sábado, 15 de agosto de 2020

Inauguração da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Manaus (1878)

Gravura da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição. FONTE: NERY, Frederico José de Sant' Anna. Le pays des Amazones. Paris, França: L. Frinzine et Cie, 1885, p. 269.

A Catedral de Nossa Senhora da Conceição, ponto de referência de fé, tradição e cultura na vida dos amazonenses, está localizada na Praça Oswaldo Cruz, popularmente conhecida como da Matriz, no Centro. É a principal e mais antiga igreja da cidade, erguida no período Provincial entre 1858 e 1878.

Essa construção substituiu a antiga, dos tempos da administração do Brigadeiro Manuel da Gama Lobo d' Almada (1788-1799), destruída em um incêndio em 1850. Até sua conclusão, serviu de Igreja Matriz da cidade a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, localizada em bairro homônimo. A pedra fundamental do novo templo foi lançada às 7 da manhã do dia 23 de julho de 1858 pelo Presidente da Província do Amazonas Francisco José Furtado. A data não foi escolhida ao acaso. Nesse mesmo dia comemorou-se Santo Apolinário e o aniversário da ascensão de Dom Pedro II ao trono (23 de julho de 1840). Estiveram presentes no evento autoridades militares, religiosas, comerciantes, funcionários públicos e grande número de populares.

Terminadas as cerimônias religiosas, o Presidente e o Vigário Geral colocaram no centro da parede da capela mór uma pedra quadrangular com uma cavidade, depositando nela um cofre de madeira com o auto de lançamento da pedra fundamental e duas moedas, uma de ouro e outra de prata:

"[...] a primeira do pezo de quatro oitavas e do valor de deseseis mil reis, cunhada no anno de mil oitocentos e quarenta e sete, tendo de um lado a Efigie de Sua Magestade o Imperador o Senhor DOM PEDRO SEGUNDO com a inscripção seguinte - PETRUS II D. G. C. IMP. ET PERP. BRAZ. DEF. - e no verso as Armas Imperiaes com a inscripção seguinte - IN HOC SIGNO VINCES -; e a de prata, do valor de dous mil reis, cunhada no anno de mil oitocentos e cincoenta e sete, tendo de um lado o algarismo do seu valor com a mesma inscripção da moeda de ouro e no verso as Armas Imperiaes com a seguinte inscripção - IN HOC SIGNO VINCES" (ESTRELLA DO AMAZONAS, 28/07/1858, p. 03).

Falta de mão de obra especializada, de materiais, de recursos e mudanças nos projetos fizeram as obras se arrastarem por 20 anos, como se pode atestar a partir da leitura das falas e relatórios dos Presidentes da Província.

O então Diretor Interino de Obras Públicas, João Wilkens de Mattos, informou ao Presidente Francisco José Furtado que os sapadores utilizados nas obras da Matriz eram "[...] africanos livres dados á continuada embriaguez, que só fazem algum trabalho emquanto estou presente; logo que me retiro da obra, onde não me é possivel permanecer o dia inteiro, fazem a cêra que querem, por que nenhum respeito guardão ao feitor" (AMAZONAS. Relatório. 07/09/1858, p. 03-04). Para que isso fosse evitado, além de descontar nas diárias dos sapadores, sugeriu que a área da construção fosse cercada, existindo um único portão para entrada e saída. Os trabalhadores entrariam às 6 da manhã e sairiam às 16 horas. A cerca também impediria que os materiais fossem furtados (AMAZONAS. Relatório. 07/09/1858, p. 04).

Em 1864, o Presidente Adolfo de Barros Cavalcante de Albuquerque Lacerda informava em seu relatório que as obras da Matriz estavam paralisadas "por se ter esgotado o saldo de 815$065 rs., que restava, quando tomei conta da administração, do credito de 10:000$000 rs. consignado no orçamento d' aquelle exercicio, e do producto de uma loteria extrahida na côrte, na importancia de 11:100$000 rs" (AMAZONAS. Relatório. 01/10/1864, p. 16).

O Presidente João Wilkens de Mattos, em relatório de 1869, afirmou que as obras da Matriz poderiam estar mais adiantadas se não fossem as dificuldades em se obter materiais, sobretudo tijolos. "As olarias", registra, "por mais que s' exforcem, não produzem bastante para satisfazer as necessidades do publico" (AMAZONAS. Relatório. 04/04/1869, p. 34).

Anos mais tarde, em 1873, o Presidente Domingos Monteiro Peixoto registrou em sua fala à Assembleia Legislativa que Manaus poderia ter, já em sua administração, um excelente templo católico "[...] si desde o começo se adoptasse um plano definitivo e fosse executado com systema; assim não aconteceu, o plano primitivo da Matriz soffreu constantes modificações, cada um imprimiu-lhe o seu gosto, de forma que a construcção tem-se executado com vagar, com demasiada despeza, e apresenta defeitos que hoje é impossivel corrigir" (AMAZONAS. Falla. 25/03/1873, p. 31).

Depois de 20 anos, chegara o tão aguardado dia da inauguração da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, esperada pelos administradores e pela população. O Presidente da Província do Amazonas, Rufino Enéas Gustavo Galvão, o Barão de Maracajú, informa em fala à Assembleia Legislativa que a Igreja foi concluída no mês de agosto de 1877 e inaugurada em 15 de agosto de 1878, quando foi benta (AMAZONAS. Falla, 25/08/1878, p. 52).


FONTES:

Estrella do Amazonas, 28/07/1858.

Relatorio que á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas apresentou na abertura da sessão ordinaria em o dia 7 de setembro de 1858. Francisco José Furtado, presidente da mesma provincia.

Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa da provincia do Amazonas na sessão ordinaria de 1° de outubro de 1864, pelo dr. Adolfo de Barros Cavalcanti de Albuquerque Lacerda, presidente da mesma provincia.

Relatorio com que o exmo. sr. presidente da provincia do Amazonas, tenente coronel João Wilkens de Mattos, abrio a Assembléa Legislativa Provincial no dia 4 de abril de 1869.

Falla dirigida á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas na segunda sessão da 11° Legislatura em 25 de março de 1873 pelo presidente da provincia, bacharel Domingos Monteiro Peixoto.

Falla com que o Exmo. Sr. Barão de Maracajú, presidente desta provincia, abrio no dia 25 de agosto de 1878 a Assembléa Legislativa do Amazonas.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Livraria Nacional, a mais antiga de Manaus


Quem passa pela rua 24 de Maio, no Centro, pode nunca ter notado que nela, em um prédio de dois andares erguido no início do século passado, está localizada a livraria mais antiga de Manaus em funcionamento. Trata-se da Livraria Nacional, inaugurada em 1975, propriedade dos irmãos José Maria Monteiro Mendes, João Batista e Paulo Roberto.

Os negócios tiveram início com José Maria, natural de Manaus, pedagogo, que começou cedo no ramo dos livros, mas em Belém, no Pará, para onde a família mudou-se entre novembro e dezembro de 1951, quando ele tinha apenas 9 meses. Bastante estudioso, foi encaminhado, após gabaritar um teste de recursos humanos, para uma livraria, a Livro Lar, que funcionava na Galeria do Palácio do Rádio, em frente a livraria Dom Quixote. Começou limpando as dependências da livraria e espanando os livros, fazendo o mesmo na Dom Quixote, onde começou a trabalhar logo depois. Em dois meses passou a pegar livros para o gerente, já que memorizava como ninguém a localização dos títulos solicitados pelos clientes. Ao ler um livro - como costumava fazer - o qual não recorda o nome, leu uma frase que seria determinante para o seu futuro: "O livreiro é o líder de uma sociedade pensante". Ali nascia um sonho, o de ser dono de uma livraria.

Após nove meses, sai da Dom Quixote e começa a trabalhar em um escritório de decoração e arquitetura, nele ficando por três meses. Nesse mesmo tempo um antigo sócio da Dom Quixote abre uma livraria, a Universitas Livros Técnicos, representante da editora Gustavo Gili, especializada em livros de arquitetura. José Maria passa a trabalhar na Universitas, vendendo livros nas faculdades de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia da UFPA.

Veio pela primeira vez a Manaus em 1968, vender livros de engenharia na recém-criada Faculdade de Engenharia da Universidade do Amazonas. Vem novamente em 1969, pois a demanda era crescente, e em 1970 se estabelece definitivamente na cidade. A Gustavo Gili abriu uma filial em Manaus, admitindo José Maria como gerente.

Em setembro/outubro de 1972 pede dispensa temporária da editora para iniciar sua própria livraria, que começou com o nome Metro Cúbico, em referência aos três m de seu nome (Maria, Monteiro e Mendes). Posteriormente surge o nome fantasia Livraria Nacional, quando começou a representar a Companhia Editora Nacional. Pede nova dispensa em 1973, e em dezembro de 1974 pede demissão. No dia 01 de janeiro de 1975 inicia suas atividades como Metro Cúbico Livros e Revistas Técnicas, oficialmente inaugurada em 17 de março daquele ano.

Da época em que a Metro Cúbico (Livraria Nacional) começou a funcionar, José Maria se lembra de algumas livrarias, como a Livraria Acadêmica (1912-2009) e a Livraria Brito, na rua Henrique Martins, a Livraria Maíra, na rua 24 de Maio, a Livraria Sete, na Avenida Sete de Setembro, e a Livraria Universitária, no Edifício Cidade de Manaus.

José Maria nos conta que a livraria esteve instalada, em seu primeiro ano de funcionamento, em um prédio alugado na rua Alexandre Amorim, n° 177, bairro de Aparecida, nas proximidades da Usina Termelétrica da Amazonas Energia. Posteriormente mudou-se para a rua 10 de Julho, no Centro, onde funcionou entre 1976 e julho de 1988. Em agosto de 1988 a livraria é instalada em sua sede atual, na rua 24 de Maio, n° 415. Em 1978, 1980 e 1982 a Nacional realizou exposições de livros sobre Amazônia na Bienal Internacional do Livro no Pavilhão de Exposições do Ibirapuera, em São Paulo.

No dia 01 de junho de 1995 ocorre um incêndio no segundo andar do prédio. Em agosto daquele ano José Maria viaja a São Paulo para negociar as dívidas com os editores dos livros em estoque que foram destruídos. Como o seguro estava vencido, José e seus irmãos tiveram que assumir os prejuízos totalmente. Mesmo assim conseguiram a reabertura de crédito com essas editoras, comprando livros para o ano de 1996 e se recuperando.

Ao longo de sua História a Livraria Nacional já recebeu vários prêmios, sendo o mais recente o Prêmio Globo de Marketing (2009).

O trabalho não fica restrito à sede física da livraria. Com seus irmãos José Maria monta estandes de vendas nas universidades, sobretudo na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). José fica bastante orgulhoso ao ver que antigos clientes seus, graduandos, tornaram-se mestres, doutores e professores da universidade, utilizando seus livros em suas pesquisas. Quando o livro é raro, difícil de ser encontrado na cidade, José Maria faz questão de procurá-lo para seus clientes. Para se ter um exemplo, em 2019 esteve oito vezes em sebos e bazares de São Paulo em busca de títulos já esgotados.

