sábado, 8 de julho de 2017

Análise de documentos: Os testamentos de Anna Pinheiro (1795) e Manoel Francisco Marques (1769)

Testamento de Anna Pinheiro (Cliquem para ampliar).

Testamento de Manoel Francisco Marques (Cliquem para ampliar).


Introdução

Os testamentos são uma das fontes mais utilizadas em estudos históricos, destacando-se nas vertentes da História Social, História Cultural e das Mentalidades, permitindo aos pesquisadores identificar elementos socioculturais de determinadas épocas. Partindo dessa premissa, o presente trabalho tem como principais objetivos analisar os testamentos de Anna Pinheiro e Manoel Francisco Marques, oriundos do século XVIII; e construir um quadro comparativo entre esses dois documentos, a fim de serem destacadas semelhanças e diferenças entre seus conteúdos. Pretende-se, dessa forma, compreender os modos de viver, os comportamentos, da sociedade (ou de parte dela) colonial brasileira.

O testamento de Anna Pinheiro (1795)

O testamento de Anna Pinheiro, viúva, data de 25/07/1795. Esta era oriunda da Vila de Santo Antônio de Alcantara, fundada na segunda metade do século XVII no então Estado do Maranhão e Grão-Pará. Expressando a religiosidade da população da colônia, majoritariamente católica, Anna inicia o testamento em nome da “Santissima Trindade Padre Filho Espírito Santo, tres pessoas distintas e hum só Deos Verdadeiro” (Testamento, 1795, p. 1). A viúva, mais adiante, afirma estar em perfeito juízo, entendendo que está doente, temendo a morte e desejando a salvação de sua alma. Rodrigues e Dillmann (2013, p. 2) afirmam que o testamento

estava geralmente associado às disposições de últimas vontades manifestadas pelo sujeito, geralmente ancião ou enfermo, para as medidas espirituais e temporais a serem tomadas depois de sua morte, principalmente em relação ao destino de sua alma no post-mortem, para além do destino de seus bens.

O primeiro pedido de Anna é a encomenda de sua alma a Santíssima Trindade, rogando a Deus, que pela morte de seu único filho, que a aceite; à Virgem Maria, ao anjo da guarda, ao santo que lhe dá nome (Santa Ana, ao que tudo indica) e a outros santos para que intercedam por sua alma, morrendo na fé Católica, que a mesma da Igreja de Roma, para que seja salva pelo “merecimento da paixão e morte de meo Senhor Jezus Christo” (Testamento, 1795, p. 1).

Seus testamenteiros são Severo de Abreu, cunhado, Francisco Pinheiro, irmão, e Cristóvão da Costa, primo. A eles pede que, no dia de seu falecimento, sejam feitas missas de corpo presente por todos os sacerdotes, e que, no dia seguinte, seu corpo seja sepultado no Convento de Nossa Senhora do Carmo e acompanhado pelo reverendo, pelo vigário com a cruz do Fabrica (?), e pelos demais reverendos e clérigos que se acharem mais a comunidade de Nossa Senhora do Carmo, sendo seu corpo levado para a Sepultura na Tumba das Almas.

No testamento temos mais informações sobre sua família. Anna era filha de João Pinheiro e de Eugenia Pinheiro, ambos falecidos. Foi casada com Manoel de Abreu, falecido, não tendo filhos dessa união. Anna não fez a declaração de seus bens e de seus pais, confiando a tarefa aos seus testamenteiros. Declaro dever sua sogra Perpetua Saurez, dívida essa que será paga pelos encarregados de seu testamento.

Seus testamenteiros deverão mandar que se realizem por sua alma dez capelas de missas e que seja dada a esmola costumada [parte ilegível do documento]. Também deverão ser realizadas três missas para o anjo da guarda, três para o santo que lhe dá nome, três a Nossa Senhora da Conceição e cinco às cinco chagas de Jesus Cristo. Também será dada e esmola costumada. Para as almas de seus pais, serão realizadas missas e dada e esmola costumada.

Deixa, para uma sobrinha de nome Victoria de Araujo, suas casas e a escrava Sebastiana com sua filha Benedita e Raimundo, pelos benefícios que dela recebeu. No entanto, essa herança tem a condição de que, caso Victoria se casasse, seu marido nunca poderia vender seus bens para pagar algumas dívidas por sua morte, sendo estes passados para seus herdeiros. Caso estes não existissem, seus testamenteiros os utilizaram para mandar rezar missas pela alma de Anna e de Victoria.

São deixados trinta mil réis para obras de caridade. Declarando satisfeitos seus legados e obras pias, declara como herdeiros dos bens que restaram seu irmão Francisco Pinheiro, e os filhos do seu irmão falecido Bento Pinheiro. Esses bens serão repartidos em duas partes iguais, uma para Francisco e outra para os filhos de Bento. Esta foi sua última vontade, pedindo a seus testamenteiros que fossem dados os devidos cumprimentos às disposições e outros pedidos feitos através do testamento.

O testamento foi escrito, assinado e declarado por Manoel Feliz da Costa, pois, afirma Anna, era mulher e não sabia ler nem escrever. O testamento foi aberto em 26/07/1795, estando Anna Pinheiro já falecida a essa data.


O testamento de Manoel Francisco Marques (1769)

O testamento de Manoel Francisco Marques se inicia da mesma maneira que o de Anna, em nome da Santíssima Trindade, “Padre Filho Espírito Santo, três pessoas distintas de um só Deus verdadeiro” (Testamento, 1769, p. 1). Manoel também estava em juízo perfeito e também temia sua morte, desejando para a sua alma o caminho da salvação. Dessa forma, em seu testamento, encomenda a sua alma à Santíssima Trindade, rogando a Deus, pelo amor deste com seu único filho, que a aceite. Roga também à Virgem Maria, ao anjo da guarda, ao santo que lhe dá nome (São Manuel ou São Francisco, ao que tudo indica) e a outros santos para que intercedam por sua alma, morrendo na fé Católica, que é a mesma da Igreja de Roma. Pede que seja salvo não por seus méritos, mas pela paixão de Jesus Cristo.

