sexta-feira, 17 de maio de 2019

A Ilusão do Fausto: 20 anos depois


IMAGEM: Editora Valer.


Logo mais, às 19 horas, será lançada no IGHA (Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas) a terceira edição do livro A Ilusão do Fausto, da historiadora Edinea Mascarenhas Dias. O texto abaixo é uma pequena introdução aos que desejam conhecer essa obra:

No dia 05 de março de 1999, às 19 horas, era lançado na então Livraria Valer o livro que se tornaria um divisor de águas na historiografia amazonense: A Ilusão do Fausto: Manaus, 1890-1920, da historiadora paraense radicada em Manaus Edinea Mascarenhas Dias. Assim que foi lançado, tornou-se tema de debates e de textos que discutiam sua importância diante de tudo o que se tinha publicado até aquele momento sobre a capital amazonense1. O livro é resultado de dissertação de Mestrado defendida em 1988 na PUC-SP. Quais as mudanças ocorridas com a publicação dessa obra?

Muito já havia sido publicado sobre a história da cidade de Manaus, principalmente sobre o período que vai de 1890 a 1920, marcado pela ascensão e declínio do sistema de produção gomífera. A historiografia mais tradicional descrevia a capital como um lugar em que “a população vivia à europeia, viajando para o Velho Mundo, especialmente Paris2. Autores como Agnello Bittencourt (1876-1975), oriundos de famílias tradicionais, cristalizaram a imagem de uma cidade sem conflitos sociais, sem miséria. O discurso das classes dominantes foi constantemente reproduzido e chegou aos nossos dias.

Em 1988, e posteriormente em 1999, a historiadora Edinea Mascarenhas Dias estudou o mesmo período, tendo como fontes falas de presidentes da Província, do Estado, do Município, jornais etc, mas apresentou uma Manaus que destoava dos discursos oficiais e da historiografia: A cidade transformada pelas demandas do capital na virada do século XIX para o XX era marcada por contradições, pela imposição de valores culturais e de trabalho e pela criação de mecanismos de ordenamento e segregação de classes populares. Aqueles que acreditavam (e ainda acreditam) em uma cidade antigamente ordeira, pacata, na verdade estavam mergulhados em uma ilusão construída pelo fausto econômico.

Edinea não deixou de apresentar a cidade do fausto da borracha, que crescia em decorrência das demandas do capitalismo industrial europeu e norte-americano, em pleno processo de expansão nos mais distantes rincões como a Amazônia. Todo um aparato burocrático e, principalmente, urbanístico, foi erguido em Manaus para atender às necessidades de fixação, importação e exportação de empresas e produtos. Igarapés foram substituídos por largas avenidas. Foi erguido um teatro, um palácio para o judiciário e inúmeras construções que até hoje marcam a paisagem de nossa cidade. Através dos Códigos de Posturas e de seus fiscalizadores, antigos hábitos e costumes foram repreendidos e aos poucos eliminados do cotidiano, pois iam em desencontro aos ditames da civilização.

No entanto, diante dessa aquisição de feições modernas, da opulência aparentemente desmedida, existiu a miséria, a exclusão e a contradição. A cidade é organizada de forma a deixar o mais distante possível as classes trabalhadoras, os pobres e os doentes. Ocorre uma verdadeira assepsia social. Nos arrabaldes, Flores, São Raimundo, Educandos, nunca ou pouco assistidos pelo poder público, vivem os trabalhadores do porto, os imigrantes pobres. Nesses lugares era queimado o lixo da área urbana, abatido o gado que abasteceria as mesas de políticos e empresários. Ocorre no espaço urbano o que o filósofo francês Michel Foucault chamou de heterotopia de desvio, “aquela na qual se localiza os indivíduos cujo comportamento desvia em relação à média ou à norma exigida3.

A cidade inchou. Não foi pensado um projeto de habitação pública. Inúmeras famílias aglomeravam-se em casas de madeira e palha, em cortiços, que não apareciam nos cartões-postais, nos almanaques comerciais e álbuns editados em gráficas francesas, semelhante ao que continua acontecendo em nosso e em outros países, preferindo-se não divulgar ou mesmo esquecer tal imagem.

Esses trabalhadores, que ergueram a cidade mas foram excluídos do processo de modernização, não foram passivos diante dessas imposições. Mal pagos e sofrendo com condições precárias, rebelaram-se contra o patronato, realizando greves, protestos e fazendo reivindicações por maiores vencimentos e melhores condições de trabalho. Quebra-se toda uma visão de que a urbanização de Manaus foi realizada de forma homogênea, sem contradições sociais e embates entre as classes dirigentes e trabalhadoras.

De acordo com o historiador Hélio da Costa Dantas, Edinea Mascarenhas Dias é adepta da “[…] perspectiva teórica de Edward P. Thompson”, inserindo na historiografia regional “[…] questões até então esquecidas pela historiografia tradicional, tais como as condições de existência da classe trabalhadora urbana e os mecanismos de controle a que foram submetidos todos os desfavorecidos socialmente4. Perspectivas teóricas que buscavam a visibilidade da classe trabalhadora, a história social inglesa com sua ‘história vista de baixo’, já estavam sendo amplamente debatidas no Sudeste, sobretudo nas universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. O contato de Edinea Mascarenhas Dias com a pós-graduação em História na PUC-SP permitiu a disseminação desses aportes teóricos em produções históricas locais posteriormente.

A Ilusão do Fausto é um clássico, e como todo clássico ele é datado. Trabalhos como o da historiadora Francisca Deusa da Sena Costa mostraram que a população excluída do processo de modernização não foi apenas segregada em lugares distantes da área central, mas também coexistiu no espaço de circulação do capital e das elites, ameaçando a imagem e ordem desejadas pelos dirigentes locais5. São inegáveis as contribuições do livro de Edinea Mascarenhas Dias. Passados 20 anos, ele continua sendo lido e debatido dentro e fora da academia, instigando pesquisadores, dando origem a novos trabalhos, servindo como referencial teórico.

NOTAS:

1 FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A Ilusão do Fausto: Manaus, 1890-1920. Rev. bras. Hist., São Paulo, v. 21, n. 40, p. 273-276, 2001.

2 BITTENCOURT, Agnello. Fundação de Manaus - Pródromos e Sequências. Manaus: Editora Sergio Cardoso, 1969, p. 69.

3 FOUCAULT, Michel. Outros Espaços, 1984 [1967]. In: Ditos e Escritos III. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Tradução de Inês Autran Dourado Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011, p. 416.

