segunda-feira, 15 de novembro de 2021

O movimento Republicano no Amazonas

O Amazonas aderiu à República em 21 de novembro de 1889. Naquela data o último Presidente da Província, Manuel Francisco Machado, o Barão do Solimões, entregava o Governo à Junta Governativa Provisória, constituída por Domingos Teófilo de Carvalho Leal, Manoel Lopes da Cruz e Antônio Florêncio Pereira do Lago. Não chegou-se a constituir um movimento republicano de grandes proporções como em outras regiões do Império, o que não quer dizer que ele tenha sido menos importante.

O comerciante, arqueólogo, numismata Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (1851-1931) registra que o movimento Republicano no Amazonas ia se desenvolvendo lentamente e fazendo adeptos da causa (RAMOS, 1929, p. 01). Um dos mais antigos republicanos do Amazonas foi o jornalista e historiador paraense Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1841-1919), filho do primeiro Presidente da Província do Amazonas, João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1798-1861). Bento Aranha defendia os ideais republicanos através da imprensa, criticando tanto a família imperial quanto o Governo da Província. Por suas ações chegou a ser preso e afastado de cargos públicos.

Em 29 de junho de 1889 foi fundado, no Largo de São Sebastião, o Clube Republicano do Amazonas (RAMOS, 1929, p. 01). Foram membros fundadores Domingos Theophilo de Carvalho Leal, Gentil Rodrigues de Souza, Bernardo de Azevedo da Silva Ramos, Olympio F. da Motta, Aureliano A. Fernandes, João Francisco Soares Filho, Graccho de Souza Freire, Manoel Carlos Cabral, Faustino L. Mendes, José Arthur Pinto Ribeiro Filho, João da Cruz M. Fernandes, Joaquim Serra Carvalho, Joaquim Ferreira Prata, José Telles de Souza Lima, João Rodrigues de Mello, José Pinto de Araújo Rebello Junior, Manoel Mendoza, J. V. Catharino Silva, Sergio Gollaço Vera, Raymundo Baptista Duarte, Antonio José Ferreira Netto, Francisco de Araújo Dias, Rodolpho Pinto Mesquita, Eduardo da Silva Perdigão, Capitão João Eneas da Silva, João Vianna, Julio Pinto de Almeida, Francisco Marques de Lemos Bastos, Antonio José Ferreira Netto, Hygino José Claudino Oliveira, Francisco Sisnando Baptista, Almachio Alisidino Pinto Bandeira, Francisco de Barros Cardoso, Ernesto de Pinho Ferreira, Trajano Gomes da Costa, José Jeronymo Bandeira de Mello, Augusto Botelho da Cunha e João Gonçalves Pinto (RAMOS, 1929, p. 01).

A instalação do Clube Republicano do Amazonas ocorreu em 03 de julho, data em que aportou na cidade Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orléans, o Conde d'Eu (1842-1922), em viagem às Províncias do Norte do Império. A direção do clube distribuiu boletins convidando a população para a solenidade, protestando contra o fato de só existirem no Amazonas jornais que defendiam a Monarquia. Bernardo Ramos conta que um desses boletins chegou às mãos do Conde d'Eu, que perguntou ao Presidente da Província: "Também por cá já há disto?". O Presidente, confirmando, perguntou se ele não gostaria que os membros dessa organização fossem castigados, no que ouviu: "Não, não vim aqui tolher a liberdade de ninguém" (RAMOS, 1929, p. 01). De acordo com Arthur Cezar Ferreira Reis, os republicanos lançaram um manifesto em que pediam, além da Proclamação da República, 

"[...] o restabelecimento do crédito e das finanças da província, diminuição dos impostos, garantia do funcionalismo provincial e municipal, organização do ensino público tornando-o livre, criação de escolas técnicas e agrícolas, proteção ao indígenas, desenvolvimento da navegação interna e externa pela livre concorrência, desenvolvimento da indústria fabril, rural e comercial, organização do trabalho" (REIS, 1989, p. 243).

No dia 21 de novembro surge o jornal O Americano, com redação e tipografia na Praça Tamandaré, atual Tenreiro Aranha. Essa folha era descrita como uma defensora dos ideais republicanos, contra a monarquia e seus privilégios. Nesse mesmo dia, após quase uma semana do ocorrido, chegou à Manaus a notícia de que na capital Federal os militares haviam proclamado a República. Arthur Cezar Ferreira Reis explica com detalhes como a notícia chegou ao Amazonas: "Não havia telégrafo pondo o Amazonas em comunicação com o Sul. A linha chegava apenas até Belém, de sorte que só à tarde, às 17 horas de 21 de novembro, fundeado no porto de Manaus, o vapor Manaus, da Companhia Brasileira de Navegação, hoje Lloyd Brasileiro, soube a cidade do que se estava passando no país" (REIS, 1989, p. 244). Joaquim Travassos da Rosa, Antonio Filipe de Souza e Antônio Pedro Borralho, membros da Junta Provisória do Pará, inteiraram o Clube Republicano do Amazonas sobre os fatos que haviam ocorrido no Rio de Janeiro.

A adesão à República ocorreu no Eden-Theatro, localizado na Praça Dom Pedro II, posteriormente Praça da República. Ali foi organizado um governo provisório constituído por três membros do Clube Republicano do Amazonas: Domingos Teófilo de Carvalho Leal, Manoel Lopes da Cruz e Antônio Florêncio Pereira do Lago. O novo governo, ao lado da população, que estava eufórica, se dirigiu ao Palácio do Governo (Paço da Liberdade) ao som da Marselhesa, onde encontrou o Presidente da Província, Manuel Francisco Machado, o Barão do Juruá. Ele não ofereceu resistência, entregando o cargo.