Seus testamenteiros são o Reverendo Padre Manoel da Graça, João Vieyra Torres e Antônio Gonsalves. A eles, pede que no dia de seu falecimento se realizem duas missas para Jesus Cristo, duas para Nossa Senhora da Conceição, duas para Santa Ana, duas para Nossa Senhora da Oliveira, uma para São João Batista, uma para Santo Antônio, duas ao anjo da guarda, duas para São Bartolomeu. Será paga uma esmola de duzentos réis para cada uma.

Manoel pede que seu corpo seja sepultado na Igreja de São João, e que seja amortalhado em um lençol. Pede aos irmãos dessa confraria, da qual também faz parte, de que todos os anos faz os pagamentos, que seja levado para a sepultura no Esquife dessa Irmandade. Se morrer antes de realizar o pagamento, este deverá ser descontado de seus bens. Também fazia parte da confraria de Nossa Senhora da Conceição, na Igreja de São José de Ribamar, estando devendo quatro ou cinco anos, devendo seus testamenteiros pagarem dos bens deixados.

Seu corpo será acompanhado do Reverendo e da Cruz da Fabrica, por oito capelães da Catedral, principalmente os sacerdotes, mas a comunidade da Virgem Nossa Senhora do Carmo. No terceiro ou sétimo dia, pede que seus testamenteiros mandem fazer um ofício paroquial de trez noturnos, e que paguem a esmola costumada. Manoel era natural de Lisboa, sendo batizado na Freguesia de São Paulo, filho de Julião Francisco e Joanna Micaella, ambos falecidos. Foi casado com Maria Duarte, já falecida, tendo um filho de nome Pedro Paulo, o qual faleceu solteiro.

Como bens, Manoel possuía ferragens, casas, uma arma de fogo, uma toalha de Bertanha, uma almofadinha, uma rede grande de fio branco e azul. Deixa, mais trinta mil réis, tudo para sua afilhada Maria Jozepha de Siqueira. Para outra afilhada, Antonia Pinheiro, deixa vinte mil réis, fronha de almofadinha, uma almofada, um catre e outros objetos que possuir, louças e miudezas. Para o afilhado Antonio Gomes deixa dez mil réis, postos a juros até este ser capaz de administrá-los. Se o pai de Antonio e ele falecerem, o dinheiro deverá ser utilizado em missas para suas almas. Deixa uma caixa grande para a afilhada Antonia Pinheyro, uma canastra pequena para a afilhada Jozepha, uma canastra grande, uma serra e um socador de grãos ao Padre Manoel da Graça. Deixa ao seu sobrinho e afilhado João uma serra. Para a sobrinha e afilhada Roza vinte mil réis e para Inácia Maria dez mil réis.

Pede que suas casas sejam avaliadas por pedreiros e carpinteiros, que poderão dizer se estas podem ser vendidas. Se, não, irão a leilão. O que for arrecadado será utilizado tanto para as esmolas que deixa quanto para sua Universal Herdeira (?). Devia Manoel de Assunção, por alimentação, e o Alferes Manoel da Sylva, que lhe emprestou dinheiro. Pede cinco missas de tensão (?) a Virgem Nossa Senhora, a qual se pagará esmola costumada de duzentos réis. Deixa uma esmola de seis mil réis para a construção do altar de São João Batista e que se realizem oito capelas de missas, sendo duas por sua alma, duas pela alma de seu filho, uma pela alma de sua mulher, uma pela alma de seu pai, uma pela alma de sua mãe e uma pelas almas em geral.

A quantidade de bens deixados por Manoel é grande, indo desde instrumentos de trabalhos técnicos, como serras e esmagadores de grãos, a objetos domésticos, como louças, redes, canastras, almofadas e peças menores. No testamento não temos informações de profissão, mas a quantidade de bens deixados podem evidenciar ser Manoel uma pessoa abastada.

Manoel Francisco Marques pede que se de cumprimento a esse testamento em dois anos, estando tudo o que nele estiver escrito sob responsabilidade de seus testamenteiros. O que restar deverá ser utilizado em missas por sua alma e pelas almas de outros parentes. Por não poder escrever, o testamento fora escrito pelo reverendo e capelão Ignacio Xavier da Sylva. O testamento foi aberto em 27/07/1770.


Os testamentos de Anna Pinheiro e Manoel Francisco Marques: Análise comparativa

Entre o testamento de Manoel Francisco Marques e Anna Pinheiro temos 26 anos de diferença. Ambos são oriundos do Maranhão. Anna Pinheiro vem de uma cidade fundada na segunda metade do século XVII, Santo Antônio de Alcântara. Manoel Francisco Marques vem de Lisboa, estabelecendo-se em São José de Ribamar, fundada em 1627.

Anna, por ser mulher e não saber ler e escrever, teve seu testamento redigido e assinado por Manoel Feliz da Costa. Manoel, por não poder escrever, teve o testamento escrito pelo reverendo e capelão Ignacio Xavier da Sylva. De acordo com Rodrigues e Dillmann (2013, p. 2), a produção dos testamentos “era feita ou pelo próprio sujeito que testava ou, a seu rogo, por um indivíduo de sua confiança, podendo ser um sacerdote (em geral o confessor), pessoa leiga de confiança (que podia ser um membro de irmandades ou amigo) ou notário”.

