quinta-feira, 10 de maio de 2018

Analisando um periódico local


Jornal do Comércio, 01/01/1914.

Relatório de análise de documento (periódico) apresentado na disciplina Metodologia da Pesquisa Histórica, ministrada pela Professora Dra. Maria Luiza Ugarte Pinheiro, do curso de História da Universidade Federal do Amazonas (UFAM):

O Jornal do Comércio é o jornal mais antigo ainda em circulação no Amazonas, fundado em Manaus em 02 de janeiro de 1904 pelo Major Joaquim Rocha dos Santos (1851-1905), português que veio para a capital do Amazonas em 1862, tendo ocupado os cargos de Delegado de Polícia, Deputado Estadual, Presidente do Congresso Amazonense, Deputado Federal, administrador do trapiche da Recebedoria do Estado e provedor da Santa Casa de Misericórdia.

O documento a ser analisado é uma edição de 01/01/1914 do referido jornal. Este possui oito páginas. A quantidade de laudas variou com o passar do tempo, tendo a primeira edição sido lançada com trinta e duas e, posteriormente, sendo publicadas diariamente edições de quatro e oito páginas. À época dessa publicação, o Jornal do Comércio tinha como proprietário o advogado Vicente Torres da Silva Reis, que o comprou da família de Rocha dos Santos em 1907. No canto superior direito da primeira página está estampada uma tabela de assinaturas, forma pela qual o jornal era comercializado. A assinatura anual, na capital, custava 50$000 réis, 60$000 para o interior do Estado e 70$000 para outros países. Semestralmente, a assinatura custava 25$000 réis na capital, 30$000 no interior do Estado e 35$000 para outros países. No canto superior esquerdo, o subtítulo: “No Estado do Amazonas o JORNAL DO COMMERCIO é a folha de maior circulação”.

Nota-se uma divisão logo na primeira página, estando o lado esquerdo destinado à publicação de anúncios, com o título ‘avisos úteis’ (vendas, aluguel de casas e produtos diversos); o centro para a publicação gravuras e fotografias, estas últimas mais comuns a partir de 1913; e o lado direito para a publicação de alguns artigos, de notas do colunismo social (aniversários, nascimento, visitas e óbitos), de notícias meteorológicas e dos principais eventos do dia. A partir de 1912-13, o artigo em destaque, na verdade uma série de publicações, era o Ouro Negro, publicado por Armindo R. da Fonseca, comerciante da praça de Manaus que acompanhava todos os desdobramentos do comércio internacional de borracha, instável naqueles últimos anos.

Na segunda página são publicados os informes sobre teatros, clubes e cinemas; a coluna ‘os buliçosos’, sobre furtos e roubos; as ‘Queixas do Povo’, reclamações dos mais variados tipos (críticas a serviços públicos, ao estado das ruas, das moradias etc) vindas de diferentes pontos da cidade; as ‘Várias’, publicações rápidas e resumidas; os ‘Ineditoriais’, parte do jornal vendida para a publicação de informações de terceiros; os ‘Actos funebres’, notas sobre velórios, enterros e missas de sétimo dia; e mais alguns anúncios de estabelecimentos comerciais. Na terceira página é publicada a coluna ‘Bastidores da política’, sobre os desfechos de administrações federais e estaduais, eleições, deposições e revoltas; e artigos diversos sobre acontecimentos internacionais e em outras partes do país, em sua maioria pitorescos. Essa página é dividida, sendo a parte de cima para as publicações anteriormente citadas e a debaixo para anúncios, poesias e contos. A quarta página é dedicada exclusivamente à publicação de anúncios de produtos e estabelecimentos comerciais, bem como para a continuação dos poemas e contos.

A página cinco tem a mesma divisão da primeira página, sendo diferentes apenas alguns elementos. Do lado esquerdo, anúncios de vendas, de aluguel de casas e de produtos variados. Do lado direito, mais alguns anúncios, só que agora trabalhados iconograficamente. No centro, as informações telegráficas ‘O que vae pelo mundo’, trazendo notícias sobre a capital federal e outros estados, e de países como Portugal, França e Reino Unido, e a entrada e saída de embarcações. Na parte de baixo, mais anúncios e a continuação de contos de edições passadas.