Ao comentar a Proclamação da República, um articulista de O Americano escreveu:

"O povo brazileiro, neste momento solemne em que se apresenta perante o mundo proclamando a sua liberdade, e expulsando do seio da patria os vampiros da realeza, essa familia privilegiada que especulava com a nossa generosidade, para alimentar a vaidade de uma supposta fidalguia, o povo brazileiro se mostra verdadeiramente heroico, verdadeiramente grande" (O AMERICANO, 21/11/1889, p. 01).

O Governo Provisório do Amazonas administrou o Estado até 04 de janeiro de 1890, quando foi nomeado para o cargo o político e militar gaúcho Augusto Ximeno de Vilerroy (1862-1942), que o ocupou até 02 de novembro do mesmo ano. Nesse pouco tempo empreendeu algumas mudanças: dissolveu a Assembleia Provincial e as câmaras municipais, fazendo novas nomeações, acabou com o ensino religioso, criou novas escolas, o Instituto Normal Superior e extinguiu o Museu Botânico. Encerra-se assim a primeira fase do movimento republicano no Amazonas.

FONTES:

O Americano, 21/11/1889.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

RAMOS, Bernardo de Azevedo da Silva. A República no Amazonas, I. Jornal do Commercio, Manaus, 09/06/1929, p. 01-01.

RAMOS, Bernardo de Azevedo da Silva. A República no Amazonas, II. Jornal do Commercio, Manaus, 23/06/1929, p. 01-01.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. 2° ed. Belo Horizonte: Itatiaia [Manaus]: Superintendência Cultural do Amazonas, 1989.

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Lágrimas de Saudade: o Dia de Finados

Cemitério de São João Batista, em Manaus, durante o Dia de Finados de 1935. Colorização digital. FOTO: Robert Swanton Platt. FONTE: University of Wisconsin - UWM Libraries.

Hoje boa parte da humanidade reverenciará seus mortos. A História registra que a data foi instituída primeiramente na Abadia de Cluny, na França, em 02 de novembro de 998 pelo Abade Odilon, posteriormente Santo Odilon (962-1049). Ele determinou que a partir daquele momento, em todo 02 de novembro, Igreja e comunidade dedicariam orações aos mortos para que estes diminuíssem a estadia no Purgatório e alcançassem o Paraíso. A partir daí a data tornou-se uma das principais do calendário cristão. Mas muito antes disso os seres humanos já se dedicavam com afinco aos que faleciam. Os homens pré-históricos enterravam seus semelhantes com objetos como pedras, conchas, estatuetas e armas, o que mostra, já naquele período, a crença na vida após a morte. O filósofo e antropólogo francês Edgar Morin, autor de O Homem e a Morte (1970), afirma que não existe nenhum grupo, por mais arcaico que seja, que abandona seus mortos, e que os cuidados dedicados a eles, como a construção de monumentos, são uma das principais características de nossa espécie.

Quando os portugueses e espanhóis chegaram à América, depararam-se com diferentes sociedades, cada uma com suas formas de encarar a morte. Os Maias e Astecas, por exemplo, celebravam seus mortos no nono mês do calendário solar, realizando grandes festas com banquetes, danças e músicas. Os povos do litoral brasileiro, registrou Frei Vicente do Salvador em História do Brasil (1500-1627), embrulhavam os cadáveres nas redes em que dormiam e os sepultavam em covas profundas com comida, tabaco, água e armas. As mulheres e filhas se pintavam e choravam dias a fio. Às práticas nativas mesclaram-se as oriundas da Velha Europa Medieval, Cristã Católica. Em seguida vieram as influências africanas através dos escravos, com seus cultos aos ancestrais. Os enterros, como já ocorria na Europa desde a Antiguidade tardia, passaram a ser realizados no interior e ao redor das igrejas. Quanto mais importante e rica a pessoa, mais próxima do altar ela era sepultada. Ricos templos de Salvador, Recife, Rio de Janeiro e Minas Gerais ainda ostentam lápides de séculos passados.

Os cemitérios como conhecemos são produto de uma nova mentalidade em relação à morte surgida entre os séculos XVIII e XIX. Os enterros em Igrejas e seus terrenos passaram a ser combatidos em nome da saúde pública, pois esses lugares estavam localizados na área urbana, emanando, segundo especialistas, gases putrefatos sobre a população. Médicos recomendaram às autoridades a construção de cemitérios afastados das regiões mais habitadas. Mas mesmo na Europa, dita adiantada, foi encontrada resistência por parte dos adeptos desse costume. Cemitérios no Brasil apenas por volta de 1850, quando epidemias de cólera e febre amarela forçaram suas construções. Em Manaus, então Cidade de Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro, os mortos eram enterrados na antiga Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Igreja de Nossa Senhora dos Remédios e em seus largos. Crianças, jovens e adultos enterrados em terrenos úmidos, pegajosos, muitas vezes impróprio, mas santos. Era o que importava no final. Era no claustro da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios que a família Antony ia chorar a sua inocente Leocádia, falecida em 09 de janeiro de 1854 e ali sepultada. Era nas Igrejas que a população da Barra visitava seus entes queridos. O primeiro cemitério da cidade surgiu de improviso em 1854 através do cercamento do terreno que ficava atrás da Igreja dos Remédios e que já era utilizado como local de sepultamento. O Cemitério dos Remédios funcionou até 1856, quando, sem espaço para receber a grande quantidade de vítimas da febre amarela, foi desativado. Nesse mesmo é aberto na Estrada da Cachoeira Grande (Avenida Epaminondas) o Cemitério de São José, concluído em 1859.

