quinta-feira, 3 de junho de 2021

Resenha - nos caminhos da alegria: roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus, de Aguinaldo Nascimento Figueiredo

Nos caminhos da alegria: roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus, de Aguinaldo Nascimento Figueiredo.

O livro Nos caminhos da alegria: roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus (2021) foi escrito pelo Professor e Historiador Aguinaldo Nascimento Figueiredo, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA). Foram necessários anos de pesquisas para que viesse à luz. Aguinaldo, como bom historiador que é, debruçou-se sobre documentos históricos, jornais, revistas, livros, romances históricos, blogs, sites e, principalmente, relatos orais que coletou em diferentes momentos e de diferentes pessoas.

Nesse trabalho histórico-antropológico Aguinaldo reconstituiu as trajetórias da boemia manauara, narrando as origens de diferentes estabelecimentos, tais como pensões, prostíbulos, hotéis, bares, clubes, associações e espaços de lazer naturais como praias e igarapés. E os componentes humanos que trilharam esses caminhos? São os frequentadores, membros da elite, da classe média e populares, as prostitutas, as cafetinas, os cafetões, os valentões, os músicos e personalidades locais e nacionais.

Possui onze capítulos. No primeiro são analisadas as expressões boêmia e boemia. A primeira diz respeito à uma região da Europa Central pertencente à República Checa, famosa pela produção de cristais e cervejas. A boemia, por outro lado, é um movimento que surgiu na França no século XIX em contraponto ao Romantismo e à dominação da aristocracia. Tinha como principais característica a valorização da criatividade e o desprendimento de regras e padrões clássicos. O boêmio, habitante da Boêmia, tornou-se, com o passar dos séculos, o indivíduo materialmente desapegado, despreocupado com a vida, amante das artes e da vida (p. 13-16).

No capítulo seguinte o Professor discorre sobre o primeiro estabelecimento dedicado aos divertimentos instalado em Manaus, ainda no período em que a cidade era o insípido Lugar da Barra, dando início ao roteiro histórico e sentimental: o boteco do português conhecido como "Séo Melgaço", naqueles longínquos tempos localizado na zona portuária, no lugar denominado Ribeira das Naus (p. 16-17). Em um lugar com pouco mais pouco menos de 3.000 habitantes, constituía-se no principal centro de lazer e circulação de informações sobre a vida cotidiana, os escândalos e a política reinol. Com o tempo e crescimento da Barra, foram surgindo outros espaços, desaparecendo o boteco do português Melgaço (p. 17-18).

Saindo da Manaus Colonial, no terceiro capítulo é abordada a boemia no período da borracha, entre fins do século XIX e início do XX. Nele são traçadas as origens de cinco locais marcantes nesse período de crescimento econômico e transformações urbanas: Hotel Cassina, Bar e Café dos Terríveis, Pavilhão Universal, Bolsa Universal e Hotel Restaurant Français. Contrastando com esses lugares, luxuosos e bem frequentados, estavam os cortiços e botequins de terceira categoria, alvos frequentes das investidas das autoridades policiais e sanitárias (p. 18-29).

Com a crise do sistema de produção gomífera a boêmia se reinventou. Surgiram as pensões, onde trabalhavam como prostitutas jovens e senhoras, sem maiores perspectivas dado o estado de calamidade em que se encontrava a cidade (p. 31). Nesse quarto capítulo conhecemos as pensões do período da borracha, destacando-se a Pensão Floreaux, na Avenida Epaminondas, que funcionava como bar, casa de jogos e casa de prostituição frequentada por ricos comerciantes e profissionais liberais (p. 31-35). Com o declínio da economia surgem pensões de menor requinte, mas que ainda prestavam bons serviços. A principal foi a Pensão da Lola, instalada em um sobrado na rua Saldanha Marinho, funcionando com bar, restaurante, salão de dança e quartos para a prática do lenocínio (p. 37-39).

Terminado esse período, Aguinaldo destaca, no quinto capítulo, que Manaus viveu, entre as décadas de 1950 e 1960, o período de ouro da boemia, quando foram instalados os bares, bordéis, prostíbulos e clubes que marcaram gerações. Dos bares, elenca o Bar Avenida, Bar do Quintino, Bar Sibéria, Bar Americano, Bar São Domingos, Bar e Choperia São Marcos, Mandy's Bar, Bar do Carvalho, Bar Jangadeiro, Bar Caldeira, Bar do Armando e Bar Balalaica. Entre os bordéis destacam-se o Cortina de Ferro, Bar do Orlando, Big Bar, Restaurante e Bar Jupaty, Bar Tropical, Dancing Fortaleza, Brasília Bar, Nosso Bar, Copacabana Bar, Bolero Bar, Globo de Ouro e a Pensão Jesus (p. 39-98).