Na sexta página são publicadas informações detalhadas sobre o comércio, a indústria, as finanças e a navegação, a cotação de gêneros alimentícios, a cotação da bolsa, das taxas de câmbio de instituições financeiras como o London Bank, o Banco do Brasil e o Banco Amazonense, as pautas estabelecidas pela Alfândega, pela Associação Comercial e pelo Tesouro do Estado, os preços das estivas, a arrecadação da alfândega, a variação de preços da borracha, a relação de funcionários em serviço na Alfândega, o boletim da Associação Comercial, o movimento de embarcações no porto e a entrada e saída de passageiros. As páginas sete e oito são voltadas exclusivamente para a publicação de anúncios.

Para uma análise mais teórica desse periódico, destaca-se, em um primeiro momento, a divisão espacial das matérias. É fácil perceber o peso dos anúncios dos estabelecimentos comerciais da capital no jornal, estando estes dispostos do lado esquerdo e do lado direito das páginas, quando não utilizados em páginas inteiras, tornando-os bastante visíveis aos leitores. Isso revela o forte caráter comercial do periódico. No centro, em tamanho grande, uma fotografia, elemento visual que também auxilia a dar destaque ao periódico.

Quanto ao conteúdo jornalístico, o maior artigo é o do comerciante Armindo R. da Fonseca, ‘Ouro Negro’, no qual o autor trata da situação da borracha brasileira e do cenário desolador que o comércio desta estava enfrentando frente aos preços praticados por negociantes do Reino Unido. O desta edição era o 18° artigo sobre a mesma temática, comércio gomífero, todos assinados por Armindo R. da Fonseca. O plano 'Defesa Econômica da Borracha', criado em 1912, ficou sediado no Rio de Janeiro, distante da região problema. Foram feitos gastos exorbitantes em compras e pesquisas desnecessárias, o que fez o Congresso dar fim ao plano em 1913. Armindo faz críticas a esse projeto. Quando do início da Primeira Guerra Mundial, quando algumas rotas comerciais foram temporariamente fechadas e os preços caíram mais bruscamente, os artigos ganhariam um tom mais dramático.

A historiadora Maria Helena Capelato chama a atenção para a utilização desses artifícios, que eram “empregados tanto com objetivos de lucro, como para fins políticos” (CAPELATO, 1988, p. 16). Dessa forma, deve-se refletir sobre o uso, em boa parte do periódico, de anúncios e propagandas de produtos e casas comerciais, uma das possíveis fontes de lucro do Jornal do Comércio, assim como de outros periódicos, revelando também sua teia de relações com a elite política e empresarial da região, bem como o impacto das publicações dos artigos sobre a crise do mercado gomífero.

Das cinco grandes linhas da imprensa brasileira ao longo dos séculos, o Jornal do Comércio aparenta estar inserido entre as linhas do jornalismo político e do jornalismo informativo, surgidas entre fins do século XIX e início do século XX. Sobre esse período no Amazonas e a influência na imprensa, diz Santos et al:

Na medida em que o Amazonas vai aumentando o volume produzido de borracha exportada para a Europa e os Estados Unidos, equipamentos mais modernos de impressão são importados, e com eles, tipógrafos, sobretudo portugueses. Mas a imprensa nem sempre correspondeu plenamente à velocidade da informação que a nova situação exigia. O “fumaréu” de incenso continuava “turibulando muitos governos”, com o surgimento de jornais – em geral de edição única – destinados a homenagear as autoridades (SANTOS, 1990, p. 19)

O Jornal do Comércio, por suas articulações políticas com as elites locais e pelo caráter político e informativo, rompeu com essa linha de elogios particulares dispensados diretamente às autoridades políticas da região. No entanto, como todo periódico e outro tipo de fonte, deve ser visto a partir da luz da crítica interna, sem ser tomado como uma parte objetiva do passado, uma informação que vale por si mesma, devendo ser buscada as relações no momento em que essa documentação foi produzida.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto/Edusp, 1988.

SANTOS, Francisco Jorge et al. Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851 – 1950) – catálogo de jornais. Manaus, 1990.


CRÉDITO DA IMAGEM:

Acervo da Prof. Dra. Maria Luiza Ugarte Pinheiro


Conhecendo o Arquivo Público do Estado do Amazonas


Prédio do Arquivo Público do Estado do Amazonas, na rua Bernardo Ramos, Praça Dom Pedro II, Centro.