Por mais de três décadas as romarias de Dia de Finados dirigiram-se ao Cemitério de São José, à época em região afastada da zona urbana, como preconizavam as autoridades. Em frente a ele foi aberto, em 1865, um largo, logo batizado de Largo da Saudade, hoje Praça da Saudade. Os preparativos começavam semanas antes, com a limpeza e ornamentação dos túmulos. As visitas tinham início no dia 01. Seguia-se um roteiro. Às 9 horas eram realizadas as missas e a encomendação das almas pelo Vigário Geral. As músicas eram cantadas pelos alunos do Instituto de Educandos Artífices. Novos ofícios religiosos eram realizados pela parte da tarde. À noite encerrava-se a visitação. Sobre a comemoração de 1885, um articulista do ‘Jornal do Amazonas’ escreveu que “a concorrência foi enorme, e a dor foi sincera”. O mesmo ocorria distante do Centro, no bairro de São Raimundo, que contava com um cemitério para as vítimas da varíola desde a década de 1870. Em 1888 ele passou a atender o público em geral. A memorialista Elza Souza, autora de Do “Alto” da minha colina – sem os bucheiros o bairro de São Raimundo Perdeu o Encantamento (2008), registra que algumas famílias abastadas da cidade construíram no local mausoléus luxuosos, que contrastavam com os montículos de terra das pessoas mais humildes oriundas do próprio bairro, habitado em sua maioria por retirantes, pescadores e operários.

Os cemitérios de São José e de São Raimundo, ambos sem espaço, foram desativados em 1891, ano em que foi inaugurado, no dia 05 de abril, o Cemitério de São João Batista, no antigo bairro do Mocó (Vila Municipal, Adrianópolis/Nossa Senhora das Graças), ainda hoje em atividade. O novo cemitério era obra do Governo modernizador de Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900). Manaus, agora capital da borracha, necessitava de obras à altura de sua nova condição de cidade exportadora e centralizadora das atividades econômicas da região. A necrópole, melhorada ao longo dos anos, tornou-se reflexo dessa busca pelo progresso. Cemitério da elite, espaço cívico, última morada de grandes personalidades e pessoas afortunadas, enterradas nas quadras principais em mausoléus suntuosos, verdadeiras obras de arte esculpidas em mármore e assinadas por marmorarias e artistas renomados. O luxo em um local em que se acreditava ocorrer um nivelamento social explica-se pelo desejo do burguês de buscar sempre diferenciar-se e atestar seu poder. O homem continuaria vivendo enquanto fosse lembrado, defendia a filosofia Positivista. Cemitério também do povo, mas em quadras mais afastadas e em jazigos simples. Diferenças em vida que permaneciam na morte. Que trágico e poético.

A Prefeitura organizava – como ainda faz – todos os detalhes para as comemorações. Cuidava da limpeza das quadras, do aparo da vegetação, da disponibilização de bondes suficientes para levar a população para o Cemitério de São João Batista e da segurança pública. Nos jornais eram publicados anúncios de venda de velas, flores, cruzes, imagens sacras, instalações elétricas e outros adereços para túmulos. Em frente ao cemitério eram instaladas barracas para a venda de comidas e bebidas. A mesma agitação era verificada nos bairros periféricos de São Raimundo e Colônia Oliveira Machado. Este último tinha um cemitério, o de São Francisco, aberto no Governo de Constantino Nery (1904-1908). Nessa época, e por época podemos compreender aqui o período 1890-1960, utilizava-se uma indumentária própria para esse dia. De acordo com o antropólogo e historiador Thales Olympio Góes de Azevedo, autor de ‘Ciclos da vida: ritos e ritmos’ (1987), as mulheres usavam roupas pretas e roxas em combinação com o branco e véu para cobrir o rosto. Os homens usavam fumo no braço direito ou na lapela e roupa escura, cinza e branca. Essas cores eram associadas à morte e ao luto. 

Na década de 1960 os cemitérios de São João Batista, Santa Helena, no bairro de São Raimundo, e São Francisco, no bairro Colônia Oliveira Machado, já estavam sem espaço. Para sanar esse problema foram construídas na década seguinte mais duas necrópoles: o Cemitério de Nossa Senhora de Aparecida, conhecido como Cemitério Tarumã, e o Cemitério Parque de Manaus, ambos localizados no bairro Tarumã, na zona Oeste. O Cemitério Parque de Manaus seguia o modelo dos modernos cemitérios parques norte-americanos, sem construções e apenas com placas de identificação. Abria-se um novo tempo, o da praticidade. Economizava-se tempo e dinheiro.

Que alívio, depois de um ano turbulento por conta da Covid-19, que acabou impedindo a visitação aos campos santos em novembro de 2020, poder se deslocar para reverenciar aqueles que foram caros em vida. O mesmo ocorreu em 1918, durante a pandemia de Gripe Espanhola. Nesse Dia de Finados o manauara visitará não só o Cemitério de São João Batista, entre os bairros de Adrianópolis e Nossa Senhora das Graças, o Cemitério de São Francisco, hoje no Morro da Liberdade, o Cemitério de Nossa Senhora de Aparecida e o Cemitério Parque de Manaus, no bairro Tarumã, mas também o Cemitério de Nossa Senhora da Piedade, no Tarumã; e o Cemitério de Santo Alberto, na Colônia Antônio Aleixo. Não mais de bonde, mas de carro e ônibus. Nem de preto, cinza, branco ou roxo. Os simbolismos foram abandonados. Mas irá com o mesmo sentimento de saudade que tão bem caracteriza essa data há milênios.


Cemitério de São Francisco, em Manaus

Alguns jazigos do Cemitério de São Francisco. FOTO: Roberto Mendonça, 2018.