Por semelhança, Anna e Manoel eram católicos. Seus pedidos iniciais eram a encomenda de suas almas à Santíssima Trindade, intercessão pela Virgem Maria, pelo anjo da guarda e demais santos de devoção. Jurava-se, também, morrer na fé Católica, a mesma que emanava da Igreja de Roma. Missas eram encomendadas aos testamenteiros. Missas para Jesus Cristo, para os santos de devoção, para os santos que lhes dava nome, para os anjos da guarda, para os parentes já falecidos ou para as almas em geral, como no caso de Manoel.

Parte dos bens é utilizada em obras de caridades e pagamentos de dívidas para irmandades ou outras instituições. Anna deixou trinta mil réis para obras pias, além de esmolas costumadas. Enquanto Manoel deixa uma esmola de seis mil réis para a construção do altar de São João Batista, bem como esmolas costumadas. Essas obras de caridade, pagamentos de dívidas, financiamento de construções, eram formas de se redimir pelos pecados cometidos em vida, e ter o que é conhecido por boa morte.

Não temos informações do que ambos foram em vida, mas a quantidade de bens deixados em testamento podem evidenciar suas posições sociais. A quantidade de objetos e pessoas beneficiadas por Manoel é grande. São instrumentos de trabalhos técnicos e itens domésticos que foram destinados a inúmeros afilhados e até a um membro da ala eclesiástica da sociedade de São José de Ribamar. Este tem o cuidado de pedir que suas propriedades sejam avaliadas por pedreiros e carpinteiros, para que sejam vendidas ou leiloadas. Anna, além de valores monetários e propriedade, deixa para sua sobrinha sua escrava doméstica e sua filha também escrava, mais um possível escravo de nome Raimundo.

Ainda sobre prestígio e posição social, Manoel faz parte das irmandades de São João Batista e de Nossa Senhora da Conceição. Fazer parte de irmandades religiosas garantia certo prestígio para seus membros. Anna não parece fazer parte de algum grupo, pedindo apenas para ser sepultada no convento de Nossa Senhora do Carmo. Manoel é cuidado em seus pedidos para o post-mortem, escolhendo até mesmo a mortalha para seu corpo. Segundo Paiva (2009, p. 205), essa

liturgia da morte cristã incluía itens que, geralmente, eram encontrados em todos os casos, como, por exemplo, o tipo de mortalha a ser utilizada; a cera a ser distribuída entre os acompanhantes do cortejo; as missas por diversas intenções; as irmandades que acompanhariam o féretro; o local do enterro e, até mesmo, o pagamento de anuais atrasados, devidos às irmandades às quais o testador era filiado. Quanto mais rico fosse o testador, maior era a pompa fúnebre planejada por ele, salvo raras exceções.

O que mais chama a atenção é a densidade dos dois testamentos. O primeiro a ser analisado, de Anna Pinheiro, possui duas páginas. O de Manoel Francisco Marques é maior, tendo quatro páginas. Existe, também, um maior cuidado nos trâmites post-mortem no testamento de Manoel, com especificações de diferentes naturezas. Porque um é maior do que o outro? Devemos levar em conta, claro, a quantidade de bens e beneficiados deixados por Manoel. Anna deixa os elementos mais significativos para sua sobrinha.

No atestado de Ana, de 25/07/1795, temos por escrito as vontades de uma pessoa em perfeito juízo, mas doente. Anna Pinheiro morreu em 27/07/1795, dois dias após a elaboração de seu testamento. Manoel Francisco Marques manda escrever um testamento para ser cumprido após dois anos de sua validação (testamento escrito em 27/07/1769). Manoel falece em 27/07/1770, um ano após a sua morte. Possivelmente, o testamento de Anna possui duas páginas por ter sido escrito para uma pessoa prestes a morrer, com pouco tempo para preparo e talvez às pressas, tendo falecido um dia após sua publicação. Manoel, no início do testamento, tem medo de morrer, mas não afirma estar doente, tendo tido tempo para que redigissem suas vontades em testamento, de forma detalhada.


Conclusão

Ainda em vida, através de testamentos, homens e mulheres tratavam dos cuidados para suas almas no post-mortem, evidenciando o forte peso da religião cristã e sua crença na vida pós-morte. Era uma forma, também, de se redimir e ter uma “boa morte”, livre de qualquer arrependimento. Os testamentos também nos revelam parte da vida material dessa sociedade. Portanto, a partir da análise desses dois testamentos, com uma leitura crítica, e também de bibliografia concernente ao tema, foi possível identificar, mesmo partindo de dois estudos de caso oriundos de uma região específica, o Maranhão, elementos do cotidiano, do viver, das práticas da sociedade colonial brasileira.


FONTES:

Testamento de Anna Pinheiro, Arquivo Público do Maranhão, 25/07/1795
Testamento de Manoel Francisco Marques, Arquivo Público do Maranhão, 27/07/1769


Bibliografia

DILLMANN, Mauro; RODRIGUES, Cláudia. “Desejando pôr a minha alma no caminho da salvação”: modelos católicos de testamentos no século XVIII. Porto Alegre, História Unisinos, janeiro/abril de 2013.