O Arquivo Público do Estado do Amazonas, localizado na rua Bernardo Ramos, na Praça Dom Pedro II, bairro Centro, foi fundado em 19 de agosto de 1897 através de um decreto do então governador Fileto Pires Ferreira (1896-1898), tendo como objetivo guardar e conservar os documentos oficiais emitidos pelo governo. Antes, quando da instalação da Província do Amazonas em 1852, já é citada a organização do Arquivo Provincial1.

A estrutura atual do arquivo foi definida pelo Decreto n° 19.670, de 23 de fevereiro de 1999, tornando-o uma Coordenadoria subordinada à Secretaria de Estado da Administração, Coordenação e Planejamento (SEAD), que recolhe, organiza e divulga os documentos de valor histórico oriundos de diferentes esferas do poder público do Amazonas. Entre 2015 e 2017 essa instituição passou por reformas em sua estrutura física e administrativa, com recuperação da fachada, organização e catalogação dos documentos feita por historiadores e arquivistas Em 23 de maio de 2017 foram aprovados o Plano de Classificação e a Tabela de Temporalidade de Documentos das Atividades-Meio produzidos pela Administração Pública do Estado do Amazonas; e o Sistema de Arquivos e Gestão de Documentos do Estado do Amazonas (SAGED-AM). Em junho do mesmo ano foram instituídas a Comissão Central de Avaliação de Documentos e as Comissões Setoriais de Avaliação de Documentos.

A Tabela de Temporalidade de Documentos das Atividades-Meio é o instrumento que passa a determinar os prazos de permanência de cada documento em sua fase de vida2 e o tipo de arquivo ao qual será destinado, podendo ser arquivo corrente, arquivo intermediário ou arquivo permanente. O Sistema de Arquivos e Gestão de Documentos do Estado do Amazonas (SAGED-AM) dinamizou o trabalho sobre os arquivos, pois antes tratava-se apenas do destino dos documentos que já existiam. Agora o documento recebe tratamento desde sua criação, passando pelo uso, avaliação e arquivamento.

Os documentos do Arquivo Público do Estado do Amazonas são de natureza político-administrativa: Edições da Imprensa Oficial, edições do Diário da União, edições do Jornal do Comércio, Leis, Decretos, Constituições do Estado, Atas da Assembleia Legislativa, Falas e Exposições dos Presidentes da Província, documentos variados da Casa Civil e Atas da Polícia Militar do Amazonas. Os documentos originais mais antigos são datados de 1848, dos tempos da Comarca do Alto Amazonas, enquanto que em formato digital, através de cópias adquiridas em arquivos de Lisboa (Portugal) e Belém (PA), existem mapas, cartas e gravuras da Capitania de São José do Rio Negro. Além dessas fontes primárias, existe uma biblioteca de obras locais, nacionais e estrangeiras, com exemplares raros e há muito tempo esgotados, que está sendo organizada aos poucos, necessitando de um bibliotecário.

Ainda em fase de reorganização e de melhor catalogação, é difícil precisar a quantidade dos documentos em geral. Das informações obtidas na sondagem, sabe-se o seguinte: Do Diário Oficial do Estado já são mais 35. 532 exemplares (em circulação de 1893 aos dias de hoje), e de dossiês administrativos 21 mil.

O corpo de funcionários do Arquivo é formado por 11 pessoas, com formações variadas (Direito, Administração, Gestão Pública, Tecnologia da Informação, Serviço Social etc), efetivas ou que circulam por diferentes órgãos como a Secretaria de Estado de Cultura do Amazonas (SEC-AM), que cuidam da catalogação e preservação dos documentos, da recepção aos visitantes e da conservação do espaço. Salienta-se que nenhum deles possui formação em História ou Arquivologia.

O Arquivo Público do Estado do Amazonas, assim como outras instituições que guardam documentos históricos, têm uma trajetória marcada mais por “baixos” do que por “altos”. O antropólogo Geraldo Pinheiro, em texto de 1949 publicado no Jornal do Comércio, afirma que naquela época os documentos apodreciam “nos velhos e desaparelhados arquivos da cidade”3, o que nos revela um histórico de descaso com esses lugares. Até 2014, a situação do Arquivo Público era de se lamentar: Infiltrações e rachaduras no prédio, documentos amontoados em péssimas condições em depósitos, em avançando estado de deterioração e ausência de lugares apropriados para o trabalho dos pesquisadores. No entanto, o processo de recuperação entre 2015 e 2017 abriu novos horizontes para o trabalho do historiador na região, assim como permitiu o delineamento de projetos promissores.