A Colônia Oliveira Machado, inicialmente conhecida como Colônia Santa Maria, era uma colônia agrícola criada pela Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas em 08 de julho de 1854. Nela trabalhavam colonos de origem portuguesa e espanhola que vieram para o Brasil para substituir a mão de obra escrava africana após o fim do tráfico de escravos em 1850. A colônia não apresentou resultados satisfatórios, ficando abandonada até 1888, quando passou a receber famílias de migrantes nordestinos que fugiam da seca. Em 02 de abril de 1889 o Presidente Joaquim de Oliveira Machado a batizou com o seu nome (LEÃO, 2010). O local carecia de boa infraestrutura. Faltava o básico, como escolas, estabelecimentos comerciais e um cemitério público, que só surgiria no final daquele século. Antes disso, os moradores mais antigos relatam que os enterros eram feitos nos terrenos de suas propriedades.

O Cemitério da Colônia Oliveira Machado, dito de São Francisco (atualmente localizado no bairro Morro da Liberdade, surgido através de desmembramento da Colônia Oliveira Machado), tem origens que remontam ao ano de 1898. No Governo de José Cardoso Ramalho Júnior foi decretada a Lei N° 240 de 13 de Outubro daquele ano, que “auctoriza o Governo do Estado a abrir o crédito necessario para a construcção de um cemiterio na colonia ‘Oliveira Machado’” (DIÁRIO OFFICIAL, 19/10/1898, p. 01). Autorizada a abertura de crédito, o cemitério foi aberto e concluído anos mais tarde “[…] pelo governo do Estado na administração do Dr. Antonio Constantino Nery [1904-1908]” (RELATÓRIO DA COMISSÃO ORGANIZADORA DO TOMBO DOS PRÓPRIOS DO MUNICÍPIO, 1922). Durango Duarte cita o ano de 1908 como sendo o de sua fundação. O primeiro enterro, de Manoel José de Santana, foi realizado em 12 de maio daquele ano (DUARTE, 2009, p. 153).

Mesmo sendo contemporâneo do Cemitério de São João Batista, sua localização e, claro, a condição de cemitério suburbano, o tornava um local de difícil acesso pelo poder público, o que o fazia sofrer com problemas em sua estrutura e conservação. Em relatório apresentado ao Conselho Municipal em 05 de outubro de 1909, o Superintendente Agnello Bittencourt afirmava que o cemitério da Colônia Oliveira Machado estava “com a cerca a desabar” (RELATÓRIO, 05/10/1909).

Apesar da situação de abandono, os moradores da região não deixavam se relacionar com esse espaço. No dia 01 de janeiro de 1908, Luiz Maciel de Mattos ofereceu um cruzeiro ao cemitério da Colônia Oliveira Machado em agradecimento ao fato de o bairro não ter sido atingido pela varíola em 1907. Durante a entrega compareceram 500 pessoas, que comemoraram o acontecimento com a queima de fogos (JORNAL DO COMMERCIO, 03/01/1908, p. 01).

Em 1928, pensando na acessibilidade dos frequentadores, o vereador Severiano de Souza apresentou à Câmara Municipal um parecer autorizando a Prefeitura a abrir uma estrada que ligasse o bairro de Constantinópolis (Educandos) ao Cemitério da Colônia Oliveira Machado (JORNAL DO COMMERCIO, 11/05/1928, p. 01). Apenas em 1937 essa estrada seria aberta, ligando o cemitério à Estrada João Zany por um ramal acessível a veículos. As obras foram realizadas por Pedro Telles pela importância de 2:136$258 réis (MENSAGEM, 15/04/1937).

Uma caminhada por essa necrópole nos permite observar sua simplicidade e o histórico abandono. Construída em terreno de geografia ondular, caracterizada por pequenas e médias elevações, não possui túmulos suntuosos. Os jazigos familiares são simples, construídos em sua maioria por pedreiros e também por pessoas sem experiência na área, com materiais como tijolos e azulejos. Alguns exemplares são de mármore e granito, revelando certo poder aquisitivo dos proprietários. Aos interessados em visitá-lo, ele está localizado na antiga rua Coronel Pedro de Souza, atual Antônio Lacerda, no bairro Morro da Liberdade.


FONTES:


Diário Official, 19/10/1898.

Relatório da Commisão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município, Manáos, Typographia Cá & Lá, 1922.

Relatório apresentado ao Conselho Municipal em sessão extraordinaria de 5 de Outubro de 1909 pelo Superintendente Cel. Agnello Bittencourt.

Jornal do Commercio, 03/01/1908.

A edilidade. Jornal do Commercio, 11/05/1928.

Mensagem que o Prefeito de Manaos Agronomo Antonio Botelho Maia dirigiu á Camara Municipal em a primeira reunião ordinaria de 15 de abril de 1937.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


DUARTE, Durango Martins. Manaus entre o passado e o presente. Manaus: Ed. Mídia Ponto Comm, 2009.

LEÃO, Hamilton de Oliveira. Colônia Oliveira Machado. Manaus: Edições Muiraquitã, 2010.

sábado, 23 de outubro de 2021

Manaus: a fortaleza, o lugar e a cidade

Orla de Manaus, 1865. Ao fundo, à direita, as ruínas da Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro. FONTE: MACHADO, Maria Helena P. T. O Brasil no olhar de William James: cartas, diários e desenhos, 1865-1866. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.

A cidade de Manaus tem sua origem ligada à construção da Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro na segunda metade do século XVII. Os relatos mais antigos sobre a Fortaleza surgem entre o final do século XVII e o século XVIII. O Pe. Samuel Fritz (1654-1728), em seu Diário, registra que chegou ao Rio Negro na noite de 7 de Setembro de 1690, lugar “[…] onde o rei de Portugal, há anos, mandou fazer uma fortaleza” (PINTO, 2006, p. 106). Entre 1774 e 1775, o Ouvidor e Intendente Geral Francisco Xavier Ribeiro Sampaio esteve na Capitania de São José do Rio Negro em viagem de correição de suas povoações. Sampaio relata que “O general do estado Antonio de Albuquerque Coelho mandou edificar a fortaleza da barra deste rio por Francisco da Motta Falcão, e foi o seu primeiro commandante Angelico de Barros” (SAMPAIO, 1825, p. 89).

