quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Manaus: Pequena Coletânea de Histórias e Estórias



Reúno, nesse texto, quatro histórias ou estórias de Manaus, algumas ocorridas em períodos incertos e outras entre as décadas de 1960 e 1980. São elas: São Lázaro aparece ao assassino de cachorros; A velha que virava porca; O morto-vivo do Morro da Liberdade; e O Diabo na casa de dança do São Francisco. Ambas tem fortes laços com o catolicismo popular, através da aparição de santos, da realização de orações e milagres, e do medo de seres sobrenaturais. Com exceção do caso do morto-vivo do Morro da Liberdade, amplamente divulgado nos jornais da época, e também o melhor trabalhado, todos os outros foram recuperados através da oralidade.


I: São Lázaro aparece ao assassino de cachorros

Poucos sabem que, no local onde hoje está localizado o Grêmio Recreativo da Escola de Samba Mocidade Independente de Aparecida, em bairro homônimo, na Avenida Ramos Ferreira, funcionou até 1950 um forno de incineração de lixo. Ele era uma grande estrutura construída em 1913 na administração do prefeito Jorge de Moraes. Mas não nos interessa aqui a história dessa construção, mas sim uma estória antiga, de origem imprecisa, relacionada ao local, transmitida por Moacir Andrade (1927-2016) à pesquisadora e jornalista Elza Souza (65).

Diariamente os funcionários do forno de incineração recolhiam o lixo para ser eliminado. Em carros coletores ou carroças, o trabalho era realizado nas principais ruas da área central da capital. Crescia a necessidade da limpeza e da higiene pública.

Um desses funcionários, de nome não identificado, levou ao pé da letra a questão da limpeza e da higiene: Além de recolher o lixo, também recolhia cachorros de rua. Chegando no forno do bairro de Aparecida, possivelmente ainda dos Tocos, eliminava, de forma sádica, os animais nas chamas. Repetiu esse processo inúmeras vezes, sem ser, no entanto, repreendido por suas ações.

Em mais um dia de eliminação do lixo e dos animais, contam que São Lázaro, padroeiro dos pobres e protetor dos cachorros, apareceu diante desse funcionário, que desde esse acontecimento se arrependeu e parou de matar os animais. O forno foi desativado em 1950, sendo incerto o destino desse personagem.


II: A velha que virava porca

Uma das estórias mais conhecidas na cidade de Manaus, talvez com origem na região Nordeste, com registro nos estados do Maranhão, Ceará e Piauí, é a da velha que virava porca. O relato a seguir é de uma senhora de 66 anos, que afirma ter sido atacada pela mulher já transformada no animal: 

“Isso aconteceu quando eu tinha 15, 16 anos… morava na Comunidade do Barro Vermelho, hoje bairro de São Lázaro. Todo dia, de manhã e de tarde, na rua 09 de Maio, uma senhora bastante idosa, de baixa estatura, perambulava de um canto para o outro. Quando ela passava, as pessoas diziam: “Lá vai a velha que vira porca”. Quando meu pai via, dizia bem baixinho: olha a velha que vira porca”. Todos tinham medo dela. 

Um dia, já pela parte da noite, a velha passou em direção a uma poça de lama que existia no final da rua. Eu estava na porta de casa com uma amiga, quando começamos a ouvir, vindo de longe, um barulho forte de casco de animal batendo na terra. De repente, vimos uma porca muito grande, de cor preta, vindo em nossa direção. Ela saiu correndo atrás da gente, correndo, correndo... Pulamos o portão da casa e a trancamos. Mas a porca passou direto e sumiu na noite. No outro dia, a senhora passou em direção ao mesmo lugar (a poça de lama) como se nada tivesse acontecido... 

Continuamos vendo a velha, mas, com o passar dos anos, ela passou a aparecer cada vez menos, até que um dia desapareceu..." 

(Relato concedido a Fábio Augusto de C. Pedrosa em 02/05/2017) 

Assim como em outros estados, estando aí incluído o Pará, a “velha” se transformava na madrugada de quinta para sexta-feira. Dentro da tradição católica, as pessoas fazem orações como o Pai Nosso e Ave Maria para pedir proteção pessoal e para terceiros. A mulher que virava porca, no entanto, fazia essas orações ao contrário para pedir a infelicidade, o mal estar e até mesmo a destruição de outra (s) pessoa (s). Como consequência, contam os mais velhos, acabava, por forças ocultas associadas ao Diabo, se transformando no suíno, animal de casco fendido abominável na Bíblia (Deuteronômio 14).