Eram tempos de valentões, cafetões, cafetinas e mulheres famosas, temas do sexto capítulo. Os valentões, heróis e anti-heróis, registra o autor, eram partícipes de brigas memoráveis, pelas quais ficavam famosos. Eram eles os Irmãos Paixão, Tamborete, Cavalo do Cão, Cachoeirinha, Nego Milton, Vinte e Oito, Cabete, Segadilha, Americola e Otinha. Todos eram conhecidos pelas proezas em brigas e arruaças, aparecendo frequentemente nas páginas policiais. Além de valentão, Cavalo do Cão, cujo verdadeiro nome era Valdemar Oliveira, também era cafetão, o mais conhecido da cidade. Já a cafetina mais conhecida foi dona Valdomira, proprietária de vários bordéis pela cidade (p. 98-103). As mulheres mais requisitadas para as práticas sexuais tinham nomes curiosos: Xib*u Venenoso, Maria Jiquitaia, Maria Batalhão, Nise, Maria Tostão, Faricão, Zaira Pé de Pato, Jacaré Ti Pega, Pitioca, Graçona, Peruana, Maria Bangu e Jercina (p. 101-103).

O sétimo capítulo é dedicado aos lupanares, casas de prostituição que muitas vezes funcionavam sob a fachada de bares. Os mais famosos foram o Bar Bom Futuro, Shangri-lá, Lá Hoje, Boate Verônica, Ângelo's, Iracema, Rosa de Maio, Piscina, Chica Bobó, Saramandaia, Selvagem, Patrícia's Bar, Maria das Patas e Poço de Caldas (p. 103-132). Destaca-se a predileção para a abertura deles na Estrada de Flores, dada sua localização, distante da área urbana, permitindo a tranquilidade e discrição entre os frequentadores.

Os clubes e associações recreativas movimentavam a cidade com seus bailes de carnavais e outros bailes temáticos, recebendo atrações artísticas locais e nacionais. No oitavo capítulo figuram o Acapulco Night Club, Maloca dos Barés, Associação Atlética de Constantinópolis e Grêmio Social e Recreativo de Educandos (p. 133-144).

Além dos lugares construídos, Manaus contava com recantos naturais, paragens bucólicas rodeadas de verde e geralmente com igarapés de águas límpidas que os tornavam ainda mais especiais. No nono capítulo conhecemos como se tornaram frequentadas a Ponta Negra, Praia da Ponta Branca (Praia do Canela), Ponte da Bolívia, Tarumã, Tarumanzinho e a Cachoeira das Almas (p. 145-153).

O penúltimo capítulo possui um tom romântico, pois trata das serenatas, dedicadas às jovens da cidade e realizadas por grupos de amigos, os seresteiros. Os seresteiros mais famosos foram Iran e Roberto Caminha, Gebes de Medeiros, Carlos Alberto Maciel, Wilson Campos, irmãos Verçosa, Orsine Marques, Roque Souza, Hélio Trigueiro, Josaphat Pires, Jaime Rebelo, Índio do Brasil, Jorge Santos, Demóstenes Carminé, Toscano, Américo, Elson Farias, José Braga, Estevam Santos, Sebastião Gomes de Medeiros, Normando, Paulo Sadi, Carlinho Chinoca e Paulo Timóteo. Atividade exercida majoritariamente por homens, a partir da década de 1960 aparecem mulheres seresteiras como Kátia Maria, Ilka de Souza, Maria Neide e Guiomar Cunha (p. 154-156). Também despontam os trios musicais e os conjuntos. Dos primeiros cita-se o Ajuricaba, Três Brilhantes e Trio Iraúna. Os conjuntos foram os Embaixadores, The Sunshine e Blue Birds Band, este último fundado em 17 de junho de 1967 e ainda em atividade (p. 156-158).

O último capítulo é uma pequena galeria de artistas que fizeram e ainda fazem parte da boemia manauara. São eles Nelson Gonçalves (1919-1998), Salim Gonçalves (1935-2007), Abílio Farias (1947-2013), Ludimar Teixeira, o Teixeira de Manaus, José Costa de Aquino, o Carrapeta (1936-2019), Cleonice Galvão do Nascimento, a Kátia Maria (n. 1940), e Celestina Maria (p. 158-166).

Faltava em nossa historiografia um trabalho de peso, escrito de forma bem humorada, como pede o tema, que desse conta de reconstituir essa parte da História de Manaus, até então tratada de forma pontual em trabalhos memorialísticos. 


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:


FIGUEIREDO, Aguinaldo Nascimento. Nos caminhos da alegria: roteiro histórico e sentimental da boemia de Manaus. Manaus: edição do autor, 2021.



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