sábado, 28 de outubro de 2017

O Crime da rua Costa Azevedo (1913)

Reconstituição da cena do crime feita pelo artista Jorge Gambôa, que tinha um atelier na rua Costa Azevedo. 15/02/1913.

Os crimes antigos povoam o nosso imaginário. Monstro da Colina, Jairzinho, Varadouro da Morte, Oliva Pinto… Nomes de pessoas e locais lembrados pela população da cidade, que foi transmitindo esses acontecimentos através das décadas, criando um verdadeiro repertório maravilhado, temeroso, da criminalidade. Os crimes do tempo presente não chamam nossa atenção, dada a forma rotineira com que acontecem. Somente um acontecimento muito, mas muito violento e grave, é capaz de despertar em nós o medo e o mecanismo de gravá-lo em nossa memória. Escrevo a seguir sobre um crime pouco conhecido, um assassinato na rua Costa Azevedo ocorrido em 1913, mas interessante pela forma como foi retratado, com gravuras e fotogravuras da vítima e dos assassinos, pelas minúcias e a forma como foi reconstituído.

Na tarde de 14 de fevereiro de 1913, por volta das 16:30, um homem foi assassinado na rua Costa Azevedo, no Centro, nas proximidades da Escola Universitária Livre de Manáos (E. Estadual Saldanha Marinho). Tratava-se de José Magliano D’ Eglias, assassinado por Francisco D’ Eglias Calábria e seu filho José D’ Eglias. Foi uma das coberturas mais rápidas realizadas pelo Jornal do Comércio, pois minutos após a morte de José Magliano, a equipe do jornal já estava em sua casa, onde estava o corpo, colhendo informações.

Na casa de n° 4 na rua Costa Azevedo, com vários curiosos na porta, encontrava-se, sobre uma cama forrada com um lençol branco, o corpo ensanguentado de José, com a roupa rasgada e as marcas das facadas que lhe tiraram a vida. Na sala, um quadro feito a lápis do morto ainda em vida. Passado o momento de espanto e tristeza, a equipe do JC passou a colher informações.


AS ORIGENS DE UM CRIME

Carlos Magliano D’ Eglias, italiano, tinha noivado há dois meses com a também italiana Magdalena D’ Eglias, filha de Francisco D’ Eglias Calábria e irmã de José D’ Eglias. Nesses dois meses de noivado, Magdalena dava sinais de que não queria levar a união adiante, querendo dar um fim ao enlace. No entanto, já estava muito encima da hora para que isso ocorresse, pois o casamento estava marcado para o dia 14 de fevereiro de 1913, tendo José Magliano D’ Eglias, irmão do noivo, cuidado de toda a papelada para o ato, auxiliado que fora por Raymundo do Rego Barros de Souza, encarregado de entregar ao casal os documentos.

Raimundo do Rego Barros de Souza se dirigiu à casa do pai de Magdalena, Francisco D’ Eglias Calábria, n° 33, na Avenida Joaquim Nabuco, onde estava o casal, para que fossem assinados os documentos. No entanto, Carlos Magliano ficou espantado ao ouvir da noiva que esta não queria se casar naquele dia pois estava doente. O irmão do noivo, José Magliano, que estava no local, vendo aquela situação, começou a discutir com Magdalena e sua mãe, chegando a ameaçá-las com uma cadeira em punho. Vendo a discussão, um jornaleiro italiano foi contar para Calábria e seu filho o que tinha ocorrido. Os dois, furiosos, foram atrás de José Magliano, que já tinha se evadido do local.

Os dois foram até a casa de José Magliano, na rua Costa Azevedo, n° 4. Lá estava apenas sua mulher, Aurora Barreto Magliano, a qual perguntaram: “Onde está o seu marido?”. Não sei, respondeu, dizendo que acabara de sair. Os dois, em um acesso de raiva, avançaram em Aurora dizendo: “Pois se ele não está, Diabo, morre você!”. Aurora conseguiu fugir pulando a cerca que separava a sua casa da residência vizinha. Francisco Calábria e seu filho ficaram ainda mais enfurecidos, gritando: “Ele não escapará hoje! Havemos de matá-lo, havemos de matá-lo!”.

Nesse momento, José Magliano estava dobrando a esquina com a rua Saldanha Marinho, indo em direção a sua casa. Calábria e seu filho José o encontraram, agredindo-o. Magliano, surpreso, não reagiu. Francisco segurou suas mãos, enquanto José lhe deu duas punhaladas no peito e uma na região lombar. Magliano tombou na rua Costa Azevedo ainda com vida, sendo socorrido por populares que o levaram até sua residência, onde morreu cinco minutos depois, às 16:35 do dia 14 de fevereiro de 1913. Os assassinos, Francisco Calábria e seu filho José foram presos no local.

O ASSASSINADO

José Magliano D' Eglias (1882-1913)

José Magliano D’ Eglias tinha 31 anos. Natural da Itália, veio para o Brasil em 1906, estabelecendo-se em Manaus como proprietário da Tinturaria Ítalo-Amazonense, situada na Avenida Eduardo Ribeiro, n° 40. Casado com Aurora Barreto Magliano, paraibana, deixou dois filhos, Romeu, de dezessete meses e Napoleão de dois meses. Seus pais, Domingos Magliano e Giacomina Galiarda Magliano, residiam na Paraíba do Norte (antiga denominação do Estado da Paraíba). Alguns anos antes, Magliano havia sido preso por desobedecer um policial e, em outra ocasião, era procurado por ter agredido fisicamente a esposa. Seu corpo foi levado para o necrotério, sendo autopsiado pelo médico legista da polícia, Dr. Álvaro Maia. Foi enterrado às 16 horas no dia 15 de fevereiro de 1913 no Cemitério de São João Batista.

O ASSASSINO E O CO AUTOR

José D' Eglias (1893-)

José D’ Eglias tinha 20 anos. Também italiano, exercia a profissão de carregador, sempre teve um histórico de acessos de raiva. Levado à delegacia, ainda sem saber que José Magliano havia falecido, disse que o mataria assim que de lá saísse. Francisco D’ Eglias Calábria, co autor do crime, veio para o Brasil em 1886. Em Manaus, era carregador e residia na Avenida Joaquim Nabuco com sua esposa Domingas Calábria. Tinha 53 anos.

Francisco D' Eglias Calábria (1860-)


TESTEMUNHAS

Foram testemunhas Samuel Camillo de Andrade, que efetuou a prisão em flagrante; o Dr. Raimundo Pinheiro, que tirou o punhal da mão de José D’ Eglias; e Euclides Bentes, José Rodrigues Souza e Romualdo Batista de Oliveira, testemunhas oculares.

Esse crime, até então pouco conhecido, foi entre membros da comunidade italiana de Manaus um dos mais violentos, envolvendo discussões por causa de um casamento não oficializado. Não encontrei referências do que ocorreu com os italianos José D’ Eglias e Francisco D’ Eglias Calábria, apenas uma nota que informa que seriam interrogados na manhã de 14 de março de 1913 no Palácio da Justiça. O autor da matéria principal chama a atenção para o fato de que esse crime quebrou o ritmo de paz daquele ano, até então sem homicídios violentos, como ocorrera em anos anteriores. 


FONTES:

Jornal do Comércio, 15/02/1913
Jornal do Comércio, 14/03/1913
Correio do Norte: Órgão do Partido Revisionista do Estado do Amazonas, 17/05/1911



CRÉDITO DAS IMAGENS:

Jornal do Comércio, 15/02/1913


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