Versão resumida do texto Ciclo da Borracha (dos primórdios até 1920), publicado em 24 de junho de 2013. Nessa primeira parte, apresento aos leitores como ocorreu o contato com o látex, com registros datados de antes de Cristo, até a vinda de aventureiros para a Amazônia entre os séculos XIX e XX. A segunda postagem englobará as transformações políticas, econômicas e culturais. A terceira e última parte será dedicada ao lado pregresso dessa economia e a sua decadência.
A ambição que gerou a conquista. A conquista que gerou o extrativismo onde os caudilhos fixaram suas leis homicidas. O extrativismo que gerou a súbitas fortunas de aventureiros dos quatro cantos. Era o Eldorado, o esplendor de uma selvagem nobreza dos trópicos cujos cenários e costumes foram importados de Inglaterra, França e Itália (Amazonas, Amazonas. Glauber Rocha, 1966). É com essa passagem marcante do documentário Amazonas, Amazonas, que dou início a esse texto. A economia gomífera na Amazônia, que dominou a região entre 1880 e 1929, com uma sobrevida até 1945, se constituiu em um dos principais ciclos econômicos do Brasil contemporâneo. Movimentou somas que iam da Amazônia à Europa; garantiu a construção de estruturas industriais com utilidade até os dias de hoje; e alterou para sempre a fisionomia social e econômica da região Norte do país.
À esquerda, a "trave" do jogo praticado pelos nativos pré-colombianos. À direita, um jogador atual no estado de Sinaloa, no México.
Os povos nativos da América pré-colombiana já utilizavam a borracha no seu dia a dia. Um dos usos mais comuns, entre os Teotihuacan do México (300 a.C. - 600 d.C.), era o de confeccionar uma bola utilizada em um jogo ritualístico, difundido entre outros povos, no qual os vencedores eram sacrificados em honra ao Sol. Ao chegar no continente entre os séculos XVI e XVII, cronistas, clérigos e viajantes europeus tiveram contato com essa substância, a qual passaram a observar e descrever suas propriedades.
A primeira descrição detalhada sobre a borracha foi produzida no século XVIII pelo sábio francês Charles Marie de La Condamine, que esteve na Amazônia em 1736, descrevendo seus usos pelos omáguas, que fabricavam bolas, garras e revestimentos para tecidos. Também notou que os portugueses aprenderam com os cambebas o processo de fabricação da borracha, e passaram a fazer fazer seringas, sapatos e galochas. De sua experiência surgiu, em 1745, a obra Relato abreviado de uma viagem feita ao interior da América Meridional.
No início do século XIX, os arredores de Belém e as ilhas de Marajó, no Pará, começaram a exportar para os Estados Unidos e Europa milhares de sapatos impermeabilizados e galochas. Seriam necessárias mais de 2 décadas de pesquisas para que a borracha amazônica ganhasse uma utilização industrial, pois esse produto sofre alterações com a temperatura: no calor, torna-se pegajosa; com o frio, quebradiça. O inventor estadunidense Charles Goodyear criou o processo de vulcanização (1839), no qual o uso de calor e enxofre aumenta a durabilidade da borracha. Luvas, preservativos e outros produtos feitos a partir dessa matéria ganharam os mercados europeus e norte americanos com uma velocidade tão grande que, na Amazônia, já começava a movimentação de braços para atender a crescente demanda internacional.
À esquerda, Charles Goodyear, 1891. Ilustração póstuma da Scientific American. À direita, índio omágua defumando borracha, 1876. Gravura de Franz Keller-Leuzinger.
A mão de obra destinada à extração do látex, num primeiro momento, trouxe alguns problemas para os governos locais. O governador do Pará, e mais tarde o da Província do Amazonas, se queixava que a atividade gomífera estava absorvendo trabalhadores da área de produção de bens de consumo (cacau, café, anil, arroz, guaraná), que começavam a ser importados, e das indústrias locais (cordoarias, olarias, algodoaria e estalagens). Para suprir a demanda de mão de obra, motivados por fatores naturais e econômicos, migraram para a Amazônia milhares de nordestinos entre 1877 e 1879.
Nesse final de século XIX, saíram do Ceará em direção à Amazônia cerca de 65.000 flagelos das secas e do péssimo resultado da produção agrícola causado por estas. Este contingente de pessoas avançou pelo rio Purus, atingindo, em terras estrangeiras, áreas ricas em seringueiras. A presença de brasileiros na região que viria a ser o futuro estado do Acre criaria querelas diplomáticas entre Brasil e Bolívia.