A Secretaria de Estado da Administração, Coordenação e Planejamento (SEAD) está pondo em prática projetos para dinamizar o Arquivo Público. O Arquivo da rua Bernardo Ramos não recebe mais os documentos das várias secretarias do Estado, de forma a não sobrecarregar o local. Cada uma das instâncias do Estado, agora, fica responsabilizada pela preservação de seus documentos. Aos poucos os documentos do Arquivo estão recebendo tratamento e sendo digitalizados (estima-se que desde a reforma 30% dos documentos já receberam algum tipo de tratamento). A eliminação dos documentos, até o momento, é feita a partir de trocas e doações à outras instituições ou particulares.

Com as amigas Luana, Evellyn e Larissa, do curso de História, no final da visita. À esquerda, a gerente Thâmara Pereira, que aos poucos vai implementando mudanças significativas na instituição.

É de suma importância destacar o papel de Thâmara Pereira, servidora pública e atual gerente desse arquivo. Formada em Direito, Administração, Serviço Social e Gestão Pública, e enfrentando a resistência e o descaso de uma antiga administração de quase 30 anos, que acumulava péssimos resultados, conseguiu empreender reformas e projetos jamais antes vistos na instituição. Seu principal objetivo é abrir o Arquivo Público não somente aos pesquisadores, mas à comunidade como um todo, pois as pessoas, em suas palavras “devem ocupar esse espaço e vê-lo como parte de um rico patrimônio histórico”.

Visitar o Arquivo Público do Estado do Amazonas, conhecer sua estrutura, documentação e funcionários, além de seu caráter metodológico, nos faz refletir sobre o processo e as condições de trabalho dos historiadores, sobre os caminhos, nem sempre planos mas por vezes tortuosos, por nós percorridos. Só podemos fazer as fontes falar, dar vida aos documentos, construir narrativas, se espaços como os arquivos públicos estiverem em perfeitas condições de uso.


NOTAS:


1 ANJOS, José Geraldo Xavier dos. Cronologia do Arquivo Público. Disponível em: servicos.sead.am.gov.br/arquivopublico/institucional/cronologia-do-arquivo-publico. Acesso em 02/05/2018.

2 “O ciclo de vida dos documentos está dividido em três arquivos ou idades: 1° - arquivo corrente ou de 1° idade, formado por documentos de uso exclusivo das instâncias que os geram e somente por elas consultados. 2° - arquivo intermediário ou de 2° idade, formado por documentos que deixaram de ser consultados, mas que podem ser solicitados caso surja alguma necessidade pelas unidades geradoras. A permanência destes em arquivos é temporária. 3° - arquivo permanente ou de 3° idade, formado por documentos que já cumpriram suas funções originais, e que agora são preservados em relação ao valor histórico-cultural que possuem, podendo ser consultados por instituições ou terceiros”. AMAZONAS (ESTADO). SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO E GESTÃO. Manual Técnico do Sistema de Arquivos e Gestão de Documentos do Estado do Amazonas. Manaus: ed, 2017, p. 11.

3 Manaus e seus historiadores. Jornal do Comércio, 26/02/1949.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Larissa Leite, 2018.

domingo, 6 de maio de 2018

Resenha: Um Olhar pelo Passado, de Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1897)


Em 1990 a Prefeitura de Manaus reeditou o livro Um Olhar pelo Passado, publicado originalmente em 1897, pequeno trabalho de pouco mais de 20 páginas elaborado pelo jornalista Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1840-1919) e oferecido ao governador Fileto Pires Ferreira. A tiragem se esgotou rapidamente e o livro não voltou a ser reeditado, o que é uma pena. Apresento aos leitores uma breve resenha dessa obra:

O autor, filho de João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861), primeiro Presidente da Província do Amazonas, não tinha a pretensão de realizar um trabalho histórico, afirmando não "ter competência para fazer o histórico do desenvolvimento material da cidade de Manaus". No entanto, parte de seu trabalho é baseado no que viu durante a vida e do que foi encontrado "nos archivos públicos desta capital, Barcellos, Itacoatiara e Teffé" (ARANHA, 1897, p. 9).