PAIVA, Eduardo França. Frágeis fronteiras: relatos testamentais de mulheres das Minas Gerais setecentistas. Sevilha, Espanha, Anuário de Estudios Americanos, 66, 1. Jan/Jun, 2009



















quarta-feira, 5 de julho de 2017

Livros para conhecer a História do Amazonas e de Manaus

A quantidade de livros sobre a História do Estado do Amazonas e de sua capital, Manaus, é vasta. Desde pelo menos 1884, com a publicação do Almanach administrativo, histórico, estatístico e mercantil da Província do Amazonas, escritores apresentam obras de síntese, ensaios e pesquisas acadêmicas sobre a História da região. Nesse texto, listei 21 livros (que fazem partes de minhas leituras) que considero essenciais para conhecer a História do Amazonas e a História de Manaus. Alguns ainda estão disponíveis em livrarias. Outros, no entanto, dada a antiguidade e raridade, podem ser encontrados em sebos ou já se encontram esgotados.


HISTÓRIA DO AMAZONAS:


À margem da História (1909) - Euclides da Cunha foi um dos primeiros intelectuais que buscaram interpretar a Amazônia histórica e socialmente. À margem da História é o resultado de inúmeros ensaios produzidos por Euclides durante sua participação na expedição de reconhecimento do Alto Purus. A grandiosidade da natureza impressionou o escritor fluminense, que passara a compreender aquele mundo natural como estando em processo de "gestação", o qual tinha por habitante o "intruso", o homem amazônico. O escritor mostrou-se ser um pesquisador arrojado, utilizando para a produção de seus ensaios os relatos de viajantes, estudos geográficos, etnográficos e sociológicos. A tese de Euclides combinava a Amazônia e o intruso, a natureza e o homem. Em outras palavras, era de determinismo geográfico. Para o autor, a natureza "infernal" amansava, isolava e dominava a vida do amazônida, processo de controle acrescido do sistema de trabalho semi-escravo da extração do látex. É a primeira vez que a Amazônia e seus habitantes foram pensados, não de forma poética ou saudosista, mas sob o prisma de uma crítica a sua realidade.

História do Amazonas (1931) - Arthur Cezar Ferreira Reis (1906-1994) pode ser considerado o maior historiador que o Amazonas já teve. Foram mais de quatro décadas dedicadas à pesquisa e à escrita, que resultaram em nada mais nada menos que 38 obras publicadas tanto no Amazonas quanto em outros países. Homem de estado, governador durante o Regime Militar, suas obras são caracterizadas pela presença da perspectiva política nos desdobramentos da evolução histórica do Amazonas. Em 1931, com 25 anos de idade, Arthur Cezar publica História do Amazonas, trabalho de grandes proporções e assentado em farta documentação. Arthur Reis aplica, nessa obra, o rigor histórico da pesquisa documental, construindo uma narrativa fluida, rica e viva, bem ordenada, tecendo uma interpretação político social do Amazonas, fruto das ações do Estado português e depois do Estado Republicano.

Topônimos amazonenses: Nomes das cidades amazonenses, sua origem e significação (1967) - Muitos de nós já se perguntaram quais as origens dos nomes dos municípios que formam nosso Estado, nomes curiosos como Barreirinha, Urucurituba e Carauari. O juiz Municipal e de Direito Octaviano Mello produziu, em 1940, um trabalho sobre a Geografia, a História e a Etimologia de cidades como as anteriormente citadas. Apenas em 1967, de forma póstuma, o Governo do Estado do Amazonas publicou essa obra, intitulada Topônimos amazonenses: Nomes das cidades amazonenses, sua origem e significação. Por mais que atuasse na área do Direito, em outros trabalhos Octaviano mostrou-se grande especialista e erudito em Geografia, História, Etnografia e linguística. Nesse livro o autor não se prende apenas à descrição dos elementos naturais, dedicando boa parte de suas análises aos elementos humanos e etimológicos da região.

Dicionário amazonense de biografias (1969) - A biografia é um campo com muitas possibilidades em nosso Estado, pois ainda se desconhecem as trajetórias de muitas de nossas personalidades. Inúmeros estabelecimentos escolares, logradouros e ruas possuem nomes em sua maioria desconhecidos pela população. Partindo dessas ideias, Agnello Bittencourt, o lendário professor do Colégio Dom Pedro II (digo isso sem exageros, pois foram 52 anos dedicados ao ensino), publicou em 1969, após anos de pesquisa, o Dicionário amazonense de biografias - vultos do passado. Nesse dicionário são encontradas as biografias de figuras como Lobo D' Almada, Leonardo Malcher e Luiz Antony.

A expressão Amazonense (1978) O sociólogo Márcio Souza encerra uma linha de elogios e exaltação da cultura burguesa da economia gomífera em 1978, com a publicação de A Expressão Amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo. Para o autor, durante o apogeu da borracha, o Amazonas esteve bastante alienado, com sua capital sendo “a única cidade brasileira a mergulhar de corpo e alma na franca camaradagem dispendiosa da belle époque”. Acrescenta ainda que ela não era “verdadeiramente uma cidade, mas decoração do sonho e do delírio, microcosmo das doenças do espírito burguês com toques de selvageria e grossura”, cujo novo estilo de vida contrastava com sua linhagem portuguesa, a tornando um verdadeiro cenário para o colonialismo.

O Amazonas na época imperial (1989-90) - Livro denso de mais de 300 páginas, O Amazonas na época imperial, do escritor Antônio Loureiro, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, cobre o período que vai de 1852 até o advento da República. Como fontes, Loureiro utilizou relatórios, falas e exposições dos presidentes e vice-presidentes desse período, de forma que a narrativa é constituída da visão desses homens que serviram ao Império no Amazonas. O conteúdo é rico em dados estatísticos das atividades comerciais e administrativas do Amazonas nessa época, sendo a obra de fundamental importância para os estudos que lhe sucederam.