Atualmente a Livraria Nacional conta com um acervo de 60 mil livros, sendo a maior parte deles de Ciências Humanas e Sociais. Os mais procurados são os de Amazônia, meio ambiente, arquitetura e engenharia. Todos os sábados é realizada uma feira de livros de sobreloja, seguindo todas as medidas de segurança: É oferecido álcool em gel aos clientes, sendo mantido certo distanciamento entre os mesmos, seja entre as estantes ou nas cadeiras e sofás do recinto.


FOTOS:

Antigo endereço da rua 10 de Julho. FONTE: Acervo de José Maria Monteiro Mendes.

José Maria Monteiro Mendes, à direita, na VI Bienal Internacional do Livro, em São Paulo. Foto de 1980. FONTE: Jornal do Commercio, 10/08/1980.

O prédio da rua 24 de Maio antes do incêndio de 01 de junho de 1995. FONTE: Acervo de José Maria Monteiro Mendes.

Certificado do Prêmio Globo de Marketing (2009). FOTO: José Maria Monteiro Mendes, 2020.

O prédio da rua 24 de Maio em foto recente. FOTO: José Maria Monteiro Mendes, 2020.

Uma parte do acervo. FOTO: Fábio Augusto, 2019.

Uma parte do acervo. FOTO: Fábio Augusto, 2019.

Parte da área de livros de Amazônia. FOTO: Fábio Augusto, 2019.

Anúncio da feira de livros. FOTO: José Maria Monteiro Mendes, 2020.

Sobreloja, onde todos os sábados é realizada a Feira de Livros. FOTO: José Maria Monteiro Mendes, 2020.

O autor do blog com o livreiro e pedagogo José Maria Monteiro Mendes. FOTO: Fábio Augusto, 2019.










segunda-feira, 20 de julho de 2020

Penitenciária não construída, em Manaus (1883)

Vista parcial da fachada da Penitenciária não construída em Manaus. FONTE: Seção de Viação e Obras Públicas do Arquivo Nacional.

Inúmeros projetos de obras públicas e particulares, em Manaus, idealizados entre os séculos XIX e XX, ficaram apenas no papel, seja por falta de verbas, desistência dos vencedores dos editais, falta de mão de obra especializada e simples abandono. Nesse texto falarei sobre a monumental penitenciária pública de Manaus projetada em 1883 no Governo de José Lustosa da Cunha Paranaguá e não construída.

A ideia da nova cadeia pública de Manaus surgiu quando o Presidente da Província do Amazonas, José Lustosa da Cunha Paranaguá, atestou o péssimo estado em que se encontravam as prisões da região, como deixou registrado em seu relatório de 25 de março de 1883:

"E' em geral desanimador o estado das prisões publicas. Funccionam em edificios mal construidos e sem as precisas condições: ou são predios alugados, ou compartimentos especiaes nos edificios das camaras municipaes. A não ser a cadêa da capital, creio que nenhuma outra deixa de estar comprehendida em alguma d' essas duas classes. Mas nem essa mesma se isempta do mal geral de não preencher convenientemente seu fim" (AMAZONAS. Relatório. 25/03/1883, p. 09).

José Paranaguá visitou a cadeia pública de Tefé, por ele descrita como um pardieiro imundo, coberto de palha e com as paredes desmoronando. A da capital não estava em melhores condições, pois "[...] tem pouca segurança, carece de accommodações para as praças e simples detentos, não tendo sequer as indispensaveis aos criminosos; mas sobretudo resente-se da falta de officinas para trabalho" (AMAZONAS. Relatório. 25/03/1883, p. 09-10).

Dessa forma, a Assembleia Legislativa Provincial, através do § 8 da Lei N° 582 de 27 de maio de 1882, garantiu a verba de 40 contos de réis para a construção de uma nova penitenciária em Manaus. A concorrência, de 5 meses, para a apresentação das plantas e do orçamento da construção, que deveria obedecer o sistema panóptico, foi aberta em 19 de janeiro de 1883:

"A penitenciaria deve ter cinco raios, sendo um destinado para a administração e os outro quatros para presos. Esses quatro raios devem ter duzentas celulas para duzentos presos. O destinado á administração póde ter mais de um pavimento e conterá um corpo de guarda, uma prisão para detentos, sala para rouparia, cosinha, arrecadação de generos, e casa de morada para o administrador. No ponto em que os quatro raios para presos começam a divergir haverá quartos para os carcereiros. O edificio será todo fechado por um muro. Nos espaços entre os raios e o muro terá quatro officinas espaçosas. O raio destinado para a administração deve voltar em angulo recto para os dous lados, ficando em forma de T, afim de evitar que elle torne-se demasiadamente comprido. Todas as celulas serão abobadadas. Em cada raio destinado para presos haverá um corredor central e duas ordens de celulas, abrindo para esse corredor. Para ventilação cada celula terá uma abertura para o pateo correspondente, na qual haverá uma forte grade de ferro" (AMAZONAS. Relatório, 25/03/1883, p. 10).

O modelo panóptico foi idealizado no final do século XVIII pelo jurista e filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832). Ele consistia na vigilância total, sendo aplicado não apenas em prisões, mas  também em escolas, fábricas, sanatórios e hospitais. Esses lugares deveriam ter o formato circular com uma torre com janelas e persianas no centro. No caso das prisões, as celas, pequenas e sem pontos cegos, seriam distribuídas igualmente ao redor da torre, de onde os presos seriam observados pelo inspetor, que nem sempre estaria lá (TADEU, 2008, p. 20-23). Como saber se o inspetor estava na torre? Não tinha como, e essa incerteza, o medo de ser pego, garantia o controle psicológico sobre os atos dos criminosos.

