Reconstituição da cena do crime feita pelo artista Jorge Gambôa, que tinha um atelier na rua Costa Azevedo. 15/02/1913.
Os
crimes antigos povoam o nosso imaginário. Monstro da Colina,
Jairzinho, Varadouro da Morte, Oliva Pinto… Nomes de pessoas e
locais lembrados pela população da cidade, que foi transmitindo
esses acontecimentos através das décadas, criando
um verdadeiro repertório maravilhado, temeroso, da criminalidade. Os
crimes do tempo presente não chamam nossa atenção, dada a forma
rotineira com que acontecem. Somente um acontecimento muito, mas
muito violento e grave, é capaz de despertar em nós o medo e o
mecanismo de gravá-lo em nossa memória. Escrevo
a seguir sobre um crime pouco conhecido, um assassinato na rua Costa
Azevedo ocorrido em 1913, mas interessante pela forma como foi
retratado, com gravuras e fotogravuras da vítima e dos assassinos,
pelas minúcias e a forma como foi reconstituído.
Na
tarde de 14 de fevereiro de 1913, por volta das 16:30, um
homem foi assassinado na rua Costa Azevedo, no Centro, nas
proximidades da Escola Universitária Livre de Manáos (E. Estadual
Saldanha Marinho). Tratava-se de José Magliano D’ Eglias,
assassinado por Francisco D’ Eglias Calábria e seu filho José D’
Eglias. Foi
uma das coberturas mais rápidas realizadas pelo Jornal do Comércio,
pois minutos após a morte de José Magliano, a equipe do jornal já
estava em sua casa, onde estava o corpo, colhendo informações.
Na
casa de n° 4 na rua Costa Azevedo, com vários curiosos na porta,
encontrava-se, sobre uma cama forrada com um lençol branco, o corpo
ensanguentado de José, com a roupa rasgada e as marcas das facadas
que lhe tiraram a vida. Na sala, um quadro feito a lápis do morto
ainda em vida. Passado
o momento de espanto e tristeza, a equipe do JC passou a colher
informações.
AS
ORIGENS DE UM CRIME
Carlos
Magliano D’ Eglias, italiano, tinha noivado
há dois meses com a também italiana Magdalena D’ Eglias,
filha
de Francisco D’ Eglias Calábria e irmã de José D’ Eglias.
Nesses dois meses de noivado, Magdalena dava sinais de que não
queria levar a união adiante, querendo dar um fim ao enlace. No
entanto, já estava muito encima da hora para que isso ocorresse,
pois o casamento estava marcado para o dia 14
de fevereiro de 1913, tendo José Magliano D’ Eglias,
irmão do noivo, cuidado de toda a papelada para o ato, auxiliado que
fora por Raymundo do Rego Barros de Souza, encarregado de entregar ao
casal os documentos.
Raimundo
do Rego Barros de Souza se dirigiu à casa do pai de Magdalena,
Francisco D’ Eglias Calábria,
n° 33, na Avenida Joaquim Nabuco, onde estava o casal, para que
fossem
assinados os documentos. No entanto, Carlos Magliano ficou espantado
ao ouvir da noiva que esta não queria se casar naquele dia pois
estava doente. O
irmão do noivo, José Magliano, que
estava no local, vendo
aquela situação, começou a discutir com Magdalena e sua mãe,
chegando a ameaçá-las com uma cadeira em punho. Vendo a discussão,
um jornaleiro italiano foi contar para Calábria e seu filho o que
tinha ocorrido. Os
dois, furiosos, foram atrás de José Magliano, que já tinha se
evadido do local.
Os
dois foram até a casa de José Magliano, na rua Costa Azevedo, n°
4. Lá estava apenas sua mulher, Aurora Barreto Magliano, a qual
perguntaram: “Onde está o seu marido?”. Não sei, respondeu,
dizendo que acabara de sair. Os dois, em um acesso de raiva,
avançaram em Aurora dizendo: “Pois se ele não está, Diabo, morre
você!”. Aurora
conseguiu fugir pulando a cerca que separava a sua casa da
residência
vizinha.
