto: César Pinheiro

Na Praça Dom Pedro II, na parte inicial da Avenida Sete de Setembro, vizinho do Paço da Liberdade, fica o Palácio Rio Branco, projetado em 1904 pela empresa carioca Irmãos Rossi, com a construção iniciada no ano seguinte. Nele seria instalada a Chefatura de Polícia. No entanto, com a renúncia de Constantino Nery (1859-1926), então governador, em 1907, as obras ficaram paralisadas. As obras foram retomadas em 1937, no Governo de Álvaro Botelho Maia, que o inaugurou em 1938. “O prédio serviu à Secretaria Geral do Estado, à Secretaria de Justiça, à Daspa e ao Museu Numismático, e por último à sede da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas” (JORNAL DO COMÉRCIO, 02/01/2004). Sobre sua arquitetura eclética, diz Otoni Mesquita que

É um edifício de dois pavimentos, tratado com bossagem, e sua fachada é composta por três corpos, sendo o central ligeiramente deslocado à frente, ostentando um pórtico que, na parte superior, apresenta colunas compósitas. Em seu interior, destacam-se o hall de entrada com o seu jogo de colunas, a bela escada em ferro fundido, o salão no pavimento superior, com seu estuque com motivo floral sobre o teto e, nas paredes, oito paisagens amazônicas assinadas por Olímpio de Menezes” (MESQUITA, 2006, p. 265-266).

O prédio foi entregue à Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas em 2007, que o transformou em Centro Cultural Palácio Rio Branco, espaço destinado à preservação da história do Poder Legislativo no Amazonas. Nele os visitantes são guiados pelas salas e gabinetes, conhecem o mobiliário e a arquitetura da época.

Castelinho. FOTO: Tripadvisor.

Localizado na rua Barroso, no Centro, o Castelinho ainda não teve sua história totalmente esmiuçada. Sabe-se que foi residência do médico maranhense Francisco da Costa Fernandes e, posteriormente, de Basílio Torreão Franco de Sá, médico e Superintendente de Manaus entre 1920 e 1923. A partir de 1913 se tornou residência do também médico Theogenes Beltrão. Funcionou, ainda, como Consulado de Portugal e sede da Aliança Francesa. Desde 1999 funciona como Restaurante Castelinho.

O Castelinho é um belo modelo de arquitetura Art Nouveau. São dois pavimentos e um porão, revestido na fachada por uma cobertura que imita pedras. A platibanda é ornamentada com medalhões e motivos florais em alto-relevo. O telhado de ardósia, característico dos palacetes normandos, foi mantido. Sob as janelas, barras de azulejos coloridos. Na parte da fachada da rua Barroso, a sacada principal é feita de ferro trabalhado com motivos florais, no mesmo estilo do portão. A sacada da janela que dá para a rua 24 de Maio é balaustrada.

Castelinho da Vila Municipal. FOTO: Otoni Moreira Mesquita.

Dessa lista, talvez o Castelinho da rua São Luís ou Castelinho da Vila Municipal, no bairro Adrianópolis, seja o prédio mais conhecido. Inaugurado em 1906, era propriedade do então Superintendente Municipal Adolpho Guilherme de Miranda Lisboa (1862-1913). Foi batizado de Vila Alcida, em homenagem à filha de Adolpho Lisboa, Alcida Leduc Lisboa. Na década de 1950 a família Furtado, dona de serrarias e outros negócios na capital e no interior, comandada pelo Coronel Auton Furtado, adquiriu o prédio. Na década de 1970, apresentando os primeiros sinais severos de desgaste, foi comprado do Coronel Auton Furtado pelo empresário Mario Carlo Biaggi em 1978, que mandou restaurá-lo e, de acordo com matéria do colunismo social da época, o reinaugurou em 02/06/1979 (JORNAL DO COMÉRCIO, 02/06/1979). O Castelinho da Vila Municipal possui linhas ecléticas e é mais sóbria externamente que o Castelinho da rua Barroso. A artista plástica Pollyanna D’Avila Gonçalves Dias complementa, dizendo que a construção tem fundação e ornamentos em ferro fundido, além de possuir o revestimento em cantaria(GONÇALVES, 2013, p. 52). O piso é feito com acapu e pau amarelo e escadarias são de madeira. Durante a reforma da família Biaggi, foi construída uma piscina na parte de trás, assim como um muro mais alto. Em seu aspecto formal, a construção se parece mais com um chalé campestre. No entanto, os acrotérios em formas de pontas, num total de 9, lhe dão um aspecto apalaçado, lembrando mesmo um pequeno castelo.

