sexta-feira, 25 de novembro de 2016

A evolução das vias públicas em Manaus (séculos XVII-XXI)

Resumo


Hoje, quem passa por uma rua, avenida, beco ou travessa, independente da cidade, talvez não se questione sobre a origem daquela via pública, quais os motivos para a sua abertura e quais as mudanças ocorridas com isso. As vias públicas como as conhecemos atualmente são o resultado de um longo processo de aperfeiçoamento social e técnico: social no sentido de ligar diferentes pontos de uma cidade, onde são realizadas transações comerciais, são oferecidos serviços, onde estão os templos religiosos e, claro, as casas; e técnico pela forma como são construídas e com quais materiais foram produzidas. O presente texto tem o objetivo de analisar como se deu a evolução dessas vias em Manaus, desde o século XVII até os dias de hoje.


Sobre a evolução da via pública

Quando os homens ainda se agrupavam em comunidades primitivas, com atividades de subsistência baseadas na pesca, coleta e troca de produtos, talvez a abertura de caminhos não tivesse um sentido técnico-econômico complexo, servindo apenas para atalhos, localizar um curso d' água ou para facilitar a comunicação entre as casas ou um local de adoração a divindades. Com algumas exceções, já existe uma preocupação no traçado desses caminhos (ruas e avenidas), como ficou claro em escavações arqueológicas na Turquia, em 1996-7, que revelaram a antiga cidade de Titris Hoyuk (cerca de 5.000 anos), que chegou a abrigar 10.000 habitantes.

Na Antiguidade Clássica, as ruas da Roma Imperial eram construídas em ângulos retos, e largas, possibilitando um tráfego fluente de carruagens, liteiras e transeuntes sem maiores problemas. Os templos e foros se comunicavam; comerciantes anunciavam os mais variados produtos em cavaletes e barracas instaladas de uma ponta a outra da via; semblantes de diferentes nacionalidades se aglomeravam em busca das melhores ofertas, de um lugar para repousar, como os albergues e pensões, ou cuidar da higiene em um dos vários banhos públicos. O anfiteatro, casas de prostituição e tavernas prolongam a vida noturna, iluminada por tochas ou pela queima do azeite, mas perigosa nas estradas mais afastadas, que ligavam Roma à diferentes pontos da Itália.

As ruas medievais eram estreitas, ou porque seguiam a linha da muralha, uma necessidade de defesa para a cidade; a direção dos ventos, para arejar; ou a formação geográfica tortuosa da região. Eram, no entanto, movimentadas pelo comércio e por atrações dos tipos mais variados. A nomenclatura das ruas é definida por nomes populares, geralmente ligadas a uma atividade comercial nela estabelecida: Rua dos Ourives, Rua dos Cuteleiros, Rua dos Livreiros. Existem também nomes de santos e de nobres. A pavimentação das vias era feita com pedras sob uma camada de cimento. Esgotos eram construídos para dar vazão aos detritos públicos, e o resto era queimado. Construídas na rua principal, a fim de dominarem a paisagem e servirem de confluência política, social e religiosa, estavam as catedrais, abadias e capelas.

Nos séculos XVI e XVII, as ruas e avenidas das principais metrópoles europeias foram favorecidas pela exploração ultramarina, que possibilitou o escoamento de riquezas para essas cidades, riquezas essas investidas em Lisboa, Paris, Madri e Amsterdã. As vias públicas mais preteridas pela burguesia eram aquelas com localização privilegiada, no caso a orla da cidade ou próximo a ela. A Rua Nova d' EL REI era a principal via da Lisboa Manuelina. Nela estavam os prédios públicos mais suntuosos e importantes e as principais lojas do país. Estrangeiros, vendedores de escravos, nobres e aristocratas frequentavam o local. O Óleo de baleia era utilizado na iluminação. Não só na Europa, mas também nas terras recém-descobertas, as ruas eram suntuosas. Hernán Cortés se impressionou com ruas de Tenochtitlán, largas e retas, tão grandes quanto as de Sevilha ou Córdoba, com praças e pontos de venda e troca de produtos1.

Os avanços industriais dos séculos XVIII, XIX e XX permitiram o prolongamento da vida urbana, com o advento da iluminação pública mais eficiente. Os caminhos do passado agora eram ruas e avenidas propriamente ditas, construídas sob a supervisão de engenheiros e através de códigos de conduta rígidos. O asfalto produzido através do petróleo substituiu as pedras e o cimento; a iluminação a gás ou energia elétrica permitiu que a ópera acabasse mais tarde, que as casas de diversão, os cafés e tavernas atendessem por mais tempo.


Caminhar na América Portuguesa


Os caminhos do Brasil Colonial ligavam a Igreja ao forte, o forte a casa do administrador, e a produção de matérias primas ao porto. O sentido era puramente econômico, como bem destaca Sérgio Buarque de Holanda no capítulo O semeador e o ladrilhador (p. 93-137) de seu Raízes do Brasil, ao diferenciar a colonização lusitana, exploratória, que jogou nessas terras suas “sementes” ao acaso, sem fazer maiores investimentos e sem os objetivos de fixar raízes e de se desenvolver socialmente em maior profundidade; da espanhola, que investe maciçamente, desde a abertura de ruas à construção de universidades, projetada e interiorizada para ser uma extensão do Império Espanhol.

Esses caminhos eram definidos pelas construções e muitas vezes eram o reaproveitamento de antigas trilhas indígenas. Na enriquecida Minas Gerais, por exemplo, os caminhos de terra batida interligavam a produção da região: Pelo Caminho Velho ou Caminho do Ouro, que passava pela Vila do Falcão, descendo o vale do rio Paraíba e atingia Vila Rica, o ouro das minas era transportado até o Rio de Janeiro, de onde partia para Lisboa. Os caminhos eram tortuosos, estreitos, perigosos, iluminados apenas em algumas cidades, por meio de velas feitas com cera de abelha ou pela queima de óleos vegetais e animais, revelando, por parte do colonizador português, nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência2. As cidades mais importantes recebiam o acompanhamento de engenheiros militares na hora de definir o traçado das ruas. A rua, junto à praça pública, era o local do divertimento popular, das procissões religiosas, do comércio, dos castigos no Pelourinho, trajeto dos condenados à morte, e local de exposição das partes dos corpos de rebeldes esquartejados.

