Entre 1940 e 1990, os principais ataques eram feitos à ideologia comunista.
O presente artigo é parte da minha resenha do capítulo IV do livro A História dos Homens, do historiador Josep Fontana. Esse capítulo, intitulado As Guerras da História, aborda como os embates ideológicos, travados com maior força desde a Segunda Guerra, influenciaram a produção historiográfica. Entre 1940 e 1990, travaram-se nos Estados Unidos embates violentos, que culminaram na instalação de um clima de vigilância contra o que era considerado nocivo à produção historiográfica:
As
guerras da história se mostram mais violentas na outra parte do
Mundo Ocidental, com maiores agravantes após a divisão ideológica
causada pela Guerra Fria. Segundo Fontana, desde os anos 1930 se
notam conflitos no ensino de História nos Estados Unidos, onde os
livros que não se adequassem aos valores conservadores e patrióticos
eram censurados e eliminados. A Associação Nacional de Manufaturas,
nos anos 1940, possuía mais de 6.800 vigias locais, com a missão de
manter a educação livre do perigo do coletivismo, que pode ser
interpretado como Comunismo.
Após
o fim da Primeira Guerra Mundial e a ascensão de duas forças
antagônicas, Conservadorismo (representado pelos Estados Unidos) e
Comunismo (representado pela URSS), os Estados Unidos passaram a
atacar a história progressista de historiadores como Charles Beard e
Carl Becker; e a elaborar uma história objetiva, que transmitisse
ensinamentos morais. Nunca houve, nas palavras de Fontana, “uma
associação tão íntima entre os historiadores e o poder que se
estabeleceu nestes anos”1. Historiadores
de prestigiadas universidades passaram a trabalhar na CIA, na OSS, no
Departamento de Estado e em outros órgãos do governo. A produção
historiográfica que começava a se formar nesses anos de embates
ideológicos visava não só a consolidação dos Estados Unidos como
principal potência mundial e a defesa dos valores tradicionais
americanos, mas também atendia ao interesse governamental sobre
informações dos “inimigos”. Surgem sovietólogos,
kremlinólogos, matérias universitárias sobre a Ásia e a
Rússia. O historiador George Kennan fixa as linhas da política
norte-americana em relação a URSS; e o professor emérito de
História Russa, Richard Pipes, num primeiro momento, ataca o
comunismo, para mais tarde, minar o estado de bem-estar social.
Aliava-se
à história, nesse período, a sociologia, surgindo a sociologia
histórica, que interpretava os fatos históricos a partir de modelos
sociológicos esquemáticos. Também era produzida uma história
erudita, representada por maciços trabalhos de compilação
documental. Sociologia Histórica e História Erudita eram voltadas
para o estudo de conflitos sociais e formas de evitá-los ou
contê-los. Podem ser citadas as obras de Barrington Moore Jr.,
Charles Tilly e Theda Skocpol.
A repressão tornou-se constante no cenário intelectual americano. Livros considerados subversivos, com tendências pró-comunistas, eram censurados. A Daughters of the American Revolution chegou a denunciar 170 livros nessa categoria, que continham, por exemplo, expressões sobre coletividade, algo considerado pró-comunista. Esse clima repressivo permitiu o surgimento de uma história baseada na predestinação, na doutrina Destino Manifesto e em outros "talentos" considerados natos dos Estados Unidos. Não eram feitas menções à conquistas dos nativos, a grupos marginalizados e não eram feitas críticas sociais. Fontana, citando Gendzier, afirma que "voltava-se, ao mesmo tempo, à doutrina da objetividade, à rejeição da "ideologia" - isto é, das ideias dos outros - e da "construção social".2
Os
Estados Unidos, representantes máximos do lado liberal da Guerra
Fria, tinham de estender sua influência para outros países. Seus
ideais eram difundidos através do Congresso pela Liberdade da
Cultura (CCF), dirigido pela CIA e amparados por recursos
provenientes do Plano Marshall. Eram financiadas revistas
propagandistas dos ideais norte-americanos da Europa à Oceania: Na
França, existiu a publicação preuves; na Grã-Bretanha,
a Encounter; Cuadernos, na
Espanha; Tempo Presente, na Itália; e outras de
mesmo cunho na Austrália, Índia e Japão.
Outros
campos do conhecimento humano passaram por transformações radicais
dentro desse contexto. No campo das Artes, por exemplo, o
realismo, vertente utilizada para popularizar as artes, é
substituído pelo expressionismo abstrato. Essa vertente tem uma
linguagem complexa, entendida apenas por uma pequena elite
intelectual. As exposições dos artistas expressionistas abstratos
eram financiadas pela CIA. No curso de Letras das
universidades, língua e literatura passam a ser estudados sem
se levar em conta o contexto social e histórico, apenas o conteúdo
do texto. É um estudo elitista, que evita críticas tanto da direita
quanto da esquerda. No estudo de Ciências Sociais, a National
Science Foundation, pedia para aqueles que pediam apoio para seus
estudos que evitassem qualquer ligação com reformas ou bem-estar
social. Se o apoio viesse da iniciativa privada, os pedidos eram, por
exemplo, que se evitassem pesquisas sobre relações de raça.
Dando
um salto cronológico de quase 50 anos, Josep Fontana sai do período
da Guerra Fria e entra nos anos 90, afirmando, no entanto, que a luta
não terminou naqueles tempos de visível divisão ideológica. Nessa
década, o presidente George W. Bush empreendeu uma grande reforma na
educação dos jovens americanos, no qual estava incluído o
conhecimento das “diferentes heranças culturais da nação”. A
comissão encarregada da área da História teve uma tarefa árdua ao
englobar uma gama de minorias presentes no país, numa tentativa
de construir uma história verdadeiramente global. Os novos
parâmetros de ensino ficaram prontos em 1994, e quase de imediato
passaram a ser denunciados por grandes veículos de comunicação do
porte de Wall Street Journal, que os acusavam “como
uma conspiração para inculcar uma educação ao estilo comunista ou
nazista, dentro de uma campanha contra o multiculturalismo e contra
os “tenured radicals”: os professores “radicais” que se
acreditava, sem fundamento algum, controlassem os ensinos de
história, literatura ou antropologia nas universidades
norte-americanas”3. Emergiam
novamente os conflitos da época da guerra, que de fato nunca foram
superados.
As
perseguições ao marxismo e seus simpatizantes continuava a
funcionar com o mesmo mecanismo dos anos 40: os vigilantes e
historiadores alinhados à classe dominante. O historiador David
Abraham foi perseguido pelo também historiador Henry A. Turner;
Norman Cantor atacava Lawrence Stone; Robert Conquest, que em seu
último livro mostrara como as “ideias revolucionárias devastaram
mentes, movimentos e países inteiros”, atacava o historiador
inglês Eric Hobsbawm, autor de História do Século
XX, livro bem aceito nos meios liberais britânicos.
1FONTANA,
Josep. “As Guerras da História”. In: A História dos Homens.
Bauru, (SP). p. 347.
2Ibidem,
p. 353.
3Ibidem,
p. 355-56.
CRÉDITO
DA IMAGEM:
http://mccarthyism175.weebly.com/
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