A fortaleza, erguida na margem esquerda do Rio Negro, tinha como objetivo assegurar o domínio português naquela distante região da Colônia e de resguardá-la das pretensões conquistadoras de espanhóis, franceses, ingleses e holandeses. Ao redor do forte foram reunidos os grupos indígenas barés, aruaquis, manaus, tacu, passé, baníua, tarumã, muras, merequenas e juris. Esse povoado nascente, formado por indígenas, europeus e um número diminuto de escravos, ia crescendo lentamente. De acordo com o historiador amazonense Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004), em meados do século XVIII

"Havia a pequena indústria doméstica de redes, manufatura de manteiga ou banha de ovos de tartaruga que se exportava, colheita de tabaco, roças de maniva, plantação de cacau, de milho, extração de drogas, exportação de madeiras, e para o consumo, a pesca, a viração de tartarugas, o beneficiamento da mandioca, do milho. Era um princípio de comunidade, copiado, não há que ver, da comunidade indígena" (MONTEIRO, 1994, p. 46).

O naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815), de passagem pelo povoado em 1786 durante sua Viagem Filosófica, registrou a existência de dois bairros, divididos por igarapés, algumas ruas e prédios públicos e particulares como a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a olaria, a casa das canoas e as casas do vigário, do comandante e de outros moradores (FERREIRA, 2005, p. 353-355).

O Lugar da Barra teria seu auge ainda no século XVIII, mais especificamente entre 1791 e 1798 no Governo do Brigadeiro português Manuel da Gama Lobo d’ Almada. Lobo d’ Almada assumiu a Capitania de São José do Rio Negro, criada em 1755, em 1788. Esta era subordinada ao Grão-Pará. Seu governo foi marcado por transformações políticas e econômicas na Capitania. Até 1791 a capital daquela unidade territorial era a Vila de Barcelos. Almada decide transferi-la para o Lugar da Barra, por este oferecer uma melhor localização geográfica, na confluência dos rios Negro e Solimões, facilitando a defesa e comércio locais. De acordo com o historiador paraense Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha (1841-1919), Lobo d’ Almada foi o grande impulsionador do progresso da Barra, sendo responsável pela construção dos seguintes estabelecimentos:

"1 padaria de pão de arroz moido em atafona movida por bestas; 1 fabrica de panno de algodão (em rolos) tendo 18 teares e 10 rodas de fiar com 24 fusos cada uma; 1 cordoaria de cordas e amarras de piassaba e calabres; 1 fabrica de fecula de anil; 1 nora para distribuir agua para a fabrica de anil e para uma horta; 1 horta; 1 olaria com excellentes amassieiras, estendedouros, fornos calcinatorios e de torrefação de telha e ladrilho; 1 fabrica de velas de cera; 1 açougue; 1 ribeira para construcção de canoas; 1 fabrica de redes de fio d’ algodão; 1 fabrica de redes de fibras de tucum, curauhá e murity; e muitos engenhos de moer canna e fabricar cachaça e mel" (ARANHA, 1990, p. 11-12).

Temeroso pelo rápido crescimento do Lugar da Barra e o prestígio de Lobo D' Almada, que acreditava poder tomar seu posto de Governador, o Capitão-general Francisco de Sousa Coutinho, do Grão-Pará, com o auxílio de seu irmão Rodrigo de Sousa Coutinho, Ministro e Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos em Portugal, corta as verbas para a Capitania de São José do Rio Negro e persegue Almada, conseguindo fazer com que a capital retornasse para Barcelos em 1799. Um período de marasmo econômico atingiria o Lugar da Barra, destituído da condição de capital da Capitania.

Em 1804, o novo Governador da Capitania do Grão-Pará, D. Marcos de Noronha e Brito, Conde dos Arcos, refletindo sobre a boa administração de Lobo d’ Almada e a situação em que ficou a Barra, sugeriu ao novo Governador da Capitania de São José do Rio Negro, José Simões de Carvalho, que fizesse retornar a capital para o Lugar da Barra. A mudança só ocorreu quatro anos mais tarde, conforme explica o historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis (1906-1993): “Só, porem, em 1808, já sob o governador capitão de mar e guerra José Joaquim Victorio da Costa, a suggestão era acceita, deixando-se em definitivo Barcellos e reinstalando-se a capital na Barra, aos 29 de março” (REIS, 1934, p. 56).

A elevação à condição de vila era algo esperado pelos habitantes do Lugar da Barra. Ela não ocorreu em 1791 e nem em 1808. O Lugar se tornaria vila mais de duas décadas depois, em 1833, através do Código de Processo Criminal, promulgado pela Regência em 1832, tendo como objetivo uma nova organização dos termos e comarcas das Províncias. O Presidente da Província do Grão-Pará, executando o Código em decreto de 25 de junho de 1833, dividiu a mesma em três comarcas: Grão-Pará, Baixo Amazonas e Alto Amazonas. No artigo 27 ficou estabelecido que

"O Logar da Barra do Rio Negro fica erecto em villa com a denominação de Manáos, servindo de cabeça de termo, em o qual se comprehende a mesma villa e a de Silves, que perde o predicamento de villa e a denominação de Silves, sendo substituída pela de Saracá; e bem assim as Freguezias de Aturiá e Amatary (supprimindo o título que cada uma tinha de Missão) e de Jaú, que era denominada Ayrão, com os seus limites actuaes" (REIS, 1934, p. 69-70).