Salvador, na Bahia, primeira capital do Brasil, abriga aquela que é considerada a via pública mais antiga do país. A Rua Chile, no Centro Histórico, próxima da Praça Castro Alves, foi aberta por ordem do governador-geral Tomé de Souza em 1549, recebendo primeiramente o nome de Rua Direita dos Mercadores, uma alusão à posição em que ficavam os mercadores nos 400 m de extensão do logradouro. Nela se instalaram os comércios, os teatros, as residências senhoriais, de grandes proprietários de terras e de funcionários da coroa; servindo de ponto de partida para a abertura de outras ruas.


Os Caminhos do Lugar da Barra e de Manaus (séculos XVII - XXI)


Os primeiros tempos do Arraial da Barra são marcados por uma evolução urbana tímida. Fundado entre 1669-70, em […] um terreno desigual repleto de ondulações, cerca de 30 pés acima do nível das mais altas cheias […]3, suas ruas, na verdade caminhos, pois ainda faltam os elementos estático (casa) e o dinâmico (homem), seguem o sentido natural da área, ficando com altos e baixos e cheias de buracos. Eles vão sendo abertos sem planejamento, sem materiais apropriados, de forma rústica em meio à mata vicejante. Sabe-se que, por séculos, a Barra conservou um aspecto mais rural que urbano. Tomavam conta das vias públicas o mato e os animais. As nomenclaturas eram pitorescas, não oficializadas, levando em conta alguma característica especial da região, nomes religiosos ou de moradores ilustres. As primeiras foram conhecidas como Deus-Padre, Deus Filho e Deus Espírito Santo4.

Uma das raras plantas5 do período colonial da Barra faz menção à existência da atual Avenida Sete de Setembro, à época conhecida como Rua Direita (1787)6. Observando sua extensão atualmente, percebe-se que foi um trabalho árduo para a época. No entanto, a situação do péssimo arruamento perdurará por todos os séculos XVII e XVIII, até a Barra deixar de ser um povoado insignificante e obscurecido pela capital Barcelos e, depois, Belém do Pará. O historiador Antônio Loureiro nos dá o exemplo de uma rua do Centro antigo, do século XVIII, que mesclava, em sua nomenclatura, um aspecto social e outro religioso:

[…] A antiga Rua Demétrio Ribeiro, hoje Visconde de Mauá, que passava aos fundos da Matriz Velha de Manaus, recebeu o nome de Travessa dos Inocentes, na Época Colonial, pois ela correspondia ao dito cemitério dos pequeninos pagãos, que haviam deixado chorosas famílias, tristes pelas suas prematuras partidas, sem o lenitivo do batismo7.

Chegando à Fortaleza da Barra em 1787, o naturalista português Alexandre Rodrigues Ferreira notou que, nos dois bairros que formavam o povoado, o arruamento das casas do primeiro, o mais povoado e onde se encontrava a Igreja Matriz, a casa do vigário e do comandante, estava disposto sobre 3 linhas de fundo e 10 de frente, contando as residências. Do topo desse bairro, na segunda linha de fundo, saem duas, avançando sobre o rio, passando pela casa das canoas no porto e na olaria. Na segunda linha de fundo contou 11; na terceira, 14. Todas possuíam vazios para ser preenchidos, além de seus alinhamentos não serem geométricos8. Lobo D' Almada, presidente da Capitania desde 1788, transferiu, em 1791, a capital de Barcelos para o Lugar da Barra, que possuía localização geográfica privilegiada, na confluência dos rios Negro e Amazonas, o que acabava facilitando a defesa e o comércio da região. Implementou mudanças significativas na estrutura urbana. Manobras políticas de Francisco de Sousa Coutinho, do Grão-Pará, com o auxílio de seu irmão Rodrigo, Ministro de Portugal, corta as verbas para a Capitania do Rio Negro e persegue Almada, conseguindo fazer a capital retornar para Barcelos, em 1799.

As primeiras mudanças, mesmo que pequenas, começam a surgir no início do século XIX. Em 1804, D. Marco de Noronha e Brito, Conde dos Arcos, decidiu transferir a capital da Capitania do Rio Negro de Barcelos para o Lugar da Barra, o que se consumou apenas em 29 de março de 1808. Tornar-se a capital da Capitania significava ganhar as condições urbanas necessárias para tal função. Sobre o período, nos oferecem dados inúmeros relatos de viajantes9 (ingleses, alemães, suíços), que se tornaram mais frequentes no país após a Abertura dos Portos às Nações Amigas, decretada em 1808 por D. João VI. Os alemães Karl von Martius e Johan von Spix, de passagem pela Barra em 1819, descreveram que as casas do povoado era “espaçadas uma das outras”, dando origem a ruas irregulares. O padre José Maria Coelho, em 1823, cita a existência de “onze pequenas ruas”. O tenente inglês Henrique Lister Maw, de passagem pelo lugar em 1828, viu que “as ruas não eram calçadas e quase todas pareciam inacabadas”.

É a partir da instalação de uma nova ordem política, com a elevação do Amazonas à categoria de Província do Amazonas (1850-52), que as transformações urbanísticas se tornam mais profundas, quando o antigo caminho colonial começa a tomar a forma do que seria uma rua propriamente dita, com o elemento estético e estático, a casa e o comércio, influenciando nas relações no elemento dinâmico, o homem. Na planta 'croquis' de 1852, feita pelo presidente João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, além dos limites urbanos, pode-se observar que a pequena cidade era dominada pelos igarapés de São Vicente, da Ribeira, do Espírito Santo e do Aterro, que cortavam seus poucos bairros (Remédios, República, Espírito Santo, Campina e São Vicente). As ruas continuavam estreitas e curtas, sendo definidas de forma natural pelo terreno.


