Vista parcial do bairro de São Vicente. Manaus, 1953.
Texto
sobre o bairro como elemento social
e histórico de uma cidade, produzido através de extratos do
prefácio do meu futuro livro, Barro Vermelho: História e Memória
do bairro São Lázaro.
Bairro,
na definição do mais simples dicionário, é cada uma
das partes que formam uma cidade.
É em cada uma dessas partes, seja em qual zona for, que surge a
memória coletiva, passada de geração em geração através
da vida pública, representada pela convivência em templos
religiosos, estabelecimentos comerciais e repartições públicas; e
da vida privada,
por meio de ensinamentos e
práticas familiares. Essas
memórias, quando evocadas e transmitidas
de forma oral, constituem-se de matéria essencial para a construção
da História desses
bairros.
Soma-se à memória as fontes
documentais, encontrada em paróquias, prefeituras e acervos
particulares.
Essa
divisão administrativa e
geográfica de uma urbe, a
menor hierarquicamente, se faz presente desde as civilizações da
Antiguidade, com diferentes funções em determinados locais e
épocas: Nas cidades da América pré-colombiana, por
exemplo, estavam acima dos
núcleos familiares e tinham
mais liberdade em relação ao estado;
e na China da Dinastia Tang, surgiram para facilitar o registro civil
e a cobrança de impostos.
Um
bairro não é igual ao outro. Cada um possui particularidades
distintas e bem visíveis. Na Roma Clássica, Subura era conhecido
como lugar dos prazeres mundanos e da libertinagem, e
Cerâmico, por abrigar os oleiros da capital. Alfama,
bairro português do século XV, era conhecido por seus banhos
públicos desde os tempos
clássicos. Vila
Nova Conceição, em São Paulo, é considerado o mais caro da
capital. Essas diferenças,
com o passar do tempo e aceitação dos moradores, se
tornam referência para a
comunidade.
Em
Manaus, São Vicente de Fora, núcleo inicial de povoação do
Centro, é considerado o mais antigo da cidade, com relatos desde o
século XVIII. Compreendia
as
ruas 5 de Setembro, Bernardo Ramos, Frei José dos Inocentes,
Visconde de Mauá, Monteiro de Souza, Tamandaré e Itamaracá.
Mais
tarde surgiram Remédios, Espírito Santo, Campina, República e
Nazaré, todos amalgamados e transformados no que hoje é o Centro.
Esses
locais, no decorrer da História de
Manaus, foram surgindo de
diferentes formas: alguns, raros, tem início de forma planejada, com
projetos registrados em plantas e traçados feitos por engenheiros,
como foi o caso dos bairros Cachoeirinha e Adrianópolis. A maioria
esmagadora foi surgindo por
meio de invasões em
momentos críticos como o fim da economia gomífera; a
grande cheia de 1953; a
destruição da Cidade Flutuante, grande favela fluvial erguida em
1920 em frente
ao Centro (destruída em 1967); e o boom provocado pela instalação
da Zona Franca (1967-1990).
Estes se encontram em peso nas zonas Leste e Norte, e
também estão nas zonas Sul e Oeste.
São
Lázaro, na zona Sul, foi
um desses bairros que surgiu em meio a invasões, durante os anos
1950, quando a cidade ainda
sofria os reflexos da decadência da economia da borracha e passava a
receber um número crescente de pessoas vindas do interior do estado,
que estava com
seus seringais falidos e abandonados.
Nele se amalgamaram os
saberes populares, as
tradições culturais e os
dramas anônimos daqueles
que tentavam se fixar e iniciar uma nova vida na capital.
A Paróquia improvisada, construída de madeira e palha; as casas
humildes, feitas do mesmo material; e as ruas, irregulares,
abertas sem ordenamento e
nomeadas conforme a topografia, o nome de um morador ilustre ou nome
religioso, são elementos de
um cenário bucólico presente nos primeiros tempos de existência da
comunidade.
Uma
parte, um pedaço, uma divisão, um fragmento. Da Roma Clássica à
Manaus, guardadas as devidas
diferenças, o bairro é o
elemento que catalisa a vida em comunidade, o social em confluência
ao histórico, os saberes populares e culturais. Quando
se juntam esses “fragmentos”, todos com as características
anteriormente citadas, se forma o espírito de uma cidade. Que num futuro não tão distante se produza uma grandiosa História Geral dos bairros e comunidades de Manaus, com foco nas zonas Leste e Norte, carentes de uma narrativa que dê luz às suas identidades históricas.
CRÉDITO DA IMAGEM:
Biblioteca IBGE
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