4 DANTAS, Hélio da Costa. Pesquisa Histórica no Amazonas: uma breve análise. Jamaxi, UFAC, v.1, n.1, 2017, p. 191.

5 COSTA, Francisca Deusa Sena. Quando viver ameaça a ordem urbana – trabalhadores urbanos em Manaus (1890/1915). Manaus: Valer, 2014. O livro de Deusa Costa é fruto de dissertação de Mestrado defendida na PUC-SP em 1997.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

As representações imagéticas da Amazônia segundo os naturalistas dos séculos XVIII e XIX


Caça de Jacaré. Gravura de 1874 do viajante, desenhista e engenheiro alemão Franz Keller-Leuzinger.
Por Roosewelt Sena
A ideia do fascínio natural que há na Amazônia, desde sempre despertou o olhar de cientistas, geógrafos, cronistas e outros estudiosos que para cá vieram. Desde a chegada dos espanhóis tem-se empreendido em terras amazônicas tentativas de explicar o oculto e sublime que há nessa porção de terra continental.
Nos séculos XVI e XVII os espanhóis que aqui chagaram trataram de utilizar a mão de obra indígena para extrair as riquezas aqui existentes. Não demorou muito para que a fama a respeito de uma grande quantidade de riquezas naturais provenientes da floreta chegasse aos ouvidos do restante da Europa. O historiador Hideraldo Costa nos informa, em sua obra ‘Cultura, trabalho e luta social na Amazônia (2013)’, que expedições de diversas nacionalidades desembarcaram nas terras amazônicas que legaram, como resultado, a Amazônia revelada ao mundo e imortalizada no cenário internacional por meio das descrições que os europeus fizeram da região e incluíram em seus relatos de viagem (Costa, 2013, p. 27). Essas narrativas descortinavam a Amazônia para o mundo, claro muitas vezes de maneira supersticiosa e até mesmo degradante, o que confirmava as certezas que já se alimentavam sobre a região.
O mundo moderno aplicou uma aura de racionalidade às narrativas de viajantes que antes eram dominadas por conjecturas fantásticas e místicas, haja vista que Isso se deve ao fato do Iluminismo que influenciou a forma de ver o mundo, deixando de lado as ideias subjacentes ao imaginário que muito estava em voga até então. Deixou-se de crer em ilusões criadas pelos sentidos e deu-se lugar à racionalização da realidade.
Devido às relações coloniais ainda presentes no século XVIII os expedicionários que aqui vieram deveriam atender a pelo menos dois requisitos. O primeiro diz respeito à autorização concedida por Portugal e Espanha para que essas expedições ocorressem, sendo necessário que houvesse um consentimento para a divulgação dos resultados dessas expedições. Como precursor das expedições científicas modernas à Amazônia, La Condamine, foi enviado para a América do Sul, juntamente a outros estudiosos, com uma missão: buscar possíveis soluções para uma questão que permeava os debates científicos do século XVIII: a forma da Terra (Safier, 2009, p. 3). O percurso empreendido por esse expedicionário iniciava ao lado oriental da cordilheira dos Andes e seguia rumo à foz do rio Amazonas.
Apesar de La Condamine ter tido uma grande reputação na comunidade científica europeia, buscou adequar dados contidos em relatos de outros viajantes aos seus próprios objetivos. O Prof. Dr. Neil Safier do Departamento de História da (University) British Columbia, aponta em seu artigo intitulado ‘Como era ardiloso o meu francês: Charles-Marie de La Condamine e a Amazônia das Luzes (2009)’ que La Condamine apoiou-se nas observações do marquês Dom Josep Pardo de Figueroa y Acunã, o marquês de Velleumbroso, sobrinho-neto de Cristóbal De Acuña, autor da crônica de viagem que Pedro Teixeira realizou na Amazônia em meados dos anos de 1637 e 1639.
Um ponto que Safier também descreve sobre as contribuições do marquês de Velleumbroson para La Condamine é a quantidade de argumentos expressivos na descrição da realidade local, como por exemplo, dados geográficos. Ora, entende-se que as conclusões de La Condamine referentes sobre as localizações do espaço geográfico não estavam apenas relacionadas com suas observações feitas quando descia o rio Amazonas, mas estreitamente associadas às leituras de cartas de um morador de Cuzco que passou boa parte de sua vida tentando descobrir o caminho traçado por seu bisavô no século anterior (Safier, 2009, p 97).
Como dito anteriormente, La Condamine baseou suas ideias em outros relatos e não a partir de suas próprias observações. Safier (2009) nos indica que La Cadamine literalmente copiou outros textos sem seus relatos, absorvendo muito do que sabia sobre a cultura amazônica do que havia lido (Safier, 2009, p 98). Do mesmo modo, pode-se perceber que as conclusões sobre os nativos da região de Maynas foram copiadas do relato de Jean Magnin que tratava sobre as missões nessa região. O texto tinha como título “Descrição da província e das Missões de Maynas no reino de Quito” e apresentava características “bizarras” da vida cultural ameríndia, como por exemplo, o hábito de deformar o rosto das crianças, um costume dos Omáguas. Sobre essa prática Magnin comenta que os Omáguas estavam “convencidos de que é belo ter uma face lisa como a lua” (Magnin, 1993, p. 95 In: Safier, 2009, p 98).
Além de La Condamine, outros naturalistas vieram para a América do Sul, em especial a região Amazônica movida pelo pensamento científico. No século XIX houve uma crescente adesão na confiança no progresso, muito influenciada pelo pensamento Iluminista voltado para a razão. Esses cientistas possuíam um capital intelectual muito semelhante, assim como também possuíam similaridade nas ideologias pelas quais baseavam a sua interpretação da realidade, além da perspectiva teórica metodológica que orientava a formação do discurso que compunha os seus relatos. Assim, atendiam às propostas profissionais dos seus ofícios, aplicando sua metodologia na observação, classificação dos elementos que encontravam pelo caminho. Portanto, o nativo da região Amazônica era visto mais como objeto de análise, e a floresta seria o mundo que serviria como uma espécie de “observatório”, do que como seres humanos agentes de sua própria história (Costa, 2013, p 41-42). Ainda que os naturalistas voltassem para a análise dos problemas da natureza do homem amazônico, eles estavam imbuídos de uma visão científica. Esse processo caracteriza o que o professor chamou de “perversão da memória” (Costa, 2013, p. 47).
Alfred Russel Wallace, através de investimentos particulares, viajou para as terras amazônicas com o objetivo de estudar a origem das espécies. Ele passou três anos (1848 – 1850) estudando as peculiaridades da região, em uma viagem na qual subira o rio Negro. Antes de retornar para a Inglaterra, o navio em que estava tragicamente naufraga, causando o prejuízo de grande perda de material coletado. Dessa viagem resulta o seu primeiro livro, ‘Narrativa de viagens pelo Amazonas e o Rio Negro (1853)’ atingindo enorme sucesso editorial. A segunda edição dessa obra (1889) foi publicada sem o apêndice do vocabulário das línguas indígenas. O que demonstra uma crescente preocupação por parte dos naturalistas viajantes com os leitores de sua obra. (Lima, 2008, p. 37).
A obra “Viagens pelo Amazonas e Rio Negro” não é apenas exemplo de um gênero literário de divulgação científica, pois apresenta os pormenores das paisagens e os costumes das populações das regiões por onde Wallace excursionou, não se preocupando exclusivamente em descrever aspectos geológicos, zoológicos ou botânicos do Brasil.
Wallace fez pesquisas sobre o clima e a geografia da região. O nativo era visto como um ser atrasado, incivilizado. Porém, a partir de sua convivência com eles, Wallace criticaria os viajantes que compartilhavam da ideia de que os modos de vida dos nativos eram os mesmos entre todos, uma generalização dos elementos da cultura indígena.
No relato citado anteriormente no qual descrevia sua estadia em meio à floresta diante de um anoitecer com ameaças de chuva, Wallace tão orientado pelos seus sentidos de repente vê-se em situação difícil: o medo de encontrar com animais peçonhentos e feras selvagens. Logo, neste cenário uma inversão de papéis tornava-se incomoda: Wallace que, antes, apoderado de sua espingarda em plena a luz do dia, podia ver e permanecer vivo, agora diante da escuridão temia ser visto e morto. Uma vez que diante dessa penumbra que se espalhava por todos os lados na floresta e tudo tornava em breu tornava um breu, Wallace afirmava que seguia fitando a escuridão, esperando a cada momento a aparição dos cintilantes olhos de uma onça, temendo escutar o seu rosnado vindo da mata. (Wallace,1979,p. 158. In: Fritzen, 2007,p.192)
É notável a partir do relato de Wallace o quanto o homem tenta a dominar seus sentidos para certa racionalização do espaço no qual está imerso. No caso, Wallace se vê diante de uma situação na qual tentar “racionalizar” seu medo, pondo em um foco de razão toda e qualquer superstição ou fantasia que o possa amedrontar.
Neste sentido, diante dos autores e temas elencados podemos coligir que no decorrer dos séculos XVIII e XIX, em virtude das transformações científicas que permearam a visão europeia do restante do mundo, levando-se aqui em consideração os relatos etnográficos, geográficos e com víeis culturais realizados por inúmeros estudiosos, foram fundamentais para a constituição da Amazônia diante do mundo. O mundo que se dizia moderno à época que por isso trouxe como bagagem preconceitos culturais, formulações não coerentes com o “Novo Mundo” que surgia diante de seus olhos.
Ademais, os inúmeros registros referentes à cultura que foram realizados na região tiveram como incentivo principal a ideia de progresso. Mostrando ou a visão deturpada de uma vasta região considerada um “vazio demográfico”, ou ainda de maneira positiva, a abrir oportunidades para uma amplitude de estudos que traçariam, classificariam, esquematizariam as riquezas e realidades originadas da Amazônia