III: O morto-vivo do Morro da Liberdade

Houve um tempo em que as pessoas tinham medo dos mortos, tempo esse em que a religião e o sobrenatural tinham maior relevância no cotidiano. Hoje, a abordagem de um vivo, um tudo bem ou um bom dia, causa certo espanto, dada a constante insegurança que nos ronda. O caso a seguir ocorreu no bairro Morro da Liberdade, na zona Sul de Manaus, em 1980. Acredito que a maioria dos leitores não o conhece, pois foi algo local, mas os elementos que nele estão inseridos, revelando parte da mentalidade de uma sociedade de determinada época, o torna digno de nota. 

Era sexta-feira, 08 de agosto de 1980. No Cemitério de São Francisco, no Morro da Liberdade, às 9:00 da manhã, um mausoléu começou a tremer, causando espanto nos presentes do local. No bairro e adjacências, espalhou-se o boato de que um homem tinha ressuscitado. Nesse mesmo dia, o Jornal do Comércio noticiava que cerca de 5 mil pessoas lotaram o Cemitério para ver esse "morto-vivo", sendo necessário o deslocamento de guarnições do Choque da Polícia Militar para conter a multidão. 

Nesse mausoléu, de n° 4642, localizado na quadra 10, estava enterrado Itamar Aristides da Silva, vítima de um atropelamento em 19 de junho de 1976. Tinha 36 anos quando do ocorrido. Sua esposa, Maria José da Silva, sabendo dessas manifestações na sepultura do marido, solicitou que um padre do bairro São Lázaro, possivelmente o Padre Bernardino Micce, rezasse uma missa no local. A presença do padre apenas fez aumentar o furor dos que observavam atentos qualquer movimento da sepultura. 

Alguns achavam que esse era um aviso divino. Outros, um tatu dos grandes a fazer seus buracos. O mais estranho foi o momento em que o padre terminou a missa, saindo de cabeça baixa e sem falar qualquer palavra. Até a noite, segundo consta no Jornal do Comércio, pelo menos mais 20 pessoas viram a sepultura se mexer. 

Milton Tavares da Silva, morador da rua Amazonas, no bairro onde ocorreu esse evento "sobrenatural", foi coveiro no São Francisco por 10 anos. Em entrevista ao Jornal, afirmou que aquela foi a primeira vez em décadas que se sentiu assombrado, pois foi uma das pessoas que viu a sepultura tremer. 

No dia 10 de agosto de 1980, o Jornal do Comércio noticiava que "continuava a romaria ao Cemitério de São Francisco", onde várias pessoas começavam a pedir graças ao túmulo, afirmando ser aquele evento um milagre. 

Ao que tudo indica, para o administrador do campo santo, José Maria da Silva, a COSAMA estava realizando obras perto do Cemitério, o que pode ter ocasionado o tremor nessa sepultura, não tendo o evento qualquer relação com o plano sobrenatural. Causos de outras épocas, quando o sobrenatural espantava mais que o terreno... 

FONTES: 

Jornal do Comércio, 09/08/1980
Jornal do Comércio, 10/08/1980
História da Paróquia São Lázaro (1956-1991) - Documento recuperado.


IV: O Diabo na casa de dança do São Francisco

A estória abaixo foi recuperada por meu amigo Maurício Castelo Branco, dono do blog São Francisco Bairro, no qual interage e divulga informações variadas com a população desse bairro da capital.

Em meados de 1985 existia uma casa de festas chamada Telhadão, que era localizada na Praça de São Francisco, por trás de onde hoje funciona uma loja de materiais de construção. Segundo relatos, na época, pessoas do Cafundó, Morro, Mossoró, Vila Mamão, gente de todos os cantos do bairro se reunia nos fins de semana no local para a diversão ao som de músicas eletrônicas, flashback, house e outros gêneros. 

Em decorrência disso o ápice do sucesso do lançamento de Thriller, de Michael Jackson, não parava de tocar em qualquer casa de festas em Manaus. Bem como dizia, no Telhadão não era diferente, mas, em uma noite de fim de semana, uma aparição de uma criatura/demônio/capeta/etc/ se deu justamente no decorrer da dita música. 

O monstro tinha o rosto semelhante ao de um dragão, com olhos vermelhos, nariz com focinho de cachorro, alguns furos perto da boca e com um par de chifres na altura da testa. A estatura juntamente com o corpo era de um homem, mas as mãos e pés eram iguais as patas de um boi. No momento da aparição, a correria foi intensa dentro do local, as pessoas desesperadas se entupiram na saída que era apenas uma porta pequena. Alguns gritavam por socorro. Enquanto isso a criatura permanecia parada, mas durante um tempo teve muita fumaça ao seu redor, ficou quase impossível de enxergá-la. No fim da confusão ninguém conseguiu explicar o que houve, alguns dizem que o boato foi para prejudicar o evento, outros dizem que o que aconteceu foi real.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

Encyclopédie du Paranormal
Jornal do Comércio, 09/08/1980
www.wjhirten.com

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