Francisco Calábria e seu filho ficaram ainda mais enfurecidos,
gritando: “Ele não escapará hoje! Havemos de matá-lo, havemos de
matá-lo!”.
Nesse
momento, José Magliano estava dobrando a esquina com a rua Saldanha
Marinho, indo em direção a sua casa. Calábria e seu filho José o
encontraram, agredindo-o. Magliano, surpreso, não reagiu. Francisco
segurou suas mãos, enquanto José lhe deu duas punhaladas no peito e
uma na região lombar. Magliano tombou na rua Costa Azevedo ainda com
vida, sendo socorrido por populares que o levaram até sua
residência, onde morreu cinco minutos depois, às 16:35 do dia 14 de
fevereiro de 1913. Os assassinos, Francisco Calábria e seu filho
José foram presos no local.
O
ASSASSINADO
José Magliano D' Eglias (1882-1913)
José
Magliano D’ Eglias tinha 31 anos. Natural da Itália, veio para o
Brasil em 1906, estabelecendo-se em Manaus como proprietário da
Tinturaria Ítalo-Amazonense, situada na Avenida Eduardo Ribeiro, n°
40. Casado com Aurora Barreto Magliano, paraibana, deixou dois
filhos, Romeu, de dezessete meses e Napoleão de dois meses. Seus
pais, Domingos Magliano e Giacomina Galiarda Magliano, residiam na
Paraíba do Norte (antiga denominação do Estado da Paraíba).
Alguns
anos antes, Magliano havia sido preso
por desobedecer
um policial e, em outra ocasião, era procurado por ter agredido
fisicamente a esposa. Seu
corpo foi levado para o necrotério, sendo autopsiado pelo médico
legista da polícia, Dr. Álvaro Maia. Foi enterrado às 16 horas no
dia 15 de fevereiro de 1913 no Cemitério de São João Batista.
O
ASSASSINO E O CO AUTOR
José D' Eglias (1893-)
José
D’ Eglias tinha 20 anos. Também italiano, exercia a profissão de
carregador, sempre teve um histórico de acessos de raiva. Levado à
delegacia, ainda sem saber que José Magliano havia falecido, disse
que o mataria assim que de lá saísse. Francisco
D’ Eglias Calábria, co autor do crime, veio para o Brasil em 1886.
Em Manaus, era carregador e residia na Avenida Joaquim Nabuco com sua
esposa Domingas Calábria. Tinha 53 anos.
Francisco D' Eglias Calábria (1860-)
TESTEMUNHAS
Foram
testemunhas Samuel Camillo de Andrade, que efetuou a prisão em
flagrante; o Dr. Raimundo Pinheiro, que tirou o punhal da mão de
José D’ Eglias; e Euclides Bentes, José Rodrigues Souza e
Romualdo Batista de Oliveira, testemunhas oculares.
Esse
crime, até então pouco conhecido, foi entre membros da comunidade
italiana de Manaus um
dos mais violentos, envolvendo discussões por causa de um casamento não oficializado. Não
encontrei referências do que ocorreu com os italianos José D’
Eglias e Francisco D’ Eglias Calábria, apenas uma nota que informa
que seriam interrogados na manhã de 14 de março de 1913 no Palácio
da Justiça. O autor da matéria principal chama a atenção para o
fato de que esse crime quebrou o ritmo de paz daquele ano, até então
sem homicídios violentos, como ocorrera em anos anteriores.
FONTES:
Jornal
do Comércio, 15/02/1913
Jornal
do Comércio, 14/03/1913
Correio
do Norte: Órgão do Partido Revisionista do Estado do Amazonas,
17/05/1911
CRÉDITO DAS IMAGENS:
Jornal do Comércio, 15/02/1913
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