O local onde a penitenciária seria erguida não havia sido definido, mas José Paranaguá sugeriu que poderia ser na Praça da Saudade, em frente ao Cemitério de São José, ou em outra localidade. Ele também estipulou que as despesas com a obra não excederiam os 50 contos de réis, podendo a presidência ser autorizada a aumentar a verba dentro do orçamento. Caso não fossem apresentadas propostas ou as que surgissem fossem incongruentes com o solicitado, o governo poderia ser autorizado "[...] a executar as obras por arrematação ou administrativamente sob a fiscalisação da directoria de Obras Publicas, ou de um engenheiro contractado especialmente para esse fim" (AMAZONAS. Relatório, 25/03/1883, p. 11).

Ao que tudo indica, nesse prazo de cinco meses não foram apresentadas propostas, pois nova concorrência foi aberta, dessa vez através da Lei N° 631 de 20 de Junho de 1883:

"Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembléa Legislativa Provincial decretou e eu sanccionei a lei seguinte:

Art. 1.° Fica o Presidente da Província autorisado a abrir concurrencia para a construcção de uma penitenciaria, a vista da planta e orçamento, que forem acceitos pelo Jury de profissionaes de que trata a lei . 592 de 29 de Maio de 1882.

Art. 2.° Para execução d' esta obra poderá o Presidente da Provincia ordenar as desapropriações necessarias, nas quaes serão observadas as disposições do decreto n. 1664 de 27 de Outubro de 1855, e autorisar o pagamento da planta acceita, correndo as despezas pelo credito votado na lei do orçamento para a dita construcção.

Art. 3.° Revogam-se as disposições em contrario" (AMAZONAS. Parte Official, 25/07/1883, p. 01).

Em relatório de 16 de janeiro de 1884, José Paranaguá informa que no dia 27 de junho de 1883 foram apresentados três projetos para a construção da penitenciária, de B. Caymari, Alexandre Dantas e Bernardo Antonio de Oliveira Braga (AMAZONAS. Relatório, 16/02/1884, p. 59-60). No dia 14 de julho de 1883 foi nomeada pela Presidência da Província uma comissão composta pelo Diretor de Obras Públicas, Major Joaquim Leovigildo de Souza Coelho, pelo engenheiro adjunto da mesma, Antonio Constantino Nery, engenheiro João Carlos Antony e pelos mestres de obras José Cardoso Ramalho Júnior e José Pires dos Santos, para formar o juri que iria julgar as plantas e orçamentos apresentados (AMAZONAS, Actos officiaes. 18/07/1883, p. 01). O juri "[...] decidiu-se a favor do que foi organisado no Gabinete de Architectura e Engenharia Civil de Lisboa, e que tinha sido offerecido gratuitamente a provincia pelo Sr. Bernardo Antonio de Oliveira Braga" (AMAZONAS. Relatório, 16/02/1884, p. 60). O Gabinete de Arquitetura e Engenharia Civil de Lisboa foi o responsável pelo projeto do Teatro Amazonas. José Paranaguá mandou que fossem feitas cópias dos desenhos do projeto, que custaram 500$000, e fotografias dos mesmos (AMAZONAS. Relatório, 16/02/1884, p. 60).

No dia 01 de agosto de 1883 uma portaria do Governo nomeou uma comissão para escolher o local mais apropriado para a construção da penitenciária. Faziam parte dela Joaquim Leovigildo de Souza Coelho, Diretor de Obras Públicas, Jonathas de Freitas Pedrosa, médico da Santa Casa de Misericórdia, Aprígio Martins de Menezes, Inspetor da Saúde Pública, Tenente-Coronel Antonio Lopes Braga, Presidente da Câmara Municipal, e Lauro Batista Bittencourt, engenheiro das obras públicas da Câmara Municipal (AMAZONAS. Parte Official, Expediente do mez de Agosto, 23/09/1883, p. 01).

Apesar do projeto ter sido aprovado, o Diretor de Obras Públicas, em mensagem de 01 de setembro de 1883 endereçada ao Presidente da Província, afirmava não convir contratar de uma só vez a construção de todo o edifício, pois "[...] além de superior ás necessidades actuaes da provincia, terão de attingir as despezas da construcção a uma cifra elevada" (AMAZONAS. Parte Official, 07/10/1883, p. 01). Ele recomendou que o Presidente organizasse na repartição o orçamento para a construção de um ou dois raios e as dependências indispensáveis para o funcionamento de uma penitenciária, "[...] com tanto que o valor total d' essas construcções não exceda por emquanto a (400:000$000) quatrocentos contos de réis" (AMAZONAS. Parte Official, 07/10/1883, p. 01). Quando o orçamento fosse organizado seria aberta concorrência pelo tempo necessário, 

"[...] publicando-se pela imprensa aqui, no Pará, no Maranhão, Rio de Janeiro e Lisbôa, editaes, que terão de acompanhar a inclusa memoria descriptiva apresentada pelos proponentes e quaesquer outras indicações que V. S. entender convenientes. E ao Ministerio d' Agricultura, Commercio e Obras Publicas na Côrte, será remettida uma cópia do projecto, que, a vista da urgencia, V. S. mandara tirar por pessoa habilitada fora da repartição" (AMAZONAS. Parte Official, 07/10/1883, p. 01). O responsável pelos desenhos, remetidos ao Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, na Corte, foi o desenhista Carlos Luiz David, do Instituto Amazonense. 