Breve História da Amazônia (1994) - O livro Breve História da Amazônia, do sociólogo Márcio Souza, surgiu da necessidade que este encontrou na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, em encontrar livros síntese sobre a região para seus alunos do curso de Imagens da Amazônia, do Departamento de Espanhol e Português. Márcio Souza idealizou um livro para aqueles que necessitavam de uma introdução geral sobre a região. O grande pioneirismo e diferencial dessa obra é que o autor abarcou, sem a pretensão de preencher a lacuna existe, a Amazônia de uma forma geral, tanto a brasileira quanto aquela formada por outros países da América do Sul, a Amazônia plural onde são falados, além do português, o espanhol, o inglês, o holandês e línguas nativas. É uma ótima leitura para aqueles que pretendem se familiarizar com a História da região antes de se aprofundarem em obras mais densas.

Ribeiro Junior - Redentor do Amazonas (Memórias) (1997) - O período Tenentista no Amazonas ainda é pouco estudado. Eneida Ramos Ribeiro, filha de Ribeiro Júnior, líder do movimento que instalou o governo tenentista no Amazonas em 1924, é a autora desse livro de memórias. Além de suas memórias familiares e das memórias de amigos de seu pai, Eneida utilizou jornais, revistas e outros livros para compor seu trabalho. A obra tem uma das narrativas mais interessantes, com um ritmo mais acelerado, como se Eneida não tivesse vontade de parar de escrever. A partir de cada capítulo, que sempre parte dos depoimentos familiares para os mais gerais, temos as peças de um quebra cabeça que nos permite compreender as motivações daquela personagem que encabeçou um movimento tão importante mas ao mesmo tempo tão desconhecido em nosso Estado.

A Grande Crise (2008) - Antônio Loureiro, em A Grande Crise, com um grande arsenal de dados estatísticos e bibliográficos, analisa a derrocada da borracha em uma perspectiva nacional. O Brasil, para o autor, sentiu os efeitos da crise, pois dependia da Amazônia para a obtenção das libras esterlinas, necessárias para o pagamento da dívida externa, para equilibrar o preço do café e urbanizar a capital federal; mas continuava alheio à região. As críticas, em sua maioria, são feitas à omissão da União, que tardiamente tomou medidas que se mostraram ineficazes ao combate da crise; outras são feitas aos empresários e outros trabalhadores que enviavam altas somas de dinheiro para suas terras de origem, descapitalizando a região.

O fim do silêncio: presença negra na Amazônia (2011) - Patrícia Melo Sampaio, professora do Departamento de História da UFAM e reconhecida como uma das maiores historiadoras da região, põe fim a um grande silêncio presente em nossa historiografia clássica: a presença de negros na região amazônica. Por muito tempo, a presença dessas personagens foi abafada na historiografia clássica, que as tratava de forma estatística, afirmando uma presença ínfima, e sedimentando suas culturas. O trabalho, organizado por Patrícia Sampaio, conta com artigos de alunos pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia, nos quais são abordadas temáticas variadas, que vão desde cartas de alforria, fugas de escravos, festas religiosas a elementos contemporâneos como o hip-hop. A obra reflete a temática da presença negra em nossa região e dá visibilidade a personagens que fazem parte de nossa trajetória em sociedade.

Os samurais das selvas: A presença japonesa no Amazonas (2012) - Aguinaldo Nascimento Figueiredo, professor da rede pública e membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, escreveu Os samurais das selvas: A presença japonesa no Amazonas, para que ficasse registrada a trajetória dos imigrantes nipônicos que para cá vieram em diferentes momentos. A imigração de japoneses para Amazonas teve grande influência em Maués, Parintins, Manacupuru e Manaus. A vinda dessas pessoas é contextualizada aos momentos mais sensíveis de nossa Estado, quando este ainda sofria os efeitos da crise, e políticas econômicas como a do cultivo da juta e do guaraná, e de colonização, eram implantadas para tentar reverter esse quadro de estagnação. Esse é mais um dos trabalhos de Aguinaldo Figueiredo marcado pela escrita simples, acessível a todos os públicos, e pelo cuidado no trato das fontes.


HISTÓRIA DE MANAUS:

Um olhar pelo passado (1897) - Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, jornalista filho de João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, o primeiro presidente da Província do Amazonas, produziu esse livro em homenagem ao governador Fileto Pires Ferreira. Nessa obra, Bento de Figueiredo mescla tanto a pesquisa em arquivos públicos da capital, de Barcelos, de Itacoatiara e de Tefé, quanto sua própria vivência, seus testemunhos oculares da cidade que viu durante o período provincial. Boa parte do livro é constituída de informações da Geografia antiga da capital, da evolução das vias públicas e de suas nomenclaturas.

Fundação de Manaus (1948) - Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004) foi sem dúvidas um dos maiores escritores de nossa cidade. Seus ensaios histórico-culturais são de uma qualidade ímpar, sendo reconhecidos nacional e internacionalmente. Em Fundação de Manaus, Mário Ypiranga se propõe a produzir uma obra que, naquele período, suprisse a carência de informações históricas sobre a cidade. O livro parte da fundação da Fortaleza de São José da Barra e vai até a década de 50 do século XIX. Por ser um ensaio, o livro possui muitas ideias e reflexões sobre o que é a cidade, seus habitantes, sua cultura. Para Mário Ypiranga, Manaus é produto da falta de organização e planejamento de seus fundadores, o que não lhe possibilitou ter uma "adolescência", pois a urbe passa de um estado acanhado, encerrada por seus limites naturais, para uma evolução jamais vista a partir do final do século XIX.