Após ascender à condição de vila, o novo desejo era a cidade. A Assembleia Provincial do Grão-Pará decidiu que a capital da Comarca do Alto Amazonas, a vila de Manáos, já tinha condições para ser elevada à categoria de cidade. A elevação foi garantida pela Lei N° 145 de 24 de Outubro de 1848, conforme registrado em documento de 1849 transcrito por Mário Ypiranga Monteiro:

"Foi presente a ley do orçamento Provincial que trata á Acta da antecedente; e ponderando o Sr. Presidente, avista della, que por Ley de 24 d’ Outubro do anno passado, sob n° 145, foi ellevada esta Villa a cathegoria de Cidade, julgava portanto necessario sua publicidade, e sendo concordado pela afirmativa ordenaraõ se fezesse esta noticia publica por Editaes convidando-se aos habitantes para que illuminem afrente de suas rezidencias por trez noites sucessivas, e que os demais festejos ficariaõ paraquando o Exo. Senr. Presidente comunicasse officialmente. Resolveraõ a mais que na forma do art. 117 da Ley de 19 de Agosto de 1846, fossem chamados os 1° e 2° Suplentes para vierem tomar assento como proprietarios em consequencia da elevação desta Villa a Cidade; porem como o 2° Supplente João Ignacio Roiz do Carmo se acha pronunciado em crime de responsabilidade, como consta da parte official, ordenaraõ fosse convidado o 4° Suplente João Fleury da Silva, para vir prestar juramento e servir nesta reunião no empedimento dos proprietarios" (MONTEIRO, 1994, p. 84).

A Vila de Manáos foi elevada à categoria de cidade com o nome de Cidade da Barra do Rio Negro. De passagem pelo local em 1849, o naturalista britânico Alfred Russel Wallace (1823-1913) registrou alguns aspectos da cidade:

"As suas ruas são regularmente traçadas; não têm, no entanto, nenhum calçamento, sendo muito onduladas e cheias de buracos, o que torna a caminhada sobre os seus leitos muito desagradável, principalmente à noite. As casas geralmente só têm um pavimento; são cobertas de telha vermelha e assoalhadas com tijolos, têm as paredes pintadas de branco ou de amarelo; e as portas e janelas, pintadas de verde […] A população da cidade é de 5.000 a 6.000 habitantes, dos quais a maior parte é constituída de índios e mestiços" (WALLACE, 2004, p. 214-215).

Planta de Manaus em 1852. FONTE: Instituto Durango Duarte.

Após décadas de lutas pela emancipação do Grão-Pará e transformação em Província, a Comarca do Alto Amazonas, através da Lei N° 582, de 05 de setembro de 1850, é elevada à categoria de Província do Império. A instalação se deu em 01 de janeiro de 1852. É desse ano a planta da cidade feita pelo Presidente João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (figura 01). Nela vemos uma pequena cidade dominada pelos igarapés de São Vicente, Espírito Santo, Ribeira, Aterro, Cachoeira Grande, Castelhana, Bica, de Manáos, Cachoeirinha, de Monte Cristo e tendo cinco bairros, São Vicente, Espírito Santo, Remédios, República e Campina. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Um Olhar Pelo Passado. Manaus: Prefeitura Municipal/GRAFIMA, 1990. [Original de 1897].

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Diário da Viagem Filosófica pela Capitania de São José do Rio Negro com a Informação do Estado Presente. CIFEFIL, Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos, 2005.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1994.

PINTO, Renan Freitas (Org.). O Diário do Padre Samuel Fritz. Manaus: Editora da Universidade Federal do Amazonas/Faculdade Salesiana Dom Bosco, 2006.

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de. Diário da viagem que em visita, e correição das povoações da capitania de S. Jose do Rio Negro fez o ouvidor e intendente geral da mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio no anno de 1774 e 1775. Lisboa: Typografia da Academia, 1825. (Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin).

REIS, Arthur Cezar Ferreira. Manáos e outras Villas. Manáos: Typografia Phênix, 1934. (Biblioteca Arthur Reis - CCPA).

WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900): Administração e Consagração

Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900). FONTE: Blog Catador de Papéis.

Na galeria de homens ilustres do Amazonas, que contribuíram de diferentes formas para o seu engrandecimento, tornando-o reconhecido no Brasil e no mundo, figura em destaque Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900), personagem marcante na História do Estado no final do século XIX e que até hoje é lembrado pelo empenho que teve em transformar o Estado em um dos mais prósperos do país.

Eduardo Gonçalves Ribeiro (1862-1900) nasceu na cidade de São Luís, na Província do Maranhão, em 18 de setembro de 1862. De origem humilde, fez seus primeiros estudos no Liceu Maranhense, onde fez o curso de Humanidades. Em seu tempo de estudante dirigiu um jornal conhecido como O Pensador, apelido pelo qual ficaria conhecido. Após concluir o ensino secundário, sentou praça no Rio de Janeiro em 1881, na Escola Militar da Praia Vermelha. "Em 1884, Ribeiro foi promovido a alferes-aluno e, em 1886, a 2° tenente de artilharia, bacharelando-se em Matemática e Ciências Físicas e Naturais em janeiro de 1887" (MESQUITA, 2019, p. 24).

Posteriormente foi transferido para o Amazonas, onde exerceu, primeiramente, o cargo de secretário do Comando das Armas. Quando da nomeação da Junta Governativa do Amazonas, em 21 de novembro de 1889, foi nomeado Oficial de Gabinete. No Governo de Augusto Ximeno de Vilerroy, primeiro Governador do Amazonas, foi, além de Oficial de Gabinete, Diretor de Obras Públicas. Com a saída de Vilerroy em 1890, é nomeado Governador do Estado pelo Governo Central, assumindo em 02 de novembro. Essa primeira administração vai até 05 de maio de 1891. Era, até aquele momento, a pessoa mais jovem a governar o Amazonas, tendo apenas 28 anos. Era também o primeiro negro a assumir um cargo tão importante. Em pouco tempo, entre outras coisas, aumentou as rendas públicas, decretou uma constituição provisória e diminuiu pela metade a dívida pública.