O projeto não foi levado adiante. Em exposição de 10 de janeiro de 1888, o Presidente da Província do Amazonas, Conrado Jacob de Niemeyer, ao falar sobre o aumento no número de presos e a necessidade de uma nova penitenciária na capital, afirmou que "essa penitenciaria, porem, não deve começar logo por grandes proporções e sim na rasão das circunstancias financeiras para que, no intuito de remediar um mal, não se origine um outro não menor, qual o do desbarato dos dinheiros publicos" (AMAZONAS. Exposição, 10/01/1888, p. 11). Uma nova penitenciária só viria a ser mencionada em 1892, no Governo de Eduardo Gonçalves Ribeiro: "Igualmente espero plantas e orçamentos de uma penitenciaria; do quartel para Policia; casas para forum, congresso e outras repartições que são indispensaveis e urgentes (AMAZONAS. Mensagem, 01/06/1892, p. 12)

Reproduzi abaixo fotos das plantas da penitenciária, que fazem parte do fundo do Ministério da Viação e Obras Públicas do acervo do Arquivo Nacional:

Capa.

Contra capa.

Alçado principal, escala 1:100.

Alçado principal, escala 1:100.

Alçado principal, escala 1:100.

Alçado A. B., escala 1:100.

Alçado A. B., escala 1:100.

Planta ao rez do chão, escala 1:200.

Planta ao rez do chão, escala 1:200.

Planta do 1° pavimento.

Cortes, escala 1:200.

Cortes, escala 1:200.

Cortes, escala 1:200.

Alçados.

Compartimentos de ouvir missa e tipos de grades para janelas.

Tipos de portões de ferro das celas.

FONTES:

Relatorio apresentado á Assembléa Legislativa Provincial do Amazonas na abertura da segunda sessão da decima sexta legislatura em 25 de março de 1883 pelo Presidente José Lustosa da Cunha Paranaguá.

Amazonas (periódico), 18/07/1883.

Amazonas (periódico), 25/07/1883.

Amazonas (periódico), 23/09/1883.

Amazonas (periódico), 07/10/1883.

Relatorio com que o Presidente da Província do Amazonas, Dr. José Lustosa da Cunha Paranaguá, Entregou a administração da mesma província ao 1° Vice-Presidente Coronel Guilherme José Moreira, em 16 de fevereiro de 1884.

Exposição com que o Exm. Sr. Coronel Conrado Jacob de Niemeyer passou a administração da Província do Amazonas ao Exm. Sr. Coronel Francisco Antonio Pimenta Bueno em 10 de janeiro de 1888.

Mensagem do Exm. Sr. Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro Presidente do Estado, lida perante o Congresso Amazonense, na sessão de instalação, em 01° de junho de 1892.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

TADEU, Tomaz (Org.). O Panóptico/Jeremy Bentham. 2° ed. Trad. de Guacira Lopes Louro, M. D. Magno e Tomaz Tadeu. Belo Horizonte (MG): Autêntica Editora, 2008.



sexta-feira, 10 de julho de 2020

10 de Julho de 1884: Abolição da Escravidão na Província do Amazonas

Alguns escravos fotografados em Manaus durante a Expedição Thayer (1865-1866). FONTE: umaincertaantropologia.org.

No dia 10 de julho de 1884, o Presidente da Província do Amazonas, Theodoreto Carlos de Faria Souto (1841-1893), abolia a escravidão no Amazonas, que se tornou a segunda Província do Império a abolir a escravidão, pois em 25 de março de 1884 o Ceará anunciava a emancipação de seus escravos. Antes disso, em 24 de maio do mesmo ano a escravidão fora abolida em Manaus.

Desde 1869 valores eram adicionados, mediante emendas parlamentares, ao orçamento da Província do Amazonas, para a compra de cartas de alforria.

Foi em uma quinta-feira, no dia 10 de julho de 1884, às 12 horas, que o Presidente Theodoreto Souto declarou, na Praça 28 de Setembro (hoje Heliodoro Balbi, da Polícia), cujo nome fazia alusão à Lei do Ventre Livre, que já não existiam mais escravos no Amazonas.

No relatório da Província, antes da abolição esta contava com cerca de 1.501 escravos em 1884, em sua maioria empregados em serviços domésticos. Eram carpinteiros, jardineiros, cozinheiros, amas de leite, amas-secas (empregadas domésticas) etc. Estavam distribuídos da seguinte forma:

"Manáos - 626
Manicoré - 309
Itacoatiara - 76
Teffé - 171
Maués - 9
Borba - 164
Silves - 15
Parintins - 134
Barcellos - s. n.". (AMAZONAS, Província. Relatório, 16. fev. 1884, p. 29).

Deve-se destacar que, como menciona o Presidente José Paranaguá, esses números podem não corresponder à realidade, dadas as irregularidades frequentes nos livros de matrículas de escravos. Mas quem eram esses escravos? Eram objetos que poderiam ser vendidos, alugados, usados como empréstimos, pagamento de dívidas e heranças. Tomemos como exemplo os seguinte casos: No primeiro, de 1868, mãe e filha foram vendidas:

"Compareceram Antonio Albano do Lago, representado por seu procurador bastante nesta cidade Manoel Alves dos Santos, como vendedor e Manuel Gonsalves Ferreira como comprador... e foi dito perante mim e as testemunhas que sendo o seu constituinte senhor e possuir de uma escrava de nome Marcellina de côr carafusa e idade vinte e cinco annos, natural da cidade de Obidos, filha da escrava Theodora, com uma filha por baptizar, de sete mezes de idade, tambem nascida em Obidos, fazia venda da supradita escrava Marcellina com a referida filha... (escritura de compra e venda de 20 de abril de 1868, lavrada a fls. 9 verso a 10 do Livro de Notas n°. 1 do 1° Ofício de Manaus, hoje cartório do Dr. Fernandes Barros apud ITUASSÚ, 1981, p. 20-21).