Planta da Cidade de Manáos, 1852. FONTE: Biblioteca Nacional

Os esforços dos presidentes da Província em dotar a capital de vias públicas eficientes, mais largas, limpas e seguras, é notável. Entre 1865 e 1868, foi aberta uma das principais artérias do Centro, a Avenida Epaminondas, à época, primeiramente, estendendo-se da travessa do Cumã (atual rua Itamaracá) ao Cemitério São José, depois alargada da rua Itamaracá à Cachoeira Grande. No relatório de 04 de abril de 186910, apresentado na Assembleia Legislativa Provincial do Amazonas, o presidente João Wilkens de Mattos afirma que, entre os principais defeitos da cidade, estão as […] Quadras mui acanhadas. Ruas demasiadamente estreita. Como solução, sugere que […] Em clima abrasador como o nosso, as quadras ou quarteirões devem ter de 100 metros, pelo menos de face, e as ruas 20 de largura. Ele ainda fala do perigo que tem havido de abrir-se ruas e travessas sem uma causa racional. Percebe-se a preocupação com as condições climáticas, com a abertura de vias que possibilitassem a circulação do ar. No Código de Posturas de 1872, da cidade de Manaus, o presidente General Doutor José de Miranda da Silva Reis, estabelece nos seguintes artigos que tratam sobre as ruas:

Art. 8 – Proíbe a abertura de buracos nas ruas para fincar paus a fim de levantar andaime sem previa autorização da câmara. Caso fosse autorizado, o dono da obra deveria colocar durante a noite, dois lampiões acesos para a sinalização.
Art. 12 – Proíbe obstruir as ruas com entulhos, ou escavações.
Art. 39 – Proíbe o despejo de lixo nas ruas, praças da cidade11.

Esse Código de Posturas reflete as transformações urbanas pelas quais Manaus estava passando. O comércio da borracha começava a garantir uma maior arrecadação dos cofres públicos, e a cidade começava a receber novos contingentes sociais e agentes econômicos. Garantir uma aparência salubre, higiênica e organizada era apresentar uma cidade em plenas condições de expansão. O arruador dos tempos coloniais, o qual será abordado em próximo tópico, passou a ser substituído pelo agrimensor, uma pessoa graduada em engenharia e contratada pela Câmara municipal para cuidar do alinhamento de ruas, travessas e praças. No entanto, o agrimensor ainda enfrentaria problemas herdados do início do século XIX e que só seriam sanados na virada deste para o XX:

O beco da Cova Onça12 existiu entre os quarteirões da Avenida Eduardo Ribeiro e das ruas Henrique Martins, Barroso e Saldanha Marinho (antiga rua da Palma). Existem menções a ele desde 1860. Nesse beco existiam quatro casas com cobertura de palha, com as frentes para o Sul, fazendo limites com os quintais das casas de Francisco Galvão, na rua Henrique Martins. A entrada e saída da Cova da Onça se fazia pelo Igarapé do Espírito Santo, atual Av. Eduardo Ribeiro, mas, para encurtar o caminho, foi feito um atalho com saída para a rua Henrique Martins. A Cova da Onça desapareceu durante as reformas urbanísticas promovidas por Eduardo Ribeiro (1892-1896). Na primeira imagem temos um mapa da região em 1865. Na segunda, um mapa mostrando a atual localização (área destacada em vermelho).


À esquerda, desenho da Cova da Onça em 1865. FONTE: Jornal A Capital, 20/08/1917. À direita, a atual localização. FONTE: mapas.blogspot.com.


O Arruador


Existem menções ao arruador pelo menos desde o século XVI em Portugal. A construção de casas, prédios públicos, alinhamento e nivelação de ruas e praças eram suas tarefas. Possivelmente tiveram papel de destaque nas reformulações urbanas na capital portuguesa. Na América Portuguesa, não se sabe exatamente quando começaram a atuar, mas já no século XVIII, existem nomes como o de Antônio Fernandes da Silva, arruador responsável pelo traçado da cidade de Paraty, no Rio de Janeiro.

O arruador existe desde o estabelecimento da Vila da Barra como capital da Capitania de São José do Rio Negro. É um dos tipos sociais peculiares da Vila, ao lado do aguadeiro, do tocador de matraca e da lavadeira. Na ausência de engenheiros especializados, ele fiscalizava a construção de edifícios para que estes não “gerassem” ruas tortas ou espaços improdutivos como os becos; cuidava da limpeza das artérias públicas; e estabelecia os limites dos bairros. Nem sempre ele conseguia dar conta da fiscalização, por isso as constantes reclamações de presidentes da Província sobre a existência dos becos e travessas estreitos e escuros.

Entre 1835 e 1879 ocorreram cinco nomeações e uma solicitação para o cargo (YPIRANGA, 1994, p. 113-118). Além das funções já citadas, o arruador também estava encarregado da fixação de marcos (postes) que indicassem o nome das ruas, das travessas e das praças. Caso as ruas ficassem tortas, as casas e comércios irregulares, o arruador estava sujeito a multa. A Câmara Municipal de Manaus deixa de contratar pessoas não especializadas e, aos poucos, o arruador vai sendo absorvido ou, em alguns casos, desaparece diante da figura do Agrimensor, profissional graduado em engenharia.


A República


A proclamação da República traria consigo o boom econômico da borracha, o qual favoreceu enormemente a capital. Os impostos arrecadados da exportação dessa matéria prima garantiram a estruturação e embelezamento da cidade. Guiada pelos ideais positivistas, era chegada a hora de enterrar os passados colonial e provincial e se projetar para o futuro. A Manaus dos viajantes do século XIX era aquela das ruas esburacadas, irregulares, cortada por igarapés e com prédios em ruínas. A Manaus republicana seria aquela do alinhamento, da ordem e do progresso. O principal nome político dessa época, considerado aquele que soube aproveitar a situação econômica em benefício do estado, foi o do engenheiro militar Eduardo Gonçalves Ribeiro, governador entre 1892-1896. No quatro anos de administração Eduardo Ribeiro abriu novas ruas e estradas, as pavimentou e restaurou. Aproveitou a Avenida Sete de Setembro para expandir os limites da cidade para o Norte, através da construção das Pontes Romanas. A atual Av. Eduardo Ribeiro, em direção ao Porto, foi construída e nomeada Avenida do Palácio. Nos subúrbios da época, também construiu vias públicas. As ruas e avenidas do bairro da Cachoeirinha são obras de seu governo.