Referências bibliográficas
COSTA, Hideraldo. Amazônia Paraíso dos Naturalistas In: Cultura, Trabalho e Luta Social na Amazônia: Discursos dos Viajantes – Século 19, Manaus: Editora Valer e Fapeam, 2013, p. 26-68.
FRITZEN, Celdon. A ilustração viajante e as suas sombras. In: Revista Brasileira de Literatura Comparada, nº 11, 2007, p. 191-225.
SAFIER, Neil. Como era ardiloso o meu francês: Charles-Marie de la Condamine e a Amazônia das Luzes. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 29, nº 57, 2009, p. 91-114.

Roosewelt Sena, 25, é graduando em Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).








CRÉDITO DA IMAGEM:
Manaus Sorriso

sábado, 11 de maio de 2019

A Doutrina Espírita: Os preâmbulos do Espiritismo no Amazonas

Prédio da Federação Espírita Amazonense, na rua José Clemente, no Centro de Manaus. FOTO: Fábio Augusto, 2019.

No artigo A Doutrina Espírita: os preâmbulos do Espiritismo no Amazonas, o historiador amazonense Narciso Passos de Freitas, autor convidado da semana, discorre sobre o movimento espírita no Amazonas, seus primeiros representantes e atividades desenvolvidas no Estado.

Resumo: A Doutrina Espírita: os preâmbulos do Espiritismo no Amazonas é um artigo que evidencia a história do Movimento Espírita em terras amazônicas, mostrando seus seguidores numa época que o Amazonas passava por grandes transformações em conseqüência da Belle Époque, que encheu os bolsos dos coronéis da Borracha, mas que revela também mudanças culturais, preconceitos e dificuldades que a doutrina enfrentou para se concretizar pelas plagas das terras consideradas pulmão do mundo.

Palavras – chaves: Espiritismo, Amazonas, Belle Époque, Borracha, Doutrina.


Abstract: The spiritist doctrine: The beginnings of Spiritualism in the Amazon come o show the history of the Spiritist Movement in the Amazon lands, showing his followers at a time when the Amazon was undergoing major changes as a result of the Belle Époque that filled the pockets of the time of the colonels Rubber, but also see the cultural changes, prejudices and difficulties that faced the Doctrine to be realized both in land considered in the lungs of the world when other countries. Keywords: Spiritualism, Amazonas, Belle Époque, Rubber, Doctrine.


Introdução


A partir deste momento o véu do desconhecido é retirado para se colocar em realidade o processo de realização da Doutrina Espírita em terras amazônicas. Reconstruindo os caminhos de seu surgimento que aconteceu no século XIV, com as mesas girantes ou mesas dançantes, que era como se chamava o fenômeno que ocorriam nas noites de bailes da alta sociedade francesa, mas tendo suas raízes no estado de Nova Iorque, para ser mais exato na cidade de Hydesville, onde as irmãs Fox relataram um assassinato de um comerciante, e este tendo se comunicado através de batidas na parede, e todos os noticiários da época repercutindo os fatos, que foram confirmados com o encontro do corpo, que inclusive foi informado pelo espírito do comerciante. 2 Mas como as noticias e esses efeitos se espalharam pelo mundo, ganhando curiosos e adeptos, Hippolyte Léon Denizard Rivail, que se viu desafiado por um amigo a provar que os fenômenos das mesas eram uma farsa e que as mesas não possuíam nenhum fenômeno inteligente, acaba afirmando que realmente quem mexia as mesas eram espíritos, sendo que mais tarde ele organizaria as comunicações, criando as bases da Doutrina Espírita. No Amazonas, na época áurea da borracha, as noticias também passaram a correr pela cidade, pois a Vila Manáos mantinha ligação direta com a Europa, surgindo disso uma das primeiras facilidades para a implantação da Doutrina pelas paragens amazônicas. O texto objetiva mostrar também alguns dos precursores do Espiritismo, as casas espíritas que surgiram junto com a Federação Espírita Amazonense, a FEA, destacando as influências dos centros Espíritas sobre a sociedade do Amazonas.


1. A atmosfera na França: Allan Kardec e as mesas girantes


Uma das primeiras manifestações que se tem registrado no mundo sobre as ocorrências das comunicações com os espíritos começa nos Estados Unidos, mais precisamente em 1844 com a família Weekmans, na casa onde residia, tudo com inicio em sons estranhos e pancadas na parede da resistência, uma casa humilde e simples que se localizava na cidade de Hydesville. Wantuil define:

"(...) historia das pancadas e dos ruídos misteriosos, Rappings, Noises e Knockings, que, segundo a descrição da Sra. Emma Hardinge Britten, principiaram em fins de 1844 na aldeia de Hydesville, no estado de Nova Iorque, numa casa que residiam os Weekmans, manifestações que continuaram após a saída do antigo dono e a entrada da família Fox". (WANTUIL, 1994).

As manifestações (pancadas na parede e ruídos misteriosos) movimentaram a pequena cidade na época, ficando conhecidas nos jornais, constituindo-se assim, nos primeiros passos da Doutrina Espírita. Logo após as noticias nos jornais, em todo o mundo a questão das mesas girantes começam a mover muitos curiosos, e na mesma época um intelectual surgiu com vários questionamentos. Como diz Hama:

"Nascido em Lyon, em 3 de outubro de 1804, Hippolyte Léon Denizard Rivail era filho de juiz e de família católica, estudou na Suíça, (...) O pseudônimo pelo qual Rivail se tornou conhecido foi adotado depois que, numa das sessões espíritas, um médium lhe contou que em vidas passadas ele teria sido um druida de nome Allan Kardec". (HAMA, 2007).

Hippolyte Rivail foi um homem conhecido na história da França, por ser um intelectual de alto grau. Ele mudou seu nome nas obras básicas espíritas para que não fossem confundidas com as suas obras de pesquisas, pois as obras básicas eram de autoria dos espíritos e Rivail apenas os tinha organizado, fazendo-se de um mero curioso dos fenômenos que usava diversos métodos de pesquisa. Hama enfatiza que “Kardec foi o codificador do Espiritismo. Com raciocínio lógico e investigador, ele conseguiu compreender o fenômeno mediúnico e possibilitar a análise aprofundada e séria da existência dos espíritos (...).” (HAMA, 2007).