Alguns anos mais tarde, em 1875, o escravo Jordão Piauhy, um dos bens penhorados de Francisco Fernandes da Silva Júnior, foi avaliado em 1:200$000 réis (JORNAL DO AMAZONAS, 16/04/1875, p. 04).

Apesar do tratamento como objeto, o escravo não deixava de responder e ser punido pelos crimes que cometia. Em 1863, a escrava Benedita, propriedade de Joaquim Pinto das Neves, fugiu por estar "condemnada a cém açoites por sentença do sr. delegado de policia desta cidade" (O CATHECHISTA, 14/11/1863, p. 04).

Um conjunto de fatores possibilitou que o Amazonas antecipasse em quatro anos a libertação de seus escravos. Deve-se destacar o novo contexto econômico, isto é, a expansão das atividades ligadas à extração do látex; o alto custo para a manutenção dos escravos, que já não era mais sustentável; a pressão cada vez maior de setores da sociedade e instituições como a Assembleia Legislativa Provincial, a Maçonaria e as sociedades emancipadoras contra essa prática. O historiador Provino Pozza Neto registra que a abolição total da escravidão no Amazonas estava marcada para o dia 5 de setembro, mas o Gabinete Lafayette, chefiado por Lafayette Rodrigues Pereira, já insatisfeito com as ações do Presidente da Província, decide exonerá-lo do cargo. Dessa forma, os abolicionistas amazonenses decidem adiantar a libertação para o dia 10 de julho (POZZA NETO, 2011, p. 140).

Não deve ser olvidada, de forma alguma, a resistência dos escravos à condição servil, pois até hoje, quando esquecida, transmite a ideia já superada de que estes foram passivos ao processo ou de que a escravidão foi mais branda na região Norte. A libertação não ficou circunscrita a "homens ilustres e de bom coração" e ao viés parlamentar (POZZA NETO, 2011, p. 19). São abundantes, em jornais de época, registros de fugas, na capital e no interior, bem como de crimes contra seus senhores, algumas das principais formas de luta e resistência utilizadas pelos cativos.

Um dos vários anúncios de fugas de escravos na Província do Amazonas. FONTE: Estrella do Amazonas, 1857.

Os defensores da abolição, membros em sua maioria da elite, defendiam que tal prática não encontrava mais espaço em uma sociedade que buscava integrar-se aos principais centros difusores da economia capitalista e dos valores da dita modernidade. Imperavam fatores mais econômicos que humanitários.

A antiga rua do Progresso, no Largo de São Sebastião, foi batizada com o nome 10 de Julho. A rua da Constituição foi renomeada como 24 de Maio em 23 de fevereiro de 1887, por proposta dos vereadores Silvério José Nery, José Carneiro dos Santos e Manuel Ramos, ambos abolicionistas, em referência ao fim da escravidão em Manaus.

Deve-se destacar que o ato de 10 de Julho de 1884 só foi reconhecido pelo Império quase três anos mais tarde: "A Libertação do Amazonas só foi aceita legalmente, pelo Império, a 30 de março de 1887, com o encerramento do livro de matrículas de escravos, no Amazonas, oficialmente realizado na Alfândega desta cidade" (LOUREIRO, 1989, p. 219).


Costa D' África


A Costa D' África foi uma região existente em Manaus na época da Província, com referências desde a década de 1860. Essa área, considerada um bairro na época, era habitada por africanos livres. Em 1866, Gustavo Ramos Ferreira, Vice-Presidente da Província, registrava a existência de 57 africanos livres que possuíam cartas de emancipação (AMAZONAS, Província. Relatório, 05. set. 1866).

Os moradores desse bairro, na condição de livres, conseguiram integrar-se, em parte, à sociedade da época, ocupando cargos públicos, militares e servindo de mão de obra em construções na capital. Essa integração deu-se em parte, pois após a libertação os negros continuaram, e ainda hoje continuam, sendo marginalizados e postos em condições subalternas, ainda que se tente mascarar os mecanismos de segregação e minimizar seus efeitos.

A Costa D' África estava localizada, de acordo com o jornalista Bento de Figueiredo Tenreiro Aranha, no livro Um Olhar pelo Passado (1897), em terras ao norte do antigo Cemitério de São José, entre as ruas Leonardo Malcher e Luiz Antony. Esse lugar desapareceu, possivelmente, em fins do século XIX e início do século XX, sendo integrado ao restante do Centro da cidade.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ARANHA, Bento de Figueiredo Tenreiro. Um Olhar pelo Passado. Manaus: Prefeitura Municipal/GRAFIMA, 1990. [original de 1897].

ITUASSÚ, Oyama César. Escravidão no Amazonas. Manaus: Editora Metro Cúbico, 1981.

LOUREIRO, Antonio José Souto. O Amazonas na Época Imperial. Ed. comemorativa 45°. aniversário da T. Loureiro Ltda. Manaus, 1989.

POZZA NETO, Provino. Ave libertas: ações emancipacionistas no Amazonas Imperial. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2011.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Trajetória das obras que contam a História do Trabalho no Amazonas é apresentada pelo historiador Luís Balkar Pinheiro

O texto a seguir é de autoria da jornalista e acadêmica de História (UFAM) Betsy Bell. Nele nos é apresentado de forma didática o primeiro episódio de uma série de vídeos sobre História Social do Trabalho e Movimentos Sociais na Amazônia, apresentado pelo historiador Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro.