Através da planta da cidade de 1895, encomendada pelo governo a João Miguel Ribas, pode-se contrastar a evolução das vias públicas com a planta de 1852, de Tenreiro Aranha. A planta de 1852 mostra uma cidade pequena, com ruas estreitas e onduladas, seguindo um modelo português arcaico sem planejamento prévio. Na planta de 1895, que segue o famoso padrão “Tabuleiro de Xadrez”, modelo criado por Eugene Haussmann na urbanização de Paris no início do século XIX e popularizado na Europa, a malha urbana cresceu consideravelmente, avançando ao Norte pelo igarapé da Cachoeirinha. No lugar dos igarapés, agora aterrados, projetam-se ruas e avenidas largas e alinhadas.


Planta da Cidade de Manáos, 1895. FONTE: Acervo Marçal G. Trindade.


No início do século XX a construção de novas vias não para. Em 30 de novembro de 1905, a Lei Municipal 426 estabelece a nomenclatura de Constantino Nery para a via que seria construída para ser a continuidade da Avenida Epaminondas. Em 1910 o nome é trocado para Avenida João Coelho; em 1919 para Olavo Bilac; em 1927 volta a se chamar Constantino Nery; em 1930 volta para Olavo Bilac; e em 1953 volta definitivamente para Constantino Nery. João Batista de Faria e Souza afirmo que, comparada esta via pública com as congêneres de outros Estados, verifica-se ser a mais extensa, mais reta e de uma largura uniforme, o que é muito difícil conseguir-se em obras desta natureza.13


Ruas e estradas de outros bairros


Ruas também foram abertas em outros locais da cidade, como os conhecidos subúrbios da época, e também em áreas mais afastadas. De acordo com o Relatório da Comissão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município, de 1927, as primeiras ruas do bairro de Educandos foram abertas em 1901, num total de 6, sob as ordens do superintendente Dr. Arthur Cezar Moreira de Araujo. Por meio do decreto n° 67, de 22 de julho de 1907, do superintendente interino Coronel José da Costa Monteiro Tapajós, a localidade de Educandos é batizada com o nome de Constantinópolis (Cidade de Constantino), uma homenagem ao governador da época, Constantino Nery.

Ainda com base nesse documento e nas informações do historiador Cláudio Amazonas, em 1908 a Intendência Municipal, sob os comandos do superintendente Domingos José de Andrade, através das Leis N° 487 (29 de fevereiro), 491 (4 de março), 507 (29 de maio) e 538 (9 de dezembro), dá a denominação das primeiras seis ruas que foram abertas no bairro:

A rua Norte/Sul n°1 passa a chamar-se Boulevard Sá Peixoto, "em homenagem ao sr. Senador Antonio Gonçalves de Sá Peixoto que tão relevantes serviços ha prestado ao Estado do Amazonas e especialmente à cidade de Manáos; As ruas Norte Sul n° 2 e 3 passam a chamar-se monsenhor Amâncio de Miranda e Innocêncio de Araújo; As ruas Leste/Oeste n° 1 e 2 passam a chamar-se Delcídio Amaral e Manuel Urbano; A que poderia ser a Norte/Sul n° 3, seria chamada pelo povo de Boulevard Rio Negro, pois se constitui a faixa marginal o bairro frente ao rio Negro. Quanto à praça, seria batizada de Dr. Tavares Bastos, advogado e político alagoano, morto no dia 3 de dezembro de 1875 em Nice, na França, que, dentre outros feitos importantes de sua vida, inclui-se a luta pela abertura dos portos do Amazonas ao comércio mundial e pela libertação dos escravos14.

No mesmo bairro, com suas obras iniciadas em 1928 e concluídas em 1929, a "Estrada de Constantinópolis", como era conhecida na época, foi aberta pelos membros da Sociedade Sportiva e Beneficente de Constantinópolis, para facilitar o acesso dos moradores ao bairro da Cachoeirinha, através da ponte Ephigênio Salles.

Em 1912 foi inaugurada a Vila Municipal, atual bairro de Adrianópolis, projeto do prefeito Arthur César Moreira de Araújo, aprovado em 1901. O bairro, distante, abrigaria parte da elite burocrata e comercial. O arruamento e o traçado foram realizados pelos engenheiros Lo Gonçalves Bastos Neto e Antônio Paiva e Melo. Através da Lei n°. 243, de 12 de dezembro de 1901, foram nomeadas as ruas e avenidas, a maioria homenageando capitais nordestinas: rua Fortaleza, rua São Luiz, rua Natal, rua Salvador, rua Teresina, rua Maceió e Avenida Paraíba. Em 1930 a Estrada do Paredão, na Colônia Oliveira Machado, é expandida para facilitar o acesso à região da Ponta Pelada, principal atracadouro das aeronaves da empresa Panair do Brasil.

Na década de 1950, o governador Plínio Ramos Coelho abriu a estrada do Morro da Liberdade, hoje conhecida como rua Branco Silva, fronteira com o bairro de Educandos. No bairro da Cachoeirinha, criado por Eduardo Ribeiro, o prefeito Paulo Pinto Nery abriu, em 1960, as avenidas Castelo Branco e Silves.