Roteiro Histórico e Sentimental da Cidade do Rio Negro (1969) - Num primeiro momento, o livro de Luiz de Miranda Corrêa pode parecer um guia turístico. São abordados festivais folclóricos, lugares para fazer compras, hotéis etc. Mas, com uma leitura mais aprofundada, logo vemos que trata-se de um elogio saudosista ao período da borracha, à influência europeia e à ação das elites. Manaus se transformava, com obras monumentais e serviços públicos de qualidade. “Uma sociedade inteira passava de um estágio primitivo para os requintes da civilização europeia”. A descrição dos palacetes, bares, hotéis e bordéis são vívidas. As elites elogiadas são aquelas formadas com o nascimento da República, enquanto que “as famílias mais antigas do Amazonas, o pequeno número de privilegiados do Império, […] ou se adaptavam às novas condições de vida da região ou seriam, como vários o foram, tragados pelo redemoinho dos interesses da borracha”.

Roteiro Histórico de Manaus (1969) - Mais uma vez um livro de Mário Ypiranga Monteiro. Dessa vez, o autor escreveu um denso roteiro, dividido em dois livros, de logradouros, construções e ruas da cidade, abordando as origens de suas nomenclaturas. Não são privilegiados lugares apenas do Centro, como tradicionalmente ocorre, mas também logradouros de outros bairros. É um clássico para os que procuram conhecer as ruas de Manaus.

Manaus - História e Arquitetura (1852-1910) (1997) - Otoni Moreira Mesquita, professor aposentado da Universidade Federal do Amazonas, publicou, em 1997, em forma de livro, sua tese de mestrado, Manaus - História e Arquitetura (1852-1900). A história da cidade é vista a partir da arquitetura e do urbanismo. Com um recorte histórico que parte do período provincial até a década de 10 do século XX, Otoni Mesquita contextualiza as transformações urbanísticas pelas quais a capital foi passando, com seu apogeu de construções durante o "boom" da economia gomífera. Cada construção analisada é minuciosamente descrita em seus aspectos arquitetônicos. Na tese de Otoni, compreende-se que essas transformações fazem parte de um "rito de passagem", com a inserção da Amazônia ao mundo que se apresentava como moderno, obedecendo aos padrões vindos da Europa. Toda uma sociedade provinciana, cujo ritmo era ditado pela natureza e pelas limitações a ela impostas, sofre mudanças marcantes.

A ilusão do Fausto - Manaus 1890-1920 (1999) - O ensaio de Edinea Mascarenhas Dias, A Ilusão do Fausto – Manaus 1890-1920 (1999), é um estudo que, ao mesmo tempo em que é esmiuçado o processo de transformação e desenvolvimento da cidade e de suas políticas públicas, são apresentadas as contradições do espaço urbano pensado pelas elites e pelo poder público, que criou mecanismos que, ao mesmo tempo em que ordenavam a urbe, segregavam pobres, prostitutas, analfabetos e desocupados. Tem influências de Edward Thompson, com sua crítica ao marxismo estruturalista; e de Max Weber, com seu conceito de estratificação social. O livro é dividido em duas partes: A cidade do Fausto e A falácia do Fausto.

Manaus: Praça, café, colégio e cinema nos anos 50 e 60 (2002) - O livro de José Vicente de Souza Aguiar, professor da Universidade do Estado do Amazonas, é sobre a vida cultural da cidade entre as décadas de 1950 e 1960, tendo como centro irradiador a Praça da Polícia em conjunto com o Cine Guarany, o Café do Pina e o Colégio Dom Pedro II, espaços que marcaram várias gerações na capital. Reconhecendo as dificuldades em encontrar uma quantidade significativa de fontes escritas, José Vicente recorrer ao auxílio da memória, entrevistando pessoas que praticamente dedicaram metade de suas vidas a esses espaços públicos. Além da oralidade, foram utilizados periódicos (jornais e revistas) e documentos oficiais. O ponto de partida de sua pesquisa é a fundação do Clube da Madrugada, em 1954, movimento que marcou as artes e a literatura local; e vai até o final dos anos 1960, quando a instalação da Zona Franca instaurou uma nova dinâmica na vivência nesses espaços urbanos.

Evocação de Manaus: como eu a vi ou sonhei (2002) - Memórias, memórias de tempos mais amenos. Nesse livro, de caráter saudosista, publicado em 2002, o senador Jefferson Péres (1932-2008) nos transporta, através de uma narrativa vívida, para a Manaus dos anos 40 e 50. O autor faz descrições minuciosas da vida familiar, dos costumes, da vida material e dos acontecimentos políticos do período, como a presença e as atividades dos norte-americanos na cidade durante a Segunda Guerra. Jefferson Péres nos descreve uma cidade de pouco mais de 100 mil habitantes, anestesiada pelos efeitos da crise econômica, que começava a ditar sua vida em um ritmo mais lento, que conservava valores tradicionais e prezava pela ordem.

Manaus, entre o passado e o presente (2009) - O empresário Durango Duarte não é historiador, mas um grande entusiasta desse campo. Manaus, entre o passado e o presente, é organizado por Durango mas produzido por uma grande equipe de pesquisadores de centros culturais, institutos históricos e universidades, munida de farta documentação, o que torna o resultado final da obra de grande valor. A obra é bem estruturada e ilustrada, com capítulos para as praças, os portos, as igrejas, os cinemas, as bibliotecas etc, mostrando como esses lugares foram se transformando até o presente. Para aqueles que desejam uma leitura prática mas com qualidade, essa é uma boa escolha.