Com a rápida penetração de brasileiros nessa região, a Bolívia se alia ao capital estrangeiro de grupos europeus e norte-americanos, fundando o Bolivian Syndicate, sindicato altamente capitalizado que asseguraria o domínio boliviano e, por dez anos, exploraria os recursos da região. Em 1899, sem autorização e de madrugada, um navio de guerra norte-americano navega ilegalmente o rio Amazonas em direção ao Acre. O navio é interceptado nos arredores de Manaus, causando protestos do governo brasileiro contra os Estados Unidos.
No mesmo ano, financiado por políticos e empresários amazonenses, o aventureiro espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Aria, com um pequeno exército improvisado, ocupa o território reivindicado pela Bolívia e funda o Estado Independente do Acre, desfeito no final do mesmo ano pelo governo brasileiro. Em 06 de agosto de 1902, o jovem Plácido de Castro, gaúcho de São Gabriel, com um exército improvisado, composto de seringueiros, entra na cidade de Xapuri, prende o intendente boliviano e proclama o Estado Independente do Acre, entrando em guerra com o exército da Bolívia. Com mais uma intervenção do governo federal brasileiro, é cessada a batalha armada em nome da batalha diplomática. O diplomata José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, já famoso por ter atuado nos impasses territoriais entre Brasil e Argentina (Questão de Palmas, 1890-1895); e Amapá (1900), propõe um acordo entre Brasil e Bolívia: O Tratado de Petrópolis. Concretizado em 1903, nele ficou estabelecido que a Bolívia venderia para o Brasil o território do Estado do Acre por 2 milhões de libras esterlinas; e o Brasil indenizaria o Bolivian Syndicate em 110 mil libras esterlinas e se comprometeria a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, para escoar a produção boliviana pelo rio Amazonas.
Na segunda metade do século XIX, a tranquilidade da região amazônica seria alterada por dois acontecimentos: A criação da Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, em 1852; e a Abertura dos Portos do Rio Amazonas às Nações Amigas, em 1866. A Companhia foi criada pelo empresário Irineu Evangelista, o Barão de Mauá, e começou a operar na região com três pequenos vapores, intensificando o comércio e a comunicação da Província do Amazonas com outras províncias brasileiras e o Peru. Em 1866, pressionado por europeus, norte-americanos e membros das elites do Pará e Amazonas, ávidas por mudança, o Império do Brasil decreta, em 7 de setembro, a abertura dos rios Amazonas, Tocantins, Tapajós e Madeira à navegação estrangeira. Com esses dois acontecimentos é facilitada a escoação de matérias-primas regionais, principalmente a borracha, e a entrada de capital e manufaturados estrangeiros.
O novo panorama que começava a se configurar nessa parte afastada dos principais centros econômicos do Brasil atraiu pessoas das mas variadas classes sociais: Aqueles que não tinham nada a perder e buscavam um recomeço; os aventureiros, ávidos por novos experiências; e até pessoas nobres. No primeiro grupo vamos ter os nordestinos, em grande parte vindos do Ceará, mas também de Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Atraídos para uma região tão vasta, em busca de um refúgio contra as secas que assolavam seus estados de origem, logo se viram frente a uma das piores faces da economia gomífera na Amazônia: o regime de semi-servidão. Em teoria, o seringueiro era um trabalhador livre, mas trazia, desde sua viagem para a região, uma dívida com o dono do seringal. Chegando ao local de trabalho, extraía o látex até pagar o que devia ao seringalista. Só que isso raramente acontecia, pois todos os utensílios para o trabalho e bens de consumo deveriam ser comprados no barracão, também de propriedade do seringalista. Assim, esse trabalhador, explorado em um regime de trabalho que começava entre 4:00-5:00 horas, percorrendo vários quilômetros para encontrar seringueiras, ficava em um ciclo eterno de fazer e pagar dívidas. Se tentasse comprar em outro lugar, falsificar o peso das pélas de borracha ou fugir do seringal, era eliminado pelo patrão, que controlava o lugar com mãos de ferro.
Entre os aventureiros podemos citar Plácido de Castro, ex-militar, combatente da Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, que em 1902 proclamou o Estado Independente do Acre, enfrentando, com um exército improvisado de seringueiros, as forças militares bolivianas. Pensava em uma economia gomífera mais humanizada e eficiente, indo contra o pensamento dos seringalistas. Pagou com a própria vida, em 1908, ao ser morto em uma emboscada no Seringal Benfica, no Acre. Abandonando a comuna italiana de Borgo Val di Taro, o conde Ermanno Stradelli, etnólogo e poeta autodidata, nutriu grande fascinação pela Amazônia, colhendo e publicando, de 1880 até sua morte, em 1926, informações riquíssimas sobre os hábitos e costumes dos nativos da região.