Ruas, Avenidas e Becos do tempo presente

As vias públicas da Manaus do século XXI são o ápice da evolução social e técnica pela qual a cidade vem passando desde o final do século XIX. Em 2010, foi inaugurada a Avenida das Torres, uma via que tem cerca de 6,3 mil metros e liga o bairro Cidade Nova, zona norte, ao bairro Aleixo, zona centro-sul, e ao bairro Coroado, zona Leste. Ela é uma alternativa mais rápida para ligar o bairro Distrito Industrial, na zona Sul, ao Aeroporto Eduardo Gomes, na zona Oeste, bem como desafogar o trânsito das avenidas Constantino Nery, Djalma Batista, Ephigênio Salles e Grande Circular. Parece que a função de atalho, aquela mesma utilizada desde os tempos da colônia, se conservou, estando diferentes apenas os limites e as estruturas.

Da mal estruturação das ruas, do espaço formado por alguma instalação industrial, do atalho para encurtar uma viagem, da construção irregular de casas que vão definindo o traçado dos caminhos transitáveis, surge um beco. Chamam a atenção pela ausência de movimentação mais intensa, pelo tamanho, pelo ar familiar, onde todos se conhecem a tempos. O Beco Carolina das Neves, na Aparecida, e o já desaparecido Beco do Macedo, no bairro de N. S. das Graças, são referências antigas. O beco (sem querer generalizar) também é o local onde o “poder paralelo” é mais facilmente exercido. O difícil trânsito impede a perturbação da ordem daqueles que comercializam todo tipo de drogas, como também facilita o acerto de contas: Aquele que persegue e segura a arma sabe que vai eliminar seu rival ou devedor, enquanto resta à vítima contar com uma sorte tão curta quanto o espaço entre as casas. Quanto aos moradores, vivem em uma relação mútua de não incomodar e não ser incomodado. Sobre esses logradouros, ainda faltam fontes mais densas em níveis históricos e sociológicos que possibilitem análises mais profundas.

Observando as vias de hoje, comparando com o traçado das antigas do final do século XIX e início do XX, com as leis sobre suas aberturas, parece que, em alguns aspectos, elas regrediram. As calçadas, por exemplo, eram retas, seguindo um mesmo padrão. Hoje, na maioria dos bairros da capital, são construídas em altos e baixos, grandes demais ou estreitas. Inúmeros registros fotográficos nos mostram as vias densamente arborizadas, diferente de hoje, onde domina o asfalto e o concreto, situação que coloca Manaus como uma das cidades menos arborizadas do país.


Conclusão

Portanto, as vias públicas em Manaus passaram por um lento processo de evolução, indo desde o simples caminho aberto na mata; passando pela travessa cortada por um igarapé; chegando até a grande avenida em modelo europeu. Com a influência econômica do final do século XIX e início do século XX, a via pública ganhou a função social que possui até hoje: é o local de lazer, das práticas mundanas e religiosas, das trocas comerciais, do trabalho, é elemento concreto das relações sociais, de manifestações públicas, o caminho que leva a diferentes locais e partes vitais da cidade.


1CORTEZ, Hernán. A Conquista do México. Porto Alegre: L&PM, 1996, p. 62-66.
2HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 26° ed, São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 110.
3WALLACE, Alfred Russel. Viagens pelo Amazonas e Rio Negro. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004, p. 214.
4MONTEIRO, Mário Ypiranga. Fundação de Manaus. 4° ed, Manaus: Editora Metro Cúbico, 1994, p. 48.
5DUARTE, Durango Martins. Manaus: entre o passado e o presente. Manaus: Ed. Mídia Ponto Comm, 2009.
6MONTEIRO, Mário Ypiranga. Roteiro Histórico de Manaus. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1998, 2v.
7LOUREIRO, Antônio José Souto. A Travessa dos Inocentes. Disponível em: https://www.facebook.com/pardieiros/photos/a.692036210931902.1073741828.681961621939361/872332442902277/?type=3&theater Acesso em 21/11/16.
8FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem filosófica pelas capitanias do Grão-Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá (1783-1793). p. 353-354. Disponível em CiFEFil, Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Linguísticos - http://www.filologia.org.br/pereira/textos/diario_do_rio_negro_2.pdf Acesso em 22/11/16.
9MESQUITA, Otoni Moreira. Manaus, História e Arquitetura (1852-1910), 3° ed, Manaus: Editora Valer, Prefeitura de Manaus e Uninorte, 2006, p. 26-27.
10Código de Posturas de 1872. In: SÁ, Jorge Franco de. Manaus – Higiene, meio ambiente e segurança do trabalho na época áurea da borracha. Manaus: EDUA, p. 55-56.
11Ibidem, p. 58-59.
12RAMOS, A. Opiniões e Controversias. Jornal A Capital, 20/08/1917.
13SOUZA, João Batista de Faria e. Avenida Constantino Nery - Avenida João Coelho, Olavo Bilac e Constantino Nery. Diário Oficial do Estado, 1927. In Um historiador, alguns fatos inéditos e muitas histórias: uma homenagem a João Batista de Faria e Souza. DDC (Org.), 1° ed, Manaus: Mídia Ponto Comm Publicidade Ltda – EPP, 2014, p. 72.
14 Relatório da Comissão Organizadora do Tombo dos Próprios do Município. 1927. Administração do prefeito Basílio Torreão Franco de Sá. Disponível em: http://catadordepapeis.blogspot.com.br/2015/08/livro-tombo-da-prefeitura-de-manaus-1.html. Acesso em 24/11/2016.