Kardec fez várias experiências para poder afirmar que as mesas tinham uma inteligência por trás dos objetos; para ter respostas coerentes e se as respostas eram as mesmas que em vários pontos do mundo onde ocorriam as mesmas manifestações. Assim, Kardec lançou as bases do tríplice aspecto da Doutrina. Hama enfatiza:

"A Doutrina Espírita era definida como uma ciência que tratava da natureza, da origem e do destino dos espíritos, assim como de suas relações com o mundo corpóreo. (...) Apliquei a essa nova ciência o método experimental. Nunca elaborei teorias preconcebidas. Observava cuidadosamente comparava para remontar as causas, escreveu Kardec.” (HAMA, 2007)

Rivail, que na época, já buscava colher e estudar os ensinamentos dos espíritos, submeteu tudo à razão, reunindo os tmas afins em partes, capítulos, itens e questões. Assim, a Doutrina passou a ter um tríplice aspecto, abarcando: Ciência, Filosofia e Religião. Ao organizar tudo, teve sua primeira publicação em 18 de abril de 1857. E uma revisão em 1860, anos de muitos conflitos. Hama relata que:

"No sec.XIX, na França se dividia entre católicos e ateus, esses últimos influenciados pelas idéias iluministas, que entre outras coisas, pregavam o fim da intromissão da Igreja em assuntos do Estado. Apesar de ser definida como uma Doutrina Cristã, o Espiritismo foi duramente perseguido pela Igreja Católica". (HAMA, 2007).

Nessa dura perseguição, destaca-se o episodio chamado de Auto da Fé de Barcelona, na cidade de Barcelona, quando em 1861, por ordem do bispo local, da Igreja Católica, 300 livros espíritas, encomendados pelo Sr. Lachâtre, foram queimados no na praça da cidade, mais especificamente no dia 9 de outubro.

Doyle registra sobre essa perseguição contra a Doutrina:

"Há gente 'religiosa' ficando irritada por ser sacudida nas suas praticas tradicionais e, como selvagens, se dispunha a admitir que tudo aquilo era obra do diabo. Assim católicos romanos e seitas evangélicas se encontraram unidos na sua oposição". (DOYLE, 2007).

O catolicismo e o protestantismo se viam ameaçados com os argumentos e as revelações se que faziam contra os dogmas das religiões e suas promessas de vida no paraíso. Mais mesmo assim a Doutrina sair dos meios da antiga França e ganhar o mundo com diz Wantuil:

"Com eles vinha o Modern Spiritualism. Os fenômenos, principalmente as manifestações com as mesas girantes espalharam se pela Escócia, ganharam Londres e em menos de um ano se generalizaram por quase toda a Inglaterra". (WANTUIL, 1994).

A Doutrina Espírita começa á se expandir em outros países, e ganhando mais forças com os seus adeptos, assim que a nossa religião relacionada com a existência dos espíritos, chegar ao Brasil, sendo uma das primeiras cidades a acolher a Doutrina.


2. História, cultura e economia do Amazonas: Fatores importantes para o surgimento da Doutrina nas terras Amazônicas.


A cidade que hoje se chama Manaus, no seu inicio tinha uma vida muito pacata com á vivencia dos seus moradores, uma vila muito pobre com 8500 habitantes. Como citado por MELO:

"Em 24 de outubro de 1848 através da lei nº 145, a Vila de Manáos foi elevada à categoria de cidade com a denominação de Cidade da Barra do Rio Negro. Nesta época, os dados demográficos registravam 8500 habitantes, sendo 8120 livres e 380 escravos". (MELO, 2009).

Essa população passou a viver uma época em que o látex extraído da arvore da seringueira já tava seus frutos é já mostrava exemplo na sociedade com os estilos Europeus, as pessoas passavam a semana com roupas simples e nos dias de missa na igreja, todos vestiam roupas luxuosas e chapeis lindíssimos, proporcionando uma cidade moderna na época. ANDRADE cita:

"Manaus possui algumas características que a tornou uma capital singular, embora submetida permanentemente às depredações violentas e criminosas que infelizmente lhe desfiguraram diariamente sua estrutura original, destruindo seus monumentos históricos e artísticos, despindo-a de sua roupagem original de fachadas coloridas e sentimentais". (ANDRADE, 1984).

Nessa época de grandes monumentos feitos em decorrência da produção da borracha e o estilo dos Europeus adquiridos pela sociedade, não deixou de esquecer alguns poucos lugares que havia na vila, como pode se relatado por ANDRADE:

"As suas ruas são regularmente traçadas; não tem, no entanto, nem calçamento, sendo muito onduladas e cheias de buracos, o que torna o caminho sobre os seus leitos muito desagradável, principalmente à noite. (...) Da „Barra‟, ou antigo forte, só havia presentemente, uns restos de muralhas e um monte de terra". (ANDRADE, 1984).

Mas mesmo assim os moradores da cidade se mantinham com alguns estilos trazidos pelos comerciantes que compravam os látex‟s, esse produto que trouxe varias evoluções mais também uma formação de população muito precária em seu contexto histórico, informa ANDRADE:

"Como a borracha era a razão principal de todo esse burburinho, evidentemente que os instrumentos utilizados na sua extração também eram prioritários, por isso as funilarias espalhadas em toda a cidade". (ANDRADE, 1984).

O estilo de elegância e luxo da Europa, também trouxe para as estruturas das instituições publicas matérias que vinham do exterior com uma arquitetura européia, italiana e indiana, mostrando que a nova cidade que tinha com o economia forte a borracha, uma Europa em outro continente, ou seja, a Belle Époque dos trópicos nascer .

"O conjunto de obras públicas construído em Manaus, durante o período provincial, já indicava um gosto arquitetônico bastante diversificado, apresentando uma forte influencia eclética que é revelada através da adoção de diferentes estilos arquitetônicos, misturando épocas, estilos e étnicas, mas a opção por essa tendência não foi exclusividade de Manaus (...)". (MESQUITA, 1999).

Essas tendências não de estilo exigiam Mao de obra qualificada para ordena os nativos que aqui viviam, assim viram-se a necessidade de contrata mestres responsáveis pelas obras, e grandes intelectuais e estudiosos que não só tinham noção de obra mais, médicos, professores e outros, passaram a conviver nas terras amazônicas é as noticias da Europa passaram também a vim com essas pessoas como podemos ver com MELO:

"Além do aspecto físico, o que de mais importante aconteceu, foi a atração, tanto para Belém quanto para Manáos de uma elite de intelectuais, artistas, profissionais liberais e homens de negócio, que em parte se radicou na região, estimulando a vida artística, as atividades intelectuais, a medicina, a advocacia, a engenharia civil, as demarcações de terras, incorporando-se à magistratura ou entrando para o comando da economia da região". (MELO, 2009).

Os intelectuais e estudiosos que começaram a vim da Europa e outros países, comentavam muito os casos das mesas girantes e os fenômenos que ocorriam em todo o mundo, e assustando mais ainda quanto viram que um intelectual da França passava a estudar esse momento, sendo que com esses mesmos homens passam a trazer as obras quanto foram publicadas, levando um português a se interessa e praticar com um pescador as sessões espíritas.