O ponto de partida de seu livro é o ano de 1791, com a transferência, por iniciativa do governador Lobo D' Almada, da capital da Capitania de São José do Rio Negro de Barcelos para o Lugar da Barra, "por offerecer mais vantagens ao commercio e à administração dos negócios políticos e civis da Capitania" (ARANHA, 1897, p. 9). Bento Aranha lista os governadores da Capitania desde sua fundação em 1757: Joaquim de Mello e Póvoas, Gabriel de Souza Filgueiras (interino), Nuno da Cunha Athayde Vianna (interino), Valerio Corrêa Botelho d' Andrade (interino), Joaquim Tinoco Valente, posteriormente uma junta governativa formada por oito membros, Manoel da Gama Lobo d' Almada, José Antônio Salgado, José Joaquim Vitório da Costa e Manoel Joaquim do Passo.

Bento Aranha, agora, se dedica à fundação da cidade de Manaus, citando a criação, por Pedro da Costa Favela, auxiliado por um missionário e índios aruaquis, da primitiva aldeia onde hoje está localizada a capital do Amazonas. Posteriormente, padres carmelitas criaram uma Missão, cabendo a Manoel da Mota de Siqueira a construção da fortaleza. O autor cita a construção de outros fortes a partir da segunda metade do século XVIII: Os fortes de S. Gabriel da Cachoeira do Corucovi e de S. José de Marabitanas, construídos em 1763; o de S. Francisco Xavier de Tabatinga, em 1765; e o de S. Joaquim do Rio Branco, em 1775.


É dado destaque ao governo de Manuel da Gama Lobo D' Almada, que impulsionou a vida do Lugar da Barra, criando 


"1 padaria de pão de arroz moido em atafoma movida por bestas; 1 fabrica de panno de algodão (em rolos) tendo 18 teares e 10 rodas de fiar com 24 fusos cada uma; 1 cordoaria de cordas e amarras de piassaba e calabres; 1 fabrica de fecula de anil; 1 nora para distribuir agua para a fábrica de anil e para uma hora; 1 horta; 1 olaria com excellentes amassieiras, estendedouros, fornos calcinatorios e de torrefação de telha e ladrilho;1 fabrica de velas de cera; 1 açougue; 1 ribeira para a construcção de canoas; 1 fabrica de redes de fio d' algodão; 1 fabrica de redes de fibras de tucum, curauhá e murity; e muitos engenhos de moer canna e fabricar cachaça e mel"(ARANHA, 1897, p. 11-12).


Os anos finais do período colonial da Capitania de São José do Rio Negro foram administrados por uma junta provisória formada por Antonio da Silva Craveiro, Bonifacio João de Azevedo, Manoel Joaquim da Silva Pinheiro e João Lucas da Cruz. Em 9 de novembro de 1823 a Capitania de S. José do Rio Negro jura fidelidade à D. Pedro I. Uma junta governativa administraria a região até 1825, quando esta foi incorporada ao Grão-Pará na condição de Comarca.

Após citar a resolução de 1833 da Província do Grão-Pará que estabeleceu a divisão das comarcas e alterou os antigos nomes de suas vilas; e levantar alguns dados sobre o Lugar da Barra entre 1832 e 1852, Bento Aranha entra na segunda parte de sua obra, composta de reminiscências históricas, de  descrições de paisagens, ruas e caminhos de Manaus que viu entre 1852 e 1889:

"Era cortada a cidade da Barra, como a conheci em 1852, ao Norte pelo igarapé da Castelhana, que desagua no da Cachoeira Grande e pelo dos Remédios (Aterro), no logar denominado Mocó, cujas aguas lançam-se no Rio Negro. Este ultimo igarapé dividia o bairro da Republica do dos Remédios. Ao Occidente o igarapé da Cachoeira Grande limitava a cidade, e entre elle e o do Espirito Santo corriam os igarapés de S. Vicente, cuja fonte estava situada na extrema Occidental da rua da Palma, hoje denominada Saldanha Marinho; e o da Bica, seu affluente, que nasce na rua 10 de julho, ainda não existente nessa epocha, e cujo leito estende-se ao longo do largo da Polvora, formando com o igarapé da Cachoeira Grande o arrabalde denominado Cornetas e Sacco do Alferes. Abaixo do igarapé de S. Vicente desaguava no Rio Negro um outro que denominava-se do Seminário, cuja nascente era na rua Brazileira, tendo sido transformado depois na praça da Imperatriz. Estes dous igarapés formavam o bairro de S. Vicente, assim como o do Seminario e o do Espirito Santo o bairro que tomava o do deste nomes"(ARANHA, 1897, p. 15-16).