Referências Bibliográficas

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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Nota para uma eleição Norte-Americana


Já faz um bom tempo que a grande mídia, que esse ano fez, não podemos negar, uma grande campanha a favor de Hillary e oposição à Trump, não possui mais poder. Inúmeras pesquisas que davam uma vantagem de 90% para a candidata foram por água abaixo. Hillary tinha um projeto que, guardadas as devidas diferenças, era uma continuidade do modelo de Obama: mais intervenção estatal, cobrança de impostos de grandes fortunas e estímulos econômicos. A fórmula não parece ter funcionado: O presidente deixou o cargo com 54% de rejeição, crescimento da economia abaixo do esperado e, com inúmeros estímulos financeiros, agravamento da dívida pública, que ultrapassa a assustadora casa de 19 trilhões de dólares. Mais grave ainda foi o fato de não ter dado uma resposta ao Terrorismo, algo esperado tanto interna como externamente. Trump, mesmo com toda sua acidez crítica, pintou um cenário realista dos EUA, com mais de 7,5-8 milhões de desempregados e geração de empregos insuficiente. Os Democratas, artistas apoiadores e militantes que migraram da campanha do ex-candidato Bernie Sanders pintaram um outro quadro, fantasioso: Os Estados Unidos das oportunidades, do pleno crescimento, guiado com “maestria” pelo Estado. O estadunidense sempre foi desconfiado, talvez pelos séculos de desmandos como súdito do Reino Unido. Lhe prometeram o céu e a terra em condições duvidosas. O cenário mudou, com uma esquerda mundial retraída e a ascensão da direita, que sempre esteve aí, mas acuada por falta de apoio. Trump é um marinheiro de primeira viagem na política, e deve ser, ao bom modo americano conservador, observado com prudência pois, agora, é o 45° presidente de uma nação que anseia por reparos em sua estrutura.

Fábio Augusto

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Curso de História: Expectativa e Realidade


Esse texto pode ser útil para as pessoas que estão em dúvida em cursar História ou que já se veem decididas em dedicar seus próximos anos a essa área das Ciências Humanas.

Gostamos de História. Se perguntarmos aos nossos pais, tios ou primos mais velhos, ou questionarmo-nos, possivelmente uma das matérias que eles mais gostavam e nós gostávamos no ensino básico era a História. O interesse pode surgir pelos mais variados motivos, que podem ir desde o encantamento por estudar temas passados como o Egito, Grécia e Roma antigas, Idade Média e Grandes Navegações, até ao simples fato da matéria ser preferida a outras como a Matemática, a Física e a Química.

Você que ainda está no ensino fundamental ou médio e se sente atraído por essa disciplina, ou que já está na reta final dos vestibulares e pensa em dedicar os próximos anos de sua vida a essa área, que História espera encontrar na universidade? Pode ficar ciente que essa História maravilhosa, das civilizações antigas, dos homens medievais, das grandes navegações e das grandes guerras, existe, mas também encontrará em 4 ou 5 anos de estudo as Histórias teórica e metodológica. Essa é uma questão séria, pois muitos que entram no curso podem ficar insatisfeitos, no início, ao se verem diante de questões mais complexas. Essa ciência é muito maior do que aparenta ser.

Num primeiro momento, nos períodos iniciais, nos deparamos com disciplinas que, a primeira vista, não parecem em nada com o que aprendemos no ensino básico: Historiografia Geral I e II, Teoria da História, Didática Geral, Psicologia da Educação e História Antiga I e II (pode variar dependendo da instituição). Até aí, a História Antiga refresca a memória das aulas sobre a Mesopotâmia e o Egito e a Grécia e a Roma. O primeiro “choque” pode ser a Historiografia Geral, pois passamos a compreender que desde as épocas mais remotas as sociedades desenvolveram formas de registrar suas ações no espaço e no tempo. As leituras são as mais variadas, indo de clássicos greco-romanos a ensaios escritos no século XVIII. Psicologia da Educação e Didática Geral podem causar estranhamento. Acredite, todo historiador é um professor, pois o conhecimento que este adquire na academia será transmitido depois para a sala de aula e através de livros didáticos e paradidáticos. Falarei da Teoria em conjunto com as Metodologias.

Mais adiante, surgem disciplinas como Metodologia da História, Metodologia do Ensino da História, História Medieval I e Prática Integrada I. A História Medieval que estudamos é cronologicamente semelhante a que estudamos no ensino fundamental. As semelhanças acabam aí, pois as abordagens sobre esse período, dependendo dos autores utilizados, são vistas do ponto de vista teórico, dependendo do (s) autor (es) utilizados, como Jerôme Baschet, que questiona aspectos como a economia, a cultura, a política e a duração desse período. A Prática Integrada pretende a elaboração de reflexões sobre as linguagens, formas de transmitir o conhecimento histórico para os ensinos fundamental e médio. Teoria da História, Metodologia da História e Metodologia do Ensino da História merecem ser analisadas de forma conjunta:

O Historiador Eraldo Ribeiro Tavares examinando atas da Câmara de Vitória.

A Teoria pode ser definida como uma visão de mundo. Existem várias teorias, existem várias visões de mundo. Na História, as abordagens teóricas são diversas. Existe o Positivismo, o Materialismo Histórico, a Micro-História, a Nova História etc. São diferentes visões de mundo utilizadas para compreender as formulações históricas. Por ser um campo que trata de pensamentos, visões de mundo, mantém diálogo com a Filosofia e a Sociologia. A Metodologia do Ensino da História trabalha com a formação do profissional de História, a trajetória do ensino de História e novas perspectivas e metodologias para sua aplicação. As metodologias são baseadas nas teorias anteriormente citadas e em elementos da Prática Integrada. Enfim a Metodologia da História, talvez a disciplina que mais abra os horizontes de quem faz o curso. Aprende-se que o historiador não é um “calendário”, um mero repetidor de fatos e datas, mas sim um profissional que investiga, colhe fontes (materiais e imateriais), as critica, analisa, interpreta os fatos e tenta explicá-los. É, ainda, auxiliado por ciências como a Arqueologia, a Paleografia, a Diplomática e a Epigrafia.

Portanto, você que vai cursar História em uma universidade, seja ela pública ou privada, modalidade de licenciatura ou bacharelado, encontrará no curso a História Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea, mas também encontrará a Teoria da História, as Metodologias e as Práticas. Decidido? Você não irá se arrepender. É uma experiência incrível, que nos apresenta outras perspectivas de mundo, reflexões sobre a própria História e o cotidiano.