3. No coração da Floresta: A implantação da Doutrina Espírita no século XIX na jovem Província do Amazonas


As noticias das mesas girantes e as manifestações que ocorriam em vários pontos do mundo, começaram a chegar ao Brasil, sendo essas noticias vindas com as pessoas que viajavam e comerciantes da época que fazia comentários irônicos e ate mesmo invalidando as tais noticias que dividiam opiniões. Magalhães e Monteiro comentam bem essa época:

"Como em toda comunidade brasileira os fenômenos espíritas estiveram presentes na jovem Província do Amazonas no séc. XIX, (...) O registro mais antigo por nós localizado fez referencia a fato insólito observado no lugar denominado Freguesia do Moura, Interior da Província, que foi publicado no Diário de Belém e transcrita pela revista O Reformador". (MAGALHAES; MONTEIRO, 2003).

As diversas publicações da época, revelam-nos que os fenômenos já haviam atingido a Província, mas ao mesmo tempo a época da Borracha se fazia muito forte na cidade e a Belle Epoque começava a se fazer presente no contexto da Província, sendo esta cidade comunicadora direta com Europa em conseqüência da Borracha. Neves diz:

"Era inquestionável tanto o avanço material quanto o intelectual proporcionando uma autoconfiança dos intelectuais da época que, cientes que naquele momento os homens conheciam muito mais dos que os anteriores traçavam o caminho de desenvolvimento cientifico". (NEVES, 2003).

Nessa citação podemos ver que os olhares estavam todos voltados para o meio intelectual, as pessoas queriam saber ou ter conhecimento de tudo, o meio cientifico estava com força total no meio da sociedade. Neves relata o fato:

"Uma identidade independente do resto do país e a ligação direta com a Europa são características amazônicas com raízes no século XVIII, trazidas pela visão iluminista do Marquês de Pombal que, em seu governo, já conduzia ações especificas para a região do Grão-Pará". (NEVES, 2003).

O Amazonas tinha uma ligação direta com a Europa, pois estava no apogeu com a produção e extração da do látex das seringueiras, ou seja, a época da Borracha já se fazia presente no momento, sendo a cidade uma exportadora da matéria, é também copiando estilos e vivencias dos Europeus, assim tornou-se um "Clone" da Europa no Brasil. Mais ainda hoje se tem dificuldades em encontrar fonte, como faz notar Neves:

"O dialogo com as fontes históricas sobre o movimento Espírita no Amazonas ainda se mostra muito limitado, não só pelos documentos que são escassos e mal conservados, mas também pelas fontes orais que não podem ser diretas, pois falamos de um período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX.” (NEVES, 2007).

Esse é um fato que todos os pesquisadores e observadores da Doutrina Espírita, encontramos com a falta de registros, pois esses se perderam com o tempo, é a outra observação e porque nessa época à igreja Católica era contra qualquer manifestação religiosa contraria ao Catolicismo, mas as experiências sobre as sessões espíritas já aconteciam em Manaus, Neves nos informa:

"Sabemos da existência de grupos com conhecimento sobre o Espiritismo desde 1884, conforme publicações em "O Reformador", citadas anteriormente. Mas as análises das fontes disponíveis indicam o português Bernardo Rodrigues de Almeida como representante dos primeiros momentos do Movimento Espírita no Amazonas". (NEVES, 2007).

A história de Bernardo com a Doutrina começo quanto o mesmo viu um anúncio de um crime que aconteceu, é o réu dizia que foi influenciado por espíritos a matar a família, o caso chocou a cidade, mas o criminoso talvez tivesse mentindo para não se acusado, ou poderia realmente se verdade, assim começo suas experiências e leitura dos livros Espíritas segundo Samuel Magalhães:

"Com as leituras iniciais, teve o desejo de conhecer o Espiritismo na prática. Contudo, faltava-lhe um médium. Informando de que em Manaus existia um médium chamado Lamarão, homem simples que trabalhava com catraieiro, convidou-o para uma reunião experimental". (MAGALHÃES, 2004).

Com muitas reuniões e estudos, as praticas passaram a se responsáveis e ganhando cada vez mais adeptos, é sendo assim ele Bernardo de Almeida lança a Doutrina Espírita nas terras Amazônicas, a primeira sendo seguida e organizada com base nas obras de Kardec.


4. Doutrina Espírita e seus Pioneiros nas terras Amazônicas


Os pioneiros da Doutrina eram pessoas de grande moral e intelectualidade na cidade de Manaus, sendo cada um com os seus compromissos em suas áreas com a sociedade, fundando e criando instituições na área social e política, como nos revela Machado:

"Este assunto envolve a tentativa de desvendar o que unia os pioneiros em suas atuações sociais, além do Espiritismo. Uma boa rota de pesquisa é a verificação da relação que eles tiveram com os fatos relevantes da época, como fundação da Escola Universitária Livre de Manáos (hoje Universidade Federal do Amazonas), a fundação de lojas maçônicas, a atuação na vida artística e outros".(MACHADO, 2009).

Todo esse relacionamento com a sociedade e com a política, área de atuação de Leonardo Malcher, facilitou muito para a Doutrina, pois conseguir que muitas gentes se simpatizassem com a mesma, e tornando as ordens burocráticas mais responsáveis e tinham noticias mais fáceis da Europa com os mercadores e comerciantes da borracha, Neves mais uma vez coloca em pauta essa realidade:

"(...) pioneiros iniciaram no Espiritismo, mas perceber-se que o fato manterem contato com a França ou pela ascendência, formação educacional ou suas relações comerciais, nos leva a crer que o contato com o Velho Mundo propiciou o conhecimento da Doutrina francesa". (NEVES, 2007).

O português Bernardo Almeida viu a necessidade de a Cidade ter um hospital para atende os doentes e estrangeiros que não tinham condições de pagar médicos, assim o mesmo foi um dos fundadores que em 1873 fundou a Sociedade Portuguesa Beneficente, Neves:

"Alem de suas atividades na sociedade Portuguesa Beneficente, podemos considerar Bernardo Almeida como fundador da primeira instituição Espírita que se tem registro: A Sociedade de Propaganda Espírita". (NEVES, 2007).

Com a sua intensa relação com á alto sociedade Bernardo acabou em conhecer Leonardo Malcher que por suas diversas viagens para a Europa, se interessava pelos fenômenos Espíritas e convidou Bernardo e seus amigos de reunião, para uma sessão em sua residência com a família Malcher, é com o tempo dou um terreno e construiu primeira Federação Espírita Amazonense, Magalhães:

"O seu trabalho culminou, mesmo após o seu retorno à Pátria Espiritual, com a criação da Federação Espírita Amazonense, em 1º de janeiro de 1904, dando uma nova e sustentada conformação ao movimento espírita local". (MAGALHÃES, 2003).

Logo após o falecimento de Bernardo, a Federação foi inaugurada á como em toda a cidade feita em moldes e estilos Europeus, não poderia de deixa essa linha de estilo, e a instituição foi feita próximo ao imponente é sagrado templo da Arte na cidade, Teatro Amazonas como podemos ver com Magalhães:

"A sua fachada é de uma elegante aparência, mas de uma ornamentação singela e expressiva. Sobre o alto destaca-se em letras a denominação do edifício – Templo da Verdade, o Ensino do Bem. No interior não havia decoração alguma, (...)". (MAGALHÃES, 2003).

Desde então a Federação foi se organizando mantendo estudos de doutrinação, tendo obras com a sociedade mais carente e também organizou a sua diretoria para manter as obras em atividade, é também nomeando o primeiro presidente honorário Leonardo Malcher, FEA:

"Na sessão seguinte, era nomeada uma proposição de autoria de Antônio Lucullo, dando a Leonardo Malcher o titulo de presidente honorário da Federação Espírita, em demonstração de agradecimento pelo muito que vinha fazendo em beneficio da nascente sociedade". (FEA, 1984).

