segunda-feira, 30 de maio de 2016

A Economia Gomífera na Amazônia I: Dos primórdios aos componentes humanos

Versão resumida do texto Ciclo da Borracha (dos primórdios até 1920), publicado em 24 de junho de 2013. Nessa primeira parte, apresento aos leitores como ocorreu o contato com o látex, com registros datados de antes de Cristo, até a vinda de aventureiros para a Amazônia entre os séculos XIX e XX. A segunda postagem englobará as transformações políticas, econômicas e culturais. A terceira e última parte será dedicada ao lado pregresso dessa economia e a sua decadência.

A ambição que gerou a conquista. A conquista que gerou o extrativismo onde os caudilhos fixaram suas leis homicidas. O extrativismo que gerou a súbitas fortunas de aventureiros dos quatro cantos. Era o Eldorado, o esplendor de uma selvagem nobreza dos trópicos cujos cenários e costumes foram importados de Inglaterra, França e Itália (Amazonas, Amazonas. Glauber Rocha, 1966). É com essa passagem marcante do documentário Amazonas, Amazonas, que dou início a esse texto. A economia gomífera na Amazônia, que dominou a região entre 1880 e 1929, com uma sobrevida até 1945, se constituiu em um dos principais ciclos econômicos do Brasil contemporâneo. Movimentou somas que iam da Amazônia à Europa; garantiu a construção de estruturas industriais com utilidade até os dias de hoje; e alterou para sempre a fisionomia social e econômica da região Norte do país. 

À esquerda, a "trave" do jogo praticado pelos nativos pré-colombianos. À direita, um jogador atual no estado de Sinaloa, no México.

Os povos nativos da América pré-colombiana já utilizavam a borracha no seu dia a dia. Um dos usos mais comuns, entre os Teotihuacan do México (300 a.C. - 600 d.C.), era o de confeccionar uma bola utilizada em um jogo ritualístico, difundido entre outros povos, no qual os vencedores eram sacrificados em honra ao Sol. Ao chegar no continente entre os séculos XVI e XVII, cronistas, clérigos e viajantes europeus tiveram contato com essa substância, a qual passaram a observar e descrever suas propriedades.

A primeira descrição detalhada sobre a borracha foi produzida no século XVIII pelo sábio francês Charles Marie de La Condamine, que esteve na Amazônia em 1736, descrevendo seus usos pelos omáguas, que fabricavam bolas, garras e revestimentos para tecidos. Também notou que os portugueses aprenderam com os cambebas o processo de fabricação da borracha, e passaram a fazer fazer seringas, sapatos e galochas. De sua experiência surgiu, em 1745, a obra Relato abreviado de uma viagem feita ao interior da América Meridional.

No início do século XIX, os arredores de Belém e as ilhas de Marajó, no Pará, começaram a exportar para os Estados Unidos e Europa milhares de sapatos impermeabilizados e galochas. Seriam necessárias mais de 2 décadas de pesquisas para que a borracha amazônica ganhasse uma utilização industrial, pois esse produto sofre alterações com a temperatura: no calor, torna-se pegajosa; com o frio, quebradiça. O inventor estadunidense Charles Goodyear criou o processo de vulcanização (1839), no qual o uso de calor e enxofre aumenta a durabilidade da borracha. Luvas, preservativos e outros produtos feitos a partir dessa matéria ganharam os mercados europeus e norte americanos com uma velocidade tão grande que, na Amazônia, já começava a movimentação de braços para atender a crescente demanda internacional.

À esquerda, Charles Goodyear, 1891. Ilustração póstuma da Scientific American. À direita, índio omágua defumando borracha, 1876. Gravura de Franz Keller-Leuzinger.

A mão de obra destinada à extração do látex, num primeiro momento, trouxe alguns problemas para os governos locais. O governador do Pará, e mais tarde o da Província do Amazonas, se queixava que a atividade gomífera estava absorvendo trabalhadores da área de produção de bens de consumo (cacau, café, anil, arroz, guaraná), que começavam a ser importados, e das indústrias locais (cordoarias, olarias, algodoaria e estalagens). Para suprir a demanda de mão de obra, motivados por fatores naturais e econômicos, migraram para a Amazônia milhares de nordestinos entre 1877 e 1879.

Nesse final de século XIX, saíram do Ceará em direção à Amazônia cerca de 65.000 flagelos das secas e do péssimo resultado da produção agrícola causado por estas. Este contingente de pessoas avançou pelo rio Purus, atingindo, em terras estrangeiras, áreas ricas em seringueiras. A presença de brasileiros na região que viria a ser o futuro estado do Acre criaria querelas diplomáticas entre Brasil e Bolívia.

Com a rápida penetração de brasileiros nessa região, a Bolívia se alia ao capital estrangeiro de grupos europeus e norte-americanos, fundando o Bolivian Syndicate, sindicato altamente capitalizado que asseguraria o domínio boliviano e, por dez anos, exploraria os recursos da região. Em 1899, sem autorização e de madrugada, um navio de guerra norte-americano navega ilegalmente o rio Amazonas em direção ao Acre. O navio é interceptado nos arredores de Manaus, causando protestos do governo brasileiro contra os Estados Unidos.