O governo central destituiu Eduardo Ribeiro de seu cargo, nomeando para o governo o Coronel Gregório Thaumaturgo de Azevedo, antigo governador do Piauí entre 26/12/1889 e 04/06/1890, que naquele momento encontrava-se em Recife. A notícia da destituição de Eduardo Ribeiro não agradou a população: "O povo, convocado em boletim, reuniu-se à tarde, em frente ao palácio, não consentindo que Eduardo Ribeiro deixasse a governança. Aclamou-o entusiasticamente. Os oradores sucederam-se em vários pontos da cidade, protestando contra o ato dos altos poderes da República, lavrando-se uma ata (1884-1891), que foi assinada por centenas de pessoas de todas as classes sociais" (REIS, 1989, p. 249).

Após a destituição de Gregório Thaumaturgo de Azevedo, em 1892, seu segundo mandato como Governador foi de 1892 a 1896. Nesse período, considerado o melhor da História do Amazonas, aproveitando o aumento das rendas públicas, dotou o Estado e, principalmente, a capital, de moderna infraestrutura. Dentre outras coisas, foi responsável por:

"Nivelamento e embelezamento de dois terrenos na cidade de Manaus; Abertura e nivelamento dos bairros novos da Cachoeira Grande e Cachoeirinha; Pavimentação com paralelepípedo de granito das praças da República e da Constituição; Pavimentação a paralelepípedo das ruas da Instalação, Municipal e plataforma da Catedral; Pavimentação a pedra tosca de várias ruas adjacentes; Construção da avenida Eduardo Ribeiro; Construção do jardim da praça da República; Construção do jardim e gradeamento da Catedral; Levantamento da planta cadastral da cidade; Edifício do Diário Oficial e respectivo jornal; Edifício do Instituto Benjamin Constant para órfãs; Seis escolas públicas primárias em Manacapuru, Humaitá e Lábrea; Reorganização radical do ensino no Ginásio e Escola Normal; ereção não terminada do Instituto dos Educandos; Reorganização da Biblioteca Pública; Criação de um hospício para alienados - Hospício Eduardo Ribeiro - sob direção das irmãs de Santa Ana; Ereção não concluída do Palácio do Governo; Novo edifício do Quartel do Regimento Militar do Estado; Teatro Amazonas; Reservatório de água do Mocó; Contrato de navegação para o Mediterrâneo, com escalas; Distribuição das terras baldias do Estado para cultivo; Abertura da Estrada Manas - Campos Gerais do Rio Branco; Pontes de ferro da Cachoeirinha e Cachoeira Grande; Pontes romanas da rua Municipal; Ponte de madeira no bairro da Cachoeirinha; Fonte monumental da praça 15 de Novembro; Iluminação elétrica a arco voltaico, a primeira implantada no Brasil; Telégrafo subfluvial; Projeto do Código de Processo Criminal" (MONTEIRO, 1990, p. 96-97).

De acordo com o historiador Luiz de Miranda Corrêa (1935-2019), Eduardo Ribeiro foi o Governador certo no momento mais próspero do Estado - enriquecido pela exportação da borracha - pois "[...] tinha o élan necessário para realizar a transformação que sonhava. Dos problemas de educação aos de urbanismo e paisagismo, sua presença se fazia sentir-se. Ele e seus auxiliares não se prenderam a soluções rotineiras. Eram do tipo de homens que não se intimidam e ousam inovar" (CORRÊA, 2012, p. 28).

Padecendo há tempos das faculdades mentais, o que fazia com que se consultasse frequentemente com médicos na Europa, faleceu em sua chácara, conhecida como Chácara Pensador, localizada na Estrada de Flores, cometendo suicídio na madrugada do dia 13 de outubro de 1900, sendo declarado morto na manhã de 14 de outubro. Tinha apenas 38 anos. 

Conforme pesquisa do jornalista Júlio Benevides Uchôa, o corpo foi recomendado pelo Monsenhor Benedito da Fonseca Coutinho, acompanhado de quatro padres agostinianos. Carregaram o caixão até o carro fúnebre o Coronel Afonso de Carvalho, Presidente da Assembleia; Porfírio Nogueira; Coronel Emídio Pinheiro, Comandante da Polícia; e o Desembargador Joaquim Lisboa. O carro estava ricamente decorado, com veludo preto com franjas prateadas e bordas brancas. Falaram à beira do caixão Porfírio Nogueira, Secretário do Governo, representando o Estado; Major Domingos Andrade, representante da Maçonaria; Alberto Leal, representante da colônia portuguesa; Barbosa Lima, representante do jornal Amazonas, que fazia forte oposição ao falecido; Coronel Afonso de Carvalho, representando o Congresso de Representantes e também opositor de Eduardo Ribeiro; Leonel Mota, representante da Loja Maçônica Esperança e Porvir; e José dos Anjos Traíra, representante da classe operária (UCHÔA, 1949).

O carro fúnebre saiu da chácara às 17:15, chegando ao cemitério às 18 horas. Seu enterro foi de uma grandeza jamais antes vista. Até aquele momento nada de igual tinha ocorrido na História do Estado do Amazonas. Quem recuperou esse momento foi o historiador Mário Ypiranga Monteiro no livro Negritude e Modernidade:

"Foi uma apoteose, ritual menos político do que espontâneo, que alvoroçou a população e levou-a em tumulto à distante Chácara Pensador. O governo pôs à disposição do público dez bondes sem ônus, que ficaram lotados e vieram deixar as centenas de passageiros na curva da via da Vila Municipal, ao lado do Cemitério de São João Batista. Além disso, a multidão que se comprimia nas cercanias da necrópole e de dentro só poderia explicar o grau de simpatia humana que aquele homem desfrutava" (MONTEIRO, 1990, p. 51).