Com a inauguração, a organização da Federação Espírita Amazonense e a grande influencia com a Europa, ainda se viu um grande problema em relação ao movimento em planos regional, pois, apesar de haver grande aparado a favor, a Federação ainda não possuía vínculos com as casas espíritas que iriam nascendo, deixando um pouco deslocada as casas dos eventos regionais como relata documentos da FEA:

"Continuava a Federação sem caracterizar-se como tal. Nada havia de organização, de vinculação mais concreta entre a Federativa e Federados". (FEA, 1984).

Isso aconteceu, pois ate a criação do seu conselho federativo titulado: Conselho Federativo Estadual, passando a ter casas filiadas a federação, alias no começo havia 17 casas Espíritas na cidade de Manaus, sendo que destas hoje só uma casa se mandem em atividade esta com o nome de Centro Espírita Caridade e Resignação no bairro de Matinha.


5. Atuação da Doutrina Espírita: Espiritismo hoje na atualidade no Amazonas


A Doutrina Espírita hoje se ver bem mais difundida do que no inicio, pois a questão do misticismo cristão já não tem tanta força nos dias atuais, a Doutrina no Amazonas possui casas federadas e não federadas com a Federação Espírita. Sendo uma destas federadas a Sociedade Espírita de Assistência “Nosso Lar”, uma casa localizada no Bairro Amazonino Mendes I, zona norte de Manaus, tendo preferência para o Bairro, como cita TOCCHETTO:

"Bairro este escolhido por situar-se na periferia da Zona Norte de Manaus, com expressiva concentração de habitantes, que foi povoado através de invasões e mutirões distribuição de lotes e kits de casas de madeira doados pelo governo, onde seus moradores vivem de forma precária, com deficiência de água, (...)". (TOCCHETTO, 2006).

A casa ainda viver essa realidade junto com a comunidade, mais em relação as primeiros tempos, a situação esta mais acessível para a população que ali viver com muitas precariedades, mas assim nasceu a S.E.A. “Nosso Lar”, como nos mostra TOCCHETTO:

"A Sociedade Espírita de Assistência “Nosso Lar”, fundada em 07 de setembro de 1992 e declarada de Utilidade Pública pelo Decreto Estadual nº 2695 em 22 de novembro de 2001 é uma organização religiosa, de caráter assistencial, cultural, beneficente e filantrópica, sem fins lucrativos". (TOCCHETTO, 2006).

Hoje a casa tem orientado e apoiado 69 famílias com atividades de intervenção social mantêm um trabalho de assistência e educação com 61 crianças em situação de risco, tem trabalhos de qualificação para 14 pessoas das famílias assistidas pela casa para qualificá-las pro mercado de trabalho, como cita TOCCHETTO na descrição da missão da casa:

"A missão do Nosso Lar é a promoção integral das famílias, que vivem em situação de risco pessoal e social, através do enfrentamento das causas que produzem as situações de vulnerabilidade e de misérias, material, social, moral e espiritual, construindo para o seu equilíbrio psico-social". (TOCCHETTO, 2006).

Essa é a grande missão da casa que hoje se envolver com os problemas da comunidade, e entra em parceria com vários amigos e o apoio do governo para que as atividades sejam desenvolvidas, e a mesma tem seus organizadores moradores do bairro, revela Nosso Lar:

"Dos cargos da diretoria Executiva, preenchido para o Presidente a Senhora Eliana Saraiva Tocchetto Dinardi; a Vice-Presidente pelo Senhor José Severo de Carvalho, a Secretaria pela Senhora Jarcileia Ferreira Castro, (...)".

Essa é a diretoria que se faz presente na casa, pois assim os trabalhos se fazem com mais facilidade nas casas espíritas, e vemos que a doutrinação não se impõe na casa, mas sempre a questão social de amparo às famílias se vê presente.


Considerações Finais


O objetivo desse trabalho se propõe em realizar um estudo abrangente, elaborando um conjunto de informações bibliográficas e qualitativas sobre os fatos concernentes a implantação da Doutrina Espírita nas terras amazônicas, pois segundo alguns estudos se têm um grande potencial para se descobrir sobre o assunto e também se descobrir por conseqüência algumas épocas de grande importância para a história do Amazonas.

A primeira fase do trabalho foi identificar os primeiros passos que a Doutrina deu na França, é revelando a priori a relação da Vila de Manáos, atual cidade chamada de Manaus, é se fez uma relação e organização dos fatos que ocorreram tanto econômico, social, político e religioso que a cidade passava.

 Também se fez em relatos os precursores e seus objetivos com a sociedade, levando as suas realidades e os fundamentos que eles usavam para mostrar a Doutrina que se comunicava com os mortos ou espíritos. Observa-se mais ainda que a Doutrina Espírita se fez exemplo para as comunidades da cidade com os seus serviços comunitários, abrangendo as necessidades espírito e morais do ser humano.


Referências

ANDRADE, Moacir. Manaus: Ruas, Fachadas e Varandas. Manaus: Sampaio, 1984.

CARRARA, Orson Peter. Revista Espírita e Sociedade Espírita de Paris. rev. Reformador: 150 anos de Fundação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas 'O Primeiro Centro Espírita do Mundo". Rio de Janeiro: FEB, 2008.

CHIBENI, Silvio Seno. O Espiritismo em seu tríplice aspecto: cientifico, filosófico e religioso. rev. Reformador: Kardec – O Educador "Só a Educação poderá reformar o Homem". Rio de Janeiro: FEB, 2003.

DAOU, Ana Maria. A Belle Époque amazônica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

DOYLE, Arthur Conan. História do Espiritismo. 21º. ed. São Paulo: Pensamento, 2007.

FEA (Federação Espírita Amazonense). FEA 1904-2004, 100 anos com Jesus e Kardec. rev. O Bicentenário. Manaus: Federação Espírita do Amazonas, 2004.

FEA (Federação Espírita Amazonense). História do Espiritismo no Amazonas. Manaus: Federação Espírita do Amazonas, 1984.

HAMA, Lia. O Embaixador do Além. rev. 150 anos do Espiritismo. São Paulo: Abril, 2007.

NEVES, Elvis Caldas. Primórdios do Espiritismo no Amazonas. Trabalho de Conclusão do Curso (Graduação em História). Universidade Federal do Amazonas. Orientadora Márcia Eliane de Souza e Melo. 2003.

MACHADO, José Alberto da Costa. Movimento Espírita no Amazonas: Sistematização de um programa de pesquisa para ampliar o conhecimento de sua história. I Simpósio FAK “O Espiritismo nas terras amazônicas: origem, realizações e compromissos”. Manaus: Fundação Allan Kardec, 2009.

MAGALHÃES, Samuel Nunes. A Excepcional Mediunidade de Anna Prado. In MONTEIRO, Eduardo Carvalho (Org.) Anuário Histórico Espírita 2004. São Paulo: Madras, 2004.

MAGALHÃES, Samuel Nunes. Primórdios do Espiritismo no Amazonas. In MONTEIRO, Eduardo Carvalho (Org.) Anuário Histórico Espírita 2003. São Paulo: Madras, 2003.

MELO, Santa Maria; MELO, Orlens. Circunstâncias históricas do estado do Amazonas à época do surgimento do Espiritismo em suas terras. I Simpósio FAK “O Espiritismo nas terras amazônicas: origem, realizações e compromissos”. Manaus: Fundação Allan Kardec, 2009.