Monumentos públicos do Centro Histórico de Manaus (2012) - Maria Evany Nascimento, professora da Universidade do Estado do Amazonas, fez um levantamento dos monumentos erguidos na cidade entre 1882 e 1995. O objetivo maior era efetuar o mapeamento desse acervo de obras artísticas dos logradouros públicos do Centro Histórico de Manaus. Outro objetivo, mais ambicioso, era contribuir, de alguma forma, para a preservação desses marcos e obras artísticas, bem como a memória e a história de cada uma delas que fazem parte do patrimônio cultural da cidade, o que implica ainda no resguardo da cultura visual do Centro Histórico. Cada um dos monumentos levantados é analisado, chamando a atenção do leitor o cuidado que a autora teve com os mínimos detalhes, buscando esmiuçar toda a simbologia por trás dessas obras.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Estante Virtual
Skoob
Blog do Coronel Roberto
Livraria Cultura
Livraria Valer

Acervo pessoal

domingo, 25 de junho de 2017

Antigas famílias manauaras

Porto de Manaus, 1865. Aquarela de Jacques Burkhardt.

Família, o mais popular grupo humano, formado por membros que compartilham entre si relações ancestrais e afetivas, estruturada de diferentes formas, que vão desde a nuclear à monoparental. Nesse texto, um esboço desprendido de qualquer tentativa de delimitar o início e o fim de algo, busco, de forma simples, abordar as origens de algumas das famílias mais antigas de Manaus, famílias essas que, ao longo dos séculos, contribuíram de alguma forma para o desenvolvimento da cidade, estando presentes em diferentes períodos de sua evolução histórica e social.

Nos primeiros anos do que viria a ser Manaus, a Fortaleza de São José da Barra, núcleo que nada aparentava de urbano, é difícil de imaginar quais foram as primeiras famílias a se formar. Mas, levando em conta a inexistência de mulheres portuguesas nas primeiras expedições, supõe-se uniões entre soldados portugueses com filhas de chefes indígenas. Esse processo de formação de famílias mestiças se intensificaria em 1755, quando foi instituído o Alvará de 04 de abril, que autorizava o casamento entre brancos e indígenas, de forma a suprir a carência demográfica da Capitania de São José do Rio Negro. Essa política de união entre brancos e indígenas começou a surtir efeito cedo, como fica claro em uma carta de Mendonça Furtado para o rei, onde ele transmite que conseguiu que [...] “naquele pouco espaço se contrahissem não menos de 78 matrimonios no Ryo Negro” (MONTEIRO, 1995, p. 47).

Em fins do século XVIII, as famílias formadas por portugueses já eram uma realidade. Talvez já o fossem antes, mas temos um indício no diário de viagens de Alexandre Rodrigues Ferreira, no qual são citados os nomes de alguns moradores brancos, homens e mulheres: Manoel Tomé Gomes, Manoel Pinto Catalão, Inácia Lindoza e Madalena de Vasconcelos (FERREIRA, 2005, p. 355). Inácia Taveira de Meneses Lindoza era neta de Raimunda Taveira de Menezes Lindosa, essa, no romance O Espião do Rei (1950), do folclorista e historiador Mário Ypiranga Monteiro, esposa de “Ferrabaz” Lindosa, soldado português de antigas Tropas de Resgate, assassino de indígenas em inúmeras povoações do Amazonas.

Tem origem no século XVIII a família Tenreiro Aranha, oriunda de Portugal e com laços em Barcelos e Belém, esta última por um de seus membros ser descendente dos povoadores dessa cidade ainda no século XVII. Os membros mais conhecidos são Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, poeta de Arcádia, seu filho João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, primeiro presidente da Província do Amazonas, e o filho deste último, Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, jornalista autor de Um olhar pelo passado (1897), falecido aos 79 anos em 1919. Penso que boa parte dessas famílias dos primeiros tempos, dos séculos XVII e XVIII, desapareceram ou foram absorvidas por grupos maiores, perdendo suas identidades, talvez por mudanças nos cenários político e econômico, pela não continuidade de seus descendentes ou pela arma mais eficaz para fazer algo desaparecer: o esquecimento.

Muitas das famílias que fizeram história em Manaus vieram de outros estados e até de outros países. No século XIX, transformações políticas como a vinda da Família Real, os Tratados de Amizade e Comércio, e depois a Independência do Brasil do Reino de Portugal, estimularam a vinda de estrangeiros para o país, muitos deles visando estabelecer-se no Amazonas. A família Antony é talvez um dos exemplos mais clássicos que podem ser destacados. Em Manaus, essa família tem origem no toscano Henrique Antony, que chegou no Lugar da Barra por volta de 1823, fugindo dos efeitos da dominação napoleônica na Europa. Em 1839 casou-se com Leocádia Maria Brandão, filha de Antônio José Brandão, fazendeiro português dono de engenho, estabelecido na região que hoje corresponde ao Manaquiri e de uma mestiça filha de um chefe manau. Da união entre Leocádia e Henrique nasceram João Carlos, Américo, Dinary, Guilherme, Luiz Carlos, Lina, Paulina, Maria e Luiz.

Em 1853, já como grande comerciante da Província do Amazonas, o Império lhe autorizou a concessão da carta de naturalização, sendo Antony o primeiro estrangeiro a naturalizar-se no Amazonas (COLLECÇÃO DAS LEIS E DECISÕES DO IMPÉRIO DO BRASIL, 1853, p. 5). A família, atualmente, encontra-se na sexta geração, com mais de 200 membros só em Manaus (FERREIRA, 2009). Outro italiano, mais antigo nessas terras, foi o corso Francisco Ricardo Zany, que aqui chegou entre 1817 e 1821.

Vindos de mais longe, da Grécia, os Tadros, cristãos de origem copta, se estabeleceram em Manaus por volta de 1870, consolidando-se como comerciantes. David Tadros, o pioneiro dessa família na região, fundou em 1874 a Tadros & Cia, casa de aviamento, de navegação, de importação e exportação, atualmente a mais antiga empresa em funcionamento no Amazonas (de ramos diversos, com foco em propriedades imobiliárias), com incríveis 143 anos. José Roberto Tadros, bisneto de David, comanda a empresa nos dias de hoje.