Em 1996 a família Biaggi o vendeu para o empresário Getúlio Viana, proprietário da Sapataria Classe, que posteriormente o vendeu para o Grupo Top, do ramo de bebidas. Atualmente nele funciona a Adega Top Castelinho, com todas as características originais preservadas.

Castelo da Cervejaria Amazonense. FOTO: Oliveira Rodrigues.

O Castelo da Cervejaria Amazonense, no bairro de Aparecida, onde era fabricada a cerveja XPTO, guaraná e gelo, pode ser visto de vários cantos da cidade. Às margens do Igarapé de São Raimundo, é um exemplar único de prédio industrial com refinamento arquitetônico. Sua construção, a cargo do mestre de obras português Francisco Cunha, se deu entre 1910 e 1912, tendo o projeto vindo da Alemanha. Seus idealizadores, Luiz Maximino de Miranda Corrêa e Antonino Carlos de Miranda Corrêa, foram os pioneiros do ramo cervejeiro no Amazonas, posição essa atestada pela magnitude do empreendimento, único na região. Luiz de Miranda Corrêa registrou que a fábrica,

Vista de longe, lembra certo tipo de castelo renano, com sua bela tôrre encimada por beirais de chumbo trabalhado. Nessa tôrre foi instalado o primeiro elevador do Amazonas, funcionando até hoje. Anexo à parte principal do prédio, os escritórios, com escadarias de mármore e outras de ferro forjado, imensos terraços, salões com piso em “marquiterie” e forros de estuque pintados, e os salões recepção, outrora cenário de grandes almoços, jantares ou recepções, quando a firma ou a família recepcionavam visitantes ilustres, ou comemoravam datas do calendário familiar. Salões inaugurados pelo presidente Washington Luiz e que recepcionaram Getúlio Vargas em sua primeira visita ao Amazonas” (CORRÊA, 1969, p. 50).

O Castelo da Cervejaria Amazonense foi vendido em 1970 à empresa cearense J. Macedo S/A. Em 1972 a Brahma compra o controle acionário da Cervejaria Amazonense. A partir daí, passaram pelo castelinho a Molson Coors, multinacional cervejeira norte-americana e canadense, em 2000; a Cervejaria Kaiser, brasileira, em 2002; a FEMSA Cerveja Brasil, em 2006; e a Cervejaria Heineken, de 2010 a 2015, quando foi desativada.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BITTENCOURT, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do Passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973.

CORRÊA, Luiz de Miranda. Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro. Manaus: Artenova, 1969.

DIAS, Pollyanna D’Avila Gonçalves. A arquitetura Neogótica no Período da Borracha: um estudo tipológico das construções de Manaus. 2013. Dissertação (Mestrado em Letras e Artes). Manaus, Universidade do Estado do Amazonas (UEA).

GARCIA, Etelvina. O Poder Judiciário da História do Amazonas. Manaus: Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, 2002.

INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DO AMAZONAS. Manaus – Memória Fotográfica. Manaus: Suframa, 1985.

MESQUITA, Otoni Moreira. Manaus: História e Arquitetura – 1852-1910. 3. ed. Manaus: Editora Valer, 2006.

MENDONÇA, Roberto. Quartel da Praça da Polícia. 4° ed. Manaus: SEC, Série Memória, novembro de 2000.


FONTES:

Jornal do Comércio, 02/06/1979.
Jornal do Comércio, 02/01/2004.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

César Pinheiro.
Manaus Sorriso.
Brasiliana Fotográfica/Instituto Moreira Salles.
Hyago Sena.
Tripadvisor.
José Martins Rocha.
Gisele Rocha.
SEC - AM.
Manaus Ágil.
Manaus Day Night
Roberto Mendonça.
Oliveira Rodrigues.