Betsy Bell*

Vendedor ambulante na Avenida Sete de Setembro, no Centro de Manaus. Foto de 1927. Autor: James Dearden Holmes (1873-1937).

Doutor em História Social, o historiador amazonense Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro estreou o primeiro episódio de vídeos sobre História Social do Trabalho e Movimentos Sociais na Amazônia, iniciativa do GT Mundos dos Trabalho, grupo de estudos da Faculdade de Licenciatura em História, da Universidade Federal do Amazonas, que lançou o projeto no canal da plataforma digital YouTube, no último dia 30 de junho.

Com 20 anos de trabalho na área, Luís Balkar faz um panorama sobre a trajetória de pesquisas e de obras da história do trabalho no Estado do Amazonas. Na linha de tempo que ele traça, além de citar autores de obras referendadas sobre o assunto ou mesmo dissertações, o historiador apresenta uma análise pertinente sobre os motivos que despertaram o interesse pela história social do trabalho no Estado desde os anos 1980 e o que se segue até os dias de hoje.

Foi uma pena - contudo compreensível, pois poderia ser confundido com presunção -, Balkar excluir da palestra online referência às suas próprias obras sobre o tema: os livros “Vozes Operárias: Fontes para a História do proletariado amazonense” e “Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha – Trabalhadores, lideranças, associações e greves operárias em Manaus (1880-1930)”, este último uma produção em parceria com a também Doutora em História Social, a historiadora Maria Luíza Ugarte Pinheiro.

Mas nada que este texto não possa pontuar e fazer justiça. Afinal, a obra dos dois – Luís e Maria Luíza - é um mosaico de várias dissertações que Balkar cita, inclusive, no vídeo do GT Mundos do Trabalho, mas com uma condução encantadora dos que não só leem, orientam e acompanham as pesquisas, mas dominam o tema como poucos. “Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha”, assim como “Vozes Operárias” são tão cativantes quanto grandes romances literários. Sem o serem. E seus principais encantos são os trabalhadores, que surgem mais que personagens da trama, mas como protagonistas da cena.

Mundos do Trabalho na Cidade da Borracha, de Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro e Maria Luiza Ugarte Pinheiro.

O COMEÇO

Prof. Dr. Luís Balkar Sá Peixoto Pinheiro.

De acordo com Luís Balkar Pinheiro, o final dos anos 1980 teve o cenário perfeito para o começo das pesquisas sobre a temática da História Social do Trabalho no Amazonas. No vídeo, ele destaca os fatores. Um deles, diz respeito ao País estar às voltas com a abertura política, outro porque explodiam greves e movimentos sociais por todos os lados e também porque várias pesquisas destacavam, justamente, a referida inflexão historiográfica.

“No contexto amazonense, questões importantes também aconteciam como as greves operárias na Zona Franca de Manaus e a profissionalização da História no Estado, diante da abertura do curso de História (na Ufam), onde o currículo direcionava para pesquisa e a própria necessidade da história escrita pelos locais”, relembra o professor.

Nessa perspectiva tão positiva para ressaltar o tema trabalho, o historiador revela que houve ainda uma espécie de simbiose entre as experiências locais e nacionais, principalmente com os historiadores Victor Leonardi e Francisco Foot Hardman, autores de “História da Indústria e do Trabalho no Brasil: das origens aos anos vinte“ (1982) – obra tida como inovadora naquele momento entre os estudiosos.

Ambos, inclusive, vieram para o Amazonas diversas vezes e até Leonardi chegou a ser professor-visitante da Ufam. “Isso tudo foi um espectro de fatores que causou impulso para pesquisadores da área e que acabou refletindo nos seus trabalhos”, declara Pinheiro.


A VEZ DOS EXCLUÍDOS


A trajetória, levantada por Luís Balkar, segue com o relato que destaca o aparecimento da dissertação de Mestrado, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), que depois virou o livro “A Ilusão Do Fausto: Manaus (1890-1920)”, de Edinea Mascarenhas Dias.

Não é pra menos. A obra – que completa 21 anos – repensa mesmo todo o processo de formação da cidade de Manaus e, segundo Balkar, “renova a abordagem historiográfica, a partir de uma história social, preocupada com os excluídos e os marginalizados, com o conflito social, com a dominação, mas também com a resistência”.

No entanto, apesar da importância até hoje editorial e histórica da “A Ilusão do Fausto”, Luís Balkar Pinheiro explica que a questão do trabalho, na obra, surge de forma periférica e não como protagonista – o que, realmente, não era o objetivo do livro.

E o surgimento de obras que evidenciam, de maneira mais direta, a história social do trabalho e do trabalhador urbano no Amazonas, ocorrerá apenas na década de 1990. Com isso, Balkar menciona tanto “Quando Viver Ameaça a Ordem Urbana: trabalhadores urbanos em Manaus (1890/1915)”, de Francisca Deusa Sena da Costa (1997), quanto “A Cidade Sobre Os Ombros: Trabalho e Conflito no Porto de Manaus, 1899-1925”, de Maria Luiza Ugarte Pinheiro.