A família Moreira, de origem portuguesa e estabelecida na Bahia, também se fez presente em Manaus. Os membros mais notáveis foram três irmãos: Guilherme José Moreira, primeiro e único Barão do Juruá, comerciante e político; Antônio José Moreira, o Dr. Moreira, médico do Corpo de Saúde e Deputado pela Província; e Emílio José Moreira, Coronel, político e comerciante. Seus pais, Sebastião José Moreira e Maria José Moreira, permaneceram em Salvador.

Uma das famílias mais antigas de que se tem notícia, existente até os dias de hoje, é a Miranda Leão. A origem desta é interessante: Seu mais antigo membro conhecido, José Coelho de Miranda Leão, foi oficial de alta patente da esquadra portuguesa que fugira de Portugal durante a invasão de Napoleão Bonaparte, acompanhando Dom João VI ao Brasil, entre 1807-8. Seu nome era apenas José Coelho, sendo Miranda um acréscimo em homenagem à sua cidade natal, Miranda do Douro, no Distrito de Bragança. Já no Brasil, a serviço de Dom João, travou combate com um navio da esquadra francesa, derrotando-o com grande maestria. O monarca português lhe agraciou com o título de Leão do Mar, título esse acrescentado a seu nome, que passara a ser José Coelho de Miranda Leão. Em Mazargão, na Província do Pará, casou-se com a filha de um fidalgo português. Dessa união nasceu José Coelho de Miranda Leão, falecido em 1894. Este casou-se com Martiniana Ferreira dos Anjos, descendente, em linha direta, da tribo dos manaus (BITTENCOURT, 1969, p. 109). Dessa união nasceu Manoel de Miranda Leão, professor, jornalista e político (1851-1927). O descendente mais conhecido atualmente é Homero de Miranda Leão Neto.

A família Malcher, poderoso clã político e militar em Belém do Pará e arredores, tem suas origens que remontam ao século XVIII, de grandes proprietários de terra portugueses, fazendo união com a influente família Gama Lobo, originada de colônias na África e na América, cujo membro mais famoso é Manuel da Gama Lobo D’ Almada, Brigadeiro e engenheiro militar português que administrou a Capitania de São José do Rio Negro entre 1788 e 1799. Em Manaus, o membro mais importante dessa família foi Leonardo Antônio Malcher (1829-1913), Major da Guarda Nacional, abolicionista e pioneiro na divulgação da doutrina espírita no Amazonas. Casou-se com Maria Raymundo Nonato, tendo dois filhos, Escolástico Clemente Malcher e Leonarda Antônio Malcher, que casou com José Cardoso Ramalho Júnior, governador do Estado do Amazonas entre 1898 e 1900.

Dada nossa posição geográfica e laços culturais, já é perceptível que boa parte das antigas famílias amazonenses têm alguma ligação ou origem em Belém, no Pará, e outras cidades desse estado. A família Miranda Corrêa é originária da região do Lago Grande, nos arredores de Santarém, descendente de um ramo português miscigenado com índios da região. Jucundina de Miranda Corrêa, originária do Baixo Amazonas, e Inocêncio de Miranda Corrêa, Juiz, são o casal de que se tem notícia, e aquele que deu origem à maioria dos membros dessa família. Dessa união nasceram: Luiz Maximino e Antonino Carlos, o médico Deoclécio, os bacharéis Carolino e Adelino, o almirante Altino, o comandante Acrisio Fulvio e duas irmãs: Joana e Sinhá Sussuarana (JORNAL A NOTÍCIA, 1970). Luiz Maximino e Antonino se tornaram famosos pela construção da ''Fábrica de Gelo Cristal'' e a "Casa de Chopps'', em 1903; da ''Cervejaria Amazonense'' em 1905; e do moderníssimo Castelo da Cervejaria Miranda Corrêa, entre 1910 e 1912, onde foi instalado o primeiro elevador da cidade, existente até os dias de hoje no bairro da Aparecida; os Miranda Corrêa adquiriram de um rico comerciante português o prédio que mais tarde ficaria conhecido como Palacete Miranda Corrêa. Atualmente, existem descendentes dos Miranda Corrêa no Pará, no Amazonas, no Maranhão e no Rio de Janeiro.

Existem, é claro, mais famílias cujas origens estão localizadas em longínquos 100, 150, 200 anos. Buscou-se, aqui, apresentar um panorama das origens de algumas das principais famílias de Manaus, assim entendidas por suas influências no cenário político e econômico. Dar conta de abordar todas em um texto seria uma tarefa laboriosa, dada a complexidade dos estudos na área de genealogia e a quantidade de informações. As fontes aqui utilizadas nos dão apenas algumas ideias, devendo ser descobertas novas, trabalhadas as antigas, aplicadas em estudos de trajetórias, de biografias e de redes de poder.


BIBLIOGRAFIA:

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. 4° ed, São Paulo, Metro Cúbico, 1995.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. O Espião do Rei. 2° ed, Manaus, Editora Valer, 2002.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (1783-1793). Disponível em CiFEFil, Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos.

BITTENCOURT, Agnello. Dicionário amazonense de biografias. Manaus, Editora Artenova, 1969.

FERREIRA, Evaldo. Rua Henrique Antony. Jornal Em Tempo, 2009.

Collecção das Leis e Decisões do Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1853.

Jornal A Notícia, 17/09/1970.


CRÉDITO DA IMAGEM:

Manaus Sorriso