MESQUITA, Otoni. Manaus: historia e arquitetura (1852 – 1910). 2º. Ed. Manaus: Valer, 1999.

RODRIGUES, Wallace Leal V. O que é o Espiritismo. Tradução de J. Herculano Pires. São Paulo: Lake, 2006. Tradução de: Qu’est-ce que le Spiritisme.

SOUZA, Juvanir Borges de. Os 120 anos da FEB na visão de seu Presidente. rev. Reformador: FEB, 120 anos com Jesus e Kardec. Rio de Janeiro: FEB, 2004.

TOCCHETTO, Eliana Saraiva. Sociedade Espírita de Assistência “Nosso Lar”. Manaus: Nosso Lar.

VALLE, Nadja do Couto. Um Olhar sobre Kardec. rev. Reformador: Allan Kardec "Codificador da Doutrina Espírita". Rio de Janeiro: FEB, 2002.

WANTUIL, Zêus. As Mesas Girantes e o Espiritismo. 3º. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1994.


Narciso Passos de Freitas, 28, é graduado em História pela Universidade Nilton Lins (2011), professor da SEDUC e Mestrando em História pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

quinta-feira, 9 de maio de 2019

Discurso do Rio Amazonas, do Presidente Getúlio Vargas (1940)

O Presidente Getúlio Dornelles Vargas saudando a população na escadaria do Palácio Rio Negro, em Manaus. Foto de 1940. FONTE: Manaus Sorriso.

Em 09 de outubro de 1940, aportou em Manaus o Presidente Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), em visita pela região Norte para conhecer a realidade de seus Estados e integrá-los política e economicamente ao restante do país. Foi na capital amazonense que Vargas realizou um discurso, batizado de Discurso do Rio Amazonas, que expressava as concepções que se tinha sobre a região, as formas para dotá-la de condições plenas de desenvolvimento e os desafios encontrados nesse processo. Deveriam ser vencidas as distâncias, o vazio demográfico, o clima, a economia extrativista rudimentar. O Discurso do Rio Amazonas foi proferido no Ideal Clube na noite de 10 de outubro durante um banquete organizado pela Associação Comercial do Amazonas (ACA):

"Senhores:

Ver a Amazônia é um desejo de coração na mocidade de todos os brasileiros.

Com os primeiros conhecimentos da Pátria maior, êste vale maravilhoso aparece ao espírito jovem, simbolizando a grandeza territorial, a ferocidade inegualável, os fenômenos peculiares à vida primitiva e à luta pela existência em tôda a sua pitoresca e perigosa extensão. É natural que uma imagem tão forte e dramática da natureza brasileira seduza e povoe as imaginações moças, prolongando-se em duradouras ressonâncias pela existência em fora, através dos estudos dos sábios, das impressões dos viajantes e dos artistas, igualmente presos aos seus múltiplos e indizíveis encantamentos.

As lendas da Amazônia mergulham raízes profundas na alma da raça e a sua história, feita de heroísmo e viril audácia, reflete a majestade trágica dos prélios travados contra o destino. Conquistar a terra, dominar a água, sujeitar a floresta, foram as nossas tarefas. E, nessa luta, que já se estende por séculos, vamos obtendo vitória sôbre vitória. A cidade de Manaus não é a menor delas. Outras muitas nos reserva a constância do esfôrço e a persistente coragem de realizar.

Do mesmo modo que a imagem do rio-mar é para os brasileiros a medida da grandeza do Brasil, os vossos problemas são, em síntese, os de todo o país. Necessitais adensar o povoamento, acrescer o rendimento das culturas, aparelhar os transportes.

Até agora o clima caluniado impediu que de outras regiões com excesso demográfico viessem os contingentes humanos de que carece a Amazônia. Vulgarizou-se a noção, hoje desautorizada, de que as terras equatoriais são impróprias à civilização. Os fatos e as conquistas da técnica provam o contrário e mostram, com o nosso próprio exemplo, como é possível, às margens do grande rio, implantar uma civilização única e peculiar, rica de elementos vitais e apta a crescer e prosperar.

Apenas - é necessário dizê-lo corajosamente - tudo quanto se tem feito, seja agricultura ou indústria extrativa, constitue realização empírica e precisa transformar-se em exploração racional. O que a Natureza oferece é uma dádiva magnífica a exigir o trato e o cultivo da mão do homem.

Da colonização esparsa, ao sabor de interêsses eventuais, consumidora de energias com escasso aproveitamento, devemos passar à concentração e fixação do potencial humano. A coragem empreendedora e a resistência do homem brasileiro já se revelaram admiravelmente, nas "entradas e bandeiras do ouro negro e da castanha", que consumiram tantas vidas preciosas. Com elementos de tamanha valia, não mais perdidos na floresta, mas concentrados e metodicamente localizados, será possível, por certo, retomar a cruzada desbravadora e vencer, pouco a pouco, ]o grande inimigo do progresso amazonense, que é o espaço imenso e despovoado.

É tempo de cuidarmos, com sentido permanente, do povoamento amazônico. Nos aspectos atuais o seu quadro ainda é o da dispersão. O nordestino, com o seu instinto de pioneiro, embrenhou-se pela floresta, abrindo trilhas de penetração e talhando a seringueira silvestre para deslocar-se logo, segundo as exigências da própria atividade nômade. E ao seu lado, em contacto apenas superficial com êsse gênero de vida, permaneceram os naturais à margem dos rios, com a sua atividade limitada à caça, à pesca e à lavoura de vazante para consumo doméstico. Já não podem constituir por si só êsses homens de resistência indobrável e de indomável coragem, como nos tempos heróicos da nossa integração territorial, sob o comando de Plácido de Castro e a proteção diplomática de Rio Branco, os elementos capitais do progresso da terra, numa hora em que o esfôrço humano, para ser socialmente útil, precisa concentrar-se técnica e disciplinadamente. O nomadismo do seringueiro e a instabilidade econômica dos povoadores ribeirinhos devem dar lugar a núcleos de cultura agrária, onde o colono nacional, recebendo gratuitamente a terra, desbravada, saneada e loteada, se fixe e estabeleça a família com saúde e confôrto.

O empolgante movimento de reconstrução nacional consubstanciado no advento do regime de 10 de Novembro não podia esquecer-vos, porque sois a terra do futuro, o vale da promissão na vida do Brasil e amanhã. O vosso ingresso definitivo no corpo econômico da Nação, como fator de prosperidade e de energia criadora, vai ser feito sem demora.

Vim para ver e observar, de perto, as condições de realização do plano de reerguimento da Amazônia. Todo o Brasil tem os olhos voltados para o Norte, com o desejo patriótico de auxiliar o surto do seu desenvolvimento. E não somente os brasileiros; também estrangeiros, técnicos e homens de negócio, virão colaborar nessa obra, aplicando-lhe a sua experiência e os seus capitais, com o objetivo de aumentar o comércio e as indústrias e não, como acontecia, antes, visando formar latifúndios e absorver a posse da terra, que legitimamente pertence ao caboclo brasileiro.

O vosso govêrno, tendo à frente o interventor Álvaro Maia, homem de lúcida inteligência e devotado amor à terra natal, há de aproveitar a oportunidade para reerguer o Estado e preparar os alicerces da sua prosperidade.

O período conturbado que o mundo atravessa exige de todos os brasileiros grandes sacrifícios. Sei que estais prontos a concorrer com o vosso quinhão de esfôrço, como a vossa admirável audácia de desbravadores, para a obra de reconstrução iniciada. Não vos faltará o apoio do Govêrno Central para qualquer empreendimento que beneficie a coletividade.