Com a rápida penetração de brasileiros nessa região, a Bolívia se alia ao capital estrangeiro de grupos europeus e norte-americanos, fundando o Bolivian Syndicate, sindicato altamente capitalizado que asseguraria o domínio boliviano e, por dez anos, exploraria os recursos da região. Em 1899, sem autorização e de madrugada, um navio de guerra norte-americano navega ilegalmente o rio Amazonas em direção ao Acre. O navio é interceptado nos arredores de Manaus, causando protestos do governo brasileiro contra os Estados Unidos.
À esquerda, as comitivas do Brasil e da Bolívia que participaram das negociações, com o Barão do Rio Branco ao centro. À direita, um mapa mostrando como ficou a geografia política após os acordos.
Na segunda metade do século XIX, a tranquilidade da região amazônica seria alterada por dois acontecimentos: A criação da Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, em 1852; e a Abertura dos Portos do Rio Amazonas às Nações Amigas, em 1866. A Companhia foi criada pelo empresário Irineu Evangelista, o Barão de Mauá, e começou a operar na região com três pequenos vapores, intensificando o comércio e a comunicação da Província do Amazonas com outras províncias brasileiras e o Peru. Em 1866, pressionado por europeus, norte-americanos e membros das elites do Pará e Amazonas, ávidas por mudança, o Império do Brasil decreta, em 7 de setembro, a abertura dos rios Amazonas, Tocantins, Tapajós e Madeira à navegação estrangeira. Com esses dois acontecimentos é facilitada a escoação de matérias-primas regionais, principalmente a borracha, e a entrada de capital e manufaturados estrangeiros.
À esquerda, seringueiro extraindo látex. Gravura de Percy Lau. À direita, seringueiro defumando a borracha no tapiri, em 1900.
O novo panorama que começava a se configurar nessa parte afastada dos principais centros econômicos do Brasil atraiu pessoas das mas variadas classes sociais: Aqueles que não tinham nada a perder e buscavam um recomeço; os aventureiros, ávidos por novos experiências; e até pessoas nobres. No primeiro grupo vamos ter os nordestinos, em grande parte vindos do Ceará, mas também de Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Atraídos para uma região tão vasta, em busca de um refúgio contra as secas que assolavam seus estados de origem, logo se viram frente a uma das piores faces da economia gomífera na Amazônia: o regime de semi-servidão. Em teoria, o seringueiro era um trabalhador livre, mas trazia, desde sua viagem para a região, uma dívida com o dono do seringal. Chegando ao local de trabalho, extraía o látex até pagar o que devia ao seringalista. Só que isso raramente acontecia, pois todos os utensílios para o trabalho e bens de consumo deveriam ser comprados no barracão, também de propriedade do seringalista. Assim, esse trabalhador, explorado em um regime de trabalho que começava entre 4:00-5:00 horas, percorrendo vários quilômetros para encontrar seringueiras, ficava em um ciclo eterno de fazer e pagar dívidas. Se tentasse comprar em outro lugar, falsificar o peso das pélas de borracha ou fugir do seringal, era eliminado pelo patrão, que controlava o lugar com mãos de ferro.
Entre os aventureiros podemos citar Plácido de Castro, ex-militar, combatente da Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, que em 1902 proclamou o Estado Independente do Acre, enfrentando, com um exército improvisado de seringueiros, as forças militares bolivianas. Pensava em uma economia gomífera mais humanizada e eficiente, indo contra o pensamento dos seringalistas. Pagou com a própria vida, em 1908, ao ser morto em uma emboscada no Seringal Benfica, no Acre. Abandonando a comuna italiana de Borgo Val di Taro, o conde Ermanno Stradelli, etnólogo e poeta autodidata, nutriu grande fascinação pela Amazônia, colhendo e publicando, de 1880 até sua morte, em 1926, informações riquíssimas sobre os hábitos e costumes dos nativos da região.
FONTE:
Resumo feito a partir do livro 'Breve História da Amazônia', de Márcio Souza (1994).
CRÉDITO DAS IMAGENS:
football-origins.com
commons.wikimedia.org
Acervo Sergio Figueiredo/Povos da Amazônia
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arquivohistory.blogspot.com
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