CRÉDITO DAS IMAGENS:

commons.wikimedia.org
camaradevitoria.pe.gov.br

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Manaus em três momentos


Hoje, 24 de outubro, Manaus completa 347 anos de fundação, 168 de elevação à categoria de cidade. Nesses mais de três séculos de existência, passando pela subordinação ao Grão-Pará e por críticas de viajantes oitocentistas, a cidade teve momentos particulares, emblemáticos até, que seriam decisivos para sua evolução.

A tumultuosa relação com o Grão-Pará: Manaus, através de uma fortaleza, surge de uma missão de colonização, combate a forças estrangeiras e extração de Drogas do Sertão no Rio Negro. Acredita-se que essa fundação tenha se dado em 1669. Nessa fortaleza foram aglutinados soldados portugueses com indígenas das etnias baré, passé, manau e baniwa. Do outro lado, já no século XVIII, sua vizinha Belém despontava como capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão, mantendo relação direta com Lisboa, capital do Império Português. Funda-se a Capitania de São José do Rio Negro em 1755, estando esta subordinada ao Grão-Pará e com capital em Mariuá, atual Barcelos. Manaus, ainda um simples Lugar, teve uma evolução marcada por altos e baixos. Em 1791, quando se tornou capital da Capitania, ganhou fábricas de algodão, tecidos, anil, uma padaria, um açougue, uma olaria e um engenho. Manobras políticas vindas do Grão-Pará fizeram o Lugar deixar de ser a capital em 1799. Todo um projeto de transformação econômica, política e social, encabeçado por Lobo D' Almada, desaba graças a essa manobra. Restava esperar dias melhores com o Império…

Fidelidade à Dom Pedro I, a primeira tentativa de emancipação e os viajantes oitocentistas: As notícias dos desdobramentos políticos chegaram ao Norte com três meses de atraso. Mesmo assim, a população da Barra jurou fidelidade ao Imperador Pedro I, partidário da independência. Tentava-se com essa jura conseguir a emancipação do Grão-Pará. O objetivo não foi alcançado, na verdade, parece ter sido pior, pois a Capitania fora incorporada ao Grão-Pará na condição de Comarca de segunda categoria. Em 1832, diferentes camadas sociais da cidade e de outras cidades se rebelaram, criando a Província do Rio Negro, iniciativa sufocada por forças militares de Belém, durando pouco mais de quatro meses. Em 1848 a antiga Vila da Barra é elevada à categoria de cidade, em 24 de outubro. Acanhada, ela recebeu visitantes, na sua maioria naturalistas, de vários países da Europa. Em síntese, eles não gostaram do que viram, teceram críticas ácidas em suas publicações. Louis Agassiz, de passagem pela cidade em 1865, fez uma previsão que em poucas décadas se concretizaria: “Insignificante hoje, Manaus se tornará, sem dúvida, um grande centro de comércio e navegação”. É digno de registro o esforço dos governos provinciais em tentar dotar Manaus das condições necessárias para seu crescimento. Nomes como Tenreiro Aranha, Alarico José Furtado e Teodureto Souto não devem ser esquecidos.

O Alvorecer da República, as transformações econômicas, a crise e a Zona Franca: A República traria consigo o boom econômico da Amazônia. Manaus, aquela cidade que vinha de um passado colonial e imperial não muito favoráveis, teria, pelo menos, duas décadas de esplendor. Teatro Amazonas, Palácio da Justiça, Alfândega, Avenida Eduardo Ribeiro; obras monumentais que se tornaram símbolos de uma época mais amena. A partir de 1910, os preços da borracha começaram a se tornar instáveis, por causa do início da concorrência das colônias inglesas no sudeste asiático. A crise econômica se instalou com maior força em 1920 e, em 1929, com a quebra da Bolsa dos EUA, completou-se o quadro de ruína. Ocorre uma breve recuperação da economia entre 1942 e 1945. Entre os anos 1960 e 1970, o projeto da Zona Franca de Manaus permitiu um novo avanço econômico da cidade. Até hoje esse modelo de zona de livre comércio, com foco em indústrias, é a principal mola econômica não só da capital, como de todo Estado.


Manaus é uma cidade marcada por altos e baixos. Da colônia à República, conseguiu se reerguer várias vezes. Aliás, considero essa uma das principais características da História da cidade, a habilidade de enfrentar graves crises econômicas e políticas. Parabéns Manaus, 347 anos, que consiga se reerguer e se tornar cada vez mais humana.

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

A Economia Gomífera na Amazônia II: Manaus e Belém

Gravura de Belém por volta do século XIX. Vista parcial de Manaus em 1860.

As cidades aglutinam em si os elementos mais significativos advindos das transformações econômicas. Podemos atestar isso vendo o riquíssimo patrimônio arquitetônico deixado nas antigas cidades das Minas Gerais. Mas, muito mais que arquitetura, as cidades ganham novos tipos sociais, ares culturais importados, na maioria das vezes da Europa, novos aparatos técnicos e, em alguns casos, sofrem uma verdadeira refundação. Belém e Manaus, metrópoles da região Norte e com histórias distintas, ambas enriquecidas pela economia gomífera, serão contempladas nessa segunda parte da série A Economia Gomífera na Amazônia.

O passado colonial dessas duas cidades pode dizer muito sobre a evolução pela qual vão passar na segunda metade do século XIX. Belém foi fundada em 1616 como uma fortaleza para conter as pretensões de ingleses, espanhóis, holandeses e franceses na Amazônia. Manaus, também através de uma fortaleza, surge de uma missão de colonização, combate a forças estrangeiras e extração de Drogas do Sertão no Rio Negro. Em 1751, Belém se tornou a capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão, dada sua importância política e econômica. Em 1755 foi criada a Capitania de São José do Rio Negro, subordinada ao Grão-Pará, com capital em Mariuá (Barcelos). Lobo D' Almada, em 1791, transfere a capital para o Lugar da Barra (Manaus), para logo depois a sede ser novamente transferida para Mariuá. O Lugar se torna capital definitivamente em 1807.