Trata-se de duas dissertações de Mestrado em História (PUC-SP) e, ambas, partem do objetivo de contar a história da cidade de Manaus, mas sob a ótica do trabalho. Um outro elemento interessante em comum, destacado pela narração de Balkar, é o fato das duas receberem influências das obras dos historiadores da Escola Inglesa, como Edward Palmer Thompson e Eric Hobsbawn – os dois, marxistas. “No trabalho de Francisca Deusa, que mostra certos cenários da cidade, os atores centrais são os populares, os povos urbanos e o ponto forte no estudo é a questão da moradia”, relata Pinheiro.

No entanto, a obra de Maria Luíza Ugarte, “A cidade sobre os ombros”, é tida como um trabalho mais totalizado, um marco mesmo, diante do tema História Social do Trabalho. Isso porque, segundo Balkar, o estudo se debruça sobre os trabalhadores portuários, os estivadores, e esquematiza tudo a respeito deles, como cotidiano, lazer, moradia, alimentação, além de “avançar na questão das relações de trabalho, com o patronato e, mais importante, no estudo sistemático sobre os processos de associações e de suas lutas, mapeando greves operárias”.


ANOS 2000 – UMA ODISSEIA NO TRABALHO


O adensamento de historiadores amazonenses interessados na História Social do Trabalho, conta o historiador Luís Balkar Pinheiro, teve o ano de 2005, uma divisa. Tudo porque deu-se a montagem do programa de pós-graduação em História da Ufam, com linha de pesquisa específica para o trabalho urbano em Manaus e na própria Amazônia.

Tanto que o número de dissertações e pesquisas, ao longo desses 15 anos, gira em torno de 155 trabalhos, sendo 50 apenas de História Social do Trabalho e 18 específicos sobre a história operária. Nesse contexto, Luís Balkar salienta algumas pesquisas determinantes à temática como a de Luciano Ewerton Teles (“A vida operária em Manaus: imprensa e mundos do trabalho (1920)”), de 2008; a de Alba Barbosa Pessoa, “Infância e Trabalho: Dimensões do Trabalho Infantil na Cidade de Manaus (1890-1930)”, de 2010, e a de Luciane Dantas de Campos (“Trabalho e emancipação: um olhar sobre as mulheres de Manaus (1890-1940), também de 2010.

“Veremos ainda alguns trabalhos sobre a visão do patronato, de Alexandre Avelino, e greves operárias, de Moisés Araújo, que envolve greves durante a Grande Guerra, entre 1914 e 1918, Manaus”, completa Pinheiro. Os trabalhos e autores citados são “O patronato Amazonense e o mundo do trabalho: a Revista da Associação Comercial e as representações acerca do trabalho no Amazonas (1908-1919)”, de Alexandre Avelino e “O grito dos trabalhadores: movimento operário, reivindicações e greves na Manaus da Grande Guerra (1914-1918)”, de Moisés Dias de Araújo.
Luís Balkar dá ênfase ainda, neste período, ao grande número de dissertações, que passaram a acompanhar categorias profissionais, desde caixeiros, tipógrafos, carregadores, carvoeiros até condutores de bonde, carteiros, metalúrgicos e portuários. Para isso, ele cita trabalhos de Kleber Moura, Dhyene Santos, Sérgio Lima e Cláudia Barros.

São eles, “Caixeiros: organização e vivências em Manaus (1906-1929)”, Kleber Barboza de Moura; “Motoristas e Condutores de Bondes em Manaus: Sociabilidade, Cultura Associativa e Greves (1899-1930)”, de Dhyene Vieira dos Santos; “Carvoeiros: trajetória do trabalho e dos trabalhadores da carvoaria em Manaus (1945-1967)”, de Sergio Lima e “Os trabalhadores e o Estado Novo em Manaus: uma história de resistências e conflitos”, de Cláudia Amélia Barros.


OS VANGUARDISTAS


Para Luís Balkar, as pesquisas mais recentes sobre o tema História Social do Trabalho no Amazonas ficaram mais livres do tópico sempre revisitado da expansão e crise da borracha em Manaus e os recortes foram ampliados, seja recuando no tempo, falando na província, ou escapando para os anos 1930 até 2015.

“Nesse caso, tenho que citar o trabalho de Tenner Abreu que estuda a escravidão e mestiçagem na província entre 1850 até 1889 e mesmo a importância da orientação de pesquisa do professor Doutor César Augusto Queirós sobre estudos políticos nos anos 1930 e 1940 e como se relaciona com a emergência do populismo na cidade”, diz o professor.

Balkar se refere, respectivamente a “Grêmio da Sociedade”: racialização e mestiçagem entre os trabalhadores na Província do Amazonas”, de Tenner Abreu e “Trabalho e cidade em Manaus nos anos 30: o patronato e as relações de trabalho”, de Jessica Cristine Duarte, trabalho que está sendo orientado pelo historiador César Augusto Bubolz Queirós.

Das temáticas mais contemporâneas, o professor Luís Balkar cita o trabalho de Célia Santiago sobre a greve dos metalúrgicos de 1985 (“Clandestino e mobilização nas linhas de montagem: a construção da greve dos metalúrgicos de 1985, em Manaus”) e também a de Rafaela Bastos que segue até 2015 (“Entre memórias: as experiências dos carregadores e carregadoras da Manaus Moderna e Estação Hidroviária de Manaus - Roadway, 1993-2015”).

Com memória primorosa e abordagens sensatas, o historiador Luís Balkar encerra a palestra online ainda com informações surpresas: aconselhamentos sobre a utilização atual das fontes diferenciadas e questões a serem superadas na contação dessas histórias. Mas, pra isso, o leitor terá que assistir ao vídeo, disponível no https://youtu.be/m5V61HsDm2w.




(*) Betsy Bell é jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas e graduanda do 3º período do curso de Licenciatura em História (também Ufam)