O historiador João Felipe Gonçalves, pesquisador sobre a construção fúnebre de personagens da Primeira República, identificou algumas características que davam o tom cívico a esse tipo de funeral, contribuindo para a consagração de suas trajetórias:

"Longos cortejos com uma rígida ordem hierárquica, a assistência de numerosos populares e a participação de autoridades e pessoas de destaque [...] são os traços mais evidentes. Com maior ou menor concorrência, mas sempre com grande pompa, repetiam-se em todos os casos os luxuosos carros fúnebres, os carros com figuras importantes, as bandas militares tocando marchas fúnebres, os tiros de canhão dos navios e fortalezas, os batalhões militares em trajes de honra, os postes cobertos de crepe negro e as ruas repletas de populares" (GONÇALVES, 2000, p. 149).

O registro mais marcante sobre a consagração de Eduardo Ribeiro como personagem histórico, grande vulto amazonense, foi produzido em 1923 durante uma romaria de membros da colônia maranhense que vivia em Manaus ao Cemitério de São João Batista para visitar seu túmulo. Eduardo Gonçalves Ribeiro conseguiu um feito que poucos alcançaram: o de ser consagrado, ainda em vida, um vulto insigne da História, potencializado após a morte, tornando-se um símbolo da administração pública ideal, da superação e resistência.

Membros da colônia maranhense de Manaus ao redor do túmulo de Eduardo Gonçalves Ribeiro durante romaria ao Cemitério de São João Batista. FONTE: Revista Fon-Fon, RJ, 01/09/1923.

Busto de Eduardo Gonçalves Ribeiro localizado em seu túmulo no Cemitério de São João Batista. FOTO: Roberto Mendonça, 2012.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


CORRÊA, Luiz de Miranda. O Nascimento de uma Cidade: Manaus 1890 a 1900. 2° Ed. Manaus: Academia Amazonense de Letras/Governo do Estado do Amazonas - Secretaria de Estado de Cultura, 2012.

GONÇALVES, João Felipe. Enterrando Rui Barbosa: um estudo de caso da construção fúnebre de heróis nacionais na Primeira República. Estudos Históricos. Vol. 14, n° 25, p. 135-161, 2000.

MESQUITA, Otoni Moreira de. Eduardo Ribeiro (1862-1900) – O artífice da cidade. In: UGARTE, Auxiliomar Silva (org.). Trajetórias políticas na Amazônia Republicana. Manaus: Editora Valer, 2019.

MONTEIRO, Mário Ypiranga. Negritude e Modernidade: A trajetória de Eduardo Gonçalves Ribeiro. Manaus: Governo do Estado do Amazonas, 1990.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. História do Amazonas. 2° Ed. Belo Horizonte: Itatiaia; Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas, 1989.

UCHÔA, Júlio Benevides. Eduardo Ribeiro, o Construtor de Manaus. O Jornal, 14/10/1949.

sábado, 25 de setembro de 2021

Cemitério de São João Batista: Jazigo da Família Salem José

Jazigo da família Salem José, no Cemitério de São João Batista, em Manaus. FOTOS: Fábio Augusto de C. Pedrosa, 2019.

O jazigo da família Salem José está localizado na quadra 08 do Cemitério de São João Batista, em Manaus. Ele possui a escultura de um cachorro que chama bastante atenção dos frequentadores. Essa peça possui uma interessante História como veremos a seguir...

Em 1953 o jovem Waldemar Salem José, conhecido como Vavá, morre após sofrer um acidente de carro na rua Recife, no bairro Parque 10 de Novembro. Seu animal de estimação, o cachorro Douglas, passou a viver no jazigo da família desde que seu dono foi sepultado. Familiares contam que os dois possuíam uma ligação muito forte:

"Eles eram apaixonados e companheiros. Tio Vavá era um playboy da época, mas com um coração enorme, contava a minha mãe. Ele era o caçula e o segundo filho homem entre várias irmãs. Ele pegou o Douglas para criar bem pequeno e foi uma amizade que só quem tem um companheiro assim sabe".

A administração do cemitério o retirou do local algumas vezes, mas ele sempre voltava. De acordo com sobrinhos de Waldemar, ele se recusava a comer e beber, e acabou falecendo no local. Em sua homenagem, Odete Salem, irmã de Waldemar, mandou fazer, entre 1954 e 1955, uma escultura em bronze e em tamanho natural do fiel amigo de seu irmão.


Convite para a missa de 1° aniversário de falecimento de Waldemar Salem José. FONTE: Jornal do Commercio, 18/09/1954.



sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Projeto ACA

Os membros do LABUHTA (Laboratório de Estudos sobre História Política e do Trabalho), laboratório do curso de História da Universidade Federal do Amazonas, estão desenvolvendo um importante projeto de digitalização dos documentos da ACA (Associação Comercial do Amazonas), uma das mais antigas instituições do Amazonas, criada em 1871. Essa iniciativa é digna de todo reconhecimento da sociedade, pois visa a preservação de um valioso acervo para a reconstituição da História do nosso Estado. Os pesquisadores, para angariar fundos para a compra de equipamentos, estão realizando uma rifa que tem como prêmio 12 livros de História. Ela custa 3,00 reais.

A rifa pode ser comprada pelo Pix 012.972.592-70 e entrando em contato através dos números 98241-5531 e 98439-6859.