Rua da Palma, S. Vicente, Largo da Pólvora, Saco do Alferes, rua Brasileira, rua Feliz Lembrança, rua do Sol, rua da Lua, travessa do Cantagalo, rua das Flores e outros tantos nomes pitorescos de lugares há muito modificados ou desaparecidos. Casas cobertas de palha, protegidas por cercas de madeira, sobrados em construção e outros arruinados. Bento Aranha nos apresenta a geografia da cidade nos tempos provinciais, uma geo-história, sempre recorrendo à sua memória, como na passagem a seguir:

"Em 1865 existiam no igarapé de Manaus alguns sitios, sendo destes os mais longinquos o da Curiboca Mãe, de D. Maxima Alvarenga, da velha cabocla Patricia, do velho João Cuyabá, do velho Cidade, e da velha Clementina" (ARANHA, 1897, p. 16).

Das modestas transformações do período, cita a construção do Cemitério de S. José, a "[...] abertura das estradas Ramos Ferreira [...] e 7 de Dezembro" (ARANHA, 1897, p. 19) e de outras vias públicas. À essa descrição de logradouros públicos segue-se uma relação de construções existentes em Manaus antes de 1852, das quais destacavam-se o Palácio dos Governadores, o Quartel, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, o Forte de S. José da Barra do Rio Negro (em ruínas), o Hospital Militar, a Olaria e a Cordoaria. O livro termina com uma abordagem sobre os rios até então conhecidos e mais explorados, como o Madeira, Içana, Japurá e Purus, todos visados por comerciantes amazonenses, paraenses, portugueses, maranhenses e mato-grossenses.

Qual o lugar do autor e a importância de sua obra? Em um interessante texto publicado no Jornal do Comércio em 1949, o antropólogo Geraldo Pinheiro, traçando um breve panorama dos historiadores manauaras, afirma que inegavelmente o primeiro historiador da cidade foi Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, que se dedicava à pesquisa em arquivos, à organização de bibliotecas, ao uso da memória, e que escrevia textos de história em periódicos locais. Sobre um 'Um Olhar pelo Passado', diz o antropólogo que "[...] é sem favor algum a primeira contribuição à história topográfica da cidade, das suas ruas e nomenclaturas, tão bem explicada com amor e dedicação aí por volta de 1897" (PINHEIRO, 1949).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Um Olhar pelo Passado. Manaus: Prefeitura Municipal/GRAFIMA, 1990. [original de 1897].

PINHEIRO, Geraldo de Macedo. Manaus e seus historiadores. Jornal do Comércio, 26/02/1949.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Anúncios diversos do Amazonas (1890-1925)

Continuando o texto sobre os anúncios do Amazonas, dessa vez trago recortes de periódicos, álbuns e revistas locais publicados entre 1890 e 1925, período em que verificam-se mudanças profundas nos hábitos e costumes da sociedade manauara, a abertura de novos estabelecimentos comerciais, o oferecimento de novos serviços e a evolução das técnicas de propaganda (produção e circulação), todos influenciados pela entrada de capitais estrangeiros na região.

Entre os anos finais do Império e os primeiros anos da República, com o aumento da demanda internacional pela goma elástica, Manaus, em processo de estruturação para se tornar uma capital comercial, se tornou um polo atrativo para diferentes profissionais, nacionais e estrangeiros. Nesse anúncio, o artista italiano Artur Luciani, formado pela Real Academia de Siena, na Itália, oferece serviços como pintura de quadros, de letreiros, trabalhos cenográficos e limpeza de quadros velhos e molduras. Atendia em três diferentes lugares da cidade: na casa do armador J. Carvalho & Cia, no ateliê de Francisco Candido Lyra, na rua Marcílio Dias, e no seu próprio ateliê, na antiga rua Conde d' Eu (rua Monsenhor Coutinho). Manaus, 1890.

Prezava-se cada vez mais pela qualidade e pela procedência dos produtos, fazendo-se questão de estampá-los com os mínimos detalhes nos informes. As farinhas de trigo das marcas Romeu e Julieta eram produzidas com trigo do Estado de Maryland, nos Estados Unidos. Acrescenta-se que eram produzidas dias antes do embarque, o que conservava suas propriedades, além de não receberem qualquer aditivo em suas fabricações. Manaus, 1893.