Nada nos deterá nesta arrancada que é, no século XX, a mais alta tarefa do homem civilizado: conquistar e dominar os vales das grandes torrentes equatoriais, transformando a sua fôrça cega e a sua fertilidade extraordinária em energia disciplinada. O Amazonas, sob o impulso fecundo da nossa vontade e do nosso trabalho, deixará de ser, afinal, um simples capítulo da história da terra e, equiparado aos outros grandes rios, tornar-se-á um capítulo da história da civilização.

As águas do Amazonas são continentais. Antes de chegarem ao oceano, arrastam no seu leito degelos dos Andes, águas quentes da planície central e correntes encachoeiradas das serranias do Norte. É, portanto, um rio tipicamente americano, pela extensão da sua bacia hidrográfica e pela origem das suas nascentes e caudatários, provindos de várias nações vizinhas. E, assim, obedecendo ao seu próprio signo de confraternização, aqui poderemos reunir essas nações irmãs para deliberar e assentar as bases de um convênio em que se ajustem os interêsses comuns e se mostre, mais uma vez como dignificante exemplo, o espírito de solidariedade que preside as relações dos povos americanos, sempre prontos à cooperação e ao entendimento pacífico.

Senhores:

O acolhimento afetuoso que tenho encontrado entre vós não só me toca o coração, porque já vos sabia leais e hospitaleiros, como fortalece, ainda mais, o meu sentimento de brasilidade.

Passou a época em que substituíamos pelo fácil deslumbramento, repleto de imagens ricas e metáforas preciosas, o estudo objetivo da realidade. Ao homem moderno, está interdita a contemplação, o esfôrço sem finalidade. E a nós, povo jovem, impõe-se a enorme responsabilidade de civilizar e povoar milhões de quilômetros quadrados. Aqui, na extremidade setentrional do território pátrio, sentindo essa riqueza potencial imensa, que atrai cobiças e desperta apetites de absorvição, cresce a impressão dessa responsabilidade a que não é possível fugir nem iludir.

Sois brasileiros e aos brasileiros cumpre ter consciência dos seus deveres nesta hora que vai definir os nossos destinos de Nação. E, por isso, concito-vos a ter fé e a trabalhar confiantes e resolutos pelo engrandecimento da Pátria".

FONTE: 

O "Discurso do Rio Amazonas". In Cultura Política. Ano I, N° 8, Rio de Janeiro, 1941, p. 227-230.

CRÉDITO DA IMAGEM:

Página Manaus Sorriso

domingo, 28 de abril de 2019

O mundo às vésperas das Revoluções Industrial e Francesa

Paisagem interiorana da Holanda. Pintura de Cornelis de Bruin (1652-1726).



Em a Era das Revoluções (1789-1848), o historiador britânico Eric Hobsbawm (1917-2012) analisa a derrocada do mundo feudal, do Antigo Regime, e a transição, marcada por conflitos e profundas transformações sociais, deste para uma nova realidade, a industrial e das democracias liberais. O século XVIII foi um período marcado por duas revoluções, a Industrial e a Francesa. Da primeira têm-se a constituição da estrutura econômica que dominará o mundo Ocidental. Da segunda, o arcabouço político teórico que sustentará a economia e os governos.

O mundo em 1780, às vésperas dessas revoluções, era ao mesmo tempo menor e maior que o nosso. Menor no sentido de que, na época, se conhecia pouco sobre os territórios, principalmente as regiões interioranas. Além do mais, a densidade demográfica era consideravelmente menor que a da atualidade. Epidemias, guerras, fatores climáticos e terras improdutivas eram barreiras para o estabelecimento e crescimento de colônia em regiões afastadas das áreas mais desenvolvidas. Os seres humanos também eram menores. Fatores biológicos ligados a alimentação produziam pessoas de estatura mais baixa que as atuais.

Ele tornava-se maior dadas as dificuldades em locomoção e comunicação com outras regiões, o que abria diversas possibilidades. Existiam dois meios de transporte, o marítimo e o terrestre. O primeiro era mais eficiente que o segundo, mas ainda assim passava por alguns problemas, principalmente a variação dos ventos e dos mares. As viagens terrestres, apesar da construção de estradas e a existência de charretes e carruagens, eram perigosas, onerosas e lentas. Uma cidade portuária da América do Norte estava mais perto de Paris do que uma cidade interiorana francesa. Em uma realidade majoritariamente rural, com mobilidade por terra problemática e navegação variável, as pessoas costumavam morrer no mesmo local em que nasciam sem nunca terem conhecido outras realidades. Jornais e cartas já eram uma realidade, mas o grosso da população era analfabeta, existindo uma certa mobilidade apenas entre viajantes, mercadores e membros da burocracia estatal, que tinham a necessidade de deslocar-se para realizar suas funções, fossem elas nas colônias além-mar ou no interior das cidades provinciais.

Poucas eram as cidades densamente habitadas. Da Rússia à Itália, entre 70 e 90% da população era rural. Apenas Londres e Paris eram cidades cujas populações eram, respectivamente, de 1 milhão e 500 mil habitantes. No mais, existiam cidades com pouco mais de 20 mil habitantes, cujas vidas estavam centradas na Igreja, na Praça e na atividade agrícola. Uma cidade desse tipo era dividida do mundo rural pelos seguintes aspectos: a presença de um aparato arquitetônico e estatal mínimos (igreja, praça, cobrança de impostos) e as vestes e estatura de seus habitantes, geralmente melhores e maiores que os trabalhadores rurais.

Esse mundo estava dividido em zonas de trabalho. Nas colônias da América predominava a escravidão indígena e africana voltada para o cultivo de gêneros primários que abasteciam a Europa. A leste da Europa Ocidental ficavam as propriedades de trabalho agrário servil. Na região Oriental o sistema de trabalho beirava a escravidão. Os trabalhadores eram ‘tecnicamente’ livres, mas ainda assim estavam presos a obrigações como o pagamento de dízimos as paróquias das quais faziam parte e a utilização de mecanismos, como o moinho, por exemplo, geralmente pertencentes a grandes proprietários. Com exceção da Inglaterra, em que a agricultura já estava sendo direcionada a um mercado mais amplo, um dos fatores para o seu pioneirismo industrial, toda a produção das outras localidades sustentava a necessidade e consumo regionais.

Predominava o modelo político das Monarquias Absolutistas, característico do Antigo Regime. Essa organização política estava assentada em privilégios monárquicos que se refletiam em todos os níveis da sociedade, principalmente na terra, defendida pelos fisiocratas franceses como a única fonte de riqueza. Os nobres alugavam suas terras aos camponeses, cobrando uma parte da produção ou um aluguel em dinheiro. Quando esse sistema econômico tornou-se obsoleto, desgastado, os membros da corte passaram a utilizar seus títulos de nobreza para se apropriarem dos cargos burocráticos, para dessa forma manterem seu estilo de vida aristocrático. Esses privilégios sobre a terra terão um peso decisivo na Revolução Francesa, em 1789. O status monárquico e a posse de grandes propriedades de terra eram as bases dos estados europeus.

Em síntese, o mundo, mais especificamente a realidade europeia, as vésperas das revoluções industrial e francesa, era predominantemente rural e menor por suas características limitadas de conhecimento e mobilidade, mas esta última característica o tornava maior dadas as possibilidades ainda não plenamente exploradas.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 20º ed., 2006.



CRÉDITO DA IMAGEM

Cornelis de Bruin Gallery.