Quando Belém se torna capital, ela passa por algumas mudanças para se adequar à nova função. O governador Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, promove as primeiras reformas urbanísticas do lugar, com o alinhamento de ruas, construção de prédios públicos e particulares funcionais e dotados de uma arquitetura mais requintada. A cidade mantinha relação direta com Lisboa, em Portugal, sem precisar de alguma intervenção da capital da colônia (até 1763 Salvador e, depois, Rio de Janeiro). Manaus, ainda um simples Lugar, teve uma evolução marcada por altos e baixos. Em 1791, quando se tornou capital da Capitania, ganhou fábricas de algodão, tecidos, anil, uma padaria, um açougue, uma olaria e um engenho. Manobras políticas vindas do Grão-Pará fizeram o Lugar deixar de ser a capital em 1799. A situação só viria a melhorar entre 1848 e 1852, quando a Vila de Manaus é elevada à categoria de cidade e o Amazonas se emancipa do Pará e se torna província, com capital em Manaus.

Já no Império do Brasil, Belém causava boa impressão nos viajantes que passavam pela cidade. Ave-Lallemant, em 1859, gostou das construções da cidade, do estado das ruas e usou o termo europeização para falar dos costumes que a cidade começava a importar. No mais, a cidade ainda guardava o velho urbanismo colonial lusitano. De passagem por Manaus em 1848, Alfred Wallace Russel não gostou das ruas, do comércio, das igrejas e concluiu que os sentimentos morais em Barra estão reduzidos ao mais baixo grau de decadência possível, mais do que qualquer outra comunidade civilizada . O passado colonial foi mais favorável para Belém do que para Manaus, que só conseguiria sanar parte de seus velhos problemas com o advento da República e da economia gomífera.

Boulervad Castilhos França em Belém, início do século XX. Rua da Instalação, Manaus, início do século XX.

A República traria consigo o boom econômico da Amazônia, algo jamais visto nessa região até então. Nos anos finais do século XIX Belém e Manaus conseguiram se modernizar. Os impostos arrecadados das exportações de borracha garantiram a estruturação e embelezamento das duas cidades. Em 1890, estima-se que Belém tinha uma população de mais de 50.000 mil habitantes, formada por nativos, mestiços e também muitos imigrantes europeus, que se fixaram na cidade para trabalhar nas atividades geradas pela exportação de matérias-primas. Nas Docas do Pará, navios faziam viagens para Lisboa, Havre, Liverpool, Antuérpia, Nova York, São Luís do Maranhão, Fortaleza, Recife e Manaus. Ruas, praças e avenidas eram erguidas de forma monumental e em padrões europeus por engenheiros ingleses, americanos e brasileiros que foram estudar no exterior. O Estado assegurava, por meio dos Códigos de Posturas, um ordenamento social, que consistia, por exemplo, em multas para os que jogassem águas utilizadas e quaisquer tipo de dejetos nas ruas, que comercializassem produtos sem alvará ou se vestissem de forma inadequada em determinados ambientes. A figura política de maior destaque no cenário de Belém, entre 1897 e 1911, foi intendente Antônio Lemos, que projetou uma cidade moderna, arborizada, com luz elétrica, prédios que marcam a paisagem da capital paraense até hoje, como o Mercado Ver-o-Peso, A Praça Batista Campos; e um sistema de bondes eficiente.

Teatro da Paz, em Belém. Teatro Amazonas, em Manaus.

Manaus foi considerada, mais do que Belém, a capital da borracha. Podemos entender isso pelo fato de que foi com essa economia que a cidade conseguiu enterrar seu passado colonial e imperial nada favoráveis em relação à cidade vizinha. A Manaus dos viajantes do século XIX era aquela das ruas esburacadas, irregulares, cortada por igarapés e com prédios em ruínas. Sim, inúmeros registros nos informam disso, mas não podemos desmerecer os esforços das administrações provinciais em tentar melhorá-la. Nomes como Tenreiro Aranha, Alarico José Furtado e Teodureto Souto não devem ser esquecidos. Uma nova feição urbana e social vai surgir durante a administração do maranhense Eduardo Gonçalves Ribeiro, entre 1892-1896. Esse engenheiro militar soube como ninguém aproveitar a arrecadação dos cofres públicos. Grandes avenidas como a Eduardo Ribeiro e a Sete de Setembro foram alinhadas; os igarapés que atravessavam a cidade e que incomodaram os viajantes no passado, foram aterrados; foi instalada a iluminação elétrica, o sistema de bondes, pavimentação de ruas e o cabo subfluvial que ligava Manaus aos principais centros europeus e da América do Norte; prédios públicos como o Palácio da Justiça foram construídos; e o Teatro Amazonas, símbolo do fastígio econômico, concluído. Operários maranhenses foram foram trazidos para trabalhar em obras públicas; ingleses, alemães e americanos vieram tomar conta do Porto, das Casas Aviadoras e dos bancos; espanhóis, italianos, portugueses, judeus e libaneses se dedicaram ao comércio. Assim como em Belém, foi aplicado na cidade um Código de Posturas rígido, que previa multas para ações consideradas incorretas (comércio e construção irregular, vestimentas inadequadas etc).

O ciclo da borracha teve similitudes e diferenças para as duas cidades: Manaus e Belém, e, em nível macro, a região Amazônica, entraram no contexto da economia capitalista, disputando preços na Europa e na América do Norte; usaram a arrecadação de impostos para dotar as capitais do aparato necessário para a função de cidades exportadoras. Em Belém a antiga elite colonial ligada à terra garantiu a manutenção de sua posição, agora transformando-se em negociadora, produtora e exportadora de borracha; Em Manaus, onde inexistia uma elite tradicional, surge um poderoso grupo de empresários, políticos, militares, engenheiros, seringalistas e burocratas que passaram a cuidar dos negócios da cidade.


FONTES:

Resumo feito a partir dos livros 'Breve História da Amazônia', de Márcio Souza (1994); e 'A Belle Époque Amazônica', de Ana Maria Daou (2000).


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