À esquerda, as comitivas do Brasil e da Bolívia que participaram das negociações, com o Barão do Rio Branco ao centro. À direita, um mapa mostrando como ficou a geografia política após os acordos.

No mesmo ano, financiado por políticos e empresários amazonenses, o aventureiro espanhol Luiz Galvez Rodrigues de Aria, com um pequeno exército improvisado, ocupa o território reivindicado pela Bolívia e funda o Estado Independente do Acre, desfeito no final do mesmo ano pelo governo brasileiro. Em 06 de agosto de 1902, o jovem Plácido de Castro, gaúcho de São Gabriel, com um exército improvisado, composto de seringueiros, entra na cidade de Xapuri, prende o intendente boliviano e proclama o Estado Independente do Acre, entrando em guerra com o exército da Bolívia. Com mais uma intervenção do governo federal brasileiro, é cessada a batalha armada em nome da batalha diplomática. O diplomata José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, já famoso por ter atuado nos impasses territoriais entre Brasil e Argentina (Questão de Palmas, 1890-1895); e Amapá (1900), propõe um acordo entre Brasil e Bolívia: O Tratado de Petrópolis. Concretizado em 1903, nele ficou estabelecido que a Bolívia venderia para o Brasil o território do Estado do Acre por 2 milhões de libras esterlinas; e o Brasil indenizaria o Bolivian Syndicate em 110 mil libras esterlinas e se comprometeria a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, para escoar a produção boliviana pelo rio Amazonas.

Na segunda metade do século XIX, a tranquilidade da região amazônica seria alterada por dois acontecimentos: A criação da Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, em 1852; e a Abertura dos Portos do Rio Amazonas às Nações Amigas, em 1866. A Companhia foi criada pelo empresário Irineu Evangelista, o  Barão de Mauá, e começou a operar na região com três pequenos vapores, intensificando o comércio e a comunicação da Província do Amazonas com outras províncias brasileiras e o Peru. Em 1866, pressionado por europeus, norte-americanos e membros das elites do Pará e Amazonas, ávidas por mudança, o Império do Brasil decreta, em 7 de setembro, a abertura dos rios Amazonas, Tocantins, Tapajós e Madeira à navegação estrangeira. Com esses dois acontecimentos é facilitada a escoação de matérias-primas regionais, principalmente a borracha, e a entrada de capital e manufaturados estrangeiros.

À esquerda, seringueiro extraindo látex. Gravura de Percy Lau. À direita, seringueiro defumando a borracha no tapiri, em 1900.

O novo panorama que começava a se configurar nessa parte afastada dos principais centros econômicos do Brasil atraiu pessoas das mas variadas classes sociais: Aqueles que não tinham nada a perder e buscavam um recomeço; os aventureiros, ávidos por novos experiências; e até pessoas nobres. No primeiro grupo vamos ter os nordestinos, em grande parte vindos do Ceará, mas também de Alagoas, Pernambuco e Paraíba. Atraídos para uma região tão vasta, em busca de um refúgio contra as secas que assolavam seus estados de origem, logo se viram frente a uma das piores faces da economia gomífera na Amazônia: o regime de semi-servidão. Em teoria, o seringueiro era um trabalhador livre, mas trazia, desde sua viagem para a região, uma dívida com o dono do seringal. Chegando ao local de trabalho, extraía o látex até pagar o que devia ao seringalista. Só que isso raramente acontecia, pois todos os utensílios para o trabalho e bens de consumo deveriam ser comprados no barracão, também de propriedade do seringalista. Assim, esse trabalhador, explorado em um regime de trabalho que começava entre 4:00-5:00 horas, percorrendo vários quilômetros para encontrar seringueiras, ficava em um ciclo eterno de fazer e pagar dívidas. Se tentasse comprar em outro lugar, falsificar o peso das pélas de borracha ou fugir do seringal, era eliminado pelo patrão, que controlava o lugar com mãos de ferro.

Entre os aventureiros podemos citar Plácido de Castro, ex-militar, combatente da Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, que em 1902 proclamou o Estado Independente do Acre, enfrentando, com um exército improvisado de seringueiros, as forças militares bolivianas. Pensava em uma economia gomífera mais humanizada e eficiente, indo contra o pensamento dos seringalistas. Pagou com a própria vida, em 1908, ao ser morto em uma emboscada no Seringal Benfica, no Acre. Abandonando a comuna italiana de Borgo Val di Taro, o conde Ermanno Stradelli, etnólogo e poeta autodidata, nutriu grande fascinação pela Amazônia, colhendo e publicando, de 1880 até sua morte, em 1926, informações riquíssimas sobre os hábitos e costumes dos nativos da região.

FONTE:

Resumo feito a partir do livro 'Breve História da Amazônia', de Márcio Souza (1994).


CRÉDITO DAS IMAGENS:

football-origins.com
commons.wikimedia.org
Acervo Sergio Figueiredo/Povos da Amazônia
vfco.brazilia.jor.br
arquivohistory.blogspot.com










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