Os anúncios tornaram-se mais atrativos, com alta qualidade gráfica, textos bastante detalhados e, em alguns casos, com fotos do estabelecimento. A Livraria Palays Royal, de Lino de Aguiar & Cia, localizada na rua Municipal (rua Fileto Pires, Avenida Sete de Setembro) foi por décadas a mais importante da capital, abastecendo órgãos públicos e estabelecimentos de ensino, e editando livros didáticos e paradidáticos de autores como Agnello Bittencourt, Bertino Miranda e Djalma Batista. Recebia os principais lançamentos diretamente do Rio de Janeiro, além de encomendar obras e assinar jornais e revistas estrangeiras e nacionais. Além da livraria, também funcionava como papelaria e tipografia. Manaus, 1896.

Os hotéis, hospedarias e pensões se proliferaram na capital no contexto de seu crescimento e modificação do espaço urbano para atender as demandas impostas pelo capital internacional. Esses estabelecimentos atendiam viajantes e pessoas em vias de se estabelecer na cidade como operários, profissionais liberais e funcionários públicos. O Grand Hotel, instalado em um palacete na rua Municipal (Avenida Sete de Setembro), possuía jardim, terraço para recreação, cozinha dirigida por um chefe, aposentados mobiliados e oferecia banhos frios e quentes, cervejas e outras bebidas geladas. Também recebia encomendas de jantares, banquetes e ceias. Notem que, por duas vezes, destacam-se as palavras higiene e ordem. Esses estabelecimentos recebiam diariamente a visita de fiscais da intendência, que avaliavam seus pormenores. Se irregularidades fossem encontradas, era dado um prazo para resolvê-las e, caso não fossem sanadas, o estabelecimento era interditado. Manaus, 1900.

Os bares e botequins, assim como os hotéis, também surgiram em grande número, indo da zona portuária às vias mais afastadas da região central. Notem a qualidade da divulgação do High Life Bar, de Bento & Cia, localizado em dois endereços, nas ruas Marquês de Santa Cruz (cujo prédio ainda existe) e Marechal Deodoro. Essa fotografia do interior do estabelecimento, além de nos apresentar um ambiente puramente masculino, nos permite ver o que era comercializado: bebidas de diferentes tipos (café, leite gelado, chocolate, chopes), farinhas, fiambres, queijos, peixes, frutas, conservas finas, charutos e cigarros. Manaus, 1910.

Novos estabelecimentos também eram abertos em cidades do interior do Amazonas. Não existia um único lugar em que as mudanças econômicas não chegassem, fossem elas positivas ou em sua maioria negativas. Como na capital, uma pequena elite prezava pelo mínimo de serviços mais sofisticados. Em Itacoatiara, o Café Internacional, propriedade de Ferreira & Martins, localizado em frente à Praça 13 de Maio, era uma pequena réplica dos grandes cafés instados em Manaus. Itacoatiara, 1910.

Além de fotos do estabelecimento, os anúncios também passaram a estampar fotos dos proprietários e do corpo de funcionários, trabalhos esses realizados por fotógrafos profissionais. Notem o interessante jogo de palavras que os Grandes Magazins de Modas e Confecções Au Bon Marché (o prédio ainda existe, funcionando como estabelecimento comercial), fazem para apresentar o restante das informações: o nome dos donos, Lifsitch & Russo, e a localização, na rua Municipal (Avenida Sete de Setembro). Manaus, 1914.

Quando os anúncios não vinham acompanhados de fotografias, os desenhos também mostravam-se bastante ricos, como esse, uma personagem feminina mascarada, que estampa o informe da chegada de novos artigos para Carnaval, sempre bastante concorrido na cidade, na Perfumaria Universal, na rua Henrique Martins. Manaus, 1920.

A Fábrica 'Mimi', montada na rua 24 de Maio e movida à eletricidade, foi um grande empreendimento de época, propriedade de R. Costa & Cia, estando dividida em cinco sessões: panificação, bolacharia e biscoitaria, torrefação, trituração e moagem e artigos finos. O anúncio vem acompanhado das fotos de José Nunes de Lima, Chefe da empresa e diretor do estabelecimento e Antonio Romualdo Costa, sócio da empresa e Diretor-Técnico das seções fabris. Manaus, 1925.


FONTES (PERIÓDICOS E REVISTAS):

Jornal Amazonas
Diário de Manáos
Álbum Comercial de Manáos (1896)
Comércio do Amazonas
Indicador Illustrado do Amazonas (1910)
Revista Cá & Lá (1914)
Revista Redempção (1925)

segunda-feira, 30 de abril de 2018

Anúncios diversos da Província do Amazonas (1857-1884)

No presente texto selecionei alguns anúncios de jornais que circularam no Amazonas no período provincial, entre 1857 e 1884. São recortes de casas comerciais, de grande e médio porte, de recompensas para captura de escravos, de serviços oferecidos por particulares, de produtos importados etc. A partir desses anúncios pode-se compreender parte da dinâmica comercial na Província do Amazonas, conhecer os produtos que circulavam na região e ter uma noção de como funcionava a publicidade no século XIX.

José Piranga, escravo negro e oficial de calafate, humilde e com 32 anos, fugiu do domínio de José Joaquim de França, no dia 9 de abril de 1857, levando consigo seu filho de nome Cipriano, de 13 anos de idade. Percebam como funcionava a circulação de escravos: José Piranga foi escravo do Capitão Thomaz, de Villa Bella, sendo posteriormente comprado por José Coelho do Itaituba, que o vendeu a José Joaquim de França, o anunciante. O proprietário oferecia uma gratificação a quem os trouxesse de volta, assim como a repressão àqueles que lhes dessem abrigo. Serpa (Itacoatiara), 10 de abril de 1857.

Mesquita e Irmãos, grandes comerciantes da época, estabelecidos na antiga rua do Imperador (Marechal Deodoro), anunciam para aluguel um escravo que entende de cozinha. O aluguel de escravos garantia uma boa renda aos proprietários. Manaus, 1866. 


O Major Tapajós, das 9 da manhã às 3 da tarde oferecia em sua casa serviços fotográficos, utilizando os mais diferentes sistemas. Também fazia retratos em casas particulares e tirava fotos de pessoas falecidas, revelando a existência da prática de fotografias mortuárias no Amazonas. Além de trabalhar com fotografias, concertava caixas de música. Manaus, 1866.

A Saboaria Vista da Alegre, de Amorim & Irmãos, foi premiada na II Exposição Nacional de 1866, no Rio de Janeiro. Além de comercializar na cidade, também exportavam seus produtos, sabões pretos e amarelos, para o interior da Província. O depósito ficava na rua Brazileira (Sete de Setembro), cuja referência era a loja de nove portas. Manaus, 1868.

José Joaquim Ribeiro Couto, proprietário da loja Ville de Pariz, localizada entre a Travessa da Matriz (Lobo D' Almada) e a rua dos Inocentes (Visconde de Mauá), investiu pesado na divulgação de seus produtos importados através de um rico e interessante trabalho artístico com motivos florais. As fazendas, perfumes, chapéus, cintos e outros objetos que anuncia formam uma ampulheta. Manaus, 1869.

Por 2 mil réis o quilo e meio (o pagamento deveria ser feito à vista) era possível encomendar gelo de Antonio Rodrigues Soares, estabelecido na Praça da Imperatriz (Praça da Matriz de Nossa Senhora da Conceição). Manaus, 1878.

Profissionais liberais também anunciavam seus serviços. O advogado Luiz Mesquita de Loureiro Marães atendia no escritório da redação do jornal Comércio do Amazonas, na rua Henrique Martins, N° 18. Manaus, 1880.

Todos os dias, das 5 às 7 da manhã, um certo 'Braga', morador da rua Henrique Martins, vendia leite de vaca, possivelmente ordenhado na hora. Esse tipo de comércio passaria a enfrentar grandes dificuldades a partir das décadas finais do século XIX, quando foram instituídos Códigos de Posturas mais rígidos em relação à comercialização de produtos naturais e a higiene envolvida nos processos. Manaus, 1880.

O doutor D. F. Deserbelles, cirurgião dentista, oferecia seus serviços em um gabinete dentário instalado em uma das casas do Barão de São Leonardo, no Largo de São Sebastião, após retornar de uma viagem pelo rio Purus. Manaus, 1884.


FONTES (PERIÓDICOS):

Estrella do Amazonas
Jornal  Amazonas
Jornal do Rio Negro
Comércio do Amazonas
Almanaque Administrativo, Histórico, Estatístico e Mercantil da